Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 17
Lets do it (Let's fall in love)


Notas iniciais do capítulo

Como sempre, contando com as minhas betas favoritas: Dani e Julia. Aliás, Julia é uma super super autora. Já foram lá ler as fanfics dela? Não? Então corre!

Sobre esse capítulo e Recomeços em geral: já puderam perceber que eu gosto de uma queima lenta, né? Tento preservar ao máximo as personalidades dos personagens, portanto, não consigo imaginar um cenário em que o relacionamento deles pudesse progredir tão rápido. Tem fanfics em que isso acontece? Tem. Second Life é uma delas, em que nos primeiros capítulos já temos um hot poderoso. Maas a autora soube construir um contexto sensacional que eu sinceramente não sei se daria conta de pensar haha então todas as minhas fanfics longas muito provavelmente vão seguir esse estilo.
Dito isso: fortes emoções neste e no próximo capítulo. Agora que a coisa fica interessante. Comentários são sempre bem-vindos!

A música que me inspirou a escrever este capítulo e que vai para a nossa playlist é A song for you, do Ray Charles, e Lets do it (Let's fall in love) da Ella Fitzgerald.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796299/chapter/17

Ginevra Weasley não parava de falar. Nunca. E um celular talvez fosse o pior presente que Hermione pudesse ter recebido. Não que ela não fosse grata, é claro. Ela era. Mas a Gina simplesmente não parava de falar.

Hermione estava sentada na ponta da cama, a cabeça explodindo do vinho que ela bebera na noite passada, e o braço doendo de ficar segurando o pequeno aparelho trouxa por – ela colocou o celular entre o ombro e ouvido para olhar o relógio – quarenta e cinco minutos.

E contando.

— Gina, eu realmente preciso desligar. A Botica vai abrir em uma hora.

— Vou ligar de novo se você não prometer aparecer aqui na véspera do Natal.

— Gina, eu não conseguiria uma chave de portal tão em cima da hora.

— O Harry já conseguiu. – ela cortou, e Hermione ficou sem argumentos.

— Sim, mas-

— O Thiago está com saudades da tia dele, e a minha mãe não para de perguntar sobre você.

— Esse foi um truque sujo.

Gina riu suavemente, mas não parecia arrependida. – Não deixa de ser verdade.

Hermione suspirou. – Eu sei. É só... você sabe.

A linha ficou silenciosa por um momento, até que a Gina finalmente falou. – Você e ele vão ter que se entender em algum momento. Talvez seja uma ótima oportunidade para isso.

Hermione achava isso altamente improvável. - Ele sabe? Sobre a França e, bem, a Botica?

— Sabe. Harry conversou com ele e o fez prometer não fazer nada estúpido. Por favor, venha. O Natal não vai ser o mesmo sem você aqui.

Hermione sorriu. Ela sentia falta de todos. Tanto que doía. Além disso, ela realmente precisava trabalhar e não queria desligar enquanto a Gina continuava a tagarelar. – Tudo bem, eu vou.

Gina comemorou do outro lado da linha, e Hermione teve que afastar o celular do ouvido. – Se eu dissesse não você jogaria “aquela conversa”.

— Como assim aquela conversa.

Hermione bufou. – Você é inacreditável. A conversa da culpa, com aquele tom passivo-agressivo de “você é a minha melhor amiga, e eu estou grávida. Não se nega o pedido de uma mulher grávida”.

— O que? Eu nunca fiz isso. Harry – Hermione a ouvir chamar do outro lado da linha – Eu realmente faço isso?

Pelo longo silencio na ligação Hermione só podia imaginar a expressão de puro pânico que Harry tinha agora no rosto. Bem ao fundo ela escutou a voz dele respondendo: - Claro que não!

Gina não parecia convencida, mas seguiu em frente. – Então, podemos te esperar para o jantar? Seu moletom já está tricotado e debaixo da árvore.

— Claro. Vou estar aí.

— Bom. Porque quero ouvir sobre tudo.

— Tudo o que, Ginny? Não tem nada para saber.

