Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 13
Um cacho perdido


Notas iniciais do capítulo

Muitas coisas acontecendo nesse capítulo. Ufa!

A referência ao título está no final, e ele simboliza muito o que todo este capítulo representa. Adoraria ouvir as suas impressões sobre nos comentários. Como sempre, estou adorando lê-los ♥ continuem!

Dedico este capítulo à Daniela do grupo SSF. Parabéns!

Também dedico a minha amiga, Daniela Teixeira, que me dá tanta força que nem sei se mereço. Você é muito especial para mim. Te amo!



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Três semanas depois e Severo pensou que enlouqueceria. Ele sabia que Hermione era competente e faria mudanças, mas ele não estava preparado para o que realmente estava por vir. Era a primeira semana de novembro e agora a Botica tinha um telefone, um computador, uma caixa registradora e aceitava cartão de crédito. Severo não tinha nem conta em banco trouxa, e de repente a Botica estava legalizada das mais diversas formas e ele tinha um pequeno retângulo de plástico na carteira onde estava todo o dinheiro que a loja possuía. E não era pouco.

Com os cálculos e a disposição certa para lidar com os números, seu lucro havia aumentado quase 20%, e os clientes continuavam aumentando. Hermione era realmente implacável, e eles estavam cada vez mais próximos um do outro. Eles passavam várias horas na companhia um do outro, e acabavam jantando juntos em cima de vários pergaminhos, papeis, números e modelos de novos produtos e embalagens quase todas as noites desde que ela aceitara a proposta dele de se tornar sócia.

As vezes o Sr. Bernard ou a Sra. Valérie se juntava a eles levando croissants e geleia, baguettes frescos, pain au chocolat e todas as delícias que a França tinha a disposição.

— Honestamente, Valérie, vou terminar o ano com cinco quilos a mais. – Hermione sorriu, lambendo os dedos com resquícios de chocolate.

Eles tinham perdido a hora trabalhando e a Sra. Valérie havia aparecido trazendo uma cesta com comida e vinho. – Magrinha do jeito que está! Precisa se alimentar direito. Os homens gostam de curvas, vai por mim. Não é mesmo, Severo?

Severo, que ainda estava perdido na cena da Hermione lambendo o dedo sujo de chocolate belga, não conseguiu processar uma resposta a tempo e simplesmente acenou, concordando com algo que ele mal tinha escutado.

— Está vendo? – ela usou as mãos para enfatizar, fazendo Hermione sorrir porque ela tinha certeza que Severo sequer havia prestado atenção.

— E como vai a Louise e o bebê? Tudo bem?

— Oh! A pequena Hermione sai do hospital amanhã. Graças a Deus! E a vocês, claro. Vamos fazer um pequeno almoço para comemorar no domingo, e não aceito não como resposta.

Hermione sorriu. – É claro. Estarei lá.

— E você, Severo? – Valérie perguntou.

— Hm?

— Sua cabeça parece estar a milhas de distância daqui. – Hermione comentou, preocupada.

— Ou a centímetros daqui. – O comentário da Valérie foi feito baixinho, quase um sussurro, e nenhum dos dois prestou atenção, muito focados um no outro para enxergar qualquer outra coisa.

— Está tudo bem, obrigada. Peço desculpas, Valérie, o que disse?

— Disse que faremos um almoço de comemoração pela chegada da minha neta. Hermione já confirmou, e você não tem escolha.

— Agradeço o convite, mas-

A Sra. Valérie o cortou propositalmente, assumindo uma expressão de pesar fingido. – A pobre Louise passou por tanta coisa. Seria importante para ela que estivessem lá.

Severo cruzou os braços sobre o peito, a sombra de um sorriso malicioso brincando no canto da boca. – Recorrendo a chantagem emocional, Valérie? O que o seu marido diria?

— Diria que ele tem muita sorte de ter uma esposa tão esperta. E então, você vai?

Severo suspirou dramaticamente. – Tudo bem, eu vou. Mas já aviso que não vou demorar.

