Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 26
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Notas iniciais do capítulo

Não posso dizer muitas coisas, mas quero ouvi-las de vocês. Esse capítulo é... enfim, leiam. E, por favor, comentem. O retorno de vocês é crucial.

Como sempre, um MUITÍSSIMO obrigada a Julia Fernandes, minha beta, e ao Sam que foi um querido me ajudando a fazer essa capa se mexer do jeito que eu queria haha obrigada obrigada ♥

ENORME obrigada a todes que estão me acompanhando desde o início dessa história. Já vivi momentos difíceis, mas nada como os últimos meses. Essa história foi meu tudo em vários momentos, assim como vocês. Obrigada a Daneca, Julia, Carol, Leilane, Gladis, Vivi, Jay, Sam, Marcela, Cris, Grazi, todes do grupo do SSF tanto no whatsapp quanto no facebook, e os que me acompanham pelos comentários.

Boa leitura!



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"A única pessoa que você pode ser é você mesma."

Sábado passou e Severo estava ansioso esperando Hermione descer do apartamento para que eles pudessem sair para a noite. Ele havia comprado duas entradas para uma apresentação na Ópera Garnier, e estava temendo ter ido longe demais. Será que era muito clichê? Ou muito antiquado? Hermione e ele podiam combinar em praticamente todos os gostos, mas ela ainda era jovem. Severo estava com medo que passar o sábado à noite assistindo a três horas de uma ópera poderia não ser o que uma mulher esperava de um encontro digno. Talvez ele tivesse calculado mal e ela odiasse. Talvez ele ainda pudesse fazer alguma reserva de última hora e dizer que- 

Ele paralisou ao lado do táxi preto quando Hermione cruzou a porta. Ela estava estonteante. Um vestido escuro e liso agarrava todas as suas curvas deliciosamente, deixando um modesto decote à mostra que valorizava seus ombros e o seu pescoço elegante. Seu cabelo estava preso, mas alguns cachos insistiam em cair displicentemente, deixando-a ainda mais adorável.  Deuses . Ela era espetacular.  

Ela mexeu na bolsa num gesto nervoso, mais incerta que nunca, e Severo saiu de seu torpor quando ela murmurou. — Você está... muito bem. — Severo sentiu o coração inchar no peito quando as bochechas dela foram tingidas com o mais adorável tom de rosa.  

— Eu sinto muito, Hermione, eu só... você está linda. Deslumbrante.  

— Mesmo? 

Severo franziu a testa, odiando que ela soasse tão insegura. Ela não tinha nenhuma noção do quanto era magnífica? Não só o seu corpo, mas sua mente, seu coração, sua alma. E ele odiava especialmente que tinha participação na forma como ela se via às vezes, na sua falta de confiança em si mesma.  

Ele a chamara de ‘garota estúpida’ tantas vezes na escola, fora todos os comentários depreciativos e a maneira rude como ele a tratara. Severo não podia se desculpar por ter sido um espião implacável, porque se ele demonstrasse o menor favoritismo que fosse em prol dela significaria colocá-la em risco. Mas não diminuía a sua culpa, infelizmente. 

— Se você não acredita, vou ter que dizer várias vezes até entender. — ela sorriu quando ele tocou uma mecha errante com suavidade, e Severo quase desistiu de toda a noite fora para jogá-la em cima dos ombros e subir até o quarto. 

— Então, posso saber para onde vamos? — Hermione finalmente perguntou, sua curiosidade grifinória levando o melhor sobre ela, e Severo agradeceu mentalmente pela distração. 

Seu sorriso enigmático fez Hermione revirar os olhos. — Paciência, pequena feiticeira. Paciência. 

Eles mergulharam pelo trânsito intenso de Paris enquanto viam os monumentos históricos pela janela. Vez ou outra Hermione comentaria como seria romântico morar eternamente num dia chuvoso na capital francesa e Severo responderia com algum comentário mordaz e engraçado que faria Hermione rir profundamente.  

— Nós podemos ficar aqui para sempre? — ela sussurrou enquanto deitava a cabeça no ombro dele.  

— Podemos voltar sempre que quiser. — ele respondeu depois de um tempo, acariciando as costas da mão dela com o polegar.  

Hermione sorriu, se aconchegando nele. Depois, ainda mais baixo, falou. — Se eu esquecer, quero que saiba que já estou adorando essa noite. — depois, pensando melhor, ela completou — E a noite de ontem. 

Severo apertou a mão dela, depois levou até a boca e deu um beijo delicado. — Bem, se estamos falando da noite de ontem... devo acrescentar, Srta. Granger, que gostei de tudo. Especialmente aquela parte em que nos ajoelhamos no colchão e eu fiquei atrás de você — Hermione ofegou quando a voz dele sussurrou bem perto do seu ouvido — segurando os seus seios enquanto eu- 

— Severo! — ela sussurrou de volta, olhando rapidamente para o motorista que parecia totalmente alheio.  

Ele deu um sorriso malicioso enquanto mordiscava a orelha dela. — Ele não fala a nossa língua, amor.  

— Mesmo assim — Hermione ofegou, quase sem fôlego, quando a mão livre dele apertou a sua coxa, dedos longos descendo até a barra do vestido enquanto subiam percorrendo a pele suave próxima ao joelho. Ela lambeu os lábios enquanto deixava a cabeça cair no braço dele, tentando desesperadamente segurar um gemido quando a outra mão tocou o seu seio por cima do tecido. Foi um toque leve, apenas um segundo de contato, e ela já estava totalmente entregue.  

Ele riu baixinho, parando de tocá-la, e Hermione quase rosnou de frustração. — Não é justo.  

— Eu concordo, mas prefiro tê-la inteiramente para mim na privacidade do nosso quarto. Você me deixa louco, bruxa. Como vou aguentar ficar a noite toda ao seu lado sem poder fazer nada impróprio? Pura tortura.  

— Mas do melhor tipo.  

Severo bufou, divertido. — Peço desculpas, mas não concordo. Olha o que você faz comigo. — Discretamente, ele pegou a mão dela e levou até o seu pau. Hermione mordeu o lábio ao sentir como ele estava duro por ela.  