— Hermione – essa era a voz que a Gina usava quando alguém estava sendo idiota, e Hermione teve que segurar o riso – Você não poderia mentir para mim nem se estivesse do outro lado do mundo.

— Não é nada demais. É só o de sempre. Não se preocupe com isso. Olha, eu realmente tenho que ir agora.

— Tudo bem, te vejo daqui a dois dias. Thiago quer falar com você. Aqui, manda um beijo para a sua tia.

— Oi, tia Mione.

Hermione sentiu o olho arder. – Oi, querido. Como você está?

— Tudo bem. Você vai vir no Natal? A mamãe disse que você vai me trazer um presente.

Hermione riu, mesmo com as lágrimas descendo pelo rosto. – Claro que vou! Acha que eu iria esquecer?

— Então tá bom. Até logo, tia! Te amo!

— Também te amo, querido. Até logo.

A linha ficou muda e Hermione sorriu, olhando para a tela do celular, até que as palavras acenderam algo em sua memória.

Tchau, te amo!

Sua cabeça foi bombardeada de imagens da noite de ontem e ela congelou. As palavras imediatamente a fizeram lembrar que-

— Merda. Não, não, não, não! Merlin!

Hermione começou a andar em círculos no quarto, desesperada. Ela realmente disse aquilo?! Não poderia ser. O que mais ela tinha dito? Pior, feito? Será que ela contou alguma coisa? Será que-

— Não, não pode ser! Hermione, estúpida! Você sabe que não pode beber. Merlin, não acredito! Como vou encará-lo agora? Como?! Merda, merda, merda! Malditos vinhos franceses.

E então ela começou a hiperventilar imaginando tudo o que ela poderia ter dito ao homem que amava. E que por acaso era provavelmente a pessoa mais inacessível do planeta. E também seu sócio. E seu antigo professor. Seu ex chefe. Seu amigo? Sim, amigo. Ou qualquer coisa perto disso.

“... será que falei alguma coisa inapropriada?”

“... ai, Merlin, será que fiz alguma coisa que deveria me envergonhar?”

“... eu realmente disse ‘tchau, te amo!’?”

“... MERLIN, eu apenas o beijei?!”

“... ok, foi só no rosto. Mesmo assim!”

“... droga de vinhos franceses!”

“.... deliciosos vinhos franceses.”

“... eu deveria ir embora. Agora.”

“... e se eu fingisse que nada aconteceu?”

“... nunca mais vou beber.”

— Ok, Hermione, acalme-se. – ela tentou respirar e pensar racionalmente. Não fazia parte da sua personalidade perder o controle de uma situação, e ela sabia que, por mais que estivesse apavorada com a perspectiva de encontrá-lo sem saber exatamente o que tinha dito, jamais fugiria. Não disso.

Ela forçou a memória, tentou recapitular os seus passos mentalmente, juntar as peças do quebra-cabeça para saber se havia alguma outra atitude embaraçosa que ela devesse lembrar, e era uma peça pior que a outra.

— Honestamente, Hermione, onde você estava com a cabeça!

Uma das últimas lembranças que ela tinha antes que tudo ficasse nebuloso era de ir até o bistrô e desmarcar com o Isaac. Ela só tinha aceitado o convite numa tentativa tola de provocar o Severo, de deixá-lo enciumado. Era um teste. Uma ideia idiota, claro. Depois disso, ela só se lembrou de tomar uma ou duas taças (talvez mais) no bistrô e sair com meia garrafa de vinho até a praia.

— Como duas taças podem fazer tanto estrago?

E, bem, depois disso: nada. Mas os momentos mais embaraçosos estavam vindo como flashs na sua memória. Ela lembrou de sentar na areia gelada, de sentir o vento cortante no rosto, e até de pensar que era uma má ideia, mas ela já estava levemente alcoolizada, se sentindo sonolenta, e acabou ficando.

Hermione também se lembrava de enviar o patrono – e, pelos céus, o que ela havia dito?! E dele atravessando a faixa de areia para simplesmente pegá-la no colo como se ela não pesasse mais do que uma pena, e carregá-la até o carro. Ela tinha certeza que falou muitas coisas durante a pequena viagem até o centro da vila, mas só conseguia se lembrar dele a deixando no quarto e depois...

