Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 18
Tempo para recomeços


Notas iniciais do capítulo

Uow! Que mês, hein? Tenho que dizer que nunca tive TANTA dificuldade para escrever um capítulo quanto esse. Passamos novamente pelo susto da COVID, e tanto eu quanto a minha tia, minha querida madrinha, adoecemos. Ela, infelizmente, precisou ser internada e foram duas semanas MUITO difíceis. Mas tanto eu quanto ela nos recuperamos bem e estamos profundamente felizes e aliviados.

Só que aproveito o espaço para pedir: se cuidem. Por favor. Se cuidem e cuidem dos seus. O medo de passar por essa doença, o desgaste emocional, o desgaste físico... usem a máscara correta, fiquem em casa se puder, e se vacinem. É isso.

Agora vamos ao capítulo: é o maior que já escrevi até hoje. Em todas as histórias. E o mais difícil também. Então espero mesmo que gostem. Agradeço às minhas betas queridas e aos leitores que me acompanham. Também dedico este capítulo à Nat, do grupo SSF, que me dá a maior força e fez aniversário recentemente. Parabéns!

Boa leitura!



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Havia uma tensão no ar. Um sentimento de antecipação. Hermione tinha essa sensação estranha de que alguma coisa muito importante iria acontecer, ela só não fazia ideia do que era. A noite de ontem fora totalmente inesperada, e ela voltara para a pousada praticamente nas nuvens. Ela mal se lembrava do caminho que fizera, porque a única coisa que ficara ecoando na sua cabeça era a voz de Severo Snape a chamando de linda.

A bruxa mais brilhante e a mais linda.

O que aquilo deveria significar? Melhor, significava alguma coisa? Ela queria conversar com alguém sobre isso, pedir conselhos, mas estava com medo de depositar muitas expectativas e no final terminar com o coração partido. Ele foi seu professor, depois seu chefe, e agora era o seu sócio. Eles eram amigos, na melhor das hipóteses, e enxergar mais do que isso era perigoso.

Ah, mas como era tentador.

Hermione estava por um triz de ceder e simplesmente jogar tudo para o alto, se permitir e se entregar à fantasia deliciosa que era imaginar o gosto do beijo dele, ou como seria sentir a pele dele em contato com a sua, e a voz rouca e suave sussurrando carícias no seu ouvido.

E agora ela tinha ainda mais material para imaginar, porque ele de fato sussurrara no seu ouvido. Aquela voz macia, sedosa, profunda, parecendo chocolate derretido escorrendo da ponta dos dedos, sussurrada tão perto do ouvido dela que fizera cócegas.

— Merlin. Você está ferrada, Hermione. Muito ferrada.

Ela murmurou olhando para as roupas jogadas na cama. Ela era péssima nisso. Não ajudava que noventa por cento do seu guarda-roupa consistisse em roupas de trabalho, agora ela tinha que – de novo – escolher uma combinação adequada para impressionar o homem que não poderia se importar menos se ela aparecesse totalmente nua (o que, de fato, ele não se importaria mesmo).

E agora ela estava ali, parecendo uma adolescente, rodeada de roupas inapropriadas para o objetivo que ela tinha em mente, com o coração batendo tão rápido que poderia saltar do peito a qualquer momento e o estômago gelado de medo e antecipação. Brevemente, ela olhou para o celular em cima da cômoda e cogitou ligar para a Gina, mas ela só ficaria mais ansiosa. Não. O que ela precisava era se acalmar e entender que era apenas um jantar com amigos, não um encontro. Ela podia lidar com isso.

Hermione sentou na beirada da cama e afundou o rosto nas mãos, suspirando alto. Estava cada vez mais difícil agir normalmente em torno dele, porque tudo que a sua mente conseguia evocar eram imagens altamente sugestivas e tentadoras dos sonhos que ficavam cada vez mais frequentes. Ela fechou os olhos e suspirou, se entregando a insanidade e permitindo que as imagens do último sonho corressem livremente. Nele, suas mãos se entrelaçavam enquanto eles caminhavam na praia, sentindo a água fria nos pés descalços e a luz morna do entardecer colorir a pele dele num filtro de puro aconchego.

Hermione acordou com vontade de chorar, porque ela queria tanto que o sonho se tornasse real que doía. Ela queria que ele a olhasse daquele jeito novamente, queria arrancar aquela risada dele e sentir sua mão na dela. Quão patética ela era para desejar o impossível?

...

— Olá! – Hermione acenou alegremente quando Severo abriu a porta, e ela estremeceu com o quão animada sua voz saíra. Depois estremeceu novamente ao olhar para ele, sentindo a boca salivar. Ele parecia glorioso numa calça preta ligeiramente mais apertada que o normal e uma blusa branca dobrada até o cotovelo. O cabelo dele parecia de alguma forma mais curto, mas talvez pudesse ser impressão. A única certeza que ela tinha é que ele definitivamente estava delicioso.

— Aqui, deixe-me ajudá-la. – ele praticamente ronronou, a voz tão baixa e tentadora que Hermione quase deu a meia volta direto para casa. – Eu poderia ter te buscado.

— Eu peguei um táxi, não é problema. Não queria arriscar aparatar com essa torta.

É claro que ela poderia aparatar com dez tortas como aquela se quisesse, e ambos sabiam disso. O que Hermione não podia era aparatar se sentindo tão fora de si, tão nervosa com a mera ideia de vê-lo.

— Não precisava se dar ao trabalho, Hermione.

— Não foi nada, peguei no La Cave.

Severo franziu a testa enquanto colocava a torta na mesa. – Onde?

— La Cave, o café.

Severo continuou sem entender.

— O café que vamos quase todos os dias. Do Sr. Bernard, seu amigo. Sabe?

— É assim que se chama? Que nome horrível. Vou falar com o Bernard sobre isso.

