Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 10
Uma proposta


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez Recomeços me salva de dias extremamente difíceis. Agradeço a tod@s do grupo Severo Snape Fanfictions mais uma vez, que seguem me dando força e sendo as melhores pessoas do mundo ♥ amo vocês.

Sobre o capítulo: daqui pra frente as interações entre o Severo e a Hermione ficam cada vez mais próximas e frequentes. Também há uma referência a um filme clássico. Quem reconhece? haha

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Uma das coisas que Severo mais amava sobre a França – e eram muitas – era a chance de poder sentar na areia e observar o movimento calmante das ondas do mediterrâneo. A água, de um azul turquesa cristalino, sempre o acalmava. Ele fechava os olhos e se imaginava dentro de um dos barcos que balançavam com as águas, a vários metros da praia, e mentalizava a sua paz.

Nesses pensamentos fugazes ele se imaginava dentro de uma pequena cabine, com as mangas da blusa branca enroladas até o cotovelo, jantando a luz de velas. Nos sonhos, a mulher que o acompanhava não tinha um rosto específico porque ele não poderia visualizá-la por mais que tentasse. Sua mente preenchia os espaços em branco, mas não era ninguém que ele podia realmente ver ou reconhecer.

Até então isso não tinha incomodado tanto, mas naquela noite ele estava lutando para tirar as imagens que normalmente o acalmavam da cabeça. Porque agora, quando ele fechava os olhos e imaginava o mesmo cenário de sempre, a mulher que aparecia tinha rosto. Também tinha nome e sobrenome. Tinha sardas no nariz. Tinha coragem. Tinha tudo que ele admirava e tentava negar.

O pensamento o assustou tanto que ele rapidamente se levantou para dirigir de volta para a casa. Ele simplesmente não podia... Não deveria. Ele tinha que parar imediatamente. Mas então... Severo não podia simplesmente esquecer como foi tê-la nos seus braços. Não poderia esquecer da sensação indescritível de carregá-la até a sua cama. Por um breve momento ele pensou como seria se o contexto fosse diferente. Se...

— Severo, pare. Você não está pensando direito. – ele murmurou para si mesmo, com raiva. Era absurdo. E errado. E absurdo de novo.

Tentando abafar as lembranças ele ligou o som carro. Era uma estação de clássicos do rock que ele costumava deixar sempre sintonizada. Ao contrário do que as pessoas jamais poderiam imaginar sobre ele era o seu amor genuíno por músicas. Severo achava que era a linguagem mais próxima que bruxos e trouxas poderiam compartilhar na arte. A estação saltou de Gimme Shelter para Free Bird e Severo cantarolou baixinho, batendo os dedos no volante enquanto o sol se punha.

Ele suspirou, satisfeito, tentando adivinhar qual seria a próxima. Era um jogo bobo que ele fazia consigo mesmo quando estava de bom humor ou tentando se distrair. Ele acertara duas ou três vezes, mas era sempre uma seleção muito aleatória para prever. – Eu poderia abraçar a pessoa que seleciona as músicas dessa estação.

And if I stay here with you, girl

Things just couldn't be the same

Cause I'm as free as a bird, now

Severo continuou cantarolando até chegar o solo de guitarra, mandando todos as lembranças do dia anterior e da manhã para o espaço. Era sobre isso a música. Sobre se entregar e esquecer totalmente os problemas. Até que...

Bem, até que não era. A coisa sobre a música é que ela pode ir a extremos: do escape perfeito a imersão completa. E foi exatamente o que os Beatles fizeram com ele naquele momento.

If I fell in love with you,

Would you promise to be true

And help me understand?

'Cause I've been in love before

And I found that love is more

Than just holdin' hands

No momento em que a letra ecoou na sua cabeça todas as lembranças que ele estava tentando tanto empurrar para o fundo da sua mente vieram à tona.

A pele dela, o cheiro do cabelo dela... E aquele pequeno vislumbre de um seio exposto. O seio mais requintado que ele já vira em toda a sua vida. Um pequeno botão rosado que poderia deliciosamente encher a palma da sua mão.