Ela olhou no relógio e xingou baixinho. A botica abria as 10h e eram 9h58. De um sábado. Faltando apenas dois dias para o Natal. Severo ia matá-la. Na verdade, era um milagre que ele ainda não tivesse a azarado para fora da vila depois de socorrê-la tantas vezes.

Assim, ela vestiu a primeira roupa que encontrou e tentou prender o cabelo num coque. – Não vai ficar melhor que isso. – ela suspirou em frente ao espelho, fazendo a bolsa flutuar até ela com um feitiço sem varinha.

Ela tinha que enfrentá-lo. Certo? E talvez ela nem tivesse dito nada demais. Ela só pediu uma carona e foi isso.

— Sim, Hermione. Só isso.

Apenas.

Nada, absolutamente nada, para se preocupar. Não havia motivos para as coisas ficarem estranhas entre eles.

De jeito nenhum.

Com essa resolução otimista Hermione entrou na botica – ela não iria mencionar que pediu num mantra silencioso que ele estivesse muito envolvido no laboratório para sequer aparecer na loja.

Ela abriu a porta de vidro o mais silenciosamente que conseguiu, e respirou aliviada quando não viu nenhum sinal dele. Ótimo. Ela fechou os olhos e continuou implorando que ele continuasse nos fundos da loja a manhã toda. Não, o dia todo.

Era ridículo, claro, mas Hermione não tinha muita certeza se conseguiria encará-lo agora. Sua cabeça ainda doía, e sua boca estava seca. Ela só queria que esse dia acabasse o mais rápido possível, assim ela poderia dormir até o próximo Natal e esquecer da quantidade de vezes que fez papel de idiota na frente de Severo Snape.

— Apenas me mate. – murmurou, massageando a testa. Ela precisava urgentemente de uma poção para ressaca, mas estava no laboratório e de jeito nenhum ela buscaria. Então ela tentou se concentrar na loja, seguindo a rotina de todas as manhãs, até que a voz dele soou atrás dela.

— Srta. Granger.

— Merlin! – ela gritou de susto, se virando a tempo de ver o mais discreto dos sorrisos no canto da boca dele.

— Não exatamente. Você está atrasada, a propósito.

— Sinto muito. Não estava me sentindo muito bem.

— Existe um nome para isso. Se chama ressaca.

Hermione revirou os olhos. – Não é pra tanto, Severo. Foram só duas taças de vinho.

E uma garrafa.

— Então a poção para ressaca não vai ser necessária? Tinha separado uma apenas para o caso de, não sei, você precisar. Como não é o caso vou enviar todo o lote agora para o-

— Não! – ela gritou, e sua cabeça doeu ainda mais com isso. Merda.

Severo apenas deu um meio giro bastante dramático, os olhos brilhando com uma malícia divertida ao vê-la se contorcendo para não admitir. – Hermione, caso você não esteja lembrada fui eu que carreguei você ontem à noite. Esse navio da vergonha já partiu.

Hermione apenas assentiu, se sentindo ainda mais tola.

— A poção está em cima da bancada. – disse.

— Obrigada. E, Severo – ela chamou – gostaria de pedir desculpas por... bem, ter chamado você tão tarde.

— Não é um problema.

— E por ter dito ou feito qualquer coisa que o tenha deixado desconfortável.

— Hermione –

— Não, sério – ela deu um passo mais perto dele – me lembro de ter dito algo quando enviei o patrono que-

Ele congelou no lugar, o que só deixou Hermione ainda mais em pânico.

— Você não precisa –

— Por favor, eu – ela deu mais um passo para perto dele, e ele se afastou. Foi um movimento sutil, quase imperceptível, mas ela percebeu – eu só gostaria de dizer que não importa a quantidade de vinho que eu tivesse –

— Hermione, não. – ele estava quase implorando agora, o que era muito atípico para um homem como ele – Está tudo bem. Você bebeu um pouco e eu não vou segurar isso contra você.

