Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 16
Ciúmes


Notas iniciais do capítulo

Hey, gente! Tudo bem? Antes de tudo queria agradecer à Daniela Teixeira, minha super beta de sempre, e à Julia Fernandes, escritora maravilhosa, que corrigiram este capítulo. Obrigada, meninas! Agradecimentos de sempre aos leitores do grupo Severo Snape Fanfictions que seguem me dando a maior força ♥

Sobre o capítulo: quem gosta de um Severo ciumento aí?

Boa leitura!



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— Absolutamente não.

— Snape.

— Não.

— Mas-

— De jeito nenhum.

Hermione respirou fundo. – Você é um homem irritante, Snape. Todas as outras lojas-

— Estão enfeitadas, eu sei. O que não muda em nada a minha decisão.

— Nós combinamos que no dia primeiro de dezembro começaríamos a enfeitar para o Natal. A vila toda já está decorada, estamos ficando para trás!

— Não é a Taça das Casas, Granger.

Ela respirou fundo, tentando outra tática.

— Posso pelo menos colocar algumas coisas?

Ele estreitou os olhos. – Defina quais e quantas coisas.

— Algumas luzes na fachada. – ela deu de ombros, tentando soar convincente – E uma árvore.

Ele abriu a boca para protestar, mas Hermione acrescentou a tempo. – Pequena. Uma árvore pequena.

Ele suspirou, massageando a testa. – Você não vai desistir disso, vai?

— Não mesmo. – ela respondeu, mas seus olhos brilharam com malícia.

— Tudo bem. – ele finalmente cedeu – Mas não vou ajudar. E você terá que fazer depois que a loja fechar.

— Claro!

— E depois que me ajudar com as poções para a reposição da Ala Hospitalar.

— Não precisa se preocupar com isso, tenho certeza que você vai adorar.

— Eu duvido muito disso. – ele retrucou, mal humorado, se fechando no escritório.

O dia passou voando. Hermione perdeu a conta de quantos clientes foram atendidos naquele dia, mas eles não paravam de chegar. Assim como o telefone que fora instalado não parava de tocar, e as notificações na caixa de e-mail improvisado que ela criara já passavam dos 40 não lidos.

Ela deveria estar louca por se impor mais uma tarefa, mas quanto mais ela preenchia a cabeça com o trabalho, menos pensava no contato cada vez mais crescente entre eles. Se tornara rotina tomarem o café da manhã na padaria todas as terças e quintas, e quando ele não podia ir, ela aparecia com o café e eles tomavam de forma improvisada em alguma das mesas do laboratório.

Era comum que almoçassem juntos também, às vezes perdendo a hora até que algum cliente ansioso entrasse na loja mesmo com o anúncio de “Fechado para o Almoço”. Nos dias de maior movimento, como estava ficando frequente conforme o Natal se aproximava, eles alternavam para que a loja não tivesse que fechar, e depois compensavam com o jantar. E a parte mais engraçada é que eles mal se davam conta disso, de que encontravam motivos para ficar perto. Fosse com jantares improvisados, horas de chá em horários aleatórios, pausas para o café nos intervalos de um atendimento ou de uma poção.

E a cada dia ele se sentia mais seguro de se abrir com ela, e os assuntos, que antes eram meramente discussões aleatórias sobre artes, ciência, filosofia, poções, começaram a ficar mais pessoais. Além disso, ela estava aprendendo a lidar com o mau-humor dele com mais desenvoltura a cada impasse. Onde ele era sonserino demais, ela era grifinória o suficiente para os dois.

E agora ela estava ali, na botica, colocando mais enfeites do que havia prometido, torcendo para que ele não tirasse, enquanto relembrava da conversa marcante que tiveram no início da semana. Ele estava... flertando com ela? Não, não poderia ser. Ela descartou imediatamente. Snape só estava sendo, bem, ele mesmo. Provocando, irritando-a sem fim.

— Hermione.

Me chame de Hermione. Ela lembrou do seu apelo quase febril. Onde eu estava com a cabeça?!, ela se perguntou enquanto tentava desembolar um pisca-pisca. Num vislumbre, ela imaginou como seria ouvir o seu nome saindo da boca dele, num sussurro suave ao pé do ouvido, o sopro das palavras ditas causando arrepios no pescoço, e-

— Hermione, querida? – era a Sra. Valérie.

— Sinto muito, o que disse?