— Não seja tão ranzinza. – Hermione brincou, e a Sra. Valérie imediatamente olhou para o Severo, assustada. No entanto, ele simplesmente sorriu para ela, SORRIU, e eles começaram um diálogo ácido, embora claramente inofensivo, de elogios disfarçados de ofensas. Valérie se sentiu deslocada, presa dentro de um momento íntimo, e discretamente começou a organizar a mesa e a colocar os restos de volta na cesta para sair o mais rapidamente dali.

— Bem, vou deixá-los trabalhar agora. – ela finalmente falou depois de fazer um som alto com a garganta. Eles a olharam surpresos, como se tivessem esquecido que ela estava ali. Valérie quis muito rir da situação, mas sabia que eles ainda não haviam se dado conta dos sentimentos cada vez mais crescentes dentro deles. Qualquer comentário feito fora de hora poderia afastá-los, então ela sabiamente se manteve em silêncio – embora sua língua estivesse coçando para alfinetar. – E não fiquem até muito tarde, já passa das nove.

— Diga isso para a Srta. Granger. Ela está praticamente me forçando a trabalhar.

Hermione revirou os olhos, e a Sra. Valérie riu. – Acho que o nosso querido Severo aqui se acostumou demais com o jeito francês de viver. Bem, vejo vocês dois no domingo.

— A senhora quer que eu a acompanhe? – Hermione perguntou.

— De jeito nenhum, minha querida. O Bernard está me esperando. E Severo, acompanhe a adorável Srta. Granger até a pousada, sim? – e com uma piscadela ela fechou a porta que dava para a loja atrás de si, deixando-os sozinhos e desconfortáveis.

Hermione deu uma risada nervosa antes de começar a reunir os vários papeis e pergaminhos espalhados pela mesa, incapaz de olhar para ele. – Não precisa se incomodar em me deixar lá, eu gosto de andar.

Severo assentiu, parecendo distante e nervoso. Hermione estava prestes a perguntar o que era quando ele disse. – Espere um momento, tenho algo para te mostrar.

Hermione franziu a testa, curiosa, e esperou impaciente enquanto ele procurava alguma coisa no escritório. Ele voltou com uma pasta preta e a entregou. – Fiz alguns esboços para a marca da Botica, e pensei que pudesse mostrar para o designer que está fazendo a arte. De repente ele pode se inspirar.

Hermione estava surpresa, para dizer o mínimo, mas nada a preparara para o que realmente estava naqueles pergaminhos. Eram vários esboços em perfeita qualidade e traços impecáveis do patrono dela. Uma lontra.

— Eu não sou um artista, claro. Os desenhos estão horríveis. Mas pensei que poderia ser um patrono porque é um feitiço poderoso, evoca uma força positiva. E coloquei uma lontra como exemplo, mas pode ser outro animal. Mas também porque é o seu, e você, bem, tem ajudado muito a botica, então eu pensei que... não sei, mas se não gostar podemos trocar, claro e-

— É perfeito.

— Como? – ele piscou.

— É simplesmente perfeito. Como você sabia o meu patrono?

Ele deu de ombros, tentando parecer indiferente. – Era necessário que todos na Ordem soubessem os patronos uns dos outros. Questões de segurança.

— É claro. – Hermione murmurou, um pouco decepcionada. – Mas eu não entendo... Por que uma lontra? Você poderia usar o seu patrono.

A expressão dele imediatamente escureceu, e Hermione se arrependeu de ter tocado no assunto.

— E por que eu colocaria o meu patrono, Granger?

Ela recuou como se tivesse levado um tapa.

— Eu não sei, foi uma pergunta inofensiva. Não precisa ficar tão bravo. A ideia do patrono é excelente, mas como você é o sócio maioritário pensei que talvez-

Seu tom era tão frio quanto o vento lá fora quando ele respondeu, reunindo todas as suas coisas com um feitiço enquanto se preparava para ir embora. Toda a camaradagem leve de um momento atrás esquecida. – Pensou errado.