— Não era isso que eu –

— Dizemos... coisas quando estamos embriagados e é natural que você se sinta desconfortável. Mas eu garanto a você que não importa. Realmente, eu mal percebi isso.

Hermione recuou como se tivesse levado um tapa. – Claro. Eu... bem, obrigada por ser tão... magnânimo sobre isso.

Agora foi a vez de Severo recuar, confuso. – Eu disse alguma coisa que –

— Não. – Hermione disse bruscamente, incapaz de encará-lo. – Está tudo bem. Eu só vou buscar essa poção e –

— Sim. – ele assentiu.

— Tudo bem. – ela passou por ele sem levantar o rosto e bateu a porta atrás dela.

— Ótimo. – Severo murmurou, tentando entender o que diabos tinha acabado de acontecer.

...

Severo não dormira.

Severo não dormira, eram quase 10h da manhã e a Hermione estava prestes a entrar por aquela porta.

E quando ela entrou custou cada grama do seu autocontrole fingir que não se importava. Fingir que estava tudo bem para ele, que era perfeitamente natural ouvir um “te amo” e não fazer nada sobre isso. Era um esforço que ele estava fazendo para não constrangê-la, decidindo que a melhor filosofia era negar e empurrar o que estava acontecendo para debaixo do tapete.

Um segredo: não era.

E no fundo ele sabia disso, só que naquela situação específica ele achou que era o melhor caminho. Mas ele estava a protegendo ou se protegendo?

Ele tentou não constrangê-la durante aquela conversa estranha e agora ela estava furiosa por um motivo que ele sequer entendia.  

Severo teve que literalmente tirar o grampeador da mão dela na hora do almoço, quando ela tentou grampear os recibos e acabou grampeando o balcão.

— Eu sei como usar um grampeador!

— Questionável. – ele sabia que isso a deixaria ainda mais irritada, mas ele não podia perder um argumento.

— Como assim? – sim, ela simplesmente cruzou os braços e Severo teve que se apoiar no balcão. Merlin, ele a queria. Ali e agora.

— Olha aqui, Granger, tem grampo no balcão. A menos que você me diga que pretende pregar os recibos na madeira estou banindo o grampeador pela segurança dos meus clientes.

Eles não voltaram a se falar até o fim da tarde, quando se preparavam para fechar. Ela parecia mais calma, completamente concentrada em fechar o caixa e preparar os relatórios das vendas de Natal.

Ele se arriscou a começar um assunto.  – É oficial? Foi o último dia antes do Natal?

Hermione finalmente sorriu, a tensão estranha entre eles sendo deixada de lado para um trégua natalina muito bem-vinda. – É oficial. Agora só abriremos no dia 26, quarta-feira. E se posso adiantar, Monsieur Snape, parabéns.

Severo franziu a testa quando ela o entregou um papel. – Ainda não é um relatório completo. Não contabilizei todas as vendas ainda e, claro, precisamos incluir os pedidos em grande escala, mas a relação das vendas da loja foi positiva. E também-

Ela começou a balbuciar sobre números e Severo só conseguia olhar para o relatório completamente em choque. – Isso é 55% a mais que o Natal do ano passado. – ele a interrompeu.

— Bem, sim.

— A venda não foi positiva, Hermione. Foi muito além das expectativas. Eu-

Ele queria dizer tantas coisas. Severo nunca desejara tanto ser outra pessoa quanto naquele momento. Queria que não houvesse nenhum passado em comum entre eles. Queria ser mais jovem, mais bonito, mais espontâneo. Queria poder jogar tudo para o alto e puxá-la para um abraço de agradecimento: pela presença dela ali, com ele, naquela charmosa vila francesa; agradecê-la por ter tanta paciência, por ser tão brilhante, tão amável, tão adorável. Queria ser um homem a altura dela. Um homem que ela pudesse se sentir atraída, ou talvez até...

Eles foram interrompidos quando vozes animadas preencheram o silêncio carregado de expectativa entre eles. – Meus queridos!

Eram o Sr. e a Sra. Valérie carregando uma cesta enorme que cheirava deliciosamente bem. – Viemos resgatar vocês. – ela disse.

