Contos Olimpianos escrita por Marquesita M


Capítulo 15
A Deusa da Prudência




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796426/chapter/15

A Deusa da Prudência

Zeus se lembrava dela como se ela ainda estivesse ao seu lado, talvez por causa de Atena ou talvez porque sua essência ainda vivia nele. Ou talvez fosse o fato dela realmente ser inesquecível.

Existia um motivo para que Zeus tivesse fugido de Gaia e impedido que sua família saísse do Olimpo. Ele não fez o que fez com a mulher que mais amou no mundo por vontade própria ou por caprichos. Gostava de poder, mas amava Métis. Não teria conseguido derrotar seu pai sem a ajuda dela, não teria sua filha preferida, seu maior motivo de orgulho sem ela. Não, ele foi enfeitiçado. Se lembrava de ter feito, porém sabia que não era ele ali. E de alguma forma, ele esperava que Métis também soubesse que jamais fez o que fez de forma livre e espontânea.

Quando viu a Deusa da Prudência pela primeira vez, se sentiu estranho e meio fora de lugar, como se não fosse digno de falar com ela. Ela era extremamente bonita, mas não usava vestidos de uma princesa do Oceano ou jóias que deixavam claro quem era. Usava uma toga simples e verde-água, seus cabelos pareciam um mel escuro e brilhante, cacheados e cheios. E ela estava descalça, na maior parte do tempo andava sem nada nos pés, pois dizia que conseguia sentir a água de uma forma melhor quando estava em praias. E na maior parte do tempo, era lá que ela ficava. Uma verdadeira filha do Oceano, que não conseguia ficar longe de onde veio.

Zeus viu Métis lutar com um tridente em mãos, presenciou seus poderes de perto, o controle formidável que tinha com aquelas águas traiçoeiras, como fazia planos de batalha junto de suas irmãs e em nenhum momento pensou que ela o amaria de volta. Era uma Deusa antiga e conhecida, inteligente, forte e linda. Extraordinária. E ela o amou com todos os seus defeitos, com tudo que tinha em si. Não era incomum para Zeus sonhar com ela, sonhar com as memórias que tinham criado juntos ou com coisas que nunca aconteceriam. Também não era nada novo se pegar confundindo os nomes de sua filha e de sua antiga esposa, ou de notar como ambas eram parecidas em tantos aspectos. O mesmo jeito de andar, de lidar com as coisas e de sorrir. Tantos gostos e qualidades parecidas. Zeus por muitas vezes pensava que as parcas faziam piadas sobre sua vida, devia ser divertido para as três irmãs ver os Rei dos Deuses sofrer com algo que ele mesmo causou, de ter uma lembrança viva do que ele perdeu.

 Mas era extremamente incomum para ele sonhar com o que sonhava agora.

Ele estava em uma praia, a praia que ela gostava de ir para pensar. O Rei dos Deuses instintivamente foi ao lugar escondido que ele sabia que a mulher ia procurar por conchas e lá ele a encontrou. Dentro do mar, vestindo uma toga azul marinho, que estava completamente encharcada, o típico colar de conchas em seu pescoço brilhava com a luz que batia do Sol. Quando ia se aproximar, Zeus percebeu que ela não estava sozinha.

Uma risada infantil se fez muito presente e uma menina, também encharcada, saiu da água e pulou nos braços de Métis com graciosidade. Zeus arriscava dizer que era a criança mais perfeita que viu em toda a sua vida imortal. Cabelos negros, lisos e bagunçados, a bochecha alta e pronunciada, um sorriso travesso e brincalhão.

— Mamãe! Você não pode ser tão leve comigo! Sou uma mulher forte!

Zeus não precisou de nenhuma outra informação para saber que aquela criança era sua filha. O mesmo timbre teimoso, os cabelos negros grudados ao rosto e os olhos cinzas tempestuosos deixavam mais do que claro que aquela era Atena.

— Até ontem você falava que era uma criança e agora já é uma mulher? Está crescendo rápido demais para o meu gosto. - Métis fez um bico e a menina em seus braços revirou os olhos, mas lhe deu um beijo na ponta do nariz da mãe e saltou de volta para a água. - Está se conectando demais com o mar, não acha?

A criança não respondeu, apenas sorriu e mergulhou. Métis, entretanto, se virou para onde ele estava e acenou com felicidade, balançando um braço avidamente.

— Espiar os outros é um hábito horroroso, sabia? Devia tentar se aproximar mais vezes, já te disse que não mordo. - O tom sarcástico e provocativo era tão familiar que Zeus se sentiu sorrir. - Demorou para me encontrar.

— Nunca se importou em ser observada e em minha defesa, não sabia que me esperava.

— Nunca me importei com você me observando, é diferente. - Ela sorriu e fez um gesto para que ele se aproximasse. - Atena não consegue te ver aqui, para ela você está invisível e foi por isso que decidi te chamar.

Ele arqueou as sobrancelhas e se sentou na areia, a Deusa fez o mesmo e segurou uma de suas mãos, brincando com os dedos dele e os alisando.