— Ninguém mandou você começar o que não podia terminar. — ela o desafiou, seus olhos brilhando com malícia.  

— Não tenha tanta certeza. Eu sempre posso nos aparatar de volta para casa.  

— Ou me puxar para um beco escuro.  

— Bruxa, não me tente. Estou a um passo de parar o táxi agora mesmo e fazer exatamente isso.  

— É mesmo? E como você faria isso?  

— Eu colocaria você contra a parede, de costas para mim, depois subiria esse vestido pecaminoso até a altura da sua bunda deliciosa e desceria a calcinha até a coxa. Depois eu- 

— Não estou usando calcinha.  

Se Hermione não estivesse tão excitada teria rido do quanto a expressão dele vacilara. A informação o tirou completamente do controle, e ele corou enquanto tentava pensar no que dizer.  

— Você, Hermione Granger — ele disse um pouco sem fôlego —, não joga limpo. 

Hermione deixou a cabeça cair no encosto do banco enquanto ria. Ela simplesmente adorava provocá-lo. Era como um jogo bobo entre eles, tentando prever quem deixaria o outro sem fala primeiro. E era fofo como ele poderia ser reduzido do Severo controlado e sério, comedido, para um adolescente inexperiente. E ela meio que se sentia muito poderosa por conseguir causar esse efeito nele.  

— É agora que você fala 100 pontos para a grifinória? 

Ele bufou, apertando-a mais contra ele. Seu abraço era seguro, quente, acolhedor. Ele podia incendiá-la e acalmá-la na mesma intensidade, e Hermione se perguntou vagamente se poderia ficar sem isso. — Vai sonhando.  

O riso dela preencheu o espaço entre eles por todo o caminho até a ópera. 

... 

Hermione estava completamente em êxtase. A Ópera Garnier, claro, era um espetáculo por si só. A apresentação havia sido sublime, mas Severo passou as quase três horas assistindo às reações da bruxa adorável ao lado dele. Hermione era tão passional, tão apaixonada por tudo, que ele simplesmente poderia assisti-la para sempre. Ela era deslumbrante. 

E os sentimentos que Severo desenvolvera por ela eram tão profundos que o apavorava. Era um desequilíbrio, e às vezes ele só queria se fechar em sua concha e se proteger. Porque com ela Severo estava voando tão alto, tão rápido, que a queda o machucaria de uma forma que ele temia estar além de qualquer reparo.  

Severo se perguntava como essa mulher incrível, linda e brilhante, que estava agora aplaudindo o espetáculo de pé, podia desejá-lo. Ele era um homem com um passado sombrio, quase vinte anos mais velho. Pior, ele havia sido seu  professor , por Merlin. Ele realmente não entendia, e em momentos assim essas inseguranças o assaltavam e ele se sentia perdido sobre o que fazer.  

Além disso, o tema da ópera também o pegou em algum momento. Ele nunca fora particularmente inclinado para os libretos e textos dramatúrgicos, e embora ele fosse um ouvinte frequente de música clássica nunca pensara tanto nos temas das óperas. Mas hoje, especificamente, ele ficara pensando. O personagem do Rigoletto era tão dúbio, quase como duas pessoas coexistindo no mesmo corpo. Severo ficou pensando em si mesmo, nos papéis que desempenhara. Foram tantos que ele quase se perdera. E a pergunta final que ficava era: no final das contas, Rigoletto era o herói ou o monstro?  

No final das contas, Severo Snape era o herói ou o monstro? E o que  ele  era? 

Mas Severo prometera a si mesmo que não teria lugar para autossabotagem nesta viagem. Não, esta viagem tinha lugar apenas para os dois, e ele faria tudo ao seu alcance para ser perfeita. Ele colocara tudo de si no planejamento da noite, e estava inseguro até o último segundo sobre as expectativas dela. E quando ela olhou para ele, com o sorriso mais perfeito dando vida ao seu coração cansado, ele se permitiu finalmente soltar o ar que estava segurando.  

— Esta noite foi linda. Severo, foi o melhor primeiro encontro. Eu nem acredito que você planejou tudo isso.  

Severo agradeceu aos deuses por eles estarem andando na rua a caminho do restaurante, porque ele corou profundamente com as suas palavras. Ela não parou de tagarelar sobre o quanto a ópera era incrível por todo o caminho até o charmoso bistrô, e Severo ficou aliviado. Ele estava tão dominado pelas sensações do dia que teria muito pouco a contribuir.  

— Nadine Sierra foi deslumbrante como Gilda, não concorda?  

Severo assentiu, e ela continuou falando animadamente enquanto caminhavam. Ao contrário dele, Hermione era uma amante da ópera e tinha muitas curiosidades para compartilhar. Ela também repetiu mais de uma vez como estava feliz, e apenas isso bastou para que o coração de Severo praticamente explodisse no peito.  

Ele faria um comentário ocasional ou outro, mas sempre se recusando a olhar para ela. Porque ele sabia que se o fizesse correria o risco de parecer ainda mais um idiota apaixonado do que já estava.  

Quando chegaram no bistrô Severo puxou a porta para ela e um garçom se ofereceu para segurar os casacos pesados de inverno antes que eles fossem guiados até a mesa. Ele reservara uma discreta no canto, ao lado da janela. Bernard havia indicado o lugar, e Severo fez uma anotação mental para agradecê-lo depois. Era realmente muito íntimo e aconchegante, e a julgar pela expressão de Hermione ele acertara em cheio.  

A noite percorreu ainda mais tranquilamente, e aos poucos Severo foi relaxando. Eles cobriram vários temas ao longo do jantar e do vinho, suas mãos sempre se tocando em cima da madeira, seus olhares nunca deixando um ao outro.  Ele sonhara com essa vida, e principalmente, ele sonhara com  ela . Ele era um tolo, de fato, se alimentando de ilusões por quase toda a vida. Mas eram sonhos assim que o mantinham são durante os anos como espião duplo. Não fosse esse desejo dentro do seu coração, essa chama de esperança, ele poderia não ter aguentado tanto tempo.  

— Severo? — Hermione o chamou suavemente, apertando a sua mão por cima da mesa.  

