Recomeços escrita por Sophia Snape


Capítulo 9
Uma outra cicatriz de amor


Notas iniciais do capítulo

Ai, esse capítulo ♥

Ah, e já temos uma playlist de Recomeços no Spotify. O link seguirá nas notas finais. Vou atualizando a medida que os capítulos saiam.



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A primeira coisa que Hermione notou quando acordou foi a sensação deliciosa de se sentir em casa. Parecia o paraíso. Era aconchegante, quente, tranquilo... E ela não se sentia assim a anos. Por um momento, naquele jogo difuso que a mente prega quando estamos no despertar, ela podia jurar que estava dormindo em seu próprio quarto na casa dos seus pais, como se o mundo dela fosse intocável, protegido, livre do medo e dos horrores da guerra. O sentimento foi tão forte que ela teve que se esforçar para entender que o cenário não faria sentido, então sua mente foi se despertando aos poucos e Hermione foi percebendo que estava num lugar totalmente diferente.

Da posição em que estava deitada, no que parecia um sofá, ela via a claridade ser refletida no teto, com a sombra de folhas dançando com o vento. Apesar do frio, parecia ser uma noite clara, pois embora a sala estivesse totalmente envolvida na escuridão, a luz da lua ia entrando aos poucos, iluminando cada centímetro em que seus olhos curiosos pousassem.

Ela viu a lareira, com as chamas quase se desvanecendo; logo em seguida, ela reparou no chão de madeira e no tapete persa que cobria parte do chão entre o sofá e a lareira. Também havia uma mesa de centro com um copo de água e alguns frascos de poção. Hermione sentiu a boca secar e tentou alcançar o copo, mas se arrependeu imediatamente.

— Droga.

Ela murmurou, sentindo a cabeça pesar de volta ao travesseiro. Espera, ela pensou, travesseiro? Onde ela estava? Sua cabeça latejava, mal havia saliva em sua boca, seus olhos doíam. Ela queria perguntar, entender onde estava, alcançar a sua varinha, mas ela mal tinha forças para formar um pensamento coerente.

— Não tente se levantar. Seu corpo está sobrecarregado de poções e analgésicos.

A voz que perturbava seus sonhos a anos a alcançou, e Hermione sentiu seu estômago gelar. Ela nunca superaria isso? Ela nunca o superaria?

— Onde eu estou?

Ela não precisar ver o rosto dele para perceber que ele revirara o olho. – Na minha casa, óbvio.

— Mas, como? O que aconteceu? – ela tentou se levantar novamente, apenas para ser impedida por ele. Seus longos dedos se fecharam em seu braço e a seguraram firme no lugar.

— Qual parte do “não tente se levantar” você não conseguiu compreender, Granger? Não quero você vomitando no meu tapete. É um persa legítimo. 

Ela quis murmurar um ‘idiota’, mas seu estômago estava realmente instável e ela estremeceu com a mera possibilidade de contabilizar mais uma humilhação na frente de Severo Snape. Já não bastava o dormir bêbada no seu carro, ser carregada, o choro e o desmaio? Ela não precisava acrescentar mais nada a essa lista tenebrosa, muito obrigada.

— O que exatamente você se lembra da tarde de hoje? – ele finalmente se colocou no campo de visão dela, parecendo ainda mais alto do que de costume. Ela quis se encolher com o quão vulnerável e patética ela parecia. Ela se sentia pegajosa, grudenta, e tinha certeza absoluta de que o seu cabelo estava caótico. Que visão ela deveria parecer.  

Tentando deixar isso de lado, Hermione fechou os olhos para se concentrar. Ela se lembrou de tomar o café da manhã na pousada, e depois de fazer a corrida matinal pela vila. Nada de anormal ou importante. Depois as lembranças voltaram para a botica, e a sua mente voou para a conversa que tiveram no laboratório sobre contratos, então-

— O caldeirão. Ele explodiu e- Hermione parou, sentindo o rosto esquentar quando as cenas da briga começaram a disparar na sua cabeça. Merda.

Ela olhou para ele a tempo de vê-lo revirar os olhos. – Não estou me referindo a briga, Granger, mas ao que aconteceu depois.

Hermione se lembrava, sim. Se lembrava muito bem. Ela não sabia exatamente o que tinha acontecido, mas podia imaginar. E era só uma questão de tempo até que ele descobrisse também. Mas ao mesmo tempo, a explicação era tão... absurda, tão surreal, que Hermione duvidava muito que ele pudesse chegar a essa conclusão. Mesmo assim, ela tinha que agir. E rápido.

