As Armadilhas do Amor

Quando chegou no Olimpo, Eros estava em um estado profundo de negação. Se não tivesse visto aquilo com seus próprios olhos, nem teria se dado o trabalho de se forçar a negar. Quando chegou ao templo de sua mãe, ele quase não entrou com medo de ser desacreditado e expulso, ou talvez até amaldiçoado por seu pai, que, apesar de implicar com Atena, sempre pulava em sua defesa quando necessário.

— Mãe, posso entrar? - A voz dele saiu com o nervosismo contido.

— Claro, querido! - A resposta veio de uma forma melódica e logo a porta abriu, revelando Ares e Afrodite, que pareciam ter sido interrompidos no meio de algo interessante, mas não mais do que a bomba que Eros estava prestes a deixar cair. - Está nervoso. O que aconteceu?

Eros olhou para seus pais e limpou a garganta, não sabia como falar isso para os dois de uma forma que não causasse um alvoroço. Como iria lidar com a explosão da Deusa do Amor, que certamente ficaria furiosa ao saber que foi enganada, e com o Deus da Guerra, que na primeira oportunidade iria confrontar sua irmã para saber a verdade.

— Fale logo, garoto. - Ares falou, impaciente. Seu rosto bonito estava escondido atrás de uma cortina de cabelos escuros e cacheados como os de Hera. Afrodite o olhou de uma forma irritada, deixando as feições harmônicas ainda mais pronunciadas. - Não temos o dia todo.

— Atena e Poseidon estão juntos. - As palavras saíram de sua boca em alta velocidade, como se Ártemis estivesse jogando flechas em Apollo após tentar flertar com uma das caçadoras. E como uma flecha, aquelas palavras causaram um grande efeito. - Fui ao parque e os encontrei. Eles estavam se beijando de uma forma íntima demais, não acho que tenha sido o primeiro beijo.

A primeira reação foi estranha, porém esperada. Risos ecoaram por todo o templo, como se ele tivesse contado a coisa mais engraçada do mundo. A risada morreu no instante que sua mãe percebeu que ele estava sério, que não estava lhe pregando uma peça ou coisa do tipo. A ruiva se levantou da cama rapidamente, sem se importar em esconder nada, e saiu correndo para sua mesa encantada, que lhe mostrava qualquer pessoa apaixonada se lhe sussurrasse as palavras certas. Afrodite pronunciou o encantamento junto ao nome de Atena, e em segundos uma imagem apareceu, clara como as águas de uma cachoeira.

— Isso é impossível! - Ela gritou, fazendo Eros se encolher e abaixar o olhar. - Como eu não fiquei sabendo disso?! Sempre monitorei Atena! Teria notado algo novo!

— Eu não acho que isso seja novo, mãe. - Afrodite se virou ao escutá-lo falar, seus olhos perigosamente estreitos. - Acho que eles estão juntos há um bom tempo, bem mais do que estão deixando transparecer. Ninguém é íntimo daquela forma sem uns anos de experiência.

Ares olhou para Eros com supresa, depois seus olhos se voltaram para Afrodite. Ela sempre detestou ser enganada ou subestimada, e Atena fazia os dois com a maior facilidade do mundo, deixando a maioria dos Olimpianos no escuro sobre seus feitos. Afrodite não deixaria isso sair de forma discreta.  

A mulher abriu e fechou a boca várias vezes, como se tivesse perdido as palavras depois de escutar o que o filho falou, depois fechou os olhos e bateu as mãos na mesa com uma força surpreendente. Todos os momentos que ela lembrava dos dois juntos começaram a voltar com força, como se suas próprias memórias estivessem jogando em sua cara tudo o que deixou passar. Mudança de olhares, danças, o dia do casamento de Poseidon, o incidente com Medusa e Odisseu...tudo voltou como um soco. Estava se sentindo cada vez mais idiota por ter deixado algo tão óbvio passar despercebido.

— Aquela maldita sabe tudo! Ela mentiu para todos, nos enganou durante séculos com esse voto!

— Ela quebrou o voto? - Ares perguntou, com um misto de confusão e raiva. Sua mente estava cada vez mais bagunçada, não sabia se decidir entre defender a irmã ou xingá-la por não ter lhe contado nada.

— Ela nunca o fez! Nunca existiu juramento! - Ela se virou para seu amante. - Se sua irmã jurou alguma coisa, com toda a certeza não foi castidade!

— Como tem tanta certeza disso? Minha irmã nunca se envolveu com outro homem, tirando aqueles mortais.

— Ela não teria jurado algo que não pudesse cumprir! Já procurei o nome de Atena nesse espelho várias vezes, Ares. Ela deve ter feito alguma coisa pra se proteger dos meus poderes, algum outro juramento ou alguma magia.

— Se ela realmente fez isso, como que está conseguindo vê-la agora?