Ele imediatamente desviou o olhar, claro, mas o estrago já estava feito. Sua mente traiçoeira insistiria em lembrá-lo deste incidente para o resto de sua vida miserável, ele tinha certeza. Tantos anos como espião, aprendendo a compartimentar todo o seu cérebro, não seriam suficientes para ensiná-lo a ignorar Hermione Granger. Porque nenhuma técnica no mundo o convenceria, mesmo no nível mais inconsciente, que valeria a pena esquecê-la. Simplesmente não era possível.

Ele suspirou, estacionando a velha picape e desligando o aparelho trouxa com raiva. Severo sequer tinha energia para sair do carro, e apoiou a cabeça no banco. Ele havia a deixado na vila a horas, e o perfume dela havia ficado para trás. Ótimo, ele pensou, embora não com tanto amargor quanto tentara reunir.

— Ela está na França, na vila, na Botica. Está na minha casa, no meu carro, e...

Severo esfregou o rosto, jamais ousando terminar a frase, mas as palavras ficaram pairando no ar, enchendo o espaço, tornando-o quase sufocante.

Nos seus pensamentos, era o que ele não havia tido coragem de falar em voz alta.

...

Hermione acordou as seis horas da tarde totalmente confusa. Ela ainda estava com a roupa do dia anterior, seu braço doía um pouco, e sua garganta estava seca. Sobressaltada, ela olhou pela janela e percebeu que já estava escurecendo lá fora.

Assustada, ela teve um breve momento de puro pânico até as lembranças se organizarem na sua mente ainda sonolenta. Todos os eventos, desde a tarde do dia anterior até a viagem silenciosa e desconfortável da casa de Severo até a pousada, inundaram a sua mente.

Ela suspirou. O que ele devia pensar dela? Se a intenção de Hermione era se aproximar dele como uma mulher adulta, uma igual, ela estava falhando miseravelmente.

— Merlin. – suspirou, colocando o cobertor de lado e saltando da cama. Da janela ela podia ver alguns poucos turistas saindo da pousada e atravessando a rua para sentar no restaurante da frente. O verão mal havia acabado e as noites já estavam frias, indicando um outono e invernos rigorosos à frente. Mas isso não parecia afetá-los nem um pouco.

Do outro lado da rua tocavam La vie en Rose e Hermione abriu a janela para escutar melhor. Ela sorriu, tocando o vidro com a ponta dos dedos. Ela não queria ir embora. Não era mais sobre o Severo. Era sobre ela também. Sobre uma nova página. Sobre uma Hermione mais forte.

E essa Hermione amava a França. Amava sua nova vida.

Ela fez uma anotação mental de que devia uma carta à Gina, mas como ela iria contar tudo o que acontecera? Era demais até para ela processar. Mesmo assim, ela devia uma resposta às últimas cartas da amiga. As últimas cinco, ela se corrigiu mentalmente, sorrindo. Gina era uma amiga e tanto. Era tão atlética e esportiva, confiante, enérgica. Harry e ela faziam um casal e tanto, e Hermione sentiu terrivelmente a falta deles naquele momento.

Desejando poder abraçá-los, trazê-los para perto, Hermione tirou um pergaminho e a pena da gaveta, sentando-se para finalmente fazer o que deveria ter feito a semanas: escrever.

Queridos Harry e Gina,

Espero que possam me perdoar pela demora em responder as cartas que enviaram. Foi tudo tão... louco, para dizer o mínimo. Eu e o Professor Snape não nos matamos até agora, mas o inevitável aconteceu: pedi demissão ontem à tarde. E antes que falem mal dele, deixem-me adiantar que a culpa foi inteiramente minha. Cometi um erro e tomei a melhor decisão para todos. Cumprirei duas semanas de aviso e então... Bem, a verdade é que não sei. Não sei de mais nada.

A única certeza que preenche os meus dias é a vontade de estar aqui, com ele. Eu posso ficar e lutar pela minha posição de assistente, mas então... Onde isso me leva? A me envolver mais e mais por um amor que nunca será correspondido. Posso aguentar isso? Já não sei mais. Estou tentando, mas talvez não esteja tentando o suficiente? Ou esteja tentando do jeito errado? Ou isso nunca era para ser? Sei que histórias de amor nem sempre são fáceis, mas tem que ser tão difícil? Talvez eu esteja mesmo ficando louca e cometendo mais um erro na minha vida, mas porque apesar de tudo, estar aqui parece tão... certo?