— Lembro de ter sentido uma dor muito forte no braço e então... nada. Só lembro de acordar aqui. – não era uma mentira.

— E? – ele forçou, estreitando os olhos. Hermione sabia que ele estava lutando para não entrar na mente dela.

— Eu-

Hermione foi salva de responder quando a chaleira começou a apitar, e Severo hesitou por vários segundos no mesmo lugar, encarando-a, até finalmente quebrar o contato visual e sair. Ela conseguiu respirar novamente, sentindo a cabeça latejar com ainda mais força. Ela se sentia péssima.

— Chá. – ele simplesmente disse, segurando uma xícara na sua frente. Hermione se sentia enjoada e dolorida, mas o cheiro da bebida quente a despertou. Devagar, ela se apoiou sobre os cotovelos e tentou se levantar, aceitando a ajuda dele para se apoiar na almofada.

— Obrigada. – ela murmurou por trás da xícara, arriscando um olhar curioso para ele.

Ele parecia ainda mais alto e imponente aqui do que no laboratório, mas Hermione sabia que era a sua presença. Estava claro que ele não queria ali. De repente se dando conta das horas, ela ofegou. – Eu estou dormindo a quanto tempo? E como o senhor me trouxe até aqui?

Severo estava de costas para ela, reacendendo a lareira, quando disse. – Você dormiu por quase oito horas. São quase meia noite agora.

— Meia noite? Eu preciso ir embora! Sinto muito impor tanto e-

— Você não vai a lugar algum, Granger. Já está muito tarde, você ainda tem magia residual no seu corpo, e o ferimento não está totalmente curado. É melhor ficar aqui do que passar mal na pousada e eles insistirem em te levar para algum hospital trouxa.

— Mas eles devem estar preocupados. – Hermione insistiu, chocada com a possibilidade de passar a noite no mesmo teto que ele em circunstâncias tão ruins.

Ele simplesmente acenou para ela, indiferente. – Já resolvi isso. Não se preocupe.

Hermione queria perguntar como ele havia resolvido isso, mas toda a sua energia estava se esgotando novamente. Ela não tinha muito o que fazer além de ceder a mais essa humilhação. – Tudo bem. – ela apenas murmurou. Não valia a pena lutar. Não hoje, e não quando ela se sentia tão cansada.

— Bem. – ele pigarreou – É melhor você dormir no quarto. Fica no andar de cima. O banheiro fica na porta da frente. Você vai encontrar toalhas extras. Acha que consegue se levantar?

— De jeito nenhum, senhor. Não poderia me impor. Você já fez tanto...

— Sem discussão, Granger. Você dorme no quarto e pronto.

— Mas-

— Consegue se levantar? – ele a cortou, perguntando novamente. Decidindo que era inútil entrar em qualquer discussão com ele naquele momento, Hermione tentou fazer seus pés descalços trabalharem no chão de madeira. Devagar e se apoiando no braço do sofá ela foi se levantando aos poucos, testando como sua cabeça reagia a cada movimento. Suspirando aliviada por ter conseguido ficar de pé sem cair, ela tentou dar alguns passos instáveis até as escadas. Olhando para os dez degraus que se estendiam a sua frente, Hermione suspirou baixinho, temendo não conseguir, mas se surpreendeu com os dedos compridos e quentes dele envolvendo o seu braço esquerdo.

— Pode jogar todo o seu corpo em mim, vou ajudá-la a subir.

Hermione sentiu o corpo tremer com a insinuação da frase. Mesmo frágil e dolorida, seu corpo inteiro se acendeu com os cenários que cruzaram a sua mente naquele momento. Ele, é claro, estava completamente alheios aos pensamentos nada ortodoxos e completamente platônicos que passavam pela sua cabeça altamente imaginativa.

Normalmente ela se sentia exausta por amar sem ser correspondida, mas naquele momento ela só queria aproveitar a presença dele o máximo que podia. Ela fechou os olhos e diminuiu o ritmo ao subir degrau por degrau, querendo memorizar como os dedos dele se fechavam suavemente, embora firmes, ao redor do seu braço. Como o corpo dele parecia tão sólido e seguro ao lado dela. Como o cheiro dele invadia e nublava os seus sentidos.