— Eu sinto muito, não quis-

— Não quis o que, Granger? Procurar respostas no meu passado como todos os outros? Eu deveria saber que mais cedo ou mais tarde chegaria a isso.

— O que? – ela estava chocada – Severo, não-

— E para o seu governo o meu patrono não é mais uma corsa. Era isso que queria saber? Da, como dizem?, trágica história do amor do Comensal da Morte pela mãe do herói de guerra, Harry Potter?

Hermione estava enraizada no lugar quando ouviu a porta da frente bater num estrondo, deixando claro que ele a havia deixado sozinha na Botica. Ela tentou entender o que exatamente tinha acontecido para eles passassem de uma conversa leve e descontraída para isso.

Lágrimas transbordaram nos seus olhos quando as palavras dele ecoavam na sua cabeça. Ela e todo mundo bruxo sabia da história, é claro. Ou pelo menos o que diziam os jornais. Harry se recusara a elaborar o assunto, em respeito a privacidade de Severo, mas a mídia só aproveitou os espaços em branco para florear e tornar a história ainda mais trágica. Ela não tinha tido a intenção de tocar nesse assunto, mas ainda era um tópico delicado para ele se aquela porta batendo dizia alguma coisa.

Perdida, sem saber se o procurava para se desculpar ou não, ela limpou as lágrimas e se preparou para fechar a botica, mas não sem antes pegar a pasta com os rascunhos e guardá-la em segurança na bolsa.

...

— Hermione, querida!

Ela fechou os olhos, se culpando por não ter sido mais discreta para entrar. A Sra. Janet era um amor, mas sempre a pegava para conversar e hoje ela definitivamente não estava no clima para isso.

— Sra. Janet, estou um pouco cansada hoje –

— Você tem visita, minha querida. Uma jovem muito agradável e educada que está te esperando na sala azul.

Hermione franziu a testa, assumindo uma postura defensiva. As únicas pessoas que sabiam onde ela estava eram a Minerva, a Gina e, claro, o Harry. Será que havia acontecido alguma coisa? O pânico começando a crescer dentro dela, Hermione simplesmente murmurou um obrigada e caminhou rapidamente até a sala, mil pensamentos desastrosos passando pela sua cabeça.

Mas antes que ela pudesse virar o corredor para chegar na sala uma voz conhecida ecoou pelos corredores, um riso familiar que acalmou o seu coração e a fez correr os últimos passos até dar praticamente tropeçar na amiga que ela não via a quase três meses.

— Gina! – Hermione abraçou a bruxa que agora ostentava uma enorme barriga de grávida, a força do impacto quando a jogando no sofá.

— Eu já estava pronta para brigar com você, mas depois dessa recepção é praticamente impossível – ela sorriu, daquele jeito brilhante e tão típico dela.

— O que você está fazendo aqui? Onde está o Harry? Harry!

Gina riu, tentando acalmar a amiga que parecia frenética. – Ele não está. Tive que vir praticamente escondida porque a senhorita não.me.dá.notícia! – ela pontuou cada palavra com um cutucão no ombro da Hermione.

— Ai! E como você chegou até aqui? Não vai me dizer que veio com uma chave de portal.

Gina suspirou, uma expressão culpada em seu rosto. – Ginevra Weasley! Você está grávida de quase 18 semanas! Você enlouqueceu?!

— Você, mais do que ninguém, sabe que é perfeitamente seguro nesse ponto da gravidez. Seria terrível se eu enjoasse, claro, mas estou acostumada a ser lançada em diferentes direções no ar. Não é grande coisa. – ela fez um gesto no ar, indiferente.

— E o Harry deixou você sair assim? Com quem está o pequeno Thiago?