Não era a primeira vez que Hermione questionava a própria sanidade quando o assunto era Severo Snape. Desde o terceiro ano ela tinha uma forte admiração por ele, pelo bruxo brilhante que era, por ser um mago extremamente poderoso. Ele a apavorava, claro, mas a sua curiosidade sobre ele era maior. Ela sabia, simplesmente sentia, em algum nível completamente louco e irracional, que havia mais nele do que se deixava transparecer.

O comentário sobre os seus dentes no quarto ano foi, claro, terrível. Ela chorou por horas, e não só pela sua autoestima, mas por quem foi dito. Ela ficara de coração partido por ter recebido um comentário tão cruel de alguém que apesar de tudo ela admirava.

Ela não entendia exatamente quando a linha do platônico para o real foi cruzada, mas a partir do momento em que ela percebeu, que ela entendeu, foi impossível deixar para lá. E ela tentou. Merlin sabe o quanto.

O outono chegou e as noites ficam mais frias a cada dia, mas eu não sinto frio. Não era a minha estação favorita, mas acho que pode se tornar aqui na França. O céu é de um azul ofuscante, o sol brilha como nunca vi antes, e o ar é deliciosamente gelado. É a melhor sensação. Do outro lado da rua alguém está tocando La Vie en Rose. Eles tocam isso para os turistas, mas sempre me toca. Queria que estivessem aqui para ouvir... Queria que estivessem aqui para rirmos no pequeno restaurante charmoso na esquina enquanto comemos croissants e tomamos champagne. Há tanto para ver, tanto para mostrar. A vida é muito bonita, e eu me sinto grata.

Ela olhou para a janela novamente, ouvindo uma outra canção francesa ressoando pela rua. Um sentimento de profunda paz se infiltrou nela. Por um momento ela pensou em perguntar sobre o Ron, mas desistiu.

Estou feliz. Não se preocupem comigo. E prometo responder as cartas. Quem diria que chegaria o dia em que eu, Hermione Granger, seria cobrada para escrever por ninguém mais, ninguém menos que Harry Potter? Cuidem bem um do outro e recebam meu abraço.

Enviei um presente para o pequeno Sirius, a propósito. Depois me digam se ele gostou.

Com amor,

Hermione.

Ela dobrou a carta e suspirou. A logística de enviar para a Inglaterra seria complicada, e ela desejou – não pela primeira vez – que os bruxos tivessem evoluído mais no quesito comunicação. E foi então que a ocorreu: a Botica não só não tinha um nome, uma fachada, uma marca, como também não possuía nenhum outro acesso além dos turistas que vinham até a vila. No seu primeiro dia de trabalho ela chegou a pensar na possibilidade de um site, mas o Severo foi tão rápido em cortá-la que ela deixou a ideia morrer no fundo de sua mente. Mas e se ela pudesse consertar isso? E se...

A empolgação que tomou conta dela a deixou em êxtase. Ela tinha um plano, e provaria a Severo que veio para ficar.

...

A pasta caiu em cima da mesa de madeira num baque, fazendo alguns pergaminhos se espalharem.

Severo levantou o olhar por trás dos óculos. – O que significa isso?

Hermione tentou não estremecer com o quão indiferente sua voz soara antes de responder: - Tomei a liberdade de fazer algumas anotações sobre a Botica no tempo em que estive trabalhando aqui. Achei que seria válido te apresentar.

— É mesmo? – ele cruzou os braços, se recostando na cadeira – E eu posso saber a que conclusão chegou?

— Posso? – ela fez sinal para a cadeira, e Severo acenou com a mão, indiferente. – Analisei a contabilidade, o fluxo do caixa, e fiz uma pesquisa de consumidor. Também analisei alguns preços com os fornecedores e, como já havia falado, pelo menos dez estão muito acima do preço de mercado.

Ela parou apenas para tomar fôlego. – Precisamos de uma empresa competente de marketing para criar um branding da Botica. Também pensei em contratarmos uma equipe de tecnologia para instalar um telefone e um computador. E, sim, sei que vai perguntar do dinheiro, mas você tem um pequeno fundo que poderia arcar com os custos iniciais, daí não seria necessário pedir um empréstimo e-

— Calma aí, Granger. Empréstimo? Marketing? E por que precisaríamos de uma marca? Já não temos uma?

— Hm, não. Na verdade, não temos. E também-

— E por que precisamos de um computador? O dinheiro está entrando e saindo como deve, não vejo a necessidade de colocar tecnologia trouxa aqui.