— Estou chamando você há horas.

— Mil desculpas – Hermione deu um sorriso cansado – estava distraída.

— Você está bem? Está vermelha.

Hermione sentiu a mão da Sra. Valérie na testa. – Por Deus! E está quente também. O que aconteceu, querida? Será que vai ficar doente?

— Não! – ela disse, um pouco rápido demais – Sinto muito, quis dizer que não estou doente. Ou talvez tenha pego um resfriado, não é nada demais.

A Sra. Valérie não parecia convencida. – Tem certeza? Não é melhor ir para casa e descansar? Está trabalhando tanto!

— Tenho sim, não se preocupe. E, nossa! Não consigo desembolar isso. – ela praticamente jogou os piscas em cima do balcão, frustrada.

— Aqui, deixa que eu olho isso. – Valérie sorriu para ela, pegando o ninho de luzes natalinas que Hermione estivera tentando arrumar nos últimos trinta minutos. - O que está te deixando tão estressada, minha querida?

Hermione suspirou, deixando a cabeça cair numa das mãos. Desabafar com a Valérie parecia tão convidativo. – Eu mal sei por onde começar. O que eu estou fazendo da minha vida, Valérie? Eu sou maluca?

— Por que você seria maluca?

Hermione suspirou, olhando ao redor. – Estou numa vila, distante dos meus amigos, distante dos meus pais, num emprego que nem era a minha primeira opção – ela acrescentou – colocando enfeites natalinos na loja de uma pessoa que nem queria que eles estivessem aqui em primeiro lugar. Ele... ele simplesmente não queria. E agora tem enfeites para todos os lados e- ela mordeu o lábio inferior para não chorar.

— Ainda estamos falando de enfeites de Natal ou de você?

— Ambos. – Hermione respondeu numa voz chorosa, e então elas olharam uma para a outra e caíram numa risada histérica.

— Minha querida, a vida é assim mesmo. Não temos certeza de nada. Mas por experiência própria: quanto mais nos sentimos perdidos, mais perto estamos de nos encontrar. É preciso ver tudo bagunçado para finalmente conseguirmos colocar tudo no lugar.

A Sra. Valérie tocou o queixo de Hermione, depois limpou uma lágrima e completou. – E pelo que vejo, você está fazendo exatamente isso.

Hermione balançou a cabeça em negação, desviando o olhar. – Será? Às vezes acho que estou fazendo tudo errado.

— E o que seria esse tudo, mon amie? – A Sra. Valérie insistiu, mas Hermione se recusou a falar. – Será que tem a ver com o nosso rabugento favorito?

Hermione fez um som estranho, algo parecido com uma risada misturada com um soluço, e acenou.

— Você o ama?

Nem era mais uma questão de sim ou não. Ela o amava com tanta força, tanta intensidade, que mal cabia numa única palavra. Ela apenas olhou para a Sra. Valérie e deixou que seus olhos falassem tudo.

— Está vendo? Loucura!

A Sra. Valérie franziu os lábios, fazendo um estalo com a língua. O seu olhar era condescendente, mas não de um jeito ruim. Era como se ela entendesse tudo sem falar uma única palavra.

— Oh, ma chère – Valérie sussurrou – O que te faz pensar que é uma loucura?

Hermione fez um gesto com as mãos. – Não é óbvio? Ele não está interessado, e eu não seria tão descuidada a ponto de quebrar esse equilíbrio frágil que estabelecemos aqui.

—  E o que te faz pensar que ele não se sente da mesma maneira, Hermione? O que te faz pensar que ele não tem os mesmos receios? Você está tão focada nos próprios medos que não considerou que ele possa estar preso na própria insegurança.

— Mas-

— Pense como deve estar sendo difícil para ele: é o seu chefe – tecnicamente. É mais velho que você. É um homem solitário, quieto. Quando poderia sequer passar pela cabeça dele que uma jovem mulher como você poderia estar interessada?

— Você acha que ele pode... – ela não conseguia sequer terminar a frase.

— Não sei, e não caberia a mim dizer. O que sei é: Severo é um homem que vale a pena manter. Mas se você não fizer o primeiro movimento, dificilmente ele fará algo a respeito. O homem é praticamente uma muralha. Precisa de esforço e paciência. Mas quem sabe o que se encontrará do outro lado? – Valérie de uma piscadinha sugestiva e Hermione corou.

Ela tinha imaginado muito além dessa muralha figurativa. Até demais.