— E alimentá-los! – o Sr. Bernard completou, animado.

Severo piscou, tentando sair daquele momento e voltar para a realidade sem parecer muito suspeito. – Acho que a Srta. Granger não comeu nada até agora.

Valérie olhou feio para ela. – Desde que horas?

Hermione realmente parou para pensar. Ela sequer se lembrava. – Por favor, não me diga que não come nada desde ontem. – Severo perguntou, e Hermione corou sob o seu escrutínio.

— Mon Dieu! – a Sra. Valérie exclamou.

— Ceci est absurde!

— Concordo com você, Bernard.

— Na verdade estava esperando por esse lanche delicioso que só vocês sabem fazer.

— Ela se safa por ser adorável. – o Sr. Bernard comentou, e todos riram.

— E todos esses papéis? São 18h de um sábado! Dois jovens desperdiçando a França em pleno Natal é um absurdo. Não é, Bernard?

— Ah, sim. Aproveitamos tanto nossos primeiros anos de casado não é, mon angel?

O olhar do Sr. Bernard para a Valérie foi tão carinhoso que Severo sequer se deu conta que fez o mesmo olhando para a Hermione. O casal mais velho começou a contar da lua de mel que tiveram em Paris e ele observou como a expressão dela ficara suave e seus olhos, sonhadores. Ele se pegou pensando que ela encontrasse o mesmo amor calmo, tranquilo e apaixonado que os seus amigos encontraram. Ainda que não fosse com ele.

Por fim, eles improvisaram um lanche no balcão carregado de boa conversa, risadas e um delicioso tartiflette acompanhado de vinho branco.

— Vamos brindar ao que hoje? – Bernard perguntou.

— Aos excelentes resultados da botica nas vendas de Natal. – Hermione sugeriu, levantando a taça.

— Por estarmos em excelente companhia. – Bernard falou.

— Ao amor! – Valérie brindou, os olhos brilhando com malícia – E você, Severo, querido. Brinda ao que?

Todos ficaram em silêncio quando Severo finalmente começou a falar. – Não sou um homem muito receptivo às surpresas, porque na minha vida a maioria delas não foi agradável.

Ele fez uma pausa, olhando para o líquido borbulhante na taça de cristal em suas mãos. A cortina de cabelos escondia sua expressão, e todos ficaram em expectativa para que ele continuasse. Severo sabia que seria um momento definitivo para ele. Um momento em que ele se permitiria ficar vulnerável na frente das três pessoas que ele mais se importava, mas era necessário. Então ele levantou a taça e contra todo o seu bom senso, continuou: - Mas talvez agora eu devesse esperar mais por elas, se todas vierem na forma da jovem mulher que hoje tenho como sócia. Então eu brindo à Hermione.

Severo estava totalmente consciente de que o Bernard e a Valérie o olhavam completamente em choque, mas ele não poderia se importar menos. Uma vida inteira se poupando de sentir, de amar, de viver as coisas boas da vida, e agora ele era um homem faminto. E o único olhar que ele conseguia se importar era o dela.

— À Hermione! – todos repetiram em uníssono enquanto ela o olhava chocada.

Severo queria dizer tantas coisas para ela. Ele estava cansado de sonhar com alguém que não existia, e acordar segurando o vazio. Isso não era viver. Severo estava cansado de se apegar a lembranças porque a vida estava ali, se abrindo bem diante dele na forma de uma mulher tão brilhante que ele mal podia acreditar na sua sorte.

Seria difícil estar perto dela como um amigo, mas ele seria o que ela quisesse, o que ela precisasse. Porque o amor não é sobre receber de volta, mas sobre dar. E ele se sentia tão grato pelo presente que ela lhe dera, mesmo sem saber, que ele a amava em dobro por isso.

...

— Já que a Hermione não passará o Natal na vila, que tal fazermos um jantar antecipado amanhã?

— Ótima ideia, querida! – Bernard concordou, vestindo o casaco e ajeitando o cachecol – Um jantar de Natal para comemoração pelos ótimos resultados da botica. Que tal?

— Perfeito. E pode ser na sua casa, Severo. – Valérie sugeriu enquanto colocava as luvas e se preparava para levantar.