— Merlin, quantas perguntas! Como você mesma disse, estou grávida de 18 semanas. Preciso me sentar, me alimentar, beber alguma coisa, e então conversamos. – Hermione olhou para a amiga que parecia ainda mais radiante exibindo uma barriga linda. A gravidez do Thiago havia sido difícil, e ela quase não conseguia sair de casa sem enjoar. Foi difícil para toda a família. Mas agora... Gina parecia incrível como sempre, disposta, feliz, e louca o suficiente para viajar até outro país apenas para brigar com ela.

— Já vi que vou ouvir um sermão de algumas horas.

— Pode ter certeza que sim. Mas só de ver essa vila acho que consigo entender.

Hermione sorriu. – Vem, tem um bistrô delicioso do outro lado da rua. Você vai adorar! Quero ouvir todas as novidades enquanto comemos. – disse, puxando-a suavemente pelo braço.

— Só ouvi bistrô e comer. Nessa altura da gravidez estou comendo praticamente tudo que colocam na minha frente. E sobre conversar... tenho a leve impressão que você tem muito mais para contar do que eu.

...

Gina falou por quarenta minutos ininterruptos, cobrindo todos os tópicos desde a gravidez até as primeiras palavras do Thiago, passando por momentos engraçados do Harry sendo o pai amoroso e preocupado que ele era, até a família Weasley. Hermione percebeu, claro, que ela evitara mencionar o Ron, e por mais que ela quisesse perguntar sobre ele preferiu deixar o assunto de lado por enquanto.

— O Thiago adorou o brinquedo, a propósito. Virou o seu favorito. E depois daquela carta eu e o Harry te enviamos várias! Você só respondeu que tinha voltado a trabalhar, estava muito ocupada e que entraria em contato. Três semanas se passaram e nada. Harry estava quase tendo um troço, Hermione. Ele queria vir aqui de todo jeito, mas você sabe como ele é.

Hermione estremeceu só de pensar.

— Ele chegaria onde trabalha exigindo satisfações do Prof.º Snape, e eu nem quero imaginar o que aconteceria.

Hermione quase se encolheu na cadeira, sentindo-se extremamente infantil e culpada.

— Eu grávida, com uma criança pequena no colo, tentando convencer o Harry a não fazer uma besteira. E não adianta me olhar com essa cara. Você merece o sentimento de culpa.

— Você é bem cruel quando quer.

Gina sorriu, tomando um gole da água gaseificada. – Prefiro o termo implacável. E eu tenho que ser! Já viu quantas mulheres dão em cima do meu marido?

Hermione revirou os olhos, se servindo de mais vinho. – O Harry é louco por você. E do jeito que fala parece que não tem uma fila enorme de homens – e mulheres – batendo na sua porta também. Vocês dois deixaram todo mundo bruxo deste lado do planeta bem tristes quando se casaram.

Gina gargalhou daquele jeito Ginevra de ser, e foi impossível não ir no fluxo com ela. – E por falar nisso...

Hermione suspirou, encostando na cadeira de ferro de um jeito nada gracioso enquanto tentava a todo custo sair do escrutínio da amiga. – Hermione, estou aqui a uma hora falando sem parar, mas todos os meus tópicos esgotaram. Tenha pena de uma pobre mulher grávida e exausta e comece a falar.

— Como você é dramática.

— E para de ser evasiva! Isso é bem sonserino de você. E você também podia parar de beber esse vinho na minha frente, parece delicioso.

— Sem álcool eu não consigo ter essa conversa. – Hermione riu enquanto o garçom colocava o prato principal na mesa.

— Une raclatte traditionnelle, mademoiselles. Rien d'autre?

— Un verre de vin, s'il vous plaît, et de l'eau Perrier pour mon ami.

Gina riu, acompanhando o garçom com um olhar divertido. – Por que essa língua é tão sexy? O inglês fica reduzido a pó perto do francês.

— Isso porque você não ouviu o Severo falando francês. – Hermione sentiu um arrepio percorrer o seu corpo só de lembrar.

Gina quase engasgou com a água. – Merlin, você está corando!