Cedo demais ele a soltou na porta do que deveria ser o banheiro, dando instruções mecânicas sobre onde estava o que, e dizendo alguma coisa sobre o chuveiro que ela não conseguiu prestar atenção.

Ela murmurou um agradecimento e se arrastou até a pia, ouvindo o click da porta se fechando. Se inclinando sobre a pedra fria de mármore, ela finalmente se olhou no espelho. – Você está uma bagunça, Hermione. Sua vida toda é uma bagunça.

Uma batida na porta a despertou. – Coloquei algumas roupas limpas ao lado da pia caso queira se trocar. E tem toalhas limpas na gaveta debaixo.

Hermione agradeceu, abrindo a enorme camisa branca que ele lhe emprestara. Era idêntica a que ele estava usando agora, e ela sorriu ao confirmar que sempre o imaginara usando uma camisa como esta por baixo de toda a roupa preta. Ela estava certa.

Tirando as roupas sujas, ela finalmente entrou no chuveiro. Uma gota fria insistia em cair nas suas costas e ela estremeceu, pensando que talvez era sobre isso que ele havia tentado alertá-la. A ferida em seu braço ainda latejava, e embora o banho estivesse fazendo maravilhas Hermione se sentia ainda mais cansada.

Puxando a toalha – verde musgo, ela notou com um sorriso, Hermione sentou na beirada da banheira para descansar um pouco quando tudo ao seu redor girou. É só por um momento, pensou, encostando a cabeça na pia. E então ela colocaria a blusa branca – dele— seu cérebro brilhante insistiu, e sairia para encontrá-lo.

Só por alguns minutos.

— Granger. – a voz do outro lado da porta a despertou. Ela havia adormecido? – Você já está aí a muito tempo.

— Eu só vou tirar um cochilo rápido aqui. Não vai demorar. – ela sussurrou de volta, mal se dando conta do que estava falando, seus olhos se fechando novamente.

— Não, você não vai. – a voz dele a alcançou novamente, desta vez ainda mais perto. Vagamente ela sentiu os braços fortes a levantando, tomando o cuidado para que a toalha não saísse do lugar.

Ela choramingou, não querendo sair da posição que estava. – Eu só quero dormir.

— E você vai, só não no chão do meu banheiro. Você consegue andar? – a voz baixa e sedosa praticamente sussurrou em seu ouvido.

— Hm? – ela só conseguiu se concentrar no quão aveludada a voz dele parecia, e não exatamente no que ele estava dizendo.

— Parece que não. – ele retrucou, apertando-a mais forte contra o seu peito.

Tão bom.

Severo a colocou cuidadosamente na cama, ajudando-a a se firmar numa posição sentada. Ela percebeu que a toalha escorregou por alguns segundos quando o ar frio da noite alcançou um dos seios expostos, e ela rapidamente puxou o tecido felpudo de volta, torcendo para que ele não tivesse percebido. Arriscando um olhar para cima Hermione viu que ele desviara o olhar, mas não rápido o suficiente para não ver.

— Bem – ele pigarreou – Você consegue se vestir sozinha ou precisa de ajuda?

Hermione olhou em choque para ele, e Severo percebeu o quão sugestiva a frase tinha soado. – Posso usar um feitiço. – ele completou um tanto inquieto, como se fosse óbvio.  

— Acho que eu consigo. –  a dor em seu braço a forçou aos últimos estágios da consciência, e ela o poupou do constrangimento.

— Bom. – ele respondeu bruscamente, praticamente correndo para a porta – Deixei uma poção para a dor na mesa de cabeceira.

Hermione assentiu, agradecendo, mas se recusou a olhar para ele. Sua voz já estava distante quando ele disse para chamá-lo se precisasse de alguma coisa, e logo depois ela ouviu a porta de fechando. Com muita dificuldade ela tirou a toalha molhada e colocou a camisa dele no corpo.

— Que vergonha. – ela queria expulsar da memória a imagem dele completamente constrangido por tê-la visto parcialmente nua. Decidindo que ela lidaria com isso pela manhã, ela virou a poção num só gole e se entregou ao sono.

...

Hermione acordou com um feixe de luz batendo no seu rosto. Ela abriu os olhos ligeiramente, observando o quarto ao seu redor. Era amplo, paredes brancas, e uma enorme janela seguia do teto ao chão na frente da cama, com apenas uma cortina leve para impedir que a luz da manhã entrasse totalmente no cômodo. Era simples, tinha pouca informação, e não fossem as botas de couro de dragão no chão ao lado da porta, ou a longa capa preta pendurada no pequeno guarda-roupa de madeira, quase não parecia que uma pessoa dormia ali.