— Como é uma comemoração para mim se eu vou cozinhar? – ele protestou, rabugento, apenas para não perder o costume.

— Hermione pode ajudá-lo. Não é, querida?

— Bem, eu-

— Ótimo! Então estamos combinados. Jantar às sete amanhã na sua casa, Severo.

— Não acho que eu tenha muita escolha no assunto de qualquer maneira. – ele murmurou atrás da taça.

— Não tem. Vamos levar o vinho e a sobremesa. – Valérie deu a palavra final, frenética como sempre, enquanto puxava um Bernard divertido até a porta. – Depois eu busco as taças. Boa noite, queridos!

— Au revoir, meus jovens! Aproveitem a noite francesa e façam tudo que eu faria. – ele deu uma piscadinha sugestiva e fechou a porta atrás de si. A risada da Sra. Valérie ecoou pela noite até diminuir, sumindo por completo, e Hermione corou tanto pelas implicações do comentário do Sr. Bernard quanto pela saída abrupta. Eles poderiam ser mais óbvios?

— Eu vou-

— Você gostaria-

Eles falaram juntos, e Hermione deu uma risada nervosa. Severo sorriu e fez um gesto para que ela falasse primeiro.

— Ia dizer que vou organizar os relatórios antes de ir embora.

Severo assentiu, parecendo nervoso. – Sim, claro. Os relatórios.

— Você ia dizer alguma coisa?

— Não era importante. — Mentiroso.

— Então eu vou-

— Sim. Pode fechar a porta quando sair. Vou – ele apontou para o laboratório.

— Laboratório, claro. Bem, eu te vejo amanhã?

— Amanhã, sim. Claro.

— Prometo não roubar a sua cama dessa vez. – Hermione riu, e imediatamente se sentiu idiota. O que ela estava pensando? — Quero dizer – ela se atrapalhou, tentando explicar – porque da última vez eu-

Das últimas vezes. – ele corrigiu, os olhos negros brilhando com um pouquinho de malícia.

— Sim, claro, foi mais de uma.

— Algum relacionamento estabelecido com a minha cama que eu devo saber, Madame?

Apesar do constrangimento Hermione sorriu. – Imagina se os seus alunos soubessem que você dorme em lençóis de cinco mil fios?

Os olhos dele brilharam, divertidos. – Deixe-me com as minhas poucas indulgências, bruxa.

— Agora estou curiosa. Quais seriam as outras?

— O que um professor aposentado poderia desejar?

— Sossego?

Ele bufou. – E você acha que eu tenho sossego com a Valérie morando aqui? Não, a resposta certa é: café de qualidade. Você não sabe o que servem na sala dos professores.

Hermione riu, apoiando o queixo nas mãos cruzadas. – O que mais?

Ele suspirou dramaticamente antes de responder. – A segunda indulgência seria não ter que encontrar ex alunos na rua, mas aqui estamos nós.

Havia uma nota divertida em sua voz que indicava que ele não estava falando sério, então Hermione relaxou, brincando de volta. – Você vai me provocar sobre isso para sempre, não é?

— Dificilmente. Havia alunos piores.

— Puxa, obrigada.

— Não se sinta mal, você estava definitivamente acima do Longbottom.

— Considerando o quanto você gostava dele, não sei se posso receber como um elogio.

Severo sorriu maliciosamente, e Hermione suspirou no silêncio da noite. Eles ficaram perdidos olhando para a loja iluminada apenas pela luz da noite e dos piscas de Natal. Ocorreu a ela que Severo não falara nada sobre a decoração da loja, o que ela definitivamente deveria tomar como um elogio.

— É um bom garoto. – Severo comentou suavemente depois de um tempo.

— Ele é, sim.

— Não diga a ele que eu disse. – Havia uma nota de aviso em sua voz, apesar da expressão suave em seu rosto.

— Claro que não. – Hermione finalmente respondeu, e ele assentiu quase imperceptivelmente. Todos os seus gestos eram tão contidos que ela tinha que ficar sempre atenta para não perder nenhum sinal. – E a terceira?