— Mas você está numa vila trouxa, senhor. Por mais que você atenda um grande número de hospitais bruxos, 60% das vendas ainda são para o público trouxa. Se você quiser que o seu negócio cresça-

— Eu não quero, Granger. Estou perfeitamente confortável assim.

— Ter um negócio não é sobre se acomodar. – ela insistiu, ficando ainda mais apaixonada. – Se fizer isso, outro bruxo vai passar na sua frente e você perderá espaço. Além disso, a vila fica cada vez mais e mais turística. Eu vi pelas notas e recibos que o aluguel da loja não é barato. Em pouco tempo você não vai conseguir se manter, e poderá até ter que fechar a Botica. Pior, poderá sair com dívidas. Aproveite que ainda tem fluxo de caixa e arrisque.

— Granger, não vejo o porquê disso tudo. Nenhum bruxo se arriscou a atender a população trouxa dessa maneira, e duvido muito que o façam.

Ela balançou a cabeça, mudando as páginas e apontando para um gráfico. – Você está enganado.

Ele levantou a sobrancelha para ela, e Hermione estremeceu, temendo ter ido longe demais. Mas ela não recuaria agora. Não havia mais nada a perder.

— Olha – ela respirou fundo, passando as mãos suadas na calça jeans – eu sei que pedi demissão. Também sei que você não me quer aqui. E também sei que, mesmo se continuasse, você não me deixaria pegar em um caldeirão tão cedo, mesmo sabendo que sou muito competente em poções. Mas isso eu posso fazer. Se confiar em mim, posso tomar frente da parte administrativa e expandiremos a Botica até o ponto em que ela realmente fique confortável.

— Além disso – ela continuou – você tem sim concorrentes. Num ritmo medíocre, claro, porque você ainda é, e provavelmente vai continuar sendo, o melhor mestre de poções da Europa, mas eles estão investindo no que você não está.

Ele decidiu pegar o elogio dela e jogar para o fundo de sua mente. Ele pensaria nisso mais tarde. - Granger, ninguém sabe quem eu sou. Qualquer assinatura mágica que pisa na vila – e são raras – eu me certifico de que não me reconhecerão. E todos os meus assistentes bruxos anteriores sabiam exatamente que deveriam manter a boca fechada. Duvido muito que arriscariam falar sobre o meu paradeiro.

— Talvez não – ela deu de ombros – mas essas coisas escapam. Garanto que sua localização ainda é um mistério na Inglaterra, mas no mundo dos negócios as pessoas acabam sabendo de uma coisa ou outra. E eles sabem que no sul da França tem um bruxo muito talentoso vendendo os seus produtos.

Por essa Severo não esperava, mas é claro que ele não demonstrou. Permaneceu impassível, embora estivesse muito curioso para perguntar como ela sabia disso. Não é que ele queria sumir no mundo. Não tinha nenhum problema que eventualmente a notícia se espalhasse. Ele sabia que isso aconteceria algum dia, claro. Ele só queria que demorasse um tempo. Talvez mais alguns anos.

Ou para sempre.

— Eu não espero que me dê uma resposta agora. Só leia, e pense. Faça as suas próprias pesquisas. Ainda tenho alguns dias de aviso para cumprir, de qualquer maneira.

Severo tirou os óculos e os colocou sobre a mesa. A cadeira rangeu quando ele se recostou novamente para trás, cruzando as mãos no colo enquanto seus olhos escuros percorriam o rosto dela. Hermione se viu presa naquele olhar, sem conseguir romper o contato. Ela sentiu suas bochechas arderem, e ela se remexeu inquieta no lugar.

Parecia uma eternidade quando ele voltou a falar.

— Muito bem, Granger. Vou pensar sobre isso. Até lá permanecemos no ritmo normal: você fica na loja, atendendo os clientes, e fazendo as poções mais simples. – Hermione o olhou surpresa, e ele pegou o olhar – Posso ser muitas coisas, Granger, mas reconheço um talento quando vejo um. Embora você esteja claramente fora de prática, claro.

— Claro. – Hermione murmurou, decidindo ignorar o complemento. Ele a havia elogiado e isso bastava. Que grande idiota ela era.

