Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 11
O passado deve ficar para trás


Notas iniciais do capítulo

Estive trabalhando neste e no capítulo anterior a mais de três semanas, e sinto que eles são um ponto de virada para um outro momento desta história. Apesar deste estar mais curtinho, espero de verdade que gostem.

Também tem uma referência famosa de um dos personagens do Alan aqui. Será que conseguem adivinhar qual é? Ainda estou esperando a do capítulo anterior.

No mais, boa leitura! ♥

P.s.: hoje publiquei um conto pela primeira vez na Amazon. Quem quiser ler me manda mensagem!



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Capítulo 11

O passado deve ficar para trás

— Você realmente não estava exagerando quando disse que o movimento da vila iria cair. – Hermione comentou, colocando o livro no colo enquanto tomava um pouco de chá. Severo apenas levantou os olhos do artigo que estivera lendo e olhou para a chuva forte que batia na vitrine.

— Como eu disse, a chuva.

— Imagina se os britânicos deixassem de viver porque está chovendo? – ela riu do próprio comentário, totalmente alheia ao fato de que ele a olhava impassível.

— Eles não deixam, e por isso estão constantemente de mau humor. E úmidos.

Hermione a olhou em choque. – Isso foi uma piada?

— Não faço piada, Granger. Que ideia absurda.

Ela bufou divertida, tentando preservar esse momento leve na sua cabeça. Era tão mais fácil quando eles interagiam desta maneira. Não poderia ser sempre assim?

— Meu cabelo vai odiar essa mudança de temperatura. – Assim que as palavras saíram da sua boca ela quis se bater mentalmente.

Ele apenas a olhou, um brilho de diversão brincando nos seus olhos. – Você espera que eu fale alguma coisa sobre isso? Elogie o seu cabelo, talvez?

— Adorável. – ela fez uma careta.

— Olhe ao redor, Granger. Você trabalha em uma botica. Certamente tem algo para o seu cabelo aqui.

— Acredite, não tem.

— Mas-

— Você já pensou sobre o relatório que te entreguei? – ela o cortou bruscamente, desviando a atenção dele do seu cabelo e da conversa absurda – Ou pretende me deixar nessa tortura até o último dia de aviso?

Ele tirou os óculos e cruzou a perna, virando o corpo totalmente para ela para dizer com um brilho malicioso no olhar. – Não é uma má ideia, Granger, agora que você sugeriu.

O homem era impossível. – Será que você não po-

A resposta estava na ponta da língua quando eles foram interrompidos por um Matthew praticamente derrubando a porta.

— Severo! Hermione! Vocês precisam ajudar!

— Matthew? O que aconteceu? – Severo se levantou num pulo, trazendo-o para dentro da loja.

— A Louise, está em trabalho de parto!

— A filha mais nova do Sr. Bernard e da Valérie? – Hermione perguntou, contornando o balcão para parar ao lado de Severo.

— Sim! Eles estão parados na estrada, voltando de Marselha. O carro estragou e eles não conseguiam falar com ninguém a horas. Felizmente passou um morador de moto e ele avisou no café.

— Mas o bebê não deveria nascer no mês que vem?

O rosto do Matthew dizia tudo. – Por favor, senhor, você não pode ajudar?

Eu? – Severo perguntou, assustado – Não sou um médico, Matthew. Nunca fiz um trabalho de parto.

— Não tem um médico na vila? – Hermione interviu.

— Está na cidade vizinha. Não conseguimos falar com ele.

— E o hospital mais próximo?

— Estamos a 90km dele, mas a estrada está fechada. Uma árvore caiu com a chuva e atravessou o asfalto. E também demoraria muito para chegar, não acho que daria tempo. Ela não parece nada bem. Por favor, senhor, nós estamos indo para lá agora, mas não acho que ela consiga esperar.

— Você está dizendo que ela vai ter o bebê no meio do nada debaixo dessa chuva? – Severo perguntou, chocado.

— Parece que a bolsa dela estourou. – o menino respondeu, e Severo olhou imediatamente para a Hermione.

Ela queria recuar até conseguir fugir para os fundos da loja. Ela sentia o olhar de Severo nela enquanto o Matthew falava, imaginando o que ele estava insinuando, mas Hermione não tinha coragem. Ela simplesmente não podia...

— Por favor! Não sei mais a quem pedir.

— Tinha um médico hospedado na pousada, um turista. – Hermione murmurou, implorando para que ele ainda estivesse na vila.

— Ele foi embora hoje de manhã.

Droga.

— Matthew, vá na frente. Vamos logo atrás de você, só preciso dar uma palavrinha com a Srta. Granger.