Severo franziu a testa, confuso.

— Estou curiosa para saber quais são as indulgências que um bruxo tão exigente poderia ter. – ela de ombros, e foi surpreendida com a risada dele. Era um som quente, suave, baixo, que a envolvia como um tecido macio numa noite de inverno.

— Boa comida. Descobri isso aqui, na França. Nunca fui particularmente inclinado para nenhum prato, desde que me alimentasse já era suficiente. Aqui eu aprendi a realmente apreciar cada sabor, cada textura. Há prazer em cada prato. Aprecio como os franceses encaram a vida.

Hermione estava hipnotizada pela cadência suave da voz dele falando dos pequenos prazeres. Como ela queria...

— Um bom vinho, um bom livro, também são indulgências. Sei que parecem simples demais, mas são coisas que nunca pude realmente apreciar antes, então as tenho como grande tesouro.

Hermione sentiu sua garganta apertar ao ouvir isso, imaginando o tipo de vida, de existência miserável, que ele levara. Ela queria inclinar o seu corpo e buscar a mão dele em cima do balcão, mas ficou com medo de ser demais, de extrapolar algum limite.

— O que você achou da decoração? – ela decidiu mudar de assunto.

Severo suspirou, tentando parecer entediado enquanto olhava ao redor. – Aceitável.

— Aceitável é o melhor que pode fazer?

Severo olhou intensamente para ela e deu de ombros. – Nunca fui apegado à data, Srta. Granger, então não posso opinar sobre o que é satisfatório ou não.

Hermione estremeceu com o título, mas decidiu ignorar sabendo que ele só estava tentando ser obtuso. - Você não comemorava o Natal com os seus pais?

Ele hesitou, olhando para todos os lugares exceto para ela. Hermione se sentiu tola pela pergunta, e quando estava prestes a se desculpar por ser invasiva ele começou a falar.

— Nunca comemorei o Natal em família, Hermione. Meu pai bebia, e sempre estragava a ceia. Até o ano que comecei a me impor. Não tinha mais medo dele. Eu quase o matei uma vez.

O silêncio era cortante. Hermione mal ousava respirar, com medo que qualquer movimento brusco quebrasse o momento e ele recuasse, se escondendo dentro da sua fortaleza.

— Você pode ver porque a data não tem o menor apelo para mim. – ele finalmente disse depois do que pareceu uma eternidade.

— Eu sinto muito.

— Teve um ano que gostei muito. Lily me deu um presente. Um livro para o meu próximo ano em Hogwarts. Novinho. Guardei como se fosse meu maior tesouro.

Hermione sorriu para a imagem do Snape criança, tentando evocar alguma imagem para a sua mente curiosa. Ela imaginou um menino magro, pálido, tão necessitado por carinho e afeto que o seu coração doeu. De alguma forma ela se confortou por saber que ele teve a mãe do Harry, mesmo que por um breve momento.

— Parece adorável. – ela concordou, e estava sendo genuína.

Ele assentiu, e embora não tivesse a cortado com algum insulto ou tratamento silencioso de fria indiferença, ela entendeu que o assunto acabava ali. Mas ele a surpreendeu, no entanto, quando continuou. – Ela era adorável. Inteligente, bonita. Todos gostavam dela. Era difícil encontrar alguma coisa em que reclamar.

Hermione sentiu uma pontada esquisita de ciúmes correndo dentro dela naquele momento, e se pegou desejando que todas as palavras que ele direcionava à Lílian fossem para ela. Era irracional, mas quando o amor fizera algum sentido? Ao mesmo tempo, ela se sentia grata e honrada por ele estar desabafando de um assunto tão profundamente íntimo.

— O Harry realmente tem os olhos dela?

— Ele tem. Mas eu não o tratei mal porque ele me lembrava dela. Sei que a pergunta que está rondando a sua mente é essa.

Hermione corou.

— Foi porque ele me lembrava o que eu fiz com ela. Quis odiá-lo primeiro para não sentir tanto o ódio dele de volta.

— O Harry não odeia você.

— Ele deveria.