Hermione gargalhou. – Claro que você vai.

Severo olhou para ela, os olhos brilhando. – Foi uma ironia?

— Os sonserinos não deveriam ser mestres em perceber sutilezas? – Hermione perguntou, se sentindo corajosa.

Severo cruzou os braços sobre o peito enquanto se recostava na ilha da cozinha. – E desde quando os grifinórios fazem qualquer coisa remotamente sutil?

— Touché.

Eles sorriam um para o outro sem sequer perceber, presos no momento. Hermione queria tanto tocá-lo que seus dedos se mexeram involuntariamente. Tinha essa força poderosa entre eles que a fazia querer segui-lo para onde quer que fosse, como se a sua pele fosse a única coisa que a impedisse de voar diretamente para os braços dele. Ela queria jogar toda a racionalidade para o alto e dizer tudo que estava ali, guardado no peito.

Ao invés disso, no entanto... – Então, qual o cardápio?

Ele piscou como se estivesse saindo de um transe. – Pensei em risoto de cogumelos.

Hermione sorriu, sentindo a tensão se dissipar enquanto ela o seguia até a pia para lavar as mãos. Severo a entregou um avental preto engomado enquanto dispunha os ingredientes no balcão de mármore ao lado. Tinha alguma coisa de muita íntima e casual na cena, na maneira como ele parecia o mestre de poções compenetrado e alguma coisa muito diferente disso, com mais leveza e naturalidade.

— Vinho? – ele perguntou, estendendo uma taça. Hermione assentiu, tomando um gole.

— É delicioso.

— Um Chateau Gloria, da região de Bordeaux.

— Não entendo tanto de vinhos quando você, mas é delicioso. E o que vamos escutar enquanto cozinhamos?

Ele soltou uma risada curta enquanto se servia de mais vinho, depois colocou a taça sobre a ilha e a olhou, os olhos brilhando de malícia. – Hermione, eu sei que você quer olhar os meus discos desde a primeira vez que esteve aqui. São todos seus.

Ela recuou, fingindo não saber do que ele estava falando. – Na verdade, é no seu toca-discos que estou mais interessada.

Ele sorriu. – Nesse caso... – Severo fez um gesto galante com as mãos, indicando a sala, e Hermione passou por ele, sorrindo e sentindo as pernas trêmulas. Quando ela alcançou a sala e pode finalmente soltar o ar que estava respirando, ela murmurou um ‘calma, Hermione’ para tentar acalmar o coração disparado, mas era inútil. Toda aquela noite seria um verdadeiro teste de autocontrole para ela.

Ela podia ouvi-lo da cozinha, abrindo e fechando gavetas, picando legumes, ligando o forno, e o som era profundamente caseiro. Hermione quase podia imaginar, por alguns segundos, que isso fazia parte de alguma rotina diária entre eles: ela escolhendo a seleção de músicas do dia, ele cozinhando, servindo-os de vinho...

— Não faça isso consigo mesma. – Hermione balançou a cabeça para expulsar os pensamentos perigosos e limpou uma lágrima insistente.

Música. Sim, era disso que ela precisava.

Ela passou o dedo indicador pela coleção impressionante de discos dele: Creedence, Etta James, Bob Dylan, Simon and Garfunkel, Lez Zeppelin, Joni Mitchell, entre muitos outros. Era uma coleção de pelo menos cem discos de vários estilos musicais, mais principalmente rock e música clássica.

— Você está aí a muito tempo. – a voz dele a alcançou.

— Não consigo escolher. São todos incríveis. Você tem muito bom gosto.

— Vejo um traço de surpresa?

Hermione inclinou a cabeça, dando a ele um olhar prolongado. – Claro que não, é só que...

— Sim? – ele se recostou no batente da porta, as mãos nos bolsos da calça. Honestamente, Hermione pensou, ele poderia ser mais sexy?

— Você não vai facilitar, vai?

— Acho que você me conhece um pouco melhor que isso.

— Tem razão. É só que você tem um gosto incrível para tudo. Não tem nada questionável sobre você? – ela brincou.

— Seria uma longa lista, Hermione.

Seu sorriso vacilou. – Não faça isso.

Ele fez um gesto com as mãos. – Claro. Peço desculpas, madame. Sem incursões sombrias ao passado hoje.

— É mademoiselle. – ela disse num francês quase tão perfeito quanto o dele, e resistiu ao impulso de recuar em choque com a própria ousadia. Por que ela queria lembrá-lo disso? Ela sabia a resposta, claro, mas o que ele pensaria?

Nos olhos dele brilharam uma curiosidade e uma breve surpresa que ele logo conseguiu disfarçar. – Meu erro. Quer ajuda para decidir?

Hermione assentiu, desviando o olhar para o toca-discos para fugir do escrutínio dele. – Por favor.

— Sou parcial aos Stones, mas não acho que o dia peça esse estilo.

— Oh, Beatles! – Hermione exclamou, e ele fez uma careta. – O que?

— Não sou muito fã deles.

— Merlin, isso é praticamente heresia. A Inglaterra vai confiscar o seu passaporte. Sgt. Pepper’s é um dos melhores discos da história.

Ele bufou, entregando The Dark Side of the Moon para ela. – Este aqui é um dos melhores discos da história. The Great Gig in the Sky marcou a minha adolescência.

Hermione concordou, olhando a capa. – Us and them era a favorita do meu pai. Ele tinha um toca-discos parecido, e passávamos as tardes de domingo ouvindo música. Eles tinham, melhor, tem um ótimo gosto musical. Incrível como deixei isso passar nos últimos anos.

Eles passaram os próximos trinta minutos conversando sobre os álbuns, as músicas, curiosidades sobre algumas bandas, histórias sobre os seus membros. Hermione ficou tão entretida quando Severo contou a história por trás de Shine on you crazy diamond que eles acabaram esquecendo de colocar alguma coisa para tocar. E do jantar.