— Eu fiz de tudo pela felicidade dela, Zeus. Passei muitos momentos com ela aqui, momentos que ela nunca vai se lembrar porque eu tirei suas memórias de mim. Não podia deixar que ela fosse infeliz quando saísse. O que tenho dela está aqui para sempre, mas isso não significa que eu não saiba do que acontece lá fora. - A voz dela havia endurecido um pouco, como se estivesse magoada.

— Me perdoe por te privar de ser a mãe que você merecia ter sido. Eu nunca me perdoei por ter sido tão fraco naquela época.

— Não foi culpa sua. Eu já sabia da existência da profecia e me preparei muito bem para isso. Trouxe poções e tudo que iria precisar para conseguir criar Atena dentro de você. - Ela o olhou, suas orbes azuis brilhando. - Eu fiz a minha escolha. Se a profecia se cumprisse, eu jamais seria feliz. Íamos ficar divididos quando nosso filho nascesse e ela ficaria tão triste, todos nós ficaríamos infelizes.

— Então por quê usa esse tom se não está guardando nenhuma mágoa?

— Porque se você for adiante com o que está planejando, ela ficará muito infeliz. - Ela o disse com seriedade, o brilho em seus olhos morrendo. - Eu fiz de tudo para garantir que minha filha fosse feliz, Zeus. O que aconteceu comigo não foi sua culpa, mas se fizer eles dois se separarem e tirar a alegria dela, eu nunca vou te perdoar.

Zeus olhou para onde sua filha estava. A criança agora brincava com um peixe, que pulava para tentar chamar mais atenção. Ela se desequilibrou e caiu, rindo quando o peixe pulou em seu colo.

— Então eu estou certo? Atena e Poseidon realmente estão juntos e não me falaram absolutamente?

— Sim, querido. - A voz suave lhe disse. Métis sabia o quanto ele detestava não saber das coisas. - Eles realmente estão juntos e estão felizes. Não posso te contar detalhes, Atena vai falar tudo na hora que sentir preparada, a única coisa que posso te dizer é que isso foi predestinado. Eles dois se complementam da mesma forma que eu e você. E se fizer alguma coisa para machucá-lo, vai perdê-la para sempre.

Zeus fechou os olhos, tentando conter as lágrimas nervosas que de uma forma ou de outra, iriam cair. Dois braços o envolveram em um abraço apertado. Métis sempre conseguiu derrubar suas barreiras de uma forma rápida e fácil.

— Ela não sou eu, meu amor. - Métis sussurrou em seu ouvido enquanto acariciava suas costas. - Você tem que deixá-la livre. Não pode fazer com ela o que acha que meu pai deveria ter feito comigo. Se ele tivesse feito isso, eu teria fugido para me encontrar com você. É isso que vai acontecer se tentar impedir que eles fiquem juntos. 

— Meu irmão não é confiável.

— Isso é o que você, como pai, acha. Está incomodado porque nossa história não te parece ter sido tão diferente assim, por mais que seja.

— Eu não era um inconsequente!

— Ah, isso é o que você pensa! - Métis riu e jogou a cabeça para trás, se divertindo. - Todas as minhas irmãs me avisaram para ficar longe de você.

— Completamente diferente, suas irmãs me odiavam. Na verdade, acho que elas odiavam todo mundo.

— A maioria, não todo mundo.

Eles riram e um silêncio confortável se instalou. Ambos ficaram observando a criança brincar no mar.

— Nunca pensei que veria ela dessa forma.

— Você teria se divertido. - A Oceanide o cutucou com o ombro e riu. - Atena vive subindo em árvores, correndo ou tomando banho de chuva. Na maior parte das vezes, acho que ela é você em miniatura, mas tem outras que ela se parece tanto comigo…

— Eu vejo você nela o tempo inteiro. - Ele suspirou e abaixou a cabeça. - As vezes parece que as parcas querem me castigar mais do que eu já me castigo.

— O único motivo que terá para se castigar vai ser de carregar a infelicidade dos seus filhos nas costas. - O olhar dela voltou a ser duro e um tanto frio. - Falo sério quando digo que jamais irei te perdoar caso prejudique Atena. Eu amo você com tudo o que tenho dentro de mim, mas ela é a minha filha. Meu amor por ela é imensurável. Você precisa deixar ela livre.

Zeus abriu seus olhos no mesmo momento em que um raio caiu. Estava mais angustiado e esclarecido, embora sentisse que essa clareza fosse passageira. Métis, como Deusa da Prudência, sempre teve muita facilidade para ser racional, contudo, o que ela tinha de racionalidade, ele tinha de temperamento ruim. Alguma coisa nessa história o deixava inquieto e antes que pudesse clarear seus pensamentos sobre Atena e Poseidon, um grito vindo da sala dos tronos fez com que ele saísse correndo para lá. Um grito aterrorizado de Ártemis.

Era um grito que deixava claro que, por mais que Zeus tivesse um lado bondoso, ele também tinha um lado egoísta e assustador. Aquele som deixava claro isso. Era um som que mostrava os erros de um pai e de um governante.

Alguma coisa tinha acontecido com Apollo.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contos Olimpianos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.