Ele deu um sorriso discreto. — Peço desculpas, Hermione. Minha mente vagou por um tempo. 

— Posso saber para onde ela foi? — seu sorriso era gentil.  

Severo balançou a cabeça, servindo ambos de mais vinho. — Não são lugares que gostaria de levar você, Hermione. Sombrios demais.  

O sorriso dela vacilou, e ele quase se bateu por ter deixado a conversa vagar por esse caminho. — Eu não sou feita de vidro, Severo. Você pode conversar comigo.  

Ele estremeceu, sabendo que tinha dito a coisa errada. — É claro que sim. Eu só não gostaria de falar sobre isso esta noite. Esta noite, aqui, em Paris, é sobre nós dois. — ela parecia querer discutir, mas Severo a cortou suavemente. — Você mencionou que o Potter enviou uma carta? O que era tão importante que não poderia esperar até voltarmos?  

Hermione mordeu o lábio, e Severo imediatamente ficou em alerta. — Bem... 

Ele revirou os olhos, massageando a testa. — Bom Merlin, o que o Potter quer desta vez? 

— É que ele e a Gina finalmente decidiram o nome do segundo filho.  

Severo tentou imaginar de que maneiras aquela conversa poderia chegar até eles. — E? 

— Bem, é um nome... pouco convencional.  

Ele levantou uma sobrancelha. Isso não ia acabar bem. — Não pode ser pior que Tiago Sirius.  

Hermione riu, colocando a taça na mesa. — Na verdade, pode. Vai ser Alvo Severo.  

Severo parou por alguns segundos com o garfo entre o prato e a boca até processar totalmente o que ela acabara de dizer. — Sinto muito? 

— Alvo Severo. — ela falou devagar, testando a reação dele.  

Ela parecia temer que ele ficasse insano, e sinceramente, ele pensou que poderia. Mas na verdade, no fim das contas, era hilário. Então ele começou a rir. Muito. E a expressão em choque dela era ainda mais engraçada.  

— Posso saber o que é tão engraçado? — ela perguntou, divertida.  

Severo tentou recuperar o fôlego. Há muito tempo ele não ria assim. — Deuses, o Potter não conseguiria ser menos grifinório nem se tentasse.  

Hermione sorriu, concordando. — Ele só quer homenageá-lo.  

— É ridículo. Pobre criança.  

— Não é ridículo, é a forma que o Harry encontrou de retribuir tudo que fez pelo mundo bruxo.  

Severo revirou os olhos, prestes a retrucar. — Não começa, Severo. Você sabe que todos nós somos gratos a você.  

— Não me pinte como herói, Hermione. Não cometa esse erro.  

— Você sabe que eu não faço isso. Estou bem ciente dos seus defeitos. — ela retrucou, e Severo suspirou olhando para o prato. — Além disso, o Harry pensou em te chamar para ser o padrinho.  

— O quê? — Severo deixou qualquer pretensão de que ele ainda tinha apetite e largou o garfo no prato, se recostando com força na cadeira. — E por que ele faria algo assim? Merlin, o Potter não pode deixar para lá? O passado é o passado. Por que ele insistiria em algo tão absurdo assim?  

Ele olhou para a mulher na frente dele, e por alguns instantes ele se sentiu como o Prof. Snape de novo. Rancoroso, venenoso, infeliz. Era exaustivo. E pela expressão de Hermione ela sentira exatamente o mesmo.  

— Bem — ela falou depois de um tempo —, é bom saber como se sente. Vou passar a resposta para o Harry, embora não com todas essas palavras venenosas, é claro.  

Severo quase estremeceu com o tom ferido dela. Quase. Mas ele estava com tanta raiva da mera sugestão absurda que se sentiu no direito de deixá-la mais magoada. Não era real, mas foi mais forte que ele.  

— Eu não fiz isso por ele. Ou pelo mundo bruxo. Não sou um cara legal. 

— Sim, claro. — ela falou calmamente, colocando o guardanapo na mesa num movimento deliberado. E então os seus olhos travaram com os dele e parecia que todo o corpo fora tomado por fogo e chama. — Você fez pela  ela . Como eu poderia esquecer? Que se dane todo o resto não é, Severo? Eu poderia estar morta e Merlin sabe o tipo de coisa que um Comensal faria comigo, a garota sangue-ruim amiga de Harry Potter. Mas que os deuses protejam a memória perfeita que você criou de Lílian Potter! 

Eles mal perceberam que suas vozes se elevaram e algumas pessoas os olhavam com curiosidade. Severo se odiou. Ele não perdia o controle assim há muito tempo. Ele queria olhar para o rosto dela, mas temia o que veria ali. Bravo, Severo. Você fez de novo.  

— A noite encerrou para mim. — Por trás da cortina de cabelos negros ele a viu amassar o guardanapo de pano com força e colocar em cima da mesa antes de afastar a cadeira e se levantar. — Estou indo embora.  

— Hermione, não vá. — ele agarrou o braço dela com tanta força que doeu. — Por favor, não vá.  

Ele a viu suspirar, embora não rejeitasse o seu toque. — Por favor, não saia no meio de uma briga. Eu não poderia suportar. Sinto muito.  

Severo ficou chocado quando ela apenas assentiu, embora furiosa, e se sentou novamente. Hermione não era Lílian, e ele sabia disso. Ele nem queria que ela fosse. Severo não era cego aos seus defeitos, ao fato de que ela poderia ser tagarela e irritantemente sabe-tudo; mas ela era ferozmente leal, comprometida, apaixonada, gentil. Seu coração era tão grande, tão capaz de amar, que ele ficava feliz só pelo privilégio de ter um pequeno lugar para ele.  

— Eu sinto muitíssimo. — ele finalmente falou, buscando o olhar dela. O coração dele quebrou quando ele viu uma lágrima insistente caindo pela bochecha dela. — Merlin, Hermione, por favor. Me desculpa. — ele se inclinou sobre a pequena mesa, passando o polegar para limpar a umidade na pele suave do rosto.  

Hermione assentiu, sem fugir do seu toque. — Também peço desculpas por ter sido tão insistente.  

Ele balançou a cabeça. — Não faça isso. Você não fez nada de errado. Esse assunto é... delicado para mim.  

