Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 1
Uma (Não-tão) Breve Introdução À Mim!


Notas iniciais do capítulo

Acho que já postei essa história antes, mas vou postar de novo porque sempre que eu a releio eu me divirto e sei lá. Espero que divirta as pessoas também hauhauha.

Bisou ♥
Belle.Époque



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796470/chapter/1

UMA (NÃO-TÃO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM!

 

 

 

NIR.VA.NA

Substantivo masculino

[RELIGIÃO] De acordo com o budismo, eliminação permanente do sofrimento humano obtida através do aniquilamento do desejo.

[FILOSOFIA] Religião. Segundo algumas religiões indianas, condição duradoura de perfeita satisfação, plenitude, felicidade e saber, objetivo máximo do indivíduo religioso, conseguida a partir de meditação e disciplina.

[POR EXTENSÃO] Sentimento intenso de plenitude e de paz.

.

Esse foi o nome que meus pais me deram. Nirvana.

Tirando o fato do dicionário o apontar como um “substantivo masculino” (pff, quem liga se a língua portuguesa diz que substantivos têm gênero? Meus pais, pelo visto, não ligam), eu sou uma garota. Pelo menos, nasci como uma e é assim que me identifico desde que... bem, me entendo por gente.

Apesar de amar o meu nome, sua definição não poderia estar mais longe da minha realidade. Quer dizer, sério? “Eliminação permanente do sofrimento humano obtida através do aniquilamento do desejo”? Meu irmão mais novo é a prova viva (infelizmente) de que não houve nenhum “desejo aniquilado” dos meus pais depois que nasci. Eca, prefiro não pensar nisso. Meus pais e desejos.

E se tem alguma coisa da qual eu passo longe de ser: é uma “condição duradoura e perfeita de satisfação, plenitude e felicidade”. Pode perguntar à minha mãe. Ou melhor, à minha babá de quando eu tinha sete anos, Dona Erileusa. Afinal, minha mãe tem a obrigação de me amar e de dizer que sou a pessoa mais maravilhosa do planeta.

Bem, mas não é como se meu pai houvesse escolhido o meu nome pela definição. Se tivesse, não o teria dado para uma garota, eu acho.

Meu nome foi escolhido por causa de uma música que eles "tinham".

Era um daqueles lances de filmes românticos: quando um casal troca olhares e uma música romântica toca ao fundo. Infelizmente (ou talvez felizmente, porque eu consigo pensar em nomes piores que Nirvana) a música não era uma brega e cafona tipo Whitney Houston com “I Will Aways Love You”, ou, partindo para o gênero nacional, aquela enjoativa música do Fábio Jr. “Alma Gêmea” (urgh).

Não. A música da ocasião se tratava de “Drain You” da banda Nirvana.

De acordo com o meu pai, ele estava sentado ao pé de uma árvore, fumando o seu beck, e lendo um livro altamente filosófico e existencialista (desses que você só entende quando está chapado), quando, nem ele sabe o porquê, ergueu os olhos e deu de cara com aquela bela mulher de 1,72m, cabelos loiros bagunçados, rosto quadrado e olhos claros, usando argolas de ouro, um top de tricô psicodélico, calça de cintura baixa e sapatos plataforma.

Eu sei, na época deles era "moda".

E, como se atraída por uma "força magnética", ela o encarou também.

Foi quando Kurt entrou cantando à plenos pulmões: One baby to another says, "I'm lucky to have met you".

Imaginando esse tipo de cena, eu até entendia a escolha de Nirvana como a banda desse relacionamento. Se eu pudesse escolher que música do Nirvana eu gostaria que abençoasse a união, eu provavelmente sugeriria “About a Girl” ou “Come as You Are” ou até mesmo a minha preferida “Lithium”. Bem, mas essa era a versão que meu pai contou.

A versão da minha mãe fora mais prática e menos romântica.

Para começar, não havia banda nenhuma.

De acordo com ela: estava a caminho do prédio em que tinha suas aulas, apressada porque, como sempre, estava atrasada, quando percebeu que havia um cara bizarro, com feições de psicopata (não que eu tenha lhe perguntado o que seriam “feições de psicopata”) lhe encarando.