O menino assentiu, desaparecendo debaixo da tempestade sem se dar conta da tensão que deixara para trás.

— Granger, você sabe como fazer um parto.

— Não terminei meus estudos. Eu não poderia- ela se afastou dele.

— Você pode, sim. – Severo insistiu.

— Por que não buscamos um médico? Podemos aparatar até o hospital mais próximo e-

— E o que? Desaparatar com ele? Confundi-lo para depois deixá-lo fazer um parto? Hermione, não dá tempo. Você pode fazer isso.

— Podemos chamar a Madame Pomfrey e-

— Você sabe que ela só conseguiria chegar aqui através de uma chave de portal. E eu nunca a considerei uma covarde, Granger.

O comentário dele veio como um tapa. Hermione sabia que ele a estava apenas provocando de um jeito pouco sutil para um sonserino, mas mesmo assim colocou fogo em suas veias. – Você não sabe NADA sobre a minha vida. Não tem o direito de me chamar de covarde!

— Então ajude! Hermione, você pode fazer isso.

— Eu não posso. Sinto muito, não-

— Vou estar com você o tempo todo. Vou ajudá-la. 

As palavras dele a chocaram. Ela sabia que podia fazer isso, claro, mas saber que ele estaria ali, ao lado dela, a apoiando, foi toda a coragem que precisava.

Finalmente, Hermione se viu assentindo. A velha coragem grifinória renascendo dentro dela. – Tudo bem. Vamos fazer isso.

...

Severo nunca dirigira tão rápido em toda a sua vida. O mais difícil foi conseguir convencer o Sr. Bernard a ficar na pousada tentando contatar a Valérie, mas eles conseguiram no final. Talvez um Confundus tenha sido necessário, mas Severo não se arrependia. Era o melhor.

A chuva caía torrencialmente, e ele observou de soslaio que Hermione verificava a pequena bolsa de emergência que montara pela centésima vez. Tesouras, toalhas, álcool-

— Granger, você já verificou essa bolsa minúscula pelo menos 20 vezes desde que pegamos a estrada e tiramos aquela árvore do meio do caminho.

Ela fechou a bolsa com raiva. – Me desculpe se eu estou prestes a fazer um parto trouxa no meio do nada, Severo. Você quer que eu fique calma?

— Na verdade, sim. É exatamente isso.

Ela cruzou os braços sobre o peito, decidindo que era melhor ficar calada. Ele estava certo, é claro, mas Hermione estava apavorada. Ela sabia o que tinha que fazer, não era por isso que ela estava tão assustada. Hermione tinha mais medo das lembranças que isso poderia evocar nela.

Os próximos vinte minutos foram silenciosos. Hermione via as gotas de chuva pelo vidro, mas os seus pensamentos estavam longe. Imagens daquele dia horrível não paravam de assombrá-la. Do dia em que-

— Acho que consigo vê-los mais à frente. – Severo murmurou, inclinando-se um pouco mais sobre o volante. A alguns metros estava um carro prata parado com os faróis acesos e um homem acenando desesperado do lado de fora.

Severo mal parou o carro e Hermione praticamente saltou para fora, todas as dúvidas agora esquecidas e uma única resolução em sua mente: salvar a vida da mãe e do bebê.

— Louise, olá. Eu sou Hermione Granger, lembra?

— Por favor, me ajuda! Meu filho, ele não pode morrer. Por favor!

— Eu não vou. Tudo bem? A quanto tempo está em trabalho de parto?

— Estamos parados aqui a quase três horas. O John queria ir a pé até a vila mas eu não queria ficar sozinha, e então-

— Louise, calma. Estamos aqui agora e vai dar tudo certo. A bolsa estourou?

— Sim. Pouco tempo depois as contrações começaram.

— Tudo bem, vou monitorar o tempo da próxima. John, Severo, me ajudem a posicioná-la melhor no banco de trás. Depois cheguem os bancos o máximo para frente, tudo bem?

Eles assentiram, fazendo o que foi pedido.

— Acho que eu não consigo me mover. – Louise engasgou, gritando quando uma nova contração a dominou. 

— O intervalo entre as contrações está diminuindo.

— Está doendo muito. E não estava na hora do bebê nascer ainda. – ela soluçou.

— Ele só está apressado para conhecer os pais. Vai dar tudo certo, ok? Severo, a toalha.

Hermione teve que gritar para sobressair ao barulho da tempestade batendo no teto do carro. De relance, ela viu Severo murmurar um Repello Pluviatus para protegê-los. O pobre John estava tão nervoso que com certeza não perceberia.