Hermione acenou. — Você não precisa aceitar. É só um convite.  

Severo suspirou, massageando a testa. Ele estava realmente considerando isso? 

— Vou avisar que você gentilmente recusou. Mas temo não poder fazer nada pelo nome.  

— Diga a Potter que — ele hesitou, mal acreditando nas próprias palavras. Hermione o olhou com curiosidade. — Diga a ele que vou  pensar .  

Hermione esboçou o menor dos sorrisos, e então ele entendeu. Ele poderia não aceitar, mas ela ficaria feliz por ele ao menos se dar a chance de considerar isso. Malditos grifinórios. — E nós seríamos padrinhos juntos, você sabe. Eles me convidaram também.  

— Pelo menos a criança terá um exemplo para seguir.  

Ela revirou os olhos, bufando.  Este  era um território familiar para os dois, ao contrário da tensão anterior. — Alvo terá dois exemplos a seguir, Severo. Você pensa tão pouco de si mesmo que mal percebe o quanto é diferente do seu passado. Olha para nós, Severo. Olha para onde estamos. Num bistrô charmoso na cidade mais romântica do mundo. Você acha honestamente que se você fosse o homem horrível que acha que é, nós estaríamos aqui? Que se você não tivesse ansiado por uma vida assim por todo esse tempo, ela poderia ter sido dada a você?  

Severo se encolheu diante o seu discurso apaixonado. Ela estava certa, é claro. Ele ansiara por isso.  Tanto .  

— Se algo acontecesse a você, Hermione, eu morreria.  Morreria , você entendeu? Sinto muito ter comparado você a ela. Não tem nenhuma verdade nisso.  

— Então por que você falou? Você queria me magoar? 

Ele engoliu em seco.  Sim . — Não sei porque eu faço isso.  

— Acho que entendo. Mas não faça isso de novo, Severo. Não é justo. Não posso competir com uma lembrança tão perfeita. Eu cometo erros. Eu vou errar, e te decepcionar, mas isso não diminui como me sinto sobre você.  

Severo assentiu quase imperceptivelmente.  

— Não me coloque num pedestal. O único lugar que quero estar é nos seus braços.  

Seu coração disparou com essa declaração. Ela ainda estava furiosa, ele podia ver. Sua expressão era levemente exasperada, e mesmo assim ela ficou. Só aumentava seu amor por ela. Para Severo, a noção de que uma discussão não levava inevitavelmente ao rompimento total era completamente nova. Ele temia sempre ter que pisar em ovos com ela para evitar que ela não saísse correndo para longe dele, mas não. Não precisava. Ele podia ser ele mesmo, e ainda assim Hermione não iria embora.  

Então ele apenas assentiu, o menor dos sorrisos cruzando os seus lábios. — Vou me lembrar disso.  

...  

— Tivemos oficialmente a nossa primeira briga? 

Severo riu. Eles haviam caminhado do restaurante até o  Jardin des Tuileries , apreciando a magia parisiense noturna. — Parece que sim. Como um casal pelo menos. — ele respondeu, depois completou quando o ar gelado do rio Sena passou por eles. — E por Merlin, Granger, está congelando.  

Ela o empurrou levemente com o ombro. — Sim, mas não é romântico? 

Severo apenas bufou, beijando a testa dela enquanto eles se debruçavam na balaustrada. — Como eu tive tanta sorte? — ele perguntou depois de um tempo.  

Hermione suspirou, dando um sorriso triste. — Você tem que parar de dizer essas coisas. 

Ela cheirou o pescoço dele, buscando mais do seu calor, do seu aconchego. A briga de alguns momentos atrás nem fazia mais sentido, e ela também se espantou com isso. Com Ron era sempre tudo tão... difícil. Ela ainda o amava como um amigo, claro, e sempre o faria, mas o relacionamento deles era desgastante quase o tempo todo. Por um momento, ela desejou que ele encontrasse exatamente o que ela tinha agora com o Severo.  

— Severo — ela o chamou de repente, sentindo o coração apertar.  

Ele olhou para ela, os olhos calmos e amorosos. — Sim? 

Hermione hesitou. Ela não sabia porquê de repente precisou dizer isso, mas pareceu certo. — Se algo acontecer você me promete uma coisa? 

Severo franziu a testa, confuso. — Como assim? 

— Só me promete.  

— Hermione.  

Ela fechou os olhos, um nó se formando em sua garganta. — Eu amo você, Severo. Sempre, sempre vou amar. Você pode, por favor, nunca se esquecer disso? 

— De onde veio isso? — ele tirou algumas mechas que se soltaram do elástico do rosto dela, levando-as para trás da orelha.  

— Eu... — ela engoliu a vontade repentina de chorar, piscando com força. Era tudo muito esmagador.  

— Hermione, eu amo você. Confiamos um no outro.  Eu  confio em você. — Hermione mordeu o lábio, sentindo os olhos arderem. — Se é pelo que eu disse mais ced- 

Ela balançou a cabeça com força e segurou a mão dele. — Não, não é por isso. Só me promete.  

— Prometo. Eu prometo, Hermione. Não vou me esquecer.  

— Agora, me leve para casa.  

— Finalmente — ele sorriu, tocando o rosto dela. — Podemos desaparatar? 

Hermione assentiu. — Vamos encontrar algum lugar seguro. Mas antes... 

Severo suspirou dramaticamente. — Eu sabia. Diga, senhora, qual é o seu último desejo.  

Ela riu. — Meu último desejo  hoje  é ver a Torre Eiffel. Vamos partir amanhã de manhã, e a vista noturna dela é deslumbrante. Não podemos perder isso.  

— Tudo por você. Algo mais? 

Hermione balançou a cabeça, aceitando o braço dele. — Quando chegarmos no apartamento, poderíamos fazer chocolate quente. É uma receita da minha mãe.  

— Muito bem. E o que tenho que fazer?  

— Obedecer às minhas ordens e seguir as minhas instruções.  

Severo olhou para ela de lado, abrindo um sorriso malicioso. — É assim mesmo? 

— Passo a passo. — ela concordou alegremente.  