Ela rolou de lado e segurou a roupa de cama, levando-a até o nariz. Tinha cheiro de sabão e alguma coisa levemente amadeirada. Era o cheiro dele. Hermione suspirou, sentindo o coração bater mais forte agora que havia se dado conta.

Era a cama dele. Severo Snape. E ela, Hermione Granger, estava deitada ali, onde ele estivera nas noites anteriores, dormindo sob os mesmos lençóis, enrolado no mesmo cobertor, com a cabeça no mesmo travesseiro...

Merlin.

Os eventos do dia anterior começaram a correr furiosamente na sua memória. Hermione foi se lembrando de cada coisa, cada palavra, cada acontecimento. Como ela poderia sequer olhar para ele agora? Ela não tinha pedido demissão? Ele não havia gritado com ela? E, por deuses, ele a tinha visto nua?

— Merda. Merda, merda, merda. – ela gritou para si mesma, se odiando por ter feito da sua vinda a França uma bagunça completa. Ela sabia que seria difícil, mas isso? Ultrapassava todas as suas expectativas.

Mentalmente, Hermione foi listando todos os pontos em que ela fizera nada menos que passar vergonha perto dele: adormecer no seu carro, explodir um caldeirão, desmaiar, passar a noite na sua cama e, claro, ficar praticamente nua enquanto ele não fazia nada além de ajudar.

Ela se sentou de repente, pois não havia mais sentido em ficar remoendo tudo que dera errado. Ela não poderia simplesmente fugir pela janela e nunca mais olhar para ele. Embora, claro, parecesse a saída mais tentadora. Mas ela sabia que não faria isso, por mais que quisesse fugir e fingir que tudo isso jamais acontecera. Girando pelo colchão, seus pés alcançaram o tapete na lateral da cama e ela se esticou devagar, testando como sua cabeça e estômago reagiriam. A ferida no braço também parecia bem melhor, embora ainda latejasse um pouco.

Sentindo o ar frio nas pernas nuas, Hermione percebeu que não via suas roupas em nenhum lugar, embora sua varinha descansasse na cômoda lateral. Ela pensou em transfigurar a camisa em uma roupa adequada, mas sabia que não estava forte o suficiente, mesmo para um feitiço simples. E tudo que ela não precisava era que suas roupas se desvanecessem e ela ficasse novamente nua na frente dele. Ela também pensou em procurar por alguma outra peça de roupa, mas decidiu que o Snape dificilmente gostaria de vê-la remexendo em suas coisas. Não, ela já tinha imposto sua presença demais.

Ela apenas puxou a camisa o mais baixo que conseguiu, levantou as meias até o meio das canelas, e caminhou o mais silenciosamente possível para fora do quarto. O corredor era pequeno, e havia apenas a porta do banheiro e as escadas logo a frente.

Olhando para o seu reflexo no espelho Hermione estremeceu com o estado caótico de seu cabelo e as olheiras profundas no seu rosto. Ela também parecia mais pálida que o habitual. Jogando a água fria no rosto, ela apertou levemente as bochechas para que ganhassem alguma cor e passou a mão úmida várias vezes nos cachos, na tentativa vã de domá-los ou torná-los mais apresentáveis.

Suspirando resignada, ela parou no topo da escada, fantasmas da noite anterior pairando na sua cabeça. Ela sentiu o arrepio percorrer o seu corpo ao lembrar como ele a carregara.

— Não faça isso consigo mesma. – Hermione se recriminou, descendo devagar. Ela achou improvável que ele ainda estivesse dormindo, mas mesmo assim não quis incomodá-lo.

Olhando para o lado esquerdo, ela pode ver a sala onde estivera na noite anterior. Havia uma enorme estante que se estendia do chão até o teto, e uma escada que parecia deslizar de um lado para o outro. Hermione se espantou com o quão planejado era todo o ambiente, e também com o fato de que ele, sendo um bruxo, não precisava de uma para acessar os livros mais altos. Ela deu de ombros, embora estivesse cada vez mais curiosa pela casa. Era tudo tão bonito, organizado e... claro. Aberto.