Dessa vez Hermione não aguentou e saltou do banco, ficando em pé bem ao lado dele para alcançar a mão, entrelaçando-as.

— Não. Não deveria. O Harry sabe todo o contexto, Severo. Se perdoe. O Harry já fez a muito tempo.

— Não acho que eu possa me perdoar um dia, Hermione. Por minha causa ela está morta.

— Não. A Ordem foi traída. Você sabe disso tanto quanto eu.

— É só um detalhe, Hermione. Fui eu quem entregou a profecia em primeiro lugar.

— Severo-

— Não importa agora. Eu só queria que você soubesse que não sou um bom homem. Estou vivendo uma vida mais leve agora, e talvez conhecendo o homem que eu poderia ser se... – a reticência dele ficou no ar, mas Hermione sabia o que ele queria dizer.

Se ele tivesse tido uma infância mais saudável.

Se ele não tivesse sofrido tanto bullying na escola.

Se ele não tivesse tomado decisões erradas.

— De qualquer forma, não importa. Não podemos voltar atrás.

— Não, mas podemos encarar os nossos problemas, tentar fazer as pazes com o passado e seguir em frente. Você mesmo me ensinou isso.

— Você sabe que não deveria me escutar, nunca fui um exemplo de homem e muito menos de professor.

Hermione negou com a cabeça, mal se dando conta de que as suas mãos ainda estavam unidas. – Você era um professor implacável, mas um dos melhores que já tive. E você enfrentou os seus erros, Severo. Passou quase duas décadas consertando. Perdoe-se.

Ele finalmente olhou para ela, e eles estavam tão perto que Hermione pode notar o mais ínfimo vislumbre do castanho escuro dos seus olhos. Severo segurou o olhar de volta e apertou a mão dela.

— Estou tentando. – ele finalmente disse.

Hermione sorriu, satisfeita. – É o suficiente.

— Tem só mais uma coisa que eu gostaria de dizer a você. Isso me incomoda a bastante tempo, e recentemente você trouxa à tona.

Ela franziu a testa, curiosa e confusa. Ele desviou o olhar para as mãos deles juntas e finalmente falou, baixinho. – Eu disse algo a você do qual eu não me orgulho e estou – ele se levantou, quebrando o contato entre eles, parecendo totalmente sem lugar e envergonhado – disse algo sobre os seus dentes.

Hermione imediatamente se encolheu na cadeira, surpresa por ele ter trazido o assunto à tona visto que ela não sequer lembrava de ter mencionado.

— Não importa, Severo. Isso já passou. Sério, eu nem-

— Importa, sim. Sinto muito, Hermione. Eu era um homem amargo e mesquinho, com um papel a desempenhar. E às vezes esses papéis se misturavam e eu sequer me dava conta.

— Já passou. – ela se levantou e caminhou até ele de novo, parando bem no coração da loja, entre a árvore de natal e o balcão – Além do mais, aproveitei a oportunidade para consertar do jeito que queria.

Severo sorriu suavemente. Ele queria tanto tocá-la...

— Sempre a bruxa mais brilhante.

Hermione ofegou em choque. Ela sempre quis ouvir aquelas palavras dele, mas dessa vez tinha um sentido e uma força tão diferentes. Ela não queria mais a aprovação dele enquanto uma jovem aluna, mas como a admiração de um homem para uma mulher.

— Obrigada.

Ela só conseguiu dizer uma palavra, mas continha todo um significado por trás dela. Severo pareceu entender, e isso bastava.

— Mas se você disse algo negativo sobre os meus dentes hoje, provavelmente vou azará-lo.

Ele riu desta vez, e Hermione pensou que pudesse derreter. Mas nada, absolutamente nada, a preparou para o que ele disse em seguida.

— Como eu poderia se a bruxa mais brilhante que o mundo bruxo já viu é também a mais linda?

Qualquer pretensão que eles pudessem ter de que poderiam ignorar o que estava acontecendo se esvaiu com o vento frio da noite. Era inútil negar. Inútil e cansativo e eles não tinham mais disposição para jogar esse jogo.

Então, para onde eles iriam a partir dali?

...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Recomeços" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.