— Bem, então... – ela se levantou, querendo dizer mil coisas e não conseguindo pensar nem no próprio nome – eu vou abrir a loja. Se tiver alguma dúvida no relatório é só me avisar.

Ele assentiu, seu olhar jamais deixando o dela. Hermione quase tropeçou nos próprios pés quando cruzou o limiar da porta, fechando-a atrás de si. Ela parou no meio do corredor por vários segundos até conseguir respirar de novo.

O único pensamento que ecoava na sua mente era: Eu fiz isso.

...

Severo passou os dois dias seguintes lendo e relendo o relatório. A garota sabia fazer um dos bons, ele tinha que admitir. Ela parecia ter usado uma dessas traquinarias trouxas, como ele costumava chamar, porque as letras eram muito padronizadas e perfeitas para terem sido escritas a mão. Era muito... prático.

Ele fez uma careta, colocando a xícara sobre a mesa enquanto a sua mente processava tudo.

— Alguma coisa errada com o café, Severo?

Era Bernard. – Por que você pergunta?

— Bom – ele jogou o pano de prato sobre o ombro e se sentou – você já fez cinco expressões diferentes, e nenhuma delas agradáveis, desde que sentou aqui. Só posso imaginar que alguma coisa no seu café da manhã te desagrada?

Severo suspirou, revirando os olhos. – Não seja absurdo. Você sabe muito bem que o café da manhã está perfeitamente tolerável.

Perfeitamente tolerável. – ele imitou, rindo – Sinceramente, Severo, sou quase três décadas mais velho que você e não falo como se tivesse saído de um filme de época.

Severo o olhou de cara feia.

— Viu? É isso que estou dizendo. Essa foi a expressão número três desde que sentou aqui hoje. O que está te incomodando?

— Não é nada.

— Não acredito em você. A última vez que esteve tão frustrado olhando para o próprio prato foi quando a Srta. Granger chegou. Ela se machucou de novo?

— Não, ela está bem. Pediu demissão, a propósito. – ele completou, já antecipando a bronca que viria.

— E você rejeitou, eu imagino.

Severo apenas o ignorou, se servindo de mais café.

— Severo, me diga que você não aceitou o pedido de demissão daquela jovem adorável.

— Eu dificilmente posso negar a demissão de um funcionário, posso? – Severo respondeu, impaciente.

— Meu Deus, garoto. Você é impossível. Sabe quando você encontrará outro funcionário como ela? Nunca! Todos da vila a adoram, e a Botica duplicou o número de turistas desde que ela começou a atender. Sempre o considerei um homem inteligente, Severo, então corra atrás da Hermione e faça ela mudar ideia.

— Não é da sua conta quem eu mantenho ou não na loja, Bernard. Então pare de ser tão intrometido.

— Me intrometo porque gosto de você e-

Além disso, ela está repensando a demissão.

— Então ela não vai sair?

Severo apenas deu de ombros. – Parece que não.

— E por que você está tão estressado? Ela vai ficar, afinal.

— Eu não estava estressado porque ela ia me deixar! – ele estourou, consertando o seu deslize logo em seguida – Digo, deixar a Botica.

— Está estressado porque ela vai ficar, então?

— Não!

— Então você gosta dela? Digo, do trabalho dela?

— Você é irritante, sabia?

Bernard gargalhou. – É muito fácil te provocar. Mas você ainda não respondeu a minha pergunta.

— Eu não posso ter um café da manhã pacífico, posso?

— Severo, meu amigo, você tem uma bela casa e uma cozinha completa. Se não gostasse da minha companhia simplesmente não viria mais aqui.

— Agora que você deu a ideia... – ele provocou, arrancando ainda mais risadas do Bernard – Se você quer mesmo saber a Srta. Granger veio com uma espécie de plano de negócios para a loja, com um relatório irritantemente detalhado dos pontos que preciso melhorar na minha própria empresa. Você pode acreditar?

— Por céus! – Bernard exclamou falsamente – Você tem uma funcionária competente! O absurdo.

Severo olhou para ele, irritado, e simplesmente se levantou. – Bom, você está impossível hoje. Se não pode ajudar, vou levar meu café da manhã para outro lugar.