— Oh, não. – Hermione riu, olhando para o relógio. Eles devem estar quase chegando e nós nem começamos.

Severo sorriu. – Bernard sempre atrasa. E a Valérie sempre briga com ele por isso. Temos tempo.

— E a música?

— Você confia em mim?

Hermione sorriu, porque a pergunta dele parecia casual, mas escondia um nervosismo e uma expectativa que não passaram despercebidos por ela. – Claro.

Ele parecia um pouco desconcertado quando assentiu, virando de costas para ela para pegar um disco que estava mais alto na prateleira. Hermione franziu a testa, curiosa, enquanto tentava identificar a capa, mas ele estava muito decidido a fazer uma surpresa.

Quando Hermione estava prestes a perguntar, a voz melodiosa da Billie Holliday encheu o lugar, enviando ondas de calor e uma sensação de nostalgia por todo o corpo dela. – Uau. Quando penso que você não pode se superar.

Severo inclinou levemente a cabeça, seus olhos nunca deixando os dela. – Eu tento, Srta. Granger.

I'll be seeing you
In all the old familiar places
That this heart of mine embraces
All day through

Eles ficaram olhando um para o outro, totalmente suspensos no clima aconchegante da casa e da música, como se o mundo inteiro lá fora não existisse. E pela primeira vez Hermione suspeitou que ele pudesse estar flertando com ela, mesmo que a ideia disso parecesse totalmente absurda.

Será que...

O momento foi quebrado com o som estridente do telefone tocando, e eles recuaram com uma expressão culpada no rosto. Hermione não precisava se olhar no espelho para saber que estava corando, e Severo não parecia muito melhor quando praticamente fugiu da sala em passos longos para atender.

Vagamente, ela o ouviu conversando com alguém do outro lado da linha na cozinha e presumiu que fosse a Valérie avisando que iria atrasar. Depois de um tempo, ela finalmente conseguiu se acalmar o suficiente para encontra-lo na cozinha.

— Era a Valérie. – Severo disse, de costas para ela, enquanto tirava uma travessa de vidro e uma panela do armário.

— O que você precisa que eu faça? Não sou tão competente na cozinha, mas posso ajudar.

— Pegue os cogumelos na geladeira. E se quiser pode picar os legumes.

Hermione assentiu e eles seguiram em silenciosa harmonia pelos próximos vinte minutos, com uma dinâmica quase tão eficiente quanto a que tinham na botica. – Agora coloque os legumes na panela, junto com os temperos. Depois coloque água e deixe em fogo alto.

Ela fez o que ele instruiu e a dança recomeçou na cozinha, cada um cuidando da sua tarefa enquanto a música ressoava da sala, deixando o ambiente menos tenso.

Depois que Hermione deixou os legumes em fogo alto, ela se apoiou na ilha da cozinha com uma taça de vinho na mão esquerda enquanto acompanhava a habilidade dele em fazer o jantar. Ela se perdeu nas mãos dele, tão pálidas que pareciam quase translúcidas, os dedos finos e longos, elegantes, trabalhando com fluidez com os ingredientes.

— Isso parece muito bom. – Hermione sorriu quando ele se virou, prestes a perguntar alguma coisa quando ele se inclinou sobre ela para pegar uma faca na primeira gaveta.

Ela ofegou quando o ombro dele tocou no seu peito, e ele recuou como se tivesse levado um choque. – Eu sinto muito.

Hermione apenas assentiu, incapaz de articular uma resposta. Ela podia sentir o rosto arder apenas com o mero toque acidental, desejando por mais, desejando que ele não a tocasse por acidente, mas porque queria. Suspirando, ela implorou que o Sr. e a Sra. Valérie chegassem logo, ou essa tensão mal resolvida a consumiria e prejudicaria a boa relação que eles conseguiram construir em tão pouco tempo.

— Aqui. – ele murmurou, despertando-a de seus pensamentos, enquanto a entregava três cebolas.

Ela aceitou, um pouco trêmula, e fez o que foi pedido. Seus dedos tremiam, e ela não sabia se pelo toque dele ou pela sua mera presença. Talvez fosse os dois, Hermione concluiu, porque ela mal conseguia começar a tarefa simples. – Firme, Srta. Granger.

A voz rouca soou muito perto do seu ouvido, e Hermione quase cedeu os joelhos ao senti-lo bem atrás dela. Deixando escapar uma risada nervosa, ela recomeçou a cortar, tentando ignorar a presença marcante dele a observando.

A partir daí, cada um prosseguiu nas suas tarefas sem novas intercorrências, e Hermione pode finalmente soltar o ar que estava segurando quando a porta da entrada se abriu, anunciando uma animada Valérie e um caótico Sr. Bernard.

— Mon Dieu, que noite gelada! – ela exclamou, colocando várias sacolas na mesa – Bernard, cuidado com o vinho!

— Sim, mon ange. – Bernard sorriu, tirando o cachecol e as luvas, enquanto tagarelava sem parar sobre o dia agitado e as histórias que aconteceram no café aquele dia. Algo sobre um turista norte-americano e seu péssimo francês.

Hermione balançou a cabeça, rindo. – Nessas horas agradeço a minha mãe que nos fez passar as férias na França e aprender. Os franceses são implacáveis quando o assunto é a língua.

— Eu que o diga. – Severo resmungou, e o Bernard riu.

— Precisava ver como ele se enrolava no francês, minha querida.

— Mesmo? – Hermione franziu a testa, incapaz de se conter – Acho o seu francês excelente, praticamente de um nativo.

Severo estava de costas, mas Hermione pode ver um vislumbre da pele vermelha pelo elogio. Seu coração se aqueceu com a cena, e ela teve que resistir ao impulso de abraçá-lo.