— Algumas magias e juramentos tem suas regras e exceções, se estou conseguindo vê-la agora é porque ela permitiu. Atena está querendo nos enganar um pouco mais, tentando passar a ideia de que esse relacionamento é novo. 

Eros estava tremendo, a realidade começava a bater na porta e o tamanho da coisa que tinha feito também. Atena logo saberia, e na certa iria amaldiçoá-lo para o resto de sua eternidade. Isso se ela estivesse sendo misericordiosa, pois Eros tinha plena certeza que a Deusa da Sabedoria iria achar uma forma de matar imortais só para puni-lo. Ele limpou a garganta e olhou para a mesa, que agora mostrava Atena e Poseidon voltando para o Olimpo, os dois com sorrisos enormes no rosto. Olhou para sua mãe e percebeu que a mesma também estava presa no momento dos dois amantes, observando os olhares que lançavam um ao outro. Por um segundo, Eros pensou que sua mãe ia deixar eles terem algum momento de paz.

— Quero que descubra tudo sobre isso. O que precisar para arrancar a verdade estará ao seu dispor, Eros.

— Perdão? - Sua voz saiu um tanto esganiçada, como se tivesse levado um chute na boca do estômago. - Quer que eu faça o que?

— Quero que você descubra há quanto tempo eles estão me fazendo de idiota, zombando dos meus poderes e da minha inteligência.

— Afrodite, o que vai fazer?

— Expor a sua irmã e Poseidon para o conselho, é isso que eu vou fazer. Dessa vez eles não vão escapar de mim. - Ela disse de forma certeira. - Ou vou usar essa informação ao meu favor por um tempo e fazer com que eles sejam os culpados da própria desgraça.

Ela se virou para uma outra parte do seu quarto, não percebendo que Ares ficava mais irritado com cada palavra que saia de sua boca. Eros começou a se afastar do pai de forma discreta, porém seus esforços foram em vão e ele logo se pegou na grande bolha de raiva que fazia qualquer um perder a cabeça e querer brigar com a primeira pessoa que aparecesse.

— Você tem noção do que acabou de fazer, Eros? - O Deus menor escutou o sussurro vindo de seu pai. - Se sua mãe fizer isso, nós vamos para guerra contra Atlantis.

— Ela não está fazendo isso para causar uma guerra, meu pai. Ela quer separá-los, quer ver Atena sofrer por amor. - O olhar que seu pai lhe lançou foi o suficiente para Eros perceber que ele já havia entendido o plano da Deusa. Se encolhendo novamente, Eros do mesmo jeito não se calou. - Quer fazer com que ela sofra por algo que disse não acreditar.

— O reino de Poseidon está ligado a ele, se alguma coisa acontece ao reino, então isso o afeta diretamente…tem noção de tudo o que isso vai causar?! Já não basta o que fizeram em Tróia?

— E é justamente por isso que o plano provavelmente vai funcionar. Lady Atena não deixaria Lorde Zeus mandar as tropas para destruir Atlantis, ela se separaria de Poseidon para que nada acontecesse com ele.

— E você está de acordo com isso?! Não consegue ficar com a boca fechada?!

Ares trincou os dentes ao não escutar uma resposta. Não deixaria isso acontecer, não podia deixar isso acontecer. Como o Deus da Guerra, ele gostava quando existia conflitos, mas não gostava de ver que isso custaria sua irmã uma felicidade que ela merecia. Pouco lhe importava que Atena estivesse mentindo, não era da conta de ninguém o que ela fazia de sua vida amorosa. Pouco lhe importava que Poseidon fosse insolente e tivesse milhões de defeitos, out eu Atena pegasse em seu pé o tempo inteiro. Faria de tudo para impedir que Afrodite começasse outra guerra por caprichos e caso falhasse, dessa vez não ficaria do lado de sua amante. Ele tinha se decidido.

Olhando para o lugar que a ruiva tinha ido e lançando um último olhar a Eros, Ares saiu de lá com passos largos e decididos. E o filho de Afrodite, que ainda esperava o retorno de sua mãe, ficou se perguntando se realmente tinha feito a escolha certa ao lhe contar o que tinha visto e o que pensava. Eles eram Deuses do Amor, mas até o amor tem seu lado negativo. Eros sabia disso melhor do que ninguém, pois desde que conheceu sua esposa, ele nunca mais ficou contra sua mãe. Vendo Afrodite aparecer com frascos cheios de poções que forçavam as pessoas a contar apenas a verdade, Eros se perguntou novamente se tinha feito a escolha certa e ao ver o jeito raivoso e amo mesmo tempo satisfeito que ela olhava para a mesa, ele teve certeza de que teria sido bem melhor manter a boca fechada. Sua mãe era uma mulher teimosa e por mais que amasse uma boa história de amor, ela não iria voltar atrás se algo ainda mais interessante não fizesse ela desistir dessa ideia caótica.