No térreo, o pé direito era alto, dando a sensação de um ambiente ainda mais amplo. O vento fluía levemente pela casa, indicando o quão arejada ela era. Os cômodos se dispunham bem entre si, mostrando um ambiente que se conectava um com o outro embora desse certa liberdade e independência. Era possível, do último degrau da escada, ver o hall de entrada, a sala, e a porta ampla da cozinha, mas ao mesmo tempo pareciam cômodos perfeitamente independentes.

Ainda na sala, Hermione reparou que haviam alguns móveis antigos que harmonizavam perfeitamente com a casa e seus tons. Havia muita madeira, tons brancos e pasteis, e vidro. Havia uma enorme janela nos fundos, atrás do sofá, com uma cortina voil branca ondulando com o vento. E na frente, um lindo piano vintage. No outro canto, em cima de uma buffet também vintage, um toca-discos muito charmoso e vários LP’s que ela ficou muito tentada a espiar.

E então ela se deu conta de que a decoração não era simples como ela havia imaginado, era só um pouco minimalista. Mas ainda parecia que faltava alguma coisa. Que era uma casa muito aberta a novos capítulos, mas ainda estivesse esperando o seu grande recomeço.

Hermione bufou com o quão idiota ela parecia com toda essa filosofia barata e continuou o seu caminho. Virando no pequeno corredor que dava para a cozinha ela pode avistá-lo de costas, de pé próximo ao fogão, mexendo numa panela. O cheiro que de repente a envolveu fez seu estômago lembrar que ela não comia nada a quase um dia inteiro.

A cozinha não era tão grande quanto os outros cômodos, mas também era muito bonita. Havia armários brancos e clássicos ao redor, e uma pequena ilha de madeira no centro. Todo o resto era um mix de clássico e moderno que ficava simplesmente... perfeito. E se Hermione pudesse ser ousada o suficiente, mais perfeito ainda era o mago na frente dela, combinando perfeitamente com o ambiente, como se ele tivesse nascido para morar numa casa como aquela. E ela já amava aquele lugar, porque cada pedacinho era uma extensão dele. 

— Bom dia. – a voz sedosa a pegou de surpresa, e Hermione se sentiu uma intrusa. Ao contrário dele, ela não parecia harmonizar com nada ali, e ela nunca se sentira tão deslocada em toda sua vida. Talvez porque ela nunca havia desejado tanto se sentir pertencente.

— Bom dia. – ela respondeu, puxando a bainha da camisa mais pra baixo.

Ele nem sequer olhou para ela enquanto falava. – Suas roupas estão limpas e acabaram de secar.

Um pequeno pacote levitou até ela. – Obrigada. – Hermione murmurou antes de sair apressada, quase tropeçando nos próprios pés.

Seu coração estava a mil, e ela correu para o banheiro para parecer mais apresentável. Ela deslizou a camiseta branca, sentindo o tecido em contato com seu corpo, e estremeceu. Era loucura pensar que aquela mesma camisa também estivera no corpo dele em algum momento? Ela se perguntou, decidindo que era, sim, muita loucura.

Quando ela desceu novamente, Severo estava sentado na ponta da mesa, um livro em uma mão, uma xícara em outra, e um óculos na ponta do nariz. A visão veio como uma tapa, jamais imaginando que ele pudesse usar óculos e ficar ainda mais atraente com eles.

— Suponho que esteja com fome, Srta. Granger. – o livro foi fechado suavemente e colocado de lado.

Morrendo. – Sim, um pouco.

Severo gesticulou para a mesa. – Sente-se. Chá ou café?

— Café, por favor.

— Dois cubos de açúcar?

Hermione se assustou por um momento, surpresa por ele saber dessa informação irrelevante. Mas ele era um ex-espião, então ela presumiu que fosse natural. – Sim, dois.

Depois de vários minutos em um silêncio desconfortável, ele falou. - Me diga, Granger, carregar você inconsciente para um lugar seguro vai se tornar um hábito?

Ela ficou tão chocada que por uma eternidade não soube o que responder.

— Sinto muito por ter dado tanto trabalho. – ela balbuciou de volta – E não, não vai se tornar um hábito. Até porque, se bem me lembro, pedi demissão na tarde passada.

Ela o observou tamborilar os dedos na mesa de madeira. – Claro. Como eu poderia esquecer? Foi uma demissão bastante acalorada.

Hermione corou, se concentrando em tomar o café. Estava delicioso. Droga. Será que esse homem era competente em tudo? Era irritante. – Bem, eu só vou tomar o café e voltar para a vila. Vou abrir a botica e-

— Não.