A Valérie olhou para ela com um sorrisinho malicioso no rosto, depois revirou os olhos para o quão inaptos eles pareciam em torno um do outro quando os limites eram testados. – Não é fácil pensar em outra língua, querido. Você mais do que ninguém deveria saber disso.

— E eu sei, mon ange. Tive que aprender o inglês para falar com você. Depois foi útil, com os turistas. – Bernard deu um tapinha solidário nas costas de Severo enquanto o assunto migrava para outras áreas. Eles passaram a maior parte da noite na cozinha, comendo aperitivos e bebendo vinho, conversando, rindo, contando casos. Hermione não conseguia se lembrar da última vez que se divertira tanto.

— Tive que fingir que li Orgulho e Preconceito para conversar com ela. Só que no meio do encontro ela fez uma pergunta e eu não fazia ideia do que responder.

Valérie riu. – Mon dieu, precisavam ver a cara dele. Ele parecia pronto para fugir pelo banheiro.

— E o que você fez? – Hermione perguntou, curiosa.

— Tive que falar a verdade: Valérie, sinto muito, mas nunca li esse livro. Não sei quem é o orgulhoso e quem é o preconceituoso, e o único Darcy que conheci foi um primo rechonchudo que morava na Inglaterra.  

Hermione inclinou a cabeça para trás, rindo. – Você não disse isso!

— Ele disse. – Valérie respondeu, rindo junto com ela.

— E o que você fez?

— Achei a sinceridade dele refrescante. Ele não tentou elaborar um discurso arrogante como se soubesse o que estava dizendo. – ela deu de ombros, mas era evidente o carinho no tom da sua voz.

— Não sei porque todas as mulheres são tão fascinadas por esse Sr. Darcy. – Severo finalmente falou, e tanto a Hermione quanto a Valérie imediatamente se viraram para ele.

O que disse?— Hermione perguntou.

— É verdade. O homem foi extremamente arrogante. Falou mal da família dela, separou o melhor amigo da mulher que amava, e era extremamente orgulhoso. Ou era preconceituoso? Talvez os dois – ele fez um gesto indiferente com a mão esquerda, depois completou – o que é pior.

— O Sr. Darcy foi um homem honrado que, sim, teve alguns problemas no início, mas amava a Elizabeth profundamente. O que ficou claro quando ele salvou a irmã dela de um escândalo ao pagar o dote para o idiota do Wickham. – Hermione respondeu, indignada.

— Pode ser, mas o homem não a cortejou da maneira certa, não a elogiou, não a valorizou quando deveria. – Severo retrucou.

— Como alguém que eu conheço. – o Sr. Bernard sussurrou baixinho dentro da taça, mas o comentário não passou despercebido por Severo, que mandou um olhar de aviso para ele.

— Ele não era um homem muito bom com as palavras. Era reservado, sério, mas ele tentou quando a chamou para dançar. – Hermione continuou seu discurso apaixonado, perdendo a breve interação entre eles.

— Na verdade – Valérie interrompeu, impedindo o Severo de lançar o seu próximo argumento – você até se parece um pouco com ele, Severo. Não concorda, Hermione?

Hermione recuou, sem saber o que dizer. Ela praticamente tinha descrito o homem sentado na sua frente, sem se dar conta disso.

— Mon dieu! – Bernard riu – É verdade! Você é igualzinho a ele.

— O que, você leu o livro agora? – Severo cruzou os braços, lançando um olhar indignado para o amigo.

Bernard riu, engasgando com a boca cheia de vinho.

— Calma, velho. Não queremos que você morra engasgado. – Severo disse com alegria mal contida, dando um tapa nada amigável nas costas dele.

Bernard revirou os olhos, recuperando o fôlego. – Eles fizeram uma série em 95. Não é, meu bem?

— E outra antes disso. – Valérie concordou – Mas não nos distraia, Severo. Você é o próprio Sr. Darcy, e a nossa Hermione aqui é a própria Elizabeth.

Bernard concordou, completando: – O casal perfeito.

— Bernard. – Severo avisou, e Hermione olhou para o prato. A cozinha ficou em silêncio absoluto, e Hermione podia sentir o coração disparado batendo no peito.

— Estou falando do livro, oras! – ele finalmente respondeu, brincando, e todos explodiram em uma risada. Era impossível ficar bravo com aquele homem, ou mesmo levá-lo a sério, e um novo tópico surgiu depois disso. O jantar foi finalmente servido em algum ponto da noite, e a sobremesa logo em seguida.

— Sem mais vinho para o Bernard, Severo. – Valérie afastou a garrafa, entregando-a à Hermione – Daqui a pouco ele desaba no seu sofá e ninguém vai ser capaz de tirá-lo.

Bernard revirou os olhos, dando um beijo carinhoso na bochecha da esposa. – Pelo menos aquele sofá parece confortável.

— Você precisa ver a cama dele. – Hermione completou, sorrindo, sem se dar conta das implicações do que acabara de falar. Quando a realização finalmente a atingiu, tanto o Bernard quanto a Valérie a olhavam ligeiramente em choque. – Porque eu já dormi aqui com o Severo – ela tentou consertar, piorando as coisas – mas não com ele, claro! Nunca dormimos juntos e-

— Hermione, querida. – Valérie tentou interromper o fluxo de explicações embaraçosas.

— O que a Hermione quis dizer foi que ela dormiu aqui quando se acidentou – Severo se adiantou – porque achei mais seguro. Pude ficar monitorando e trocando o curativo. Nada além disso. – ele completou a última frase dando um olhar significativo para o Bernard, que estava achando tudo aquilo terrivelmente divertido, claro.

— Bem, que pena. – Valérie sussurrou. Depois, como se tivesse lembrado de um compromisso urgente, se levantou abruptamente. – Meus queridos, a noite foi muito agradável, mas já é hora de irmos.

— Tão cedo? – Severo franziu a testa, olhando para o relógio.