— E essa é uma vila cheia de turistas interessadas. Se eu fosse você, não deixaria um homem como ele solteiro por muito mais tempo.

A mera insinuação de que ele pudesse ter outra mulher deixou um gosto amargo na boca de Hermione. Ela sentiu o peso do ciúme crescer dentro dela e seu coração doeu por um cenário que ainda nem existia.

— Se ele encontrasse alguém que o fizesse feliz, então eu estaria satisfeita.

— Eu sei que sim, minha querida. Mas por que não pode ser você?

Por que não, de fato?

...

O dia 21 de dezembro foi cortante. As notícias locais indicavam um inverno agressivo como não se via há muitos anos, e Hermione teve que admitir para si mesma que mesmo morando num castelo na Escócia por anos nada se comparava ao frio litorâneo.

Mesmo assim, ela nunca vira a vila tão linda. Não tinha os encantos do vento refrescante do calor no verão, nem o céu azul e frio do outono, mas era lindo a seu próprio modo. Ela sorriu ao lembrar que ainda não conhecera a vila na primavera, e tinha uma leve suspeita que com certeza se tornaria sua estação favorita.

E o que mais a surpreendeu é que mesmo o frio de dois graus não foi suficiente para espantar os turistas e compradores locais. A vila estava lotada, e linda. Hermione não via nada tão encantador há muito, muito tempo. Era como se a magia de Natal estivesse voltando para dentro dela com toda a força.

Como ela previra, o site foi um sucesso absoluto. Ele não estava cem por cento pronto ainda, mas o pouco que estava no ar foi o suficiente para atrair uma clientela totalmente nova. Ela estava muito satisfeita com os resultados, e além de exausta. Severo não estava se saindo muito melhor. Ele estava com uma carga de pedidos enorme, e mesmo assim ainda conseguia ajudá-la nos dias cheios.

O Matthew ajudava nas horas mais movimentadas, mas depois tinha que voltar para o café. Então os dois bruxos tinham que se equilibrar entre as várias funções que a loja exigia.

Mas na tarde daquele dia uma chuva forte e atípica para a época do ano atingiu parte do sul da França, incluindo a vila, o que espantou boa parte dos clientes.

— Seria horrível dizer que estou um pouco aliviada? – Hermione disse depois de praticamente desabar no banquinho de madeira.

— A culpa é toda sua. – ele falou depois de um tempo, a voz tão cansada quanto a dela – Não fosse por você, a loja não estaria tão cheia.

Hermione riu. – Obrigada?

Severo bufou, puxando o banco ao lado dela. Mas no instante em que ele sentou a porta de vidro abriu, indicando um cliente.

— Une tempête tombant dehors. Ça vous dérange si je me cache ici pendant un moment?

— Sois notre invité. – Hermione respondeu, ficando de pé. Com a cabeça, ela deu um sinal para que o Severo fosse para os fundos descansar. – Pode ir, o movimento vai cair agora.

Severo estava prestes a agradecer quando o turista falou novamente. – Hermione?

Ela voltou o olhar para o homem encharcado na frente dela, tentando lembrar de onde o conhecia. – Sim?

— Não está lembrada? Estudamos juntos na Austrália. Isaac. Issac Arrow, da turma de Poções Avançadas.

— Isaac! Sim, claro!

Hermione contornou o balcão para cumprimentá-lo, totalmente alheia ao olhar afiado do bruxo atrás dela.

— E o que você está fazendo aqui na França? Não estava trabalhando no Ministério?

— Sim, eu- sim, trabalhava. Mas preferi mudar de opção.

— Que ótimo. É ótimo. Você é brilhante, Hermione. Todos sentiram a sua falta quando saiu.

— Acontece – ela deu de ombros, de repente lembrando que o Severo ainda estava na sala – Sinto muito, este é Severo Snape, meu chefe e agora sócio. Severo, esse é o Isaac. Estudamos juntos na Austrália.

— É uma honra conhecê-lo, Sr. Snape. – ele estendeu a mão – Estudamos algumas poções criadas pelo senhor na especialização.

Severo apenas assentiu, apertando a mão de volta. Sua antipatia sendo renovada a cada segundo. 

— Desculpe invadir a sua botica assim. Estava de férias em Paris e acabei ouvindo falar da loja.

— Isso é ótimo! Não é, Severo? – Hermione interviu, tentando quebrar o clima tenso.