— Agora, Louise, eu vou verificar a dilatação, ok? Você vai sentir um incômodo.

Ela assentiu.

— Ok. Está na hora. Você está dilatada. Vamos ter esse bebê?

Ela tentou responder, mas uma nova contração a impediu.

— Droga. – Hermione murmurou baixinho depois de examiná-la.

— O que?

Hermione suspirou. – O bebê está ao contrário.

— Ao contrário?

— Quer dizer que os pés dele virão primeiro. Ainda vamos fazer esse parto, Louise, eu só vou ter que mudar algumas coisas. Vai dar certo, tudo bem?

— Granger, me dê algo para fazer ou eu ficarei louco. – Severo praticamente rosnou quando ela saiu para pegar a bolsa na frente, dando espaço para que o marido dela entrasse para acalmá-la.

— Tudo bem, preciso que pegue as tolhas, a água quente, a tesoura e o álcool. O que eu for pedindo você me dá.

— Tudo bem. E é um problema que o bebê esteja em uma posição diferente?

— Bastante. Ele está praticamente sentado. Louise precisava do que os trouxas chamam de cesárea. Deveria ser um parto no hospital, ela precisaria de cirurgia.

— Mas não dá tempo.

Hermione assentiu, respirando fundo.

— E o que você vai fazer?

— Não tem nem sinal da ambulância ainda. Vou fazer o que precisa ser feito: o parto.

Se Hermione não estivesse tão focada teria visto o brilho de admiração profunda nos olhos dele. – Hermione, se tem alguém que pode fazer esse parto é você.

Ela assentiu, ganhando uma confiança que ela não tinha a muito tempo enquanto entrava novamente no carro.

— Ok, vou precisar que vocês me ajudem a virá-la. John, fique na frente e deixe que ela o abrace. Preciso que ela fique de joelhos, a posição vai ajudar o bebê a descer. Severo, o álcool.

— Aqui.

— As toalhas. Coloque embaixo. Isso.

— E a água quente?

— Pode deixá-la aqui. Agora, Louise, você vai sentir uma pressão, ok?

Louise agarrou com toda a força que ainda restava os ombros do marido, escondendo o rosto na curvatura do pescoço dele enquanto os seus gritos eram abafados pelo tecido e pelo barulho da chuva.

Os próximos cinco minutos foram uma mistura de alívio, felicidade, apreensão, medo. Hermione fez todos os procedimentos necessários com as poucas ferramentas que tinha, e o bebê desceu como se não houvesse nada de preocupante sobre a situação toda. Severo assistiu aquele desenrolar com uma surpresa que ele jamais imaginou ter presenciado, como um presente.

Ele nunca tinha visto nada igual.

— Parabéns, papais – a voz suave dela, seguido de um choro agudo, o despertou – Vocês têm uma linda menina.

O ser minúsculo foi direto para os braços da mãe, e Severo viu que mesmo exausta havia um brilho totalmente diferente nela agora. Parecia magia, mas de outro tipo.

Talvez ainda mais poderosa.

...

— Eu nem sei como agradecer a vocês. – John sussurrou para não acordar a esposa exausta. Eles estavam no quarto do hospital agora, onde o bebê foi devidamente atendido e ficaria internado por algumas semanas. – Nós queremos chamá-la de Hermione.

— Não, por favor, não façam isso com a criança. – Hermione sorriu.

— Não acho que você conseguirá mudar a cabeça da Louise. Ela está muito decidida a agradecê-los para o resto da vida. Assim como eu.

Hermione era uma mistura de vários sentimentos naquele momento. Ela podia sentir o olhar de Severo nela quando o John agradeceu mais uma vez e entrou no quarto, deixando-os sozinhos no corredor do hospital.

O resto da noite foi um borrão. O parto foi um sucesso, Louise e o bebê estavam devidamente examinados e descansando no hospital, o Sr. Bernard e a Valérie chegaram seguros para celebrar a chegada do terceiro neto e Hermione estava completamente esgotada. Física e emocionalmente.

Ela mal se dera conta de onde estava até que Severo cutucou o seu ombro levemente, avisando que haviam chegado a vila. Desnorteada, ela viu a fachada de pedra da pousada e piscou, tentando acordar.

— Me desculpe, não fui uma boa companheira de viagem hoje. – ela sorriu, olhando para um ponto inespecífico entre os bancos do carro. Ela não podia ver, mas sabia que ele estava sorrindo.

— Você acha que consegue andar até a porta ou vou precisar leva-la no colo de novo?

— Muito engraçado.

— É uma pergunta sensata, considerando o seu padrão nas últimas semanas.

— Você é um idiota.