— Severo, deixa disso! Por favor, sente. – ele parou de rir, observando Severo se sentar novamente com uma carranca – Estou apenas dizendo que a Hermione está claramente tentando ficar nesse emprego. Ela está tentando compensar a chance que deu a ela. E, sinceramente, aquela mulher me parece muito competente. Se eu fosse você, escutava o que ela tem a dizer. Tenho certeza que tem muito sentido no que ela fala, ou você não estaria sequer dando a chance de pensar a respeito.

— Hm. – Severo apenas resmungou, mas as palavras de Bernard ecoaram forte na sua cabeça. Ele estava certo, é claro. Tudo que a garota disse fazia sentido, e se ele fosse totalmente honesto consigo mesmo seria uma idiotice sem tamanho se ele não considerasse.

Mas então... Hermione Granger estaria ali, ainda mais perto, confundindo-o. Ele poderia mantê-la por perto e proteger o seu coração no caminho? Seu coração pedia para ela ficar, mas sua mente o lembrava de como isso poderia acabar mal.

Severo se viu diante uma escolha que parecia muito mais profunda do que se mostrava na superfície. De alguma forma ele sabia que precisava fazer a escolha certa, ou poderia perder algo muito importante. Parecia loucura, claro, mas ninguém vivia uma vida como a dele sem confiar na própria intuição.

E ela dizia muito intensamente: Faça ela ficar.

...

Severo saiu do café com a cabeça cheia, mas ele mal teve tempo de pensar em tudo que Bernard falara porque o dia na Botica estava intenso. Várias clientes lotaram a loja no início da tarde, a ponto dele ter que ajudar a Srta. Granger no atendimento. Ele pensou que contratar um segundo funcionário estaria no futuro próximo.

— É algum feriado ou algo assim? – Hermione perguntou enquanto entregava uma sacola improvisada para um turista.

— Não que eu saiba – ele murmurou de volta enquanto aceitava o pagamento de uma senhora – Mas vai cair uma tempestade, e as pessoas estão se apressando para não serem pegas no meio da rua.

— A Valérie me disse que o mês de outubro é bastante chuvoso por aqui.

— Praticamente o mês todo. – Severo murmurou em resposta, vendo os últimos três clientes saírem com um alívio evidente. Hermione quase riu do quão pouco característico ele parecia: o cabelo deliciosamente bagunçado, a testa levemente úmida – provavelmente pelo desconforto de interagir com tantas pessoas ao mesmo tempo, e os olhos negros olhando fixamente a porta como se ele estivesse fazendo alguma magia não verbal para impedir novos clientes de entrarem.

Ela se compadeceu dele. – Acho que pode terminar o lote de poções agora, eu dou conta.

Severo virou o rosto tão rápido que ela teve que se esforçar mesmo para não rir. – Eu- sim, claro, as poções. Er, obrigado.

— É o meu trabalho. – Hermione simplesmente respondeu, e eles ficaram se olhando por vários segundos, como se tivesse passando centenas de coisas não ditas entre eles. – E obrigada por cuidar de mim aquele dia. Acho que não tive a chance de agradecer.

— Agradecimentos não são necessários, Srta. Granger.

Ela olhou de lado para ele e depois voltou atenção para o caixa.

— Agradeço mesmo assim. Você está sempre nos salvando, de uma maneira ou de outra. E você nunca teve o reconhecimento por isso. O mundo bruxo não o tratou como deveria.

As palavras dela fizeram Severo se lembrar do julgamento. Cada segundo dos longos meses de processo foram pura tortura. Ele não queria nem estar vivo, muito menos ter que se explicar para um bando de idiotas. Mas então... aquela pequena faísca acesa implorava para que ele vivesse, lutasse. Ele queria experimentar como seria viver sem o peso dos erros passados. Ele queria pelo menos tentar

Mas como as palavras dela eram doces... Ele quase podia acreditar, quase podia desejar que...

Um estrondo no céu fez com que os dois saíssem da atmosfera pesada que havia sido criada. Severo se esforçou para dizer qualquer coisa coerente, mas ele se perguntaria para sempre como conseguiu forçar sua boca a emitir qualquer som. – Bem, imagino que nenhum cliente vá chegar agora. Qualquer coisa estou no laboratório.

Hermione assentiu, praticamente se apoiando no balcão depois que ele sumira para os fundos da loja. Ela sabia que não tinha chances com ele, mas ela continuaria tentando enquanto pudesse a pelo menos mostrar o quão importante ele era.

...


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Notas finais do capítulo

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