Ela piscou, confusa. – Mas eu disse que ia cumprir o meu prazo e-

— Você não vai voltar a botica, e não, não tem nada a ver com a demissão. Tem a ver com o fato de que não está forte o suficiente, e eu não sou um chefe tão terrível ou irresponsável.

— Eu já me sinto melhor. – ela tentou argumentar.

— Você vai tirar o dia de folga. Mais tarde passo na pousada e, se estiver melhor, amanhã você volta ao trabalho.

— Não precisa ir até a pousada só para ver se estou bem. Posso muito bem cuidar disso a partir de agora.

Ele a olhou por longos segundos antes de falar novamente. – Como quiser, Granger.

Severo voltou sua atenção para o livro, e Hermione ficou tentada a esticar o pescoço para ler a capa, mas se conteve. O silêncio era opressivo, mas ele parecia perfeitamente confortável em fingir que ela não estava ali tomando café ao seu lado.

— E obrigada por... bem, cuidar de mim. Sei que desde que cheguei tudo que eu fiz foi te dar trabalho. Nunca foi a minha intenção.

Severo suspirou, fechando o livro e colocando-o sobre a perna cruzada. – E qual era exatamente a sua intenção? Até hoje ela não ficou muito clara para mim.

— Só fazer o meu trabalho. Ter a oportunidade de aprender com um dos melhores.

— A bajulação não vai te levar muito longe aqui, Granger.

— Mas é a verdade. – ela sustentou o seu olhar de volta.

Severo suspirou, entediado. – Poções sequer é a sua área de estudos. Pelo que vi, você seguiria no caminho da medibruxaria.

Ela se encolheu na cadeira, envergonhada. Era um assunto delicado que ela simplesmente evitava e ele insistia em tocar. – A oportunidade no Ministério surgiu e não pude recusar.

Hermione não mencionou o fato de que era a única esperança que tinha para salvar o seu casamento, e continuar os estudos de medibruxaria em outro país dificilmente seria a solução adequada para isso. – E afinal de contas, quem não quer trabalhar no Ministério? Me senti grata pelo convite.

— Muitas pessoas não querem trabalhar no Ministério, Granger. É um lugar horrível para se estar todos os dias. Mas não é o meu lugar para opinar. A vida, claro, é sua.

Hermione conteve um bufo de irritação. – Sim, é minha, e estou bem ciente do que estou fazendo.

— É mesmo? – ele a olhou de lado, levantando a sobrancelha como se dissesse claramente que ela não fazia ideia. -Como eu disse, a vida é sua.

Ela ia dizer algo quando ele a cortou. – Deixe-me dar uma olhada nesse ferimento antes de sairmos.

Hermione assentiu, estendendo o braço para ele por cima da mesa. – Não é tão ruim agora. – ela disse, mas estremeceu quando ele tocou o curativo.

Ele olhou para ela como se para provar o seu ponto, seus longos dedos pairando acima do ferimento. – Posso?

Hermione assentiu, desviando o olhar. Ela ia começar a falar sobre qualquer coisa para amenizar o silêncio quando ele finalmente tocou a região onde o machucado estava exposto. Havia a dor, sim, mas não era nada como o choque elétrico que percorreu todo o seu corpo.

— Perdão, isso é muito doloroso? – ele inclinou a cabeça, parecendo genuinamente preocupado.

— Não. Não, tudo bem. Pode... continuar.

Ela o observou trabalhar depois disso. Severo fazia algumas perguntas mecânicas, sobre onde doía, o que ela sentia, se estava latejando. Ela também observou como ele aplicava as pomadas, e quais feitiços executava para amenizar o ferimento. Felizmente, ele não fez mais perguntas, mas Hermione duvidava muito que ele esqueceria.

— É como se o seu feitiço de proteção tivesse ricocheteado. É incomum com feitiços assim, mas pode acontecer.

Ele passou a ponta dos dedos na pele ao redor do antebraço, traçando onde provavelmente ficaria uma cicatriz.

— Vai ficar marcado, parece. – ela comentou, mas não estava preparada para o sorriso malicioso dele a poucos centímetros de distância.

— Não uma tão famosa quanto a do seu amigo, no entanto.

Hermione sorriu de volta. – Talvez. – ela apenas respondeu, mas no fundo da sua mente apenas um pensamento ficara ecoando.

Também seria uma cicatriz de amor.

...


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Notas finais do capítulo

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