— Mas, querida- Bernard a olhou confuso, sendo praticamente puxado pelo braço.

— Amanhã é véspera de Natal, e você sabe como fico irritada com a quantidade de comida que temos que fazer. – ela insistiu, dando a ele um olhar expressivo, como se tivesse tentando transmitir as suas verdadeiras intenções pelo pensamento.

— Mas não são nem onze horas da noite ainda. – Severo disse, confuso com a saída abrupta.

— Bem, sim, mas você sabe como é a véspera de Natal lá em casa. Uma grande festa em família. Eu e o Bernard ficamos o dia todo na cozinha, e não estou mais tão disposta como era antes. – ela riu, fechando o casaco.

— Vocês estão de carro pelo menos? – ele perguntou, se levantando para acompanhá-los até a porta.

— Sim, não se preocupe com isso. Hermione, querida, nos vemos antes de viajar, sim?

— Claro. – ela gaguejou, um pouco surpresa pela partida abrupta. – Talvez eu possa pegar uma carona?

— De jeito nenhum! Ainda é cedo, e Severo vai precisar de ajuda para arrumar essa bagunça. – Valérie respondeu, dando um abraço em Hermione. E então completou, baixinho. – Aproveite, querida. A noite é de vocês.

Hermione sentiu as bochechas arderem, buscando o olhar de Severo. Felizmente, ele estava abrindo a porta para o Sr. Bernard, totalmente envolvido em alguma conversa para ter escutado.

— Valérie – ela sussurrou de volta – eu e o Severo somos apenas amigos e-

— Bobagem. – Valérie a cortou, acenando o ar com indiferença – Escuta o que eu te digo, Hermione: não deixe o amor passar. É raro, e uma vez perdido talvez você nunca encontre novamente. Não perca essa chance, esse presente que lhe foi dado.

E com uma piscadinha Valérie saiu para o ar frio da noite, deixando Hermione com muito o que pensar para trás.

...

— Bem – Severo começou – isso foi inesperado.

Hermione assentiu, se recusando a olhar para ele. Era claro para ela agora que a Sra. Valérie queria deixá-los a sós, mas ela não podia compartilhar isso com ele, claro. Era tão terrivelmente constrangedor! E o pior é que ela gostara. Ela queria tanto ficar mais tempo com ele que sequer podia ficar brava pela tentativa pateticamente óbvia da amiga mais velha.

— É a Valérie. – ela finalmente disse, dando de ombros, como se explicasse tudo. Mas Severo, claro, era um homem esperto, e sabia que havia mais do que ela estava dizendo. – Eu provavelmente deveria ir.

Severo levantou uma sobrancelha. – Ficou implícito uma ajuda na cozinha, se não me engano.

Hermione sorriu. – Acho que alguns feitiços podem resolver isso em segundos.

— Mas você sabe como a Sra. Janet tem uma boca enorme. Se chegar cedo, o que a vila vai falar de você amanhã?

— Que você é um anfitrião perfeito e que não pede aos seus convidados para lavarem a louça?

Os olhos dele brilharam divertidos para ela. – Ou que eu sou um ótimo anfitrião que promove entretenimento de qualidade para a sua convidada até tarde da noite.

Hermione ofegou, se perguntando se ele tinha entendido o quão profundamente dúbia sua frase soara. É claro que ele não queria dizer nada remotamente sexual, Hermione pensou, se batendo mentalmente, mas era o suficiente para fazê-la pensar em todas as implicações possíveis.

— Vamos fazer um trato, então: eu limpo e você me dá uma carona para a pousada.

— Fechado.

— E um empréstimo da sua biblioteca particular. – ele estava prestes a responder quando ela completou – Não a sua biblioteca trouxa, a outra.

— Outra?

Hermione revirou os olhos. – Por favor, você não espera que eu acredite que são os únicos livros nesta casa.

Ele a considerou por um longo momento antes de se recostar na pia com os braços cruzados. – Você, Hermione Granger, é um tanto quanto-

— Curiosa? – ela sorriu, mordendo o lábio inferior.

— Eu ia dizer enxerida.

— Você é terrível. – ela apontou para ele, empurrando-o de brincadeira com o quadril enquanto pedia espaço para alcançar a louça. Em algum ponto da noite, talvez na quinta ou sexta taça de vinho, ela aparentemente ganhara a coragem líquida para empurrar Severo Snape de algum lugar. Se ele pareceu chocado não demonstrou, e continuou do lado dela enquanto feitiços de limpeza eram murmurados entre uma conversa e outra sobre os últimos lançamentos na área de poções.

— Aquele autor é uma farsa absoluta – Severo disse enquanto guardava os últimos pratos no armário, depois se virou para ela e disse com bastante ênfase – talvez pior que Gilderoy Lockart e eu vou te dizer porquê...

E foi assim que a conversa da cozinha migrou para o sofá da sala, enquanto discos eram trocados, tópicos se alternavam e a lareira crepitava. Eles perderam a hora conversando sobre tudo e nada, passando por tópicos bobos e aparentemente insignificantes até esbarrar nos assuntos mais pessoais e dolorosos. Alguns ainda não estavam prontos para serem compartilhados e eles pareciam saber disso, recuando de forma natural e respeitando o espaço um do outro até que os assuntos proibidos pudessem ser trazidos à tona.

— Você sente falta do castelo? – a pergunta escorregou com tanta facilidade da sua boca que ela se espantou um pouco por ter feito, temendo ter ido longe demais. Mas quando ele apareceu considerar a pergunta com seriedade, seu olhar perdido pelo fogo quase extinto da lareira, ela relaxou.

— É difícil dizer. Não é que eu sinta falta, mas por quase toda a minha vida era o único lugar que eu podia chamar de casa. Nem todas as lembranças são ruins, mas sou mais assombrado que pego pelos momentos de saudosismo.