— Esplêndido. Agora se me derem licença tenho poções para cuidar. Tenha uma boa tarde, Sr. ... Qual o seu nome mesmo?

Hermione fechou os olhos brevemente e inspirou. Por que ele estava sendo deliberadamente obtuso?

— Issac Arrow.

— Certo.

Ele simplesmente disse, uma expressão antipática no rosto. Por algum motivo insano ele não queria deixar os dois sozinhos, mas seria no mínimo ridículo se ele ficasse. Então foi por isso que ele fechou a porta que separava a loja do laboratório e ficou à espreita. Espionando talvez fosse uma palavra muito forte. Ele estava apenas... no corredor. Por acaso. A loja era dele afinal de contas, logo, o corredor também era. Então ele se convenceu de que poderia ficar em qualquer lugar sem parecer que estava espionando. O que, claro, ele não estava.

Severo detestou o tal de Isaac desde o primeiro momento. Detestou a voz, detestou o olhar, detestou a maneira como ele falava com a Hermione. Tudo. Tudo naquele garoto acionava um alarme de perigo. O que era absurdo. Perigo do quê? De que ele a chamasse para sair? Hermione era uma mulher livre. Se ela quisesse sair com algum idiota bronzeado de dentes impossivelmente brancos, que fosse. Quem era ele para impedir?

O que fez Severo parar e pensar. Quem era ele, de fato? Um idiota. Um idiota parado num corredor estreito e escuro ouvindo atrás da porta como um adolescente, como um aluno do terceiro ano fazendo alguma coisa errada. Mas ao invés de se recriminar ele só conseguia pensar que faria bom uso daquelas orelhas extensíveis dos irmãos Weasley, então ele poderia ouvir mais que sons abafados e ruídos.

Assim, ele abriu a porta devagar, apenas o suficiente para ouvir melhor, e de fato foi suficiente. O garoto estava claramente flertando com ela, estava estampado tão abertamente no seu rosto que Severo não sabia se Hermione não tinha percebido ou não queria perceber. E então estava lá, tão forte que o consumiu por inteiro. Tão forte que ele fechou as mãos em punho. Ciúme. Puro e simples, escorrendo nas suas veias como veneno. Ele queria azarar o tal Isaac, queria mandá-lo direto para a Austrália em um só aceno de varinha, e foi então que o idiota fez aquilo que ele não tivera coragem de fazer.

— Escuta, você está ocupada hoje a noite? De repente podíamos jantar e colocar a conversa em dia.

Severo não precisava ficar para escutar a resposta, porque ouvir o sim da boca dela o deixaria fisicamente doente.

...

Assim que Severo pisou no café, Bernard imediatamente soube que algo estava errado. Ele estava com os ombros curvados, o cabelo parcialmente caindo sobre a face, uma carranca expressiva no rosto e o principal: sem a jovem Hermione a tira colo. Ele buscou a esposa que estava no caixa e eles trocaram um olhar significativo.

— Severo, meu amigo! Não esperava você aqui hoje.

— Perdão, não sabia que tinha dia certo para vir aqui.  – ele respondeu, mordaz.

Bernard e Valérie estremeceram. Seria uma longa conversa.

— Não quis dizer isso, garoto.

Severo suspirou, passando a mão no cabelo num gesto de desconforto. – Sinto muito. – ele murmurou depois de um tempo, e Bernard assentiu.

— Matthew – Bernard chamou – dois cappuccinos, por favor.

Sem que Severo percebesse, Bernard fez um sinal para a Valérie indicando que estava tudo bem, e depois puxou uma cadeira para se juntar a ele na mesa de sempre.

— E então, o que aconteceu?

Severo suspirou. Então olhou para a janela charmosa de vidro bem na altura da mesa. E aí suspirou de novo.

Bernard era um homem paciente. No auge dos seus setenta e poucos anos, quase cinquenta de casado, mais filhos, netos e até um bisneto, ele sabia esperar. Ele podia ter-

— Por todos os santos, homem! Fala logo!

Severo o olhou de cara feia, mas depois de mais um suspiro longo e dramático ele contou o quão confuso estava, como não parava de pensar na Srta. Granger, como era errado e inconveniente. Também falou que estava tentando se afastar, mas que ela tornava essa resolução praticamente impossível de ser posta em prática porque a verdade era: ele não queria ficar longe.