— É o vinho! – Hermione retrucou.

— Não é, não. – Gina riu, negando.

— É o frio. – ela insistiu.

— Hermione, por favor. Já passamos desse ponto. Agora anda, pode ir contando tudo. Já estamos no prato principal e até agora nada.

E então Hermione contou tudo. Desde a sua chegada, passando pelo chá com alguma variação muito sutil e perfeita da veritasserum— no qual a Gina ficara completamente brava – até a festa na praia, onde ela praticamente desmaiou bêbada no seu carro – o que também gerou uma pausa de quase 20 minutos na conversa até a Gina processar o fato de que o Professor Snape não só sabia dirigir como tinha um carro.

Hermione também contou do quanto ele fora exigente com ela no começo, pedindo coisas absurdas como um pão que só vendia em Marselha; e da vez em que ele pediu que ela refizesse o chá quatro vezes porque “o gosto não era o mesmo do que ele estava acostumado”. Também desabafou sobre as vezes que ele esquecia de ser um bastardo e era o homem mais brilhante que ela conhecia, engraçado e sarcástico, até chegar no momento em que as coisas começaram a mudar: quando o caldeirão explodiu.

Neste ponto da conversa Gina ficara completamente furiosa, e Hermione teve que pedir um milhão de desculpas por quase meia hora explicando que ela estava perfeitamente bem e que não precisava se preocupar. Gina só conseguir seguir em frente quando Hermione deixou escapar que nesse dia dormira na casa dele, e foram mais 30 minutos tentando processar isso também.

Em determinado momento o bistrô já estava vazio e os garçons olhavam na direção delas com um ódio profundo. Entendendo o recado Hermione pagou pela refeição, se certificando de deixar uma gorda gorjeta, e elas se jogaram na confortável cama do quarto de Hermione: Gina com as pernas para cima, Hermione com a cabeça praticamente pendurada na borda da cama olhando para o teto.

— E então eu não sei, Gina. Quando ele me ofereceu a sociedade fiquei em choque, questionei os seus motivos, fiquei brava. Mas ele estava sendo tão verdadeiro! E começamos a trabalhar intensamente: temos ficado até tarde na Botica todos os dias, almoçamos juntos, jantamos juntos, tomamos chá juntos. Discutimos, conversamos, e até rimos juntos.

Ela mudou de posição, ficando de barriga para baixo enquanto balançava os pés no ar. – Não sei o que fazer. E hoje, depois do que aconteceu... eu nem sequer sei porque ele saiu tão bravo.

— Hermione – Gina suspirou, lutando para encontrar a melhor posição para que pudesse olhar diretamente para a amiga – O professor Snape sempre foi um homem reservado. Imagina o que é ter o seu maior segredo revelado? A vida dele virou um inferno nos meses que seguiram a guerra. Quando ele acordou, então... Não deixavam ele em paz. Claro que você lembra, já que foi uma das responsáveis por conseguir convencer o Ministro a dar um basta naquela situação.

Hermione acenou, se lembrando exatamente de como abordara o Ministro e o fizera jurar que ninguém jamais saberia.

— A França é um recomeço para ele. É uma nova chance. Ele está tentando ressignificar o novo papel que você desempenha na vida dele agora, e de repente ter o passado confrontado com o presente pode ter disparado um gatilho, uma memória ruim e sofrida. Não acho que ele tenha ficado bravo com você, entende?

Ela entendia completamente.

— Fazer o parto foi muito difícil. – Hermione sussurrou depois de um tempo – Uma das coisas mais difíceis que já fiz. Não o parto em si, porque conseguir trazer o bebê em segurança, preservando a saúde da mãe e do filho, foi a melhor sensação do mundo. Mas no hospital, vendo tantas crianças, tantos recém-nascidos... os dedos minúsculos, os pezinhos que cabem na palma da minha mão. Eu só conseguia pensar no meu bebê.

— Hermione, querida. – Gina a puxou para um abraço apertado, e elas ficaram assim por vários minutos.