— Eu gosto do som disso, Srta. Granger. Gosto bastante.  

— E não me olhe assim, estamos falando de chocolate. 

— Mas nós  podemos  incluir chocolate.  

— Severo! 

 — Quis dizer na receita. Tais pensamentos devassos, senhora.  Tsc tsc , quem diria? 

— Não me lembro de você reclamar desses tais pensamentos devassos ontem à noite. Ou na anterior. Mas talvez eu devesse — ela deu de ombros — você sabe, me comportar de agora em diante e- ela gritou e riu quando ele a pegou por trás, levantando-a e girando-a no ar gelado.  

Sua risada ecoou ao longo do Sena enquanto Severo lhe dizia, baixinho, bem ao pé do ouvido, o quão intensamente ele não se incomodava com isso.  

... 

— Severo? — ela chamou seu nome no escuro, sua voz tão suave quanto um sussurro. — Severo, amor. Acorde.  

Os primeiros raios da manhã tentavam passar pela cortina pesada, e Severo murmurou em seu sono. — Hm?  

— Quero te fazer uma pergunta. — ele não fez nenhuma indicação de que havia a escutado, então Hermione chamou novamente, deixando beijos ao longo do seu pescoço, na pele sensível da cicatriz.  

— Merlin, Hermione, você quer me matar? — sua voz estava lânguida do sono, e ele se recusou a abrir os olhos. Hermione riu.  

— Abra os olhos, amor.  

Severo finalmente olhou para ela por trás dos cílios escuros e longos, e apesar da sua falsa carranca, tinha tanto calor e carinho no seu olhar que Hermione praticamente se derreteu.  

Ela estava com o queixo apoiado no seu peito, e sua forma nua se agarrava a ele tão perfeitamente quanto um quebra-cabeça. Eles simplesmente se encaixavam um no outro. Severo passara as últimas semanas fazendo nada mais que conhecer todos os contornos do corpo dela, todos os vales sinuosos, a pele macia dos seios, o triângulo de cachos aveludados entre as suas pernas. Mas cada vez que ele a tocava de novo, havia algo mais para aprender.  

— Você realmente quer me perguntar alguma coisa ou está me acordando para os seus prazeres nefastos? — ele brincou, desejando que ela decidisse pela segunda opção.  

— É claro que eu tenho uma pergunta.  

Ele sorriu com carinho. — Claro que sim. E eu quero ouvir todas elas.   

Hermione bufou. — Você só diz isso porque estou nua em cima de você.  

Severo deu uma gargalhada, puxando-a suavemente para dar um beijo carinhoso na testa. — Em minha defesa você é deliciosamente suave e quente — ele começou, espalmando uma das mãos até na curvatura macia de uma das nádegas, apertando a carne ao redor. — O que você queria me perguntar? 

Hermione mordeu o lábio, e seu rosto ficou levemente apreensivo. Severo franziu a testa, levantando o queixo dela. — O que foi, amor? 

— É a nossa última noite em Paris.  

— Não é a última. Viremos outras vezes. Várias, se você quiser.  

— Promete?  

Severo pegou a mão dela, dando um beijo nas costas dos dedos. — Prometo.  

— Vou sentir falta de acordar com você.  

A respiração dele engatou no peito. Ele também sentiria. Terrivelmente. Severo não saberia como seria dormir na sua cama sem ela. Não, ele queria ter a certeza de que ela seria a última coisa que ele veria antes de dormir, e a primeira depois de acordar. Queria jogar para os ares qualquer cautela. Pela primeira vez na vida ele estava tão certo que mal pôde contar as palavras que saltaram da sua boca. — Viva comigo.  

Hermione levantou o rosto tão rápido que ele temeu ter ido longe demais. Eles só estavam juntos há duas semanas, por Merlin. O que ele estava pensando? Apenas retire isso. Retire antes que- 

— Morar com você? 

Ele engoliu em seco, desviando o olhar. — Sei que é inesperado. Que estamos há pouco tempo juntos. E, Merlin, eu não tenho a menor experiência nisso. Trabalhamos juntos, temos um passado, eu sou difícil de lidar, e- 

Ele sentiu a ponta dos dedos dela nos seus lábios. — Senhor, você está balbuciando. — ela sorriu. — Além disso, você está tentando me pedir para morar com você ou me convencendo do contrário? 

Severo sentiu o rosto esquentar. — Claro que eu quero que você fique comigo. Só quero que saiba que- 

— Severo, eu sei. 

Ele exalou. — Não sou um homem fácil. Às vezes vou me perder na minha própria mente, nas memórias dolorosas, e precisarei ficar sozinho. Sei que vou te magoar e- 

— E eu sou mandona. Teimosa. Vou falar sem parar, e encher o seu banheiro de produtos para o cabelo.  

— O nosso. — ele a cortou suavemente.  

— O quê?  

—  Nosso  banheiro. E eu não me importo. Eu quero isso. Quero  você .  

— Não sei o que dizer.  

— Diga sim.  

— Eu-  

As palavras morreram na boca dela quando um patrono irrompeu o quarto silencioso. Um cervo prateado trotou em volta da cama e parou entre eles, sussurrando:  

Hermione, sinto muito. Mas você precisa pegar O Profeta Diário. Rita Skeeter descobriu sobre vocês, e tem várias fotos nos jornais. É provável que ela saiba onde moram, também. Tome cuidado. Nos dê notícias assim que possível.   

— Aquela mulher horrível. — Severo praguejou, se levantando para uma posição sentada. Ele mal notou Hermione se enrolar no lençol branco. Ele massageou a testa, suspirando, enquanto pensava nas implicações disso. As pessoas iriam falar. Muito.  

— Sinto muito, Hermione. Não queria expor você assim. Não pensei na possibilidade de alguém nos ver aqui, em Paris. As chances, embora remotas, eram muito maiores que na vila. Realmente sinto muito.  

Com força, ele empurrou os lençóis e se levantou, puxando a calça preta nas costas da cadeira para se vestir. Ele se odiava por tê-la colocado no meio disso. Ela não merecia mais um escândalo, e agora sua reputação seria manchada por estar em um relacionamento com ele. Severo mal podia olhar para ela, com medo do que veria em seu rosto.  