Hermione assentiu. Ela entendia exatamente o que ele queria dizer.

— E você? Presumo que as suas lembranças sejam mais alegres que as minhas.

O comentário foi feito com leveza, mas havia uma nota de pesar ali, do menino que ainda habitava algum lugar daquele coração marcado pela tragédia e desejava profundamente ter tido uma infância mais feliz. O coração de Hermione doeu por ele naquele momento, e um desejo poderoso de protegê-lo de tudo se apoderou dela e custou cada grama do seu autocontrole para não se aproximar mais dele no sofá e puxá-lo para um abraço.

— Eu tive uma infância muito feliz, sim. Pais muito amorosos. Não era fácil na escola, no entanto. Sempre tive dificuldades para fazer amigos. Em Hogwarts não foi diferente.

As lembranças a inundaram, transportando-a para o seu primeiro ano e para o sentimento de solidão que a acompanhara. Na sua cabeça, ela pensava que finalmente havia entendido o motivo de não ter tantos amigos, e que em Hogwarts as coisas seriam diferentes, mas ela teve que continuar lutando por coisas que pareciam vir com muita naturalidade para as outras pessoas.

— Como você, o Potter e o garoto Weasley acabaram amigos, afinal?

Hermione sorriu, se inclinando para pegar o bule de chá na mesinha de centro. O vinho fora deixado de lado em algum ponto do início da madrugada. – Bem, o Ron disse algo para mim e eu fui – ela fez uma pausa, olhando envergonhada para dentro da xícara – fui chorar no banheiro feminino. Daí eles apareceram para me salvar do Trasgo e eu os livrei de levar uma detenção.

— Eu sabia! – Severo disse com gosto, como se tivesse esperando todos esses anos para provar um ponto.

Hermione sentou de lado e apoiou o cotovelo nas costas do sofá enquanto uma das pernas era enrolada embaixo dela. O movimento os deixou ainda mais próximos, e ela conseguia ver o reflexo das chamas fracas no olhar dele. – Foi corajoso da parte deles.

— Foi estúpido. Enfrentar um troll montanhês de quase três metros de altura com uma noção inexistente de feitiços defensivos. – ele bufou, desviando o olhar. Depois, mais suavemente, enquanto se inclinava para deixar a xícara na mesa, perguntou: - O que o idiota do Weasley disse a você?

Ela deu um sorriso triste, depois mordeu o lábio inferior num gesto típico de desconforto.

— Não precisa dizer se não quiser.

Ela negou com a cabeça. – Está tudo bem, não é nada demais. É bobo, na verdade. Ele disse “Não admira que ninguém suporte ela. Francamente, ela é um pesadelo.”

Hermione se recusou a olhar para ele, porque sabia que provavelmente choraria. – Não é engraçado que eu ainda saiba as palavras exatas? – ela riu sem humor, puxando um fio invisível da blusa. Ela se sentia tão exposta, tão vulnerável, que queria sair correndo dali. Mas então ela sentiu o toque dele no seu pulso, buscando a sua mão, e era reconfortante, quente, seguro. E quando seus dedos se entrelaçaram, todo o desconforto, todo o sentimento de insegurança, solidão, de não pertencimento, simplesmente desapareceram, e ela sentiu que podia dizer tudo a ele e nunca, nunca se sentiria exposta. Porque vindo dele, daquele homem complexo sentado ao lado dela, ela nunca veria uma palavra de julgamento, nenhuma crítica cruel, só veria aceitação.

— Não é engraçado, embora seja compreensível. Sinto muito que ele tenha dito essas coisas para você, mas imagino que ele tenha se arrependido ao longo dos anos, dado a quantidade de vezes que você os salvou da morte prematura. – a nota divertida em sua voz amenizou o clima da conversa, e Hermione riu.

— Nós fomos os piores alunos que Hogwarts já teve, não fomos?

— Vamos apenas dizer que vocês não facilitaram o meu trabalho de mantê-los vivos.

— Mas ficamos bem no final.

— Discutível quando se trata dos outros dois.

Hermione jogou a cabeça para trás, rindo. – Bem, eu estou aqui.

Ela olhou para ele, um sorriso divertido ainda brincando nos seus lábios, quando ele disse: - E eu não acho que você tenha consciência do quão afortunado eu sou por isso.

Hermione pensou que estivesse sonhando. Mas sua mente jamais poderia construir um cenário tão perfeito, tão mágico. Sua consciência jamais poderia construir a sensação da pele dele em contato com a sua, nem reconstituir com tamanha precisão o som aveludado da sua voz ecoando por todo o ambiente. Seus sonhos também não poderiam representar a maneira como o seu coração batera rápido, ou sua boca ficara seca, muito menos a vontade mais primitiva de chegar mais perto dele e se encaixar no seu colo, posicionar sua cabeça no peito dele sentindo os batimentos do seu coração.

Até porque, ela pensou, suas mãos nunca se soltaram.

...

— É tarde. – Hermione sussurrou enquanto olhava para as mãos unidas no sofá. Severo observou, não pela primeira vez, como a mão dela era pequena, delicada, e escondia uma força tão grande que ainda o surpreendia todos os dias.

A noite havia sido uma confusão de sentimentos, desejos, pensamentos. Ele a queria tanto que doía. Queria se inclinar sobre ela naquele sofá e saboreá-la centímetro por centímetro. Queria tirar cada peça de roupa dela, devagar, sentindo o prazer de deslizar o tecido pela pele deliciosa, e apreciá-la a luz da noite e da lareira. Queria abrir as pernas dela e beijar os seus pés, deslizar a língua pelo tornozelo e subir até a coxa, soprando suavemente até chegar na parte que ele propositalmente deixaria para mais tarde. Aliás, como seria provocá-la? Ele tinha pensado nisso com frequência, porque imaginava que ela seria tão grifinória na cama como era em todo o resto. Impaciente, vocal. Tão profundamente e naturalmente sensual que ele tinha certeza que não teria a menor chance.