Bernard ouviu tudo atentamente, sem esboçar nenhuma reação e sem interrompê-lo com perguntas. De vez em quando Severo arriscava olhar para ele e só via um olhar atento, compreensivo, sem julgamentos, e lhe ocorreu que era a primeira vez que ele tinha um amigo de verdade desde a Lílian.

E uma segunda coisa o ocorreu naqueles breves segundos: ele pensara em Lílian e nada mais vinha disso além de respeito por ela e pela amizade que tinham. Severo sabia que em algum nível sempre se sentiria culpado pela morte dela, mas ele estava tentando fazer as pazes consigo mesmo pela primeira vez. Ele só esperava que um dia pudesse ser suficiente.

Mas naquele momento não era Lílian que estava nos seus pensamentos. Também não era a mulher misteriosa que sussurrara em seu ouvido palavras calmantes quando ele agonizava de dor. Não. Era a Hermione.

Então ele também contou do ocorrido da tarde, do Isaac (ele não pode evitar pronunciar o nome com puro desdém, o que arrancou uma risada estrangulada de Bernard) e de como ele fora completamente tomado pelo ciúme. Também contou que o clima entre ele e Hermione ficara estranho depois que o “idiota bronzeado” saíra, e que ele não sabia mais como agir em torno dela. Porque ele poderia lidar com o distanciamento seguro da relação de um chefe para o seu empregado. Ele também sabia ser o bastardo que propositalmente mantinha as pessoas à distância de um braço. E ele podia ir mais além, mantendo uma cordialidade educada ou até mesmo uma amizade, mas ele estava sendo um idiota repetindo um padrão antigo de se apaixonar pela amiga.

Não, ele não poderia lidar com isso de novo. E depois do que pareceu um monólogo – Severo honestamente não lembrava de um dia em que tivesse falado tanto num curto espaço de tempo, ele respirou e finalmente arriscou um olhar para o amigo sentado à sua frente.

— E então, o que você fez?

Severo recuou, confuso. – Como assim o que eu fiz?

— Você não fez nada? Não empurrou o homem para fora da loja? Não tentou atrapalhar a conversa entre eles?

— Não, não e não. Você não ouviu nada do que eu disse?

— Tudo que eu ouvi foram lamentações e argumentos vazios e uma declaração torta de amor. Olha, garoto, todos nós já percebemos como você olha para a adorable Hermione. Agora o porquê você ainda não fez nada a respeito está além de mim.

— Eu sou chefe dela! – respondeu, exasperado.

— Correção: era.

— Ela é vinte anos mais nova.

— Hermione é uma adulta. E infinitas vezes mais madura emocionalmente que você.

— Ela não está interessada.

Bernard revirou os olhos. – Por favor, não seja idiota.

— Mas-

— Apenas faça um favor para todos nós e convide a garota para sair.

Severo parou, considerando tudo o que ele estava sentindo e processando a conversa com o Sr. Bernard, e quando ele estava prestes a jogar para o alto qualquer incerteza, qualquer insegurança, ele viu o vislumbre da touca vermelha de lã. Se inclinando mais próximo a janela Severo observou a mulher que o tirara completamente dos eixos atravessando a charmosa rua de pedra para o bistrô da esquina.

Dominado por uma necessidade urgente de falar com ela, de tirar a tensão estranha entre eles, Severo quase se levantou para alcançá-la. Quase.

Porque no momento em que ela alcançou o bistrô já tinha outra pessoa esperando por ela.

— Tarde demais, Bernard. – murmurou, jogando uma nota de 10 euros na mesa e saindo do café sem mais nenhuma palavra.

...

Severo estava sentado na sala olhando para as chamas da lareira. Um copo de firewhisky e um livro jaziam esquecidos na mesa de centro, já que ele não conseguia se concentrar o suficiente para terminar a leitura e nem estava no clima certo para uma bebida.

A imagem dela sorrindo para aquele idiota o dominou completamente. Severo sabia que havia saído do café num gesto impetuoso, e fez uma anotação mental de pedir desculpas ao Sr. Bernard e a Sra. Valérie pelo seu comportamento vergonhoso. Pela primeira vez ele se sentia um pouco envergonhado pela sua flagrante grosseria, porque eram duas pessoas, melhor, amigos que ele considerava profundamente, e não mereciam ser alvos da sua frustração.