— Olha para mim. — ele não precisava se virar para saber que ela estava ferida.  

Severo estava prestes a pedir desculpas novamente quando ela sussurrou. — Nunca mais se desculpe por isso, Severo Snape. Já disse que não sou feita de vidro. Eu posso lidar com isso. 

— Mas você não deveria.  

— A decisão não é sua. A menos — ele viu a hesitação dela, tentando interpretar o que ela queria dizer — a menos que queira manter o nosso relacionamento em segredo? Negar tudo? 

Ele avançou sobre ela com tanta força e determinação que Hermione piscou, quase se retraindo. Severo a sacudiu suavemente pelos ombros. —  Nunca . Eu só não suportaria ver toda a imprensa bruxa falando sobre você. Teria que enfeitiçar a todos eles.  

Hermione sacudiu a cabeça, piscando para impedir que algumas lágrimas caíssem. — O mundo bruxo te considera um herói, Severo. Como deve ser. E mesmo que não fosse, ninguém tem nada a ver com isso. Enfrentaria a Rita Skeeter mil vezes para ficar com você. Não ligo para o que essa mulher diz. Ou qualquer outra pessoa.  

Ele segurou a mão dela, o mais ínfimo dos sorrisos curvando o canto da sua boca. — Então vamos dar um show a eles.  

Hermione riu e chorou ao mesmo tempo, abraçando-o quase no mesmo instante em que uma coruja pousou graciosa na sacada, bicando levemente o vidro. De alguma forma, por intuição ou um senso aguçado de risco, Hermione já sabia o que a aguardava. Ela preservou por tanto tempo esse momento, dizendo a si mesma que precisava esperar a hora certa. Agora ela já não tinha tanta certeza se foi por ele ou por ela. 

O tempo parou em volta deles. Foi como assistir um filme trouxa em câmera lenta. Hermione mal notou o lençol escorregando do seu corpo, atenta apenas ao olhar dele, a sensação dos seus dedos tocando o seu rosto. Ele beijou a sua testa num gesto carinhoso antes que ela sentisse o colchão ceder, mal se dando conta dele se movimentando ao redor do quarto para abrir a janela. 

Ele murmurou alguma coisa que parecia algo como “mulher odiosa” e Hermione sentiu a boca secar. Seu coração martelou em seus ouvidos e ela cegamente se levantou, resgatando uma das camisas brancas dele.  

— A própria Rita Skeeter mandou entregar. — ele murmurou, entregando a ela uma cópia. 

Hermione desembrulhou o jornal e começou a ler. Conforme as manchetes apareciam, ela foi se sentindo doente. Suas mãos tremiam à medida que as linhas passavam pelos seus olhos.  

RITA SKEETER  

Severo Snape, herói de Guerra e 1ª classe de Merlin, também assassino de Albus Dumblodore, foi visto saindo de um restaurante romântico na cidade luz ao lado da também heroína de guerra, Hermione Granger.  

O que é surpreendente em toda essa história é que o Sr. Snape estava desaparecido do mundo bruxo há anos, e a Srta. Granger, ex Sra. Weasley, seguiu pelo mesmo caminho há alguns meses. Ao que parece, agora sabemos aonde os dois pombinhos estavam se escondendo: nos braços um do outro.   

Esta autora não pode deixar de notar que Hermione Granger se divorciou há menos de dois anos, e ao perceber o quão íntimos o ex professor de Hogwarts e a amiga de Harry Potter estavam, fica a dúvida se este caso não é mais antigo do que parece. Afinal de contas, segundo fontes seguras, foi a Srta. Granger que resgatou Severo Snape de uma morte muito trágica durante a Batalha Final. E mais, o acompanhou por meses num leito reservado no St. Mungus.   

Romântico, não?   

Desejamos sorte ao casal.   

Hermione engoliu em seco, sentindo o coração bater forte no peito. Ela sentia que poderia desmaiar a qualquer momento, mesmo que isso jamais tivesse acontecido com ela. Hermione Granger não desmaiava, mas naquele momento ela mal conseguia sentir as próprias pernas.  Hermione simplesmente não sabia o que fazer. Ou falar. Depois de tanto tempo tentando contar a verdade a ele da melhor forma possível, ele descobrira da pior.  

— Severo, eu- 

Ele estava de contas para ela, paralisado. Seu olhar não saía das páginas amarelas do Profeta Diário, e Hermione não sabia o que fazer para que ele a olhasse. E quando ele o fez, pareciam que mil facas tivessem sido enfiadas em seu peito. Porque o seu olhar era tão profundamente triste que Hermione se sentiu fisicamente mal.  

— Você tem alguma coisa para me dizer, Hermione? 

Ela piscou, sentindo os olhos arderem com lágrimas não derramadas. — Severo, você tem que entender, eu- 

Um aceno no ar e ela imediatamente se calou. Ela nunca vira esse olhar em seu rosto, nem mesmo quando ele era professor em Hogwarts. Ele não estava só triste e com raiva. Ele estava decepcionado, e isso a matou. — Apenas responda. Isso é verdade?  

Hermione apenas piscou em resposta.  

— Por favor, me diga que essa mulher horrível está apenas repetindo uma série de suas atrocidades. — Uma sombra caiu sobre o seu rosto, e Hermione soube naquele instante que havia cruzado todas as linhas.  

— Severo, eu- 

— Responda sim ou não, droga! — ele gritou de repente, e Hermione pulou, soluçando.  

 — Sim! É verdade, eu o salvei naquela noite!  

Ele a olhou tão profundamente em choque, os nós dos dedos esbranquiçados pela força em que ele segurava o jornal, que Hermione não conseguia fazer mais nada além de chorar. 

— E por que você não disse nada? Eu não entendo! 

— Você mal queria ser salvo! Você desapareceu depois, não deu nenhuma indicação que quisesse ficar no Reino Unido. O que você queria que eu dissesse? 

Ele riu com escárnio. — Então a culpa é minha? É minha que você tenha deliberadamente escondido isso de mim? Ou você vai dizer que não teve chances de me contar durante os últimos  sete  meses em que estivemos trabalhando juntos? 