— Como ele está? – Hermione finalmente perguntou, sem necessidade de elaborar quem era ele.

— O Ron está bem. Cuida da loja com o George agora, e está feliz. Ele sente a sua falta, claro. Todos nós.

Hermione sentiu a garganta apertar.

— Mas uma coisa de cada vez – Gina mudou de assunto, tentando distraí-la das lembranças ruins – Agora quero saber o mais importante de tudo, que você deixou completamente fora da conversa.

Hermione riu. O entusiasmo da amiga era exatamente o que Hermione precisava naquele momento. – E o que seria isso?

— Como é a casa do professor Snape, claro!

...

— Eu não posso acreditar que você veio até aqui. – Hermione sorriu, abraçando a amiga pela décima vez.

Os cabelos ruivos da Gina refletiam nos poucos raios de sol que tentavam sair naquela manhã fria, depois de vários dias de muita chuva. – Precisava vir para me certificar de que estava bem, ou não teria paz. Por favor, Hermione, nos dê notícias mais vezes ou o Harry vai acabar aparecendo aqui.

Hermione parecia pelo menos um pouco culpada. – Eu sinto muito. Prometo que vou escrever mais vezes.

Elas se abraçaram mais uma vez quando a Sra. Valérie apareceu no passeio, segurando uma garrafa térmica e várias baguettes frescas. – Hermione, querida, bonjour.

— Bonjour, Sra. Valérie. – Hermione sorriu, e a senhora olhou abertamente para o lado, num sinal claro de “me apresente”. – Pardon, esta é a minha amiga Ginevra.

— Gina, essa é a Sra. Valérie de quem te falei. Não fosse por ela eu certamente já teria desistido.

Ela fez uma careta para a menção do seu nome completo, estendendo a mão para cumprimentá-la. – Mas pode me chamar de Gina, muito prazer.

— Oh, é ótimo conhecer uma amiga da Hermione. Ela tem pouca companhia da idade dela aqui, sabe. Minha filha, Louise, é um pouco mais nova, mas mora na cidade vizinha. E a maioria dos jovens ficam em Marselha. Hermione tem que se contentar com os velhos chatos como eu.

— Tenho certeza que a Sra. é uma ótima companhia. E, por favor, de uma amiga para outra, cuide dela por mim. A Hermione tende a pular várias refeições quando está trabalhando ou estudando, e se diverte muito pouco.

Hermione revirou os olhos. – Não preciso de vocês duas chamando a minha atenção.

— Pode deixar, vou ficar de olho nela. – as duas continuaram a conversar ignorando completamente a Hermione – Não vai ficar mais tempo? Faremos um almoço amanhã e você está convidada!

— É muita gentileza sua, mas o pai deste pequeno aqui – ela passou a mão carinhosamente pela barriga – ficaria louco. Além disso, tenho outro bebê em casa me esperando.

— Oh! Claro, claro, querida. Por que não planejam uma visita em dezembro? A vila fica linda no Natal!

— Talvez seja uma ótima ideia!

As três conversaram por mais dez minutos, combinando e fazendo planos como se conhecessem a séculos. A Sra. Valérie se apaixonou pela Gina, mas como não poderia? Hermione tinha os melhores amigos, e de repente ela foi tomada por uma súbita vontade de reunir todos eles numa grande festa na praia. O pensamento veio rápido, mas a atingiu como um estupefaça. A imagem de todos rindo, dançando e se divertindo, sem mágoas, brigas ou segredos, num verão francês, como todo o mar como testemunha, ficou cravada na sua mente.

Finalmente, a Sra. Valérie se despediu para deixá-las a sós, mas não sem antes combinarem mil e um almoços e jantares, e até uma promessa de visitá-la em Londres.

Hermione colocou a Gina num táxi que a levaria até Marselha, e de lá ela pegaria uma chave de portal de volta para a Inglaterra.