Mas Severo se sentira tão mal consigo mesmo naquele momento que ele mal percebeu que estava repetindo um padrão muito familiar e imaturo. Hermione merecia ser feliz. E Severo percebeu que apesar do ciúme idiota que sentira, ele genuinamente desejava isso para ela. Estar ou não com ele sequer era uma prioridade: não, a prioridade era ela ter um bom tempo e se divertir.

— Você é um idiota, Severo Snape. – disse, decidindo que o melhor que ele podia fazer era dormir.

Só então uma luz prateada entrou na sala, se transformando numa lontra que saltava animada em volta dele. Severo imediatamente enrijeceu, já prevendo o pior tipo de cenário que uma mensagem de Hermione pudesse trazer a essa hora da noite.

Hey, Prof. Snape... Ops, Snape... Não, Severus?

Então, eu tenho um problema.

A voz suave o alcançou, indicando que ela estava segura, mas a maneira como ela estava quase deslizando no fim de cada palavra indicava que Hermione estava muito bêbada. Severo imediatamente se levantou com a percepção disso, já preparado para ir buscá-la onde quer que estivesse.

Veja, vim dar uma caminhada na praia e, bem, andei muito. Não faço ideia de onde estou e – soluço – uau! A noite está tão linda! As ondas estão suaves, e nossa, está muito frio. De qualquer forma, você poderia me buscar? Isso é tão embaraçoso. Bem, eu vou só sentar aqui por um momento e esperar. Tchau, te amo!

A lontra sumiu tão graciosamente quanto chegara, saltitando de volta até desaparecer num fio de luz. Severo ficou enraizado no lugar, incapaz de se mover um centímetro pelo que ela tinha dito no final, só que ele se forçou a esquecer. Certamente ela não queria dizer isso. Ou talvez era como ela se despedia falando com amigos e, bem, pessoas próximas. Ou talvez ela sequer tivesse percebido.

— Pessoas alcoolizadas geralmente falam coisas sem sentido. – ele colocou um fim às teorias que sua mente traiçoeira jogara, satisfeito com essa linha de raciocínio. Era isso, claro. Ela estava bêbada e falou sem pensar.

Severo tinha certeza que seria forçado a reviver essa memória novamente, mas naquele momento só conseguia pensar em encontrá-la e levá-la para a pousada em segurança.

Accio chaves. – murmurou, decidindo que era melhor ir de carro do que forçá-la a uma aparição.

Severo nunca havia dirigido tão rápido, no entanto. Ele sempre fora um motorista muito responsável, sabendo da quantidade de trouxas que se acidentavam a cada ano. Mas naquele momento ele só conseguia pensar em encontrá-la.

Ela fora totalmente vaga na mensagem, mas ele seguiu seus instintos em dirigir em direção à praia que eles haviam caminhado da última vez. Severo praticamente saltou do carro quando estacionou, imediatamente lançando um Appare Vestigium.

Severo respirou aliviado quando as cenas começaram a correr a sua volta, pincelados aqui e ali de dourado brilhante. Ele a viu chegar sozinha, um pouco cambaleante, descer a escadinha improvisada que dava acesso a faixa de areia e se virar para a esquerda.

Não foi difícil encontrá-la. A alguns metros na frente ele pôde visualizar um pontinho vermelho em contraste com o branco da areia e a escuridão de uma noite fria. Ele caminhou até ela na extensa faixa de areia com a elegância de sempre e a tomou nos braços, carregando-a até o carro. Sua roupa estava úmida da neblina da noite e ela suspirou aliviada quando ele a colocou no banco e lançou um feitiço de aquecimento.

— Você é tão legal, sabia? – Hermione finalmente falou depois que ele arrancou com o carro – Mesmo sendo todo sarcástico, todo – ela fez um sinal com as mãos – todo vestido de preto, e fazendo comentários cruéis como daquela vez que você disse que não tinha visto diferença nos meus dentes – Hermione riu alto da própria lembrança, mas Severo estremeceu – mesmo assim você sempre – soluço – sempre nos protegeu.

Severo se preparou para responder, mas ela o cortou – E está sempre cuidando de mim.

— Obrigado, Hermione. – ele respondeu distraidamente, mantendo a atenção na estrada.

— Nós vamos para a sua casa de novo? – Severo fechou os olhos. Seu plano de manter distância ficava cada vez mais impossível de ser seguido.

— Seria melhor se você fosse para a pousada.

— Mas a sua cama é muito confortável.