— Eu queria contar, Severo, eu juro! Mas então eu- 

— Então o quê? Você veio até a França para me seduzir? Qual era o seu plano? Dizer como o prof. Snape era patético para os seus amigos? Me fazer contar coisas íntimas para me chantagear depois?  

— Não! Severo, por Merlin, como você pode pensar algo assim?  

— Eu nem ao menos te conheço, Granger. Você é uma completa estranha agora. Eu mal — ele respirou fundo, desviando o olhar —, eu mal posso olhar para você agora.  

Hermione soluçou alto, pedindo, implorando, para que ele escutasse. — Severo, por favor.  

— O que mais você escondeu de mim? Eu tenho o direito de saber, então fale antes que use Legilimência em você.  

Hermione ofegou. — Você não faria isso.  

Ele olhou duramente para ele, tão possesso e quebrado que ela se espantou. — Não faria? Granger, não se esqueça que flertei muito tempo com o escuro. Posso me permitir alguns desvios morais se eles dizem respeito a alguém que disse gostar de mim para me usar.  

Ela balançou a cabeça. — Eu  amo  você. Severo, por favor, você tem que- 

— O que mais você escondeu de mim? — ele a cortou, e Hermione limpou o rosto, tentando respirar fundo. Ela simplesmente não conseguia falar.  

— Granger. — ele pediu, a voz tão baixa quanto um sussurro, mas cortante. 

— Depois de levar o seu corpo para o St. Mungus, eu — ela parou, tremendo —, eu descobri uma coisa. Nós éramos — ela balançou a cabeça — nós  somos  almas gêmeas. 

Ele piscou, olhando paralisado para ela. Hermione não esperou pela reação dele e continuou, temendo que se não o fizesse perderia a coragem. — Quando a Nagini atacou você nós estávamos lá, assistindo. Lancei uma magia involuntária de proteção, mas quando o Harry se aproximou você já tinha perdido os sinais vitais. Ou pelo menos eu achava que sim. E — ela parou, se sentindo mal. Reviver aquela noite era difícil, mas o olhar dele era implacável, então ela se forçou a continuar.  

— E? 

Ela mordeu o lábio com força, tentando se impedir se chorar. — E nós tivemos que sair. Mas eu não queria deixá-lo. Eu não podia. Voltamos para a escola, mas alguma coisa me segurava. Eu  sentia  que precisava voltar para você. Em algum ponto ao longo daquela noite terrível consegui escapar sem que ninguém me visse e então... você estava vivo. Eu nem ao menos sei porque voltei, eu só  precisava . Então o levei direto para o St. Mungus. Até aquele momento você ainda era um assassino, mas eles não podiam negar atendê-lo.  

— Você voltou para um assassino. Por quê? 

Hermione balançou a cabeça. — Isso importa? Você não era um assassino no final.  

Severo riu com escárnio. — Eu  sou  um assassino, Granger. Não tente ver isso com lentes coloridas.  

— Você estava do nosso lado, Severo. Não seja tão obtuso! — ela praticamente sibilou. 

— Mas você não sabia disso!  

— Eu não sabia, mas eu  sentia 

Eles gritaram quase ao mesmo tempo, se aproximando involuntariamente. Eles respiravam com força, vidrados, com raiva e frustrados, magoados.  

— Eu sentia, aqui dentro — ela apontou para o peito com força, apertando o tecido até enrugá-lo — que se você fosse embora uma parte importante em mim morreria. Eu não sabia como, ou por que, mas estava lá. Eu mal podia respirar, Severo! Parecia que pedaços do meu coração estavam sendo arrancados de mim com o mero pensamento de perdê-lo. Então eu escutei o meu coração, escutei os meus instintos, e voltei. E não me arrependo!  

— Mas eu me arrependo! Me arrependo de ter conhecido você, droga! 

Hermione recuou como se tivesse levado um tapa.  

— Não posso acreditar que você acabou de dizer isso.  

Severo riu com escárnio. — O quê? Está surpresa por que as coisas não saíram conforme você tinha planejado? Me diz, Granger, por que você veio até mim? Por que me procurar depois de quase dez anos? Você estava tão infeliz que precisava deixar outra pessoa infeliz também? 

Hermione fechou os olhos. Cada palavra ferina dele era como fogo em brasa, marcando-a dolorosamente. — Eventualmente, eu encontraria algum tipo de felicidade. Não desse jeito, mas eu encontraria. Milhares de pessoas tem casamentos felizes sem realmente encontrar a sua alma gêmea, então nós inevitavelmente seguiríamos o mesmo caminho. Mas depois de  saber , depois de  sentir , e não poder nem sequer dar uma chance... eu não poderia viver com isso.  

— E eu poderia? Você tinha que ter me contado imediatamente! — ele gritou.  

Ela riu sem humor, passando a mão no cabelo para tentar contê-los. Ou conter o seu desespero, ela não sabia ao certo. — E você, claro, teria recebido isso muito bem. Oi, Prof. Snape, sou eu. Hermione Granger, lembra? Amiga do bruxo que você odeia. A aluna irritante de cabelos cheios e dentes enormes. Então, história engraçada: você é a porra da minha alma gêmea! 

— A escolha era minha! Como você sequer ousou imaginar qual seria a minha reação? Eu tinha o direito de saber! 

— Eu não queria impor a minha presença a você! Como você teria lidado com essa informação? Você já tinha perdido a sua liberdade por tempo demais, queria que você tivesse a chance de descobrir por si mesmo o que fazer com a própria vida!  

— Que magnânimo da sua parte. — ele zombou, e Hermione estremeceu. — E o que mudou, então? Por que você decidiu fazer isso agora? 

Ela fechou os olhos, tentando reunir energia o suficiente para falar. Não havia mais tempo para mentiras. — Eu não consegui ficar longe de você.  

Ele bufou, se afastando dela para ficar de costas. — Você acha, honestamente, que eu vou acreditar nisso? 

— Veja por si mesmo, então. Estou aqui, Severo, sem nenhum segredo. Essa era a verdade que estava me segurando. Eu queria te contar desde o começo, mas tive tanto medo de- 

— Então você simplesmente veio trabalhar para mim e mentir. Merlin, eu estava certo o tempo todo. Desde o começo. Me recriminei por pensar o pior de você, quando na verdade eu estava certo! Você mente, Granger. O tempo todo. Pior, mente para si mesma.  