— Tem certeza de que não quer companhia? – Hermione perguntou depois de ajudá-la a se acomodar no banco de trás.

— Absoluta. Você tem muito o que resolver aqui, e o quanto antes melhor. Vou com o coração tranquilo vendo a vida maravilhosa que está construindo aqui, Hermione.

Hermione sentiu a garganta apertar enquanto segurava a mão da amiga pela janela.

— E, lembre-se, Hermione, alguns segredos foram guardados por tempo suficiente. Não o envolva mais sem antes contar a verdade.

Hermione ia responder, mas Gina a cortou, dando sinal para o motorista seguir. Quando o carro arrancou, Gina gritou da janela: - Tem uma surpresa te esperando no quarto.

E com uma última piscadela, o carro virou a esquina e Hermione ficou sozinha.

...

A manhã de domingo chegou e Hermione estava uma pilha de nervos. Severo aparecera na Botica no dia anterior, pouco depois que a Gina fora embora, mas não havia nenhuma margem para conversa.

Os clientes lotaram a pequena loja e eles mal tiveram tempo para desejar um bom dia, e na brecha para o almoço Severo simplesmente anunciou que fechariam mais cedo e que ele a pegaria no dia seguinte para o almoço na casa da Sra. Valérie. Hermione tentou questionar, mas ela mal abrira a boca e ele já tinha se trancado de novo no escritório, num sinal claro de “está dispensada”.

E era por isso que ela estava novamente em frente a um espelho experimentando a quarta roupa que nada mais era que uma variação do que ela vestia praticamente todos os dias para o trabalho: uma calça jeans sem graça e uma blusa de frio reforçada.

— Droga. – ela murmurou, abrindo o armário pela milésima vez. Era só um almoço simples entre amigos, mas Hermione estava exausta de sempre aparecer do mesmo jeito. E então ela se lembrou de algumas revistas de moda na recepção e pegou todas, buscando ideias e inspirações para transfigurar em algo que ainda fosse ela, embora mais... interessante.

— Ou no mínimo menos entediante. – ela murmurou.

Hermione estava quase desistindo quando uma foto no canto da página chamou a sua atenção. Uma calça preta de alfaiataria, uma blusa gelo de tricô, um cachecol, e um sapato Oxford. Era perfeito.

Ela colocou na cama a as roupas sem graça e, com a varinha em punho, mentalizou a roupa que tinha acabado de ver na revista. Primeiro ela transfigurou o suéter surrado na blusa de tricô, depois ela teve que se concentrar um pouco mais para mudar do azul desbotado até o gelo adorável da foto.

— Por que eu não fiz isso antes? – Hermione estalou a língua, vibrando satisfeita com o resultado.

Com a calça foi mais fácil, ela já tinha pego o jeito de transfigurar. O material pesado do jeans deu lugar a uma calça preta acinturada e solta do quadril para baixo, exatamente do jeito que ela queria. Um lenço velho no fundo da gaveta virou um belíssimo cachecol azul claro, como o céu de outono, e os velhos tênis de trabalho um Oxford caramelo que Hermione prometeu a si mesma no instante em que calçara que compraria um o mais rápido possível.

Satisfeita com o seu reflexo no espelho, Hermione prendeu o cabelo e correu para pegar a bolsa para sair quando uma batida soou na porta. O coração dela disparou. Severo havia dito que a buscaria, mas ela imaginou que depois do desconforto do dia anterior ele teria desistido. Respirando fundo, ela girou a maçaneta e ofegou. Era realmente ele parado no corredor, parecendo hesitante, sem lugar. Seu coração apertou com a visão.

— Severo, eu- Hermione começou.

— Gostaria de me desculp- eles falaram ao mesmo tempo.

Ela deu uma risada nervosa, e o Severo voltou a olhar para algum ponto além dela, recusando-se a encará-la.

— Desculpe, pode falar.

Severo assentiu, e Hermione podia jurar que ele estava torcendo as mãos nervosamente atrás das costas. – Eu gostaria de me desculpar por ter gritado com você na sexta-feira.