— Eu não tinha cara de psicopata! — meu pai protestou.

— Sim, amor, você tinha — ela insistiu, condescendente. — E isso foi algo que me causou arrepios no começo..., mas não um arrepio ruim. — ela se virou para mim e disse: — Eu sempre tive um fraco por rapazes que pareciam perigosos.

Eu sei: eca.

Foi quando eles me contaram que, como os dois fumavam maconha, não foi difícil acabarem se conhecendo. Na universidade, ela me contou, todos parecem fazer parte do mesmo círculo de amizade.

Meu pai pigarreou e disse:

— E é por isso que nós saberemos se você fumar maconha, mocinha. O que é algo muito errado e muito feio!

Foi ridículo eles terem dito isso à uma criança de cinco anos que nem sabia o que era “psicopata” ou “maconha”, mas de qualquer jeito eu já estava me arrependendo por ter perguntando porque meu nome era "Nirvana". Mais cedo tivemos essa atividade de pesquisarmos o significado do nosso nome num dicionário e não encontrei o meu.

Quando a professora tentou me ajudar e perguntou meu nome, ela fez uma careta. Como se fosse o nome mais feio que poderia existir no mundo.

E, caso não tenha ficado claro, meus pais nãos são um casal normal.

E eram ainda mais quando nasci.

Obviamente, não fui um bebê planejado (e, honestamente, até hoje não conheci ninguém que houvesse sido). Nem meu irmão caçula (cujo nome vou guardar para vocês sacarem o como meu nome poderia ser pior que Nirvana).

Quando minha mãe engravidou, ela foi expulsa de casa pelo pai que afirmou “pagar universidade para estudar, não para namorar” (e tenho certeza de que essa foi a versão censurada). Minha avó, sua mãe, não disse nada em defesa da filha. Como se isso não bastasse, meu pai também era brigado com a família dele. Algo a ver com ele ter decidido estudar antropologia a contabilidade (onde poderia assumir a empresa de confecção de roupas da família que remontava desde a imigração italiana).

E mesmo assim, eles até que aguentaram bem a situação no início.

Nós moramos juntos na minúscula kitnet do meu pai e nenhum deles largou os estudos. Pelo menos, não de imediato. Os dois conseguiram se arrumar num revezamento de "quem vai ficar com a Nivi hoje?" que até dava certo. Talvez por isso eles houvessem achado que conseguiriam estudar, trabalhar, e cuidar de uma criança de colo, sem levar em conta o quanto isso poderia ser cansativo – ainda mais sem o apoio de nenhum familiar.

Até que meu pai foi o primeiro a jogar à toalha.

Desistiu de seu curso de antropologia e disse que iria fazer ciências contábeis e seguir os passos do pai. Era o caminho mais fácil: vovô tinha empresas que precisavam de um herdeiro que tivesse interesse e formação para isso. A mudança que aconteceu, só com essa decisão, foi incrível.

De repente, eu tinha um avô e uma avó. Não só isso, nós estávamos indo morar os cinco juntos: eu, meu pai, minha mãe e meus avós. Parecia um sonho para mim (a Nirvana de 2 anos), mas para minha mãe, foi um inferno. Principalmente porque seus sogros a odiavam e, pior que isso, a consideravam uma má influência... para mim. Para a filha dela.

Lembro-me vagamente dessa época.

Quando minha mãe tinha que sair para assistir à alguma aula ou para o seu estágio, minha avó a seguia pela casa (comigo no colo) reclamando que ela nunca estava presente na minha criação e nunca estava cuidando de mim como deveria. Lembro-me de uma ocasião em que ela disse à minha mãe:

— Você nunca está em casa! Antes que perceba, Nirvana vai estar grande e você vai ter perdido toda essa fase importante da vida da sua filha: a fase em que ela ainda precisa de você! A filha é sua, não minha!

Se eu soubesse falar, ou tivesse alguma consciência do porquê elas estavam brigando, eu teria dito: "Não ligue para essa velha gagá! Vá atrás dos seus sonhos que com ela eu me entendo!"