E como ele poderia, com uma mulher como aquela?

— Fique. – essa única palavra poderia conter tantos significados. Fique aqui essa noite. Fique comigo. Fique para sempre. Não vá.

Nunca.

Ela estava tão perto que invadiu os seus sentidos. O que ele estava fazendo? Ele realmente a pediu para ficar? O que ela pensaria dele? Será que ela-

— Sim.

Oh, como ele poderia ouvir essa resposta cem vezes. Ele teve que se conter para não perguntar se ela realmente queria dizer isso. Então ela abriu um sorriso que Severo tinha certeza que poderia espantar para sempre os seus pesadelos, e disse: - Embora eu tenha dito que não iria roubar a sua cama desta vez.

Posso me juntar a você? Ele queria perguntar, estava na ponta da língua, mas ele não poderia. Ao invés disso, ele tocou a ponta dos dedos na palma dela e desviou o olhar. – Eu não me importo.

— Não pode ser muito confortável aqui no sofá.

Como ele poderia dizer que nas duas vezes que ela dormira ali ele sequer fechara os olhos? Naquela noite não seria diferente.

Me deixe tocar você?

— Você é minha convidada, Hermione. Quero que se sinta confortável.

Quando isso aconteceu? Ele se perguntou. Severo nem sabia que podia se sentir assim, tão vivo, vivendo tudo tão à flor da pele. Em um dia ele estava vivendo uma vida simples, mas satisfatória, no sul da França, e sabia exatamente o que ia acontecer no dia seguinte. E então... tudo ficou de cabeça para baixo. E enquanto isso o deixava apavorado, ele não podia se importar menos. Ele queria viver aquilo. Ele ansiava pelo dia seguinte porque significava vê-la. Ouvir a voz dela. Sentir o cheiro do cabelo dela.

Eu quero tanto tocar em você.

— Então eu vou- ela tentou dizer, mas nenhum deles se movimentou para sair da posição confortável em que estavam. Suas mãos, entrelaçadas, também não se soltaram.

Severo queria perguntar o que aquilo significava, mas todas as palavras morreram. Ao que parecia, o temível professor Snape, o espião duplo que serviu a dois mestres e escapou da morte, era só um homem. E um homem que não sabia o que fazer, inexperiente na arte do flerte, inexperiente sobre como cortejar uma mulher.

— Vou pegar a sua camisa. Quer dizer-

Merda.

Ele podia ver que ela estava tentando conter um sorriso. – É uma maneira de dizer que imponho a minha presença aqui a ponto de ganhar um pijama só meu?

— Mais duas noites e você ganha a parte debaixo. – ele brincou, mas o seu pensamento não era esse.

Mais duas noites e você vai fazer de mim um homem morto de desejo.

O relógio bateu duas horas da manhã e ele a viu tentando conter um bocejo. Decidindo que o melhor era encerrar a noite, ele se forçou a levantar. Eles subiram as escadas em silêncio, e o clima entre eles ficou ainda mais carregado. A casa estava quase escura quando eles alcançaram a porta do quarto, e Severo acenou a varinha para que ela não tropeçasse.

— A camisa está na segunda gaveta. Pegue o quiser.

Hermione assentiu, mordendo o lábio. Severo sentiu todo o sangue do seu corpo escorrer para o sul quando as imagens dela na sua cama, arqueando os seios em direção a boca dele, o assaltaram.

Eu quero sentir o seu gosto.

— Boa noite, Hermione. – ele desejou antes de virar apressado, querendo se bater por sua total inaptidão em interpretar os sinais. E se ela não o quisesse? E se ele estivesse vendo o que não existia? Ela era uma jovem mulher, linda, inteligente, bondosa. Como ela poderia querer as atenções de um homem como ele?

Era o melhor a ser feito, ele se convenceu, sem esperar pela resposta dela. E então, quando ele estava quase virando para as escadas, o som da voz dela desejando boa noite o alcançou.

Ele não olhou para trás.

...

Hermione estava em chamas. Já era tarde, mas ela se sentia tão acordada agora que a mera ideia de dormir parecia absurda. A camisa dele se agarrava ao seu corpo, envolvendo-a naquele cheiro que era só dele. Ela se deitou na cama, mas tudo parecia muito incômodo. Os lençóis não pareciam certos, os travesseiros a incomodavam, e até aquela camisa que ela tanto amava parecia prendê-la. Seu corpo estava pedindo por ele. Não, seu corpo estava implorando.

Ela tentou respirar e inspirar, olhando para o teto, e se forçou a dormir. Mas quando fechava os olhos a sua mente era inundada por imagens dos dois sentados na sala, suas mãos se tocando, o olhar dele, e aqueles lábios... tão perto. Se ela apenas se inclinasse mais algumas centímetros, poderia sentir que gosto tinham. E então, o que aconteceria? Como ele reagiria?

Antes ela tinha medo de que pudesse estragar tudo, mas aquela noite fora decisiva. Eles passaram quase uma hora segurando a mão um do outro, conversando sobre coisas íntimas, sorrindo um para o outro como velhos amantes.

A noite estava fria, e uma tempestade ameaçava cair a qualquer momento, mas ela não sentia frio.

— Merlin. – ela ofegou. Sua pele estava pegando fogo. Ela tirou as cobertas, depois as colocou de novo. Depois tentou fechar os olhos, deixando sua mente em branco, mas era inútil.

Os cobertores foram jogados para o lado, e ela sentiu o ar frio da noite nas pernas enquanto as deslizava para fora da cama. Sem saber ao certo o que estava fazendo, mas decidindo que precisava fazer alguma coisa, ela desceu as escadas em direção a cozinha.

Um copo d’água. Isso. Era o que ela precisava.