Doeu. Cada palavra. Hermione mal conseguia respirar com o peso do ódio dele sobre ela. — Não foi por mal. Achei que pudesse te esquecer, mas eu- 

— Para com isso! — ele a interrompeu, avançando bruscamente em direção a ela. Ele parecia tão zangado e sombrio que Hermione recuou involuntariamente. — Eu não acredito em você, Granger. Em uma única palavra. Na verdade, eu mal posso olhar para você.  

— Severo — ela implorou —, eu amo você. Por favor, eu- 

— Posso saber poucas coisas sobre o amor, mas sei que é preciso confiança. E a minha você não tem mais.  

Hermione começou a soluçar copiosamente, sem controle das suas emoções. Ele sequer a olhou uma segunda vez, tão decidido de sua própria partida que o som do seu desespero mal o abalou. Mas foi o que ele disse antes de sair para o ar frio da manhã que a apunhalou.  

— Me decepcionei com muitas coisas na minha vida. Você só foi uma delas. Vou sobreviver.  

... 

Doeu. Doeu profundamente.  

Hermione sabia o que era sofrimento. Ela passara por uma guerra, afinal de contas. Ela entendia o que era mágoa, decepção. Sabia o que era ver a tristeza no rosto de seus pais e se sentir o pior ser humano do mundo. E, pior, ela passara pela dor da perda. Ela perdera um filho, um bebezinho, que passara pouquíssimo tempo com ela, mas fora o suficiente. 

Hermione ansiara por tocar os seus dedinhos, por colocar os pés minúsculos na palma da sua mão, por sentir o cheirinho de leite no pescoço do seu bebê. E sequer ter tido a chance de senti-lo crescer dentro dela foi aterrorizante. Hermione não sabia que podia sentir uma dor tão grande e sobreviver. E de alguma forma, ela fizera. Ela acordara dia após dia, tentando entender como poderia continuar se sentindo tão vazia. Depois de um tempo Hermione mal conseguia chorar por aquela criança. Ela se sentia oca, seca. Sem esperança.  

Eventualmente, a vida seguiu, e Hermione foi junto com ela. E de alguma forma, a memória  dele , daquele homem complexo, brilhante, misterioso e taciturno, foi o que a manteve sã. Apenas saber que ele estaria vivendo em algum lugar do mundo era o suficiente, e a ajudara a superar os momentos mais difíceis que ela passara nos últimos anos, desde a guerra.  

Só saber que Severo Snape existia mudava tudo. 

Ela fantasiou reencontrá-lo diversas vezes, nos mais diferentes cenários. Uma livraria em Paris, um café charmoso em Veneza, uma escadaria histórica em Portugal. Eles apenas se encontrariam e ele, claro, seria um idiota grosseiro e sarcástico e ela, como deveria ser, o retrucaria com elegância e bom humor. E então um diálogo atravessado viraria dois, e o terceiro viraria um café, que seguiria um jantar.  

Ela bufou, sentada no chão da sala, uma taça de vinho esquecida no canto. Como ela era idiota. Parecendo uma adolescente criando histórias de amor unilaterais. Ela não o procurara com a intenção de seduzi-lo, e sim com a de contar a verdade. Mas então... como ela poderia roteirizar a vida real? A vida real desprezava os planos. Não, a vida real era totalmente imprevisível. E nessa bagunça tortuosa ela, que achou estar no controle dos seus sentimentos platônicos, se viu totalmente à mercê deles. E  dele . Porque o Severo da vida real era infinitas vezes melhor que o dos sonhos.  

O Severo da vida real tinha a voz mais aveludada, mais grossa e baixa, um belo barítono que não se via em nenhuma outra pessoa. Era atencioso, gentil, cavalheiro. Era amoroso. Ferozmente leal. Macio...  

Hermione balançou a cabeça com força, como se isso pudesse fazê-la expulsar os pensamentos. Mas era só evocar a memória para as sensações invadi-la. Boca, pele, cheiro. Língua. Lábios, sons, gemidos. Suor.  

Era demais, e ela precisava sair dali. Mas suas pernas mal se moviam. A visão do rosto dele, o ódio direcionado a ela...  

Hermione pensou em chamar a Gina, mas com o estado quase avançado da gravidez ela desistiu. Ela também pensou em ligar para o Harry, mas ele nunca conseguiria fingir que estava tudo bem perto da Gina, e preocupá-la seria tão ruim quanto. Ela não sabia o que fazer, mas sequer tinha forças para se levantar.  

Ele nunca mais a perdoaria. 

Não porque ela o salvou, mas porque ela escondera coisas dele. Coisas importantes. Ela vivera por quase uma década com um conhecimento que o dizia respeito, e não o procurou para contar. Era injusto, e ela sabia agora. Mas o que ela poderia ter feito? E como ela poderia viver sabendo que ele provavelmente a odiava? Como poderia acordar sabendo o que era beijá-lo e não tê-lo por perto? Honestamente, Hermione não sabia se poderia aguentar isso. Era como acordar de um sonho muito bom e sentir o coração apertar ao perceber que não real. A sensação de ter estragado tudo era esmagadora, e o som da voz ferida dele ecoava repetidamente na sua cabeça.

Severo tivera tanto medo de errar, tanto medo de meter os pés pelas mãos e arruinar tudo. E, no final das contas, ela era a errada o tempo todo. Se ao menos ela pudesse voltar atrás, fazer as coisas de forma diferente. Mas Hermione sabia que nem um vira-tempo poderia resolver isso. A única pessoa que podia consertar as coisas ela era mesma, e mesmo que ela nunca o tivesse de volta pelo menos se agarraria a uma coisa: ela tentaria. Por Merlin, com todas as suas forças, ela tentaria. 

... 


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Notas finais do capítulo

Uma curiosidade: a cena que ela fala do chocolate quente foi inspirada em A cozinheira de Castamar. Assisti recentemente e tive que incluir no capítulo. Só digo uma coisa: ASSISTAM. É isso.



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