Mas eu não sabia.

E aquele foi o momento em que minha mãe foi pressionada à jogar a toalha: ou ela se tornava a nora que meus avós queriam, ou viveria para sempre naquele inferno. Acredite, não era uma decisão fácil.

Minha mãe não havia nascido para ser dona de casa.

Ela havia sido criada para conquistar o mundo. Era o tipo de mulher que conseguia se dividir em cinquenta sem reclamar (e talvez por isso ela tenha durado muito mais que o meu pai na missão de dona de casa, mãe, estudante e assalariada). Ela era o tipo de mulher que não parava por nada, nem por ninguém. Estava sempre resolvendo problemas e tomando decisões.

Talvez ela tenha achado que minha avó tinha razão.

E isso quase a destruiu.

Quando largou tudo para cuidar de mim, minha mãe ficou agitada e infeliz. Parecia que eu não era o suficiente. Ela acordava ansiosa, no meio da noite, e às vezes era pega cozinhando de madrugada, arrumando coisas em casa sem motivo. Coisas que não precisavam serem arrumadas (principalmente porque meus avós tinham empregados). Também foi pega no meu quarto algumas vezes. Observando-me dormir. Rezando para que eu acordasse chorando no meio da noite e pedisse para que ela fosse útil.

Isso eu só soube mais tarde, claro.

Naquela época, confesso que gostei de quando minha mãe começou a participar da minha educação. Gostei porque mamãe obviamente era bem mais flexível e paciente do que a minha avó. E porque ela me levava para todos os lugares em que ia, até mesmo para lojas de maquiagens, perfumarias, lojas de roupas, em que ia em seu tempo vago. Ela não me tratava como uma criança irritante, mas como uma mocinha. Como se fosse uma amiga.

Uma vez, ela se virou para mim e disse:

— Muito bem, Nivi, aqui temos os batons: rosa chiclete e rosa dourado. Qual você acha que o seu pai vai gostar mais?

Eu pensei, como se estivesse fazendo a escolha mais difícil de toda a minha vida. Algo que minha mãe achava fofo. Era a mesma expressão que eu fazia quando ela perguntava se eu queria sorvete de chocolate ou de morango.

— Rosa dourado — eu escolhi enfim.

Combinava com os olhos claros dela e seus cabelos loiros.

Ela sorriu agradecida e disse para a atendente que queria levar.

Houve uma vez, quando eu tinha uns quatro anos, em que eu disse:

— Mãe, mãe, eu quero usar um! Quero que papai goste também!

Ela se virou para mim, como se fosse um pedido engraçado.

— Não posso levar um batom para você... você é muito pequena para isso — ela disse, dando uma piscadela para a atendente. — Mas posso deixar que você experimente.... Vamos, escolha uma cor.

Ela me colocou no seu colo e a atendente empurrou o mostruário cheio de cores e tons diferentes que iam do rosa mais claro para o rosa mais escuro, do vermelho para o vinho, do marrom... para o preto.

— Eu quero esse! — escolhi.

A atendente visivelmente arqueou as sobrancelhas em espanto.

Eu havia escolhido um batom preto fosco. Quase pude ouvir vovó dizendo no meu ouvido que preto não era uma cor que uma criança devesse gostar (como ela já me dissera várias vezes). No entanto, mamãe olhou o batom com uma expressão indiferente e o passou delicadamente nos meus lábios pequenos.

Ao terminar ela riu e disse:

— Está parecendo uma vampira... uma bruxinha.

— Papai me chama de bruxinha Nirvana — eu lembrei.

Ela sorriu e concordou com a cabeça.

Quando me mostrou no espelho, eu havia adorado. Diferente de minha mãe, eu não tinha seus cabelos loiros e belos, meus cabelos eram negros, volumosos e espessos e muito lisos, como os do meu pai. Quando eu me vi com aquele batom negro... tudo o que eu consegui pensar era que nunca mais queria tirá-lo da minha boca.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meu nome é Nirvana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.