Seus pés deslizaram pelo chão de madeira com o máximo de silêncio que ela conseguiu. Hermione pegou um copo da ilha e encheu na pia, mas antes que tivesse a chance de se virar um clarão irrompeu pela janela e iluminou todo o cômodo, fazendo-a se assustar.

O corpo caiu em um estilhaço, e vários pedaços de vidro se espalharam pelo chão.

— Hermione? – Severo apareceu na porta, preocupado. Hermione notou vagamente que ele estava descalço quando se abaixou para reunir os cacos.

— Eu sinto muito! Merlin! Eu vou pagar por isso.

— Não seja tola, Hermione. Você se machucou? – ele se abaixou imediatamente, olhando para as mãos dela em busca de qualquer ferimento.

— Não, estou bem. – ela se recusou a olhar para ele – Só vim beber um copo de água, mas o clarão me assustou.

Ele assentiu, ajudando-a, mas logo o seu olhar caiu nas coxas que mal estavam cobertas pela camisa, relevando uma pele ainda mais tentadora do que ele tinha imaginado. Sem poder se conter, seus olhos foram mais longe, reparando em como o tecido de algodão se agarrava aos seios dela. Ele não podia ver a forma, mas podia ver que os bicos dos seios estavam intumescidos.

Seus olhares se encontraram e Hermione sabia que não havia dúvidas agora de que ele a desejava.

— Peço desculpas, Hermione. Eu não quis-

— Não? – ela precisava saber.

— Sinto muito? – os olhos negros encontraram os dela, surpresos, mas Hermione não cedeu.

— Você não quis olhar, Severo? – ela insistiu, não deixando que ele escapasse – É uma pena, porque eu queria que você visse.

— Hermione. – ele tentou recuar, trêmulo, mas ela não deixou, agarrando a mão dele. Com um aceno e os cacos flutuaram até o lixo, e Hermione se ajoelhou na frente dele. Eles haviam ido longe demais para negar.  

— Diga-me, Severo. – ela colocou uma das mãos no rosto dele, buscando o seu olhar – Se você não quer isso, então eu vou embora e nunca mais tocamos no assunto. Nossa parceria e nossa amizade permanecerão intocadas. Mas se você quer tanto quanto eu e-

Então ele a puxou para cima e a pegou no colo. Hermione se assustou com a rapidez e a força dele e ofegou quando sentiu a pele da coxa encostar na pedra fria da ilha.

Severo se posicionou entre as pernas dela e encostou os lábios no seu ouvido, sussurrando: - Você tem certeza?

Hermione derreteu ao som da sua voz. – Sim, sim, eu tenho. Eu quero você dentro de mim. Por favor, Severo.

Ela cruzou as pernas nas costas dele, puxando-o mais para perto enquanto se entregavam ao beijo avassalador. Foi frenético, bagunçado, molhado, e eles nunca se sentiram tão bem. Foi lindo. Aquele beijo continha tudo: desejo, paixão, completude, respeito, admiração, amizade, e a promessa de um amor que ainda estava para ser descoberto. Suas línguas dançavam em perfeita sincronia, e não havia nenhum lugar para um pensamento coerente naquele momento. Eles estavam presos um no outro, na sensação dos seus corpos finalmente se tocando, se conhecendo. Melhor, se reencontrando.

Porque era essa a sensação para eles. Que tudo nas suas vidas os levaram até ali, para estar nos braços um do outro.

Tão quente.

— Severo... – Hermione gemeu ao sentir a língua dele deslizando para o seu pescoço, deixando uma marca.

— Hermione. – ele chamou o seu nome na noite silenciosa, e parecia quase uma oração. Seus dedos traçaram padrões inespecíficos na sua perna enquanto sua boca parava a milímetros da dela. Ele queria levá-la até o andar de cima e fazer amor com ela, queria levantar a barra da sua blusa e desnudá-la para ele como a deusa que era, mas ao invés disso, desacelerou.

Ele fizera tantas coisas erradas em sua vida. Perdera tantas oportunidades, escolhera tantas vezes o caminho mais torto. Isso, pelo menos, ele faria direito. Esse presente que a vida lhe dera, aquela mulher maravilhosa se arqueando para ele... Não, ele não poderia errar agora.

Seus dedos tremulam quando ele tocou os lábios dela, tentando memorizar no escuro o que não podia mais viver nas sombras dos seus sonhos. Ela era real.

— Fique comigo mesmo assim. – parecia a voz de uma deusa.

Severo sorriu, usando todo o seu autocontrole para não tomá-la completamente ali mesmo. – Você me testa, Hermione. Eu sou apenas um homem.

— Preciso sentir você perto de mim.

Severo fechou os olhos e estremeceu. Quando uma mulher tinha dito tais palavras doces para ele? Ela não sabia que tudo o que ele queria era tê-la ali, com ele, para sempre? Se Hermione ao menos soubesse todas as coisas impróprias que ele queria fazer com ela... Severo queria venerá-la, reverenciá-la, mas havia tanto a ser dito. Então ele apenas assentiu, ajudando-a a descer da ilha.

Seus olhos nunca deixaram os dela, e ele finalmente tocou aquele cacho perdido. Algo não dito se passou e eles sorriram um para o outro, como se dissessem que entendiam tudo. Severo estendeu a sua mão para ela e seus dedos se entrelaçaram. Juntos, eles subiram para o quarto como velhos amantes, como parceiros que se procuravam por todo a eternidade e finalmente se encontraram.

Era, de fato, um tempo para recomeços.

...


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Notas finais do capítulo

Ainda não aconteceu o que vocês tanto pedem haha desculpa! Acho que por mais que os dois estivessem quase gritando de tesão e vontade, faz sentido que o Severo quisesse fazer tudo com calma. Pelo menos eu acho que sim. Não me matem, por favor!



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