Ele riu, e Hermione finalmente olhou para o rosto dele. – Você acha que essa é a maneira ideal de responder ao seu chefe, mademoiselle?

Ela sorriu, sem se importar se pareceria muito ousada. Havia algo sobre fazer um parto juntos que colocava tudo em perspectiva. – Considerando que você não pode me demitir já que pedi demissão primeiro, não poderia me importar menos.

— Então é aí que está.

Ela levantou a sobrancelha, num sinal claro de que ele esclarecesse. – Então é aí que está o que?

— A verdadeira Hermione. A que você anda escondendo por trás de várias camadas de culpa, dor e mágoa.

O sorriso dela tremeu.

— E como você poderia saber? É um especialista em psicologia agora?

— Não, mas foi nítido hoje. Você foi... inigualável, Hermione. Você, talvez mais do que ninguém, sabe que não distribuo elogios. Mas eu nunca vi nada parecido com o que fez hoje. Você é muito competente com poções, acima da média, na verdade. Mas isso... você fez com paixão.

Hermione apenas acenou, virando o rosto para a janela. – Não foi nada.

— Eu discordo. Você salvou a vida da Louise e do bebê. Sem usar magia, só com técnicas médicas. Eu não saberia o que fazer.

— Bem, eu... são matérias obrigatórias. Que tipo de medibruxa eu seria se não conseguisse fazer um parto? – ela tentou rir para parecer mais leve, natural, mas cada palavra era como uma faca no seu coração.

— Você sabe que não é isso. Você foi muito além-

— Dos livros? – ela tentou provocá-lo, mas Severo apenas a olhou longamente, quase como se ele estivesse... preocupado? Não poderia ser. – Sinto muito.

— Eu não me importo que você continue jogando minha própria idiotice na minha cara até o resto dos meus dias, Granger, mas pelo menos se dê o devido crédito.

Hermione sentiu os lábios tremerem. Ela tentou se virar, tateando cegamente a maçaneta do carro para sair e ele não a visse desabar, mas já era tarde demais.

— Não quis ser grosseiro, eu só-

— Eu sei, está tudo bem. Eu é que estou muito sensível. Você pode abrir a porta do carro, por favor? Foi um dia longo e só quero me jogar na cama.

— Hermione.

E foi tudo demais para ela. O dia. Os últimos anos. Segurar um bebê. O homem que ela amava ao seu lado, olhando para ela, realmente olhando, como se ela existisse e fosse importante, como se ela fosse a única coisa do mundo, a elogiando. E então, o bebê novamente. E toda a mágoa que ela achou que tivesse enterrado fundo dentro de si simplesmente veio à tona e ela desabou.

Chorou pela perda de um amigo. Chorou pela perda de um filho. Chorou pelo amor que ela guardava e não podia receber em troca. E então, a frase que ela tinha tanto medo de falar em voz alta, mas que a sufocava em silêncio.

— Eu matei o meu bebê.

— Não, você não fez isso. Hermione, olha para mim: não foi você, não foi o seu corpo. Você não tem culpa.

— Sim, foi! – ela protestou de volta.

— Hermione, pare com isso. Não foi sua culpa.

— Você não entende. Eu não queria um filho. Eu e o Ron brigamos muito por isso. Queria esperar, e ele queria imediatamente. Mas então aconteceu e eu estava tão assustada. Mas feliz. Eu amava meu filho. Mas teve um dia, no Ministério... estava exausta. Achava que podia equilibrar os meus estudos de medibruxa com o trabalho, mas era tão cansativo. Meus pés doíam. O enjoo não passava, o Ronald estava viajando, os relatórios estavam incompletos, e tudo estava dando errado, então eu... deuses— ela soluçou – eu disse que era melhor termos esperado, mas eu não queria isso. E no dia seguinte...

— Merlin, Hermione, olha para mim – ele segurou o rosto dela com as duas mãos, forçando-a a encará-lo – Você não tem culpa. Abortos acontecem, e não foi a sua magia, não foi o seu corpo, não foi você. Consegue entender isso? Você é uma mulher jovem, forte e saudável. Não há nada de errado com você, me escutou?

Ela assentiu, sem se importar se parecia uma bagunça completa. E então o improvável aconteceu: Severo Snape a puxou para um abraço, e ela chorou tudo que tinha que chorar no ombro dele. Foi como se todo o passado estivesse lentamente ficando para trás. Em algum nível ela sabia que ainda havia muito trabalho a ser feito, mas o mais importante é que havia finalmente começado.

Talvez o passado pudesse, sim, ficar para trás.

...


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Notas finais do capítulo

Alimentem um escritor: comentem!