— Você não precis-

— Preciso, sim. Existem alguns assuntos que eu preferia não conversar. Algumas linhas que eu preferia não traçar. Minha vida passou de um inferno para um circo, pessoas tentando a todo custo ganhar em cima de uma tragédia com livros e artigos e entrevistas. Era a minha vida, e de repente todos os meus segredos mais bem guardados foram expostos.

Hermione assentiu, incapaz de falar. Ele parecia tão cru, tão nu ali, na frente, dela, que se fosse qualquer outra pessoa ela já teria o abraçado.

— Não espero que você me desculpe pelo meu comportamento, mas eu devia uma explicação. – ele finalmente a olhou, recuperando um tom de voz monótono que indicava uma tentativa de recuperar o seu autocontrole.

— Eu entendo. E prometo a você que não perguntei para ser curiosa ou intrometida, mas porque eu... – ela hesitou, o coração batendo tão forte que ela mal escutava a própria respiração.

Ele deu um passo para mais próximo dela, prendendo-a entre o corpo dele e o batente da porta. Os quase vinte centímetros de altura que os diferenciava ficaram ainda mais evidentes naquele momento, e Hermione se sentiu tão pequena que ofegou, um desejo primitivo de ser protegida e abraçada por ele marcando-a tão profundamente quanto brasa.

— Continue.

Hermione lambeu os lábios, consciente do quão próximo eles estavam.

— Porque eu me importo.

O mundo lá fora não existia naquele momento, apenas os dois, suspensos na respiração um do outro, presos nos olhares refletidos. Hermione não tinha a intenção de falar isso, simplesmente saiu.

Ela viu a miríade de expressões que passou pelo rosto dele. A expressão impassível que ele vestia todos os dias tinha caído, e de repente ele fora reduzido a um homem. Nada mais, e nada menos que um homem em frente a uma mulher, nu dos pés a cabeça, sem nada para protegê-lo de fazer uma loucura.

Vagamente, um dedo áspero tocou a suavidade da testa dela, deslizando até envolver a bochecha. Hermione fechou os olhos para a sensação, desejando que ele nunca mais parasse de tocá-la. Eles estavam tão perdidos na sensação das peles se tocando que não escutaram os passos na escada, a voz animada e estridente da Sra. Janet ecoando pelo corredor estreito.

— Severo, tem um turista reclamando do lugar onde estacionou o carro e- ela parou, assustada, e eles se distanciaram como se tivessem levado um choque – eu sinto muito, não queria atrapalhar.

Hermione se atropelou para responder. – Não está atrapalhando nada, o Sr. Snape só estava me apressando para sair.

Os olhos da velha senhora brilharam, e Severo gemeu internamente, pensando em como esse curto momento seria rapidamente espalhado por toda a vila. – Não precisa fazer essa cara, Severo, eu não vi nada. – ela deu uma rápida piscadela para os dois, mas Hermione estava muito nervosa para processar. Seu rosto ardia como se mil sóis estivessem incidindo na sua pele.

— Você se juntará a nós, Sra. Janet? – Hermione decidiu que mudar de assunto era o melhor caminho.

— Mais tarde, querida. – ela sorriu, uma expressão de puro contentamento enquanto ela se virava para sair apressada, cantarolando uma velha canção francesa enquanto deixava os dois sozinhos com o grande elefante branco entre eles.

Hermione estava prestes a abrir a boca quando ele murmurou, claramente incomodado. – Você tinha um cacho perdido.

E saiu andando na frente dela, tão imponente que a falta da longa capa preta não fez a menor diferença. Hermione piscou, sem saber o que dizer, quanto ela tocou a ponta dos dedos no mesmo lugar onde que ela tocara.

Ainda em transe, ela puxou a alça da bolsa enquanto fechava a porta, confusa. Ela sabia que o seu cabelo estava preso muito firmemente para que qualquer fio pudesse sair do lugar.

...


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