— A Sra. Janet vai adorar saber disso. – Severo murmurou, focando mais em prestar atenção na sinalização do que nas imagens que a sua mente estava formando de Hermione na sua cama.

— Eu nunca mais vou beber de novo. – Hermione disse depois de um tempo.

— O que me leva a perguntar: como e por que você caminhou tão longe do centro da vila? E por favor não me diga que você aparatou nesse estado.

— Claro que não. – respondeu indignada, mas era difícil levá-la a sério quando ela mal conseguia terminar a frase. – Eu andei, é claro.

Hermione respondeu como se fosse óbvio e perfeitamente natural. Severo teve que apertar o volante com mais força do que era necessário para não estourar com ela. Ele estava furioso com a sua irresponsabilidade. Furioso por ela ter se colocado em risco daquela maneira.

— O que é tão estúpido quanto. Honestamente, Granger. Deve estar uns três graus lá fora. É inverno. Você caminhou bêbada por mais de um quilômetro para uma praia deserta. O que me leva a perguntar: por quê?

— Não que seja da sua conta, Snape, mas eu estava bebendo vinho com um amigo.

— Sim, o idiota australiano.

— Ei, não fala assim dele. Ele nem é da Austrália. De todo modo, fui até lá para cancelar o jantar. Ele entendeu e voltou para o hotel. 

O quê? Severo olhou para ela tão rápido que o volante quase acompanhou o movimento. Hermione pareceu não perceber, no entanto, e continuou tagarelando sem parar. Mas ele parou de escutar no momento em que ela disse havia cancelado.

Ele ficou tão focado que sequer percebeu que a voz dela havia cessado, e que ela havia caído num sono profundo. A touca vermelha estava no seu colo, e o cabelo dela estava uma bagunça. Seu nariz ainda estava vermelho pela exposição ao vento cortante da noite, e a posição do seu pescoço era com certeza tudo menos confortável.

E Severo só conseguia pensar no quanto ela estava linda.

O restante da viagem para a pousada foi silencioso. Ele resistiu a tentação de levá-la para a sua casa, decidindo que era o melhor. Trazê-la mais para perto dele seria desastroso, e Severo sabia disso. Ele não queria se acostumar a tê-la tão perto dele, porque ele sentiu como seria quando ela o deixasse. Hermione pode não ter tido um encontro agora, mas ela era jovem e seria perfeitamente natural que ela decidisse seguir em frente em algum ponto.

Então ele estacionou e a ajudou sair do carro, conduzindo-a silenciosamente para o seu quarto na pousada. Severo pegou a chave das suas mãos quando ela tentou pela terceira vez acertar a fechadura, depois a ajudou a tirar a jaqueta de inverno e o cachecol.

Hermione murmurou um agradecimento e praticamente se jogou na poltrona.

— Desculpe por te chamar tão tarde. Eu tinha bebido um pouco e-

— Você ainda está bastante alcoolizada, Hermione.

— Mesmo assim – ela insistiu, lançando um olhar duro para ele que quase o fez rir. Ela parecia ainda mais adorável. – Peço desculpas.

— Desculpas aceitas. – disse simplesmente, agora se sentindo um pouco fora de lugar em pé no quarto dela enquanto segurava as chaves.

Quando ele olhou para ela de novo seus olhares se cruzaram, e Hermione sustentou o momento. Mesmo sentada, parecendo tão pequena e exausta, ela conseguia reduzi-lo a um adolescente. Ele mal sabia o que dizer, então deu um aceno estranho com a cabeça e se virou para sair.

— Severo, espere.

Ele se virou imediatamente e caminhou de volta para ela. Hermione se levantou ainda um pouco instável e parou na frente dele. Depois, colocando as duas mãos nos ombros dele, ela ficou na ponta dos pés e o surpreendeu com um beijo na bochecha.

Ela balançou um pouco quando voltou ao chão e ele a firmou, segurando-a com firmeza pelos braços. Seus olhos se encontraram e ele teve que resistir ao ímpeto de desviar. Era muito, era demais. Severo temia que se ficasse mais um segundo pudesse fazer papel de idiota, como tocar o lugar onde ela beijara com a ponta dos dedos.

— Descanse. – sua voz estava rouca. Ele a soltou devagar, se certificando que ela não cairia, e saiu sem olhar para trás.

...


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Notas finais do capítulo

Sim, é isso mesmo que você leu: comente!



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