Faca de Bolso escrita por march dammes


Capítulo 5
Fim de papo


Notas iniciais do capítulo

eu imaginei que esse fosse ficar maiorzinho, mas de alguma forma ficou menor do que todos os outros capítulos. desculpa por isso, mas pelo menos ele é pesado.
bora ler?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796015/chapter/5

Não era por culpa de Buford que eles teriam o quinto período livre. Mas ele não iria deixar de levar o crédito.

Afinal, era apenas uma coincidência que o filho do professor de literatura, que teria de fazer uma visita urgente ao dentista, estava na mesma sala que ele. E era apenas uma coincidência que os nós dos dedos de Buford agora tinham marcas de dente novinhas em folha.

Seus colegas o recompensaram por seu serviço com tapinhas nos ombros e acenos com a cabeça. Buford evitou revelar o fato de que Kevin Johnson só tinha tido o canino arrancado por causa dos comentários que fizera sobre Baljeet.

Afinal, era responsabilidade de Buford proteger a honra de seu nerd.

Infelizmente, no entanto, seu horário livre seria supervisionado. Um coro de grunhidos decepcionados envolve o monitor que entra na sala de aula a passos largos, adiantando-se e mandando todos calarem a boca.

—Eu não tenho nenhuma atividade para vocês, -sua voz se sobrepõe às vaias e reclamações-, mas o coordenador do departamento de Idiomas me pediu para distribuir os formulários de inscrições para voluntários. -O monitor franziu a testa- Não é obrigatório, por isso se chama voluntário.

Os formulários passaram por todas as carteiras das duas primeiras filas sendo consistentemente ignorados. Buford interessou-se ao ler o cabeçalho: Curso Avançado de Francês – Unidade III. Olhou em volta. Jamais assinaria uma inscrição para trabalho funcionário na frente de todos, como algum tipo de menininho bondoso. Mas, se guardasse o papel em seu bolso até o fim da aula...

Dobrou-o no meio e o meteu no bolso da camisa. Era uma boa oportunidade – na verdade, Buford só a considerou porque já sabia falar francês. Surpreendentemente, um ano de intercâmbio e estudo intensivo torna a fluência bem mais fácil quando se está no Ensino Fundamental.

Esperou o período terminar, impacientemente, vigiando o relógio. O intervalo entre as aulas é anunciado pela sineta, e antes que o monitor consiga demandar uma saída organizada, meninos suados já se acotovelaram uns aos outros na pressa de preencher os corredores. Buford, trocando algumas palavras com seus colegas de classe, jogou a mochila sobre os ombros com toda a calma do mundo.

Esperou até estar sozinho na sala de aula. Com os nervos à flor da pele, resgatou do chão uma caneta sem dono e desdobrou o documento que trazia no bolso. Usando a parede como apoio, assinou seu nome completo.

Admirou o formulário por alguns segundos.

Ser um implicante era um serviço de alta demanda, pensou. Não podia permitir que aquilo caísse em mãos erradas, ou sua reputação que ele defendia arduamente poderia desmanchar diante de seus olhos.

Imaginou se Baljeet se sentia assim sobre seu próprio segredinho, e sorriu.

Um sorriso de escárnio, que se dissolveu em suas feições duras quando ele releu a própria assinatura.

Estalou a língua. Havia pegado aquele costume nojento de Baljeet.

Amassou o formulário com veemência, balançando a cabeça. Estava em seu último ano, e deixaria para amolecer agora? De forma nenhuma. Estava tão perto – e ter Baljeet Tjinder como seu nerd era tão divertido. Não deixaria um passo em falso tirar isso dele, não agora.

Lançou a bolinha na lixeira, sem perceber que havia errado. Virou as costas e desceu o corredor.

Implicar com Baljeet era divertido.

Encontrá-lo nos fundos da escola, mastigando uma bituca de cigarro e coçando a cabeça, folheando anotações – era sempre um cenário divertido.

Então, por que isso estava acontecendo com ele?

—Alguma coisa que você queira me contar, grandão?

Baljeet sorria, largo, apertando os olhos, como uma serpente. Como Buford provavelmente o fizera quando descobriu sobre sua vida dupla.

O delinquente sacudiu mais uma vez o pedaço de papel cuidadosamente desamassado, mas ainda legível. Formulário de Inscrição para Voluntários do Setor de Línguas. Curso Avançado de Francês – Unidade III.

Seu nome era o único na lista.

Baljeet não teria como ter o encontrado sem revirar a lata de lixo. Esforçou-se para lembrar – ele tinha o jogado no lixo, não tinha?

—Aonde caralhos você conseguiu isso, seu rato de esgoto?

Se esticou para agarrar o papel, talvez rasgá-lo em pedaços. Mas Baljeet era rápido, e arisco.

—Ah, ah. -Debochou- Oh, será que isso importa? Eu imaginaria que sua reputação é mais importante nesse momento, não?

Buford rangeu os dentes. Seus punhos cerrados, foi necessária uma boa dose de autopreservação para que ele não se atracasse com o pequeno delinquente no gramado do lado de fora dos dormitórios. O sol da tarde fazia o suor brotar em sua testa, muito mais do que a ansiedade de ter uma informação tão valiosa nas mãos do seu nerd.

Baljeet, por sua vez, sorria como uma rainha louca. Buford se perguntou se ele iria soltar uma risada maligna e engatar em um monólogo vilanesco.

E ele quase o fez.

Baljeet começou dizendo que agora estavam quites. Buford podia ir em frente e revelar seu boletim meticulosamente aperfeiçoado, mas ele faria o mesmo. E o que seus amigos valentões fariam ao descobrir sobre ele — que Buford Van Stomm tinha um lado sensível, um coração? Um diploma de fluência em francês? E, ah – não seria delicioso quando as perguntas começassem a cascatear, e ele tivesse que explicar seus motivos?

—Eu espero, realmente, que você seja mais esperto —Baljeet exibiu o documento uma última vez antes de enfiá-lo no bolso de trás da calça-, ou ao menos esperto o suficiente para se colocar no seu lugar.

O mais baixo riu, uma risada que mais se parecia um sopro de alívio, e tirou um cigarro de seu maço surrado, colocando-o entre os dentes e acendendo com o isqueiro.

Soltou um suspiro. Buford seguiu o movimento dos seus lábios. Não deixaram escapar sequer um centímetro de fumaça.

—Devo admitir, é revigorante ter algo com que o chantagear, desta vez.

Buford não sabia o que fazer. Estava desarmado. Então, deixou os instintos tomarem conta de seus movimentos e fez o que um bully de respeito faria, e partiu para a violência.

Rosnou uma ameaça – ou tinha sido um palavrão? – e deu um passo pesado à frente, as mãos voando para agarrar Baljeet pelas lapelas, e sua visão já estava turva com o sangue que lhe subiu à cabeça, mas o clique metálico foi o suficiente para trazê-lo de volta à realidade.

Huh. Então Baljeet realmente carregava uma faca com ele.

—Eu não faria isso se fosse você. -Sibilou, pressionando o fio da lâmina contra sua bochecha.

Uma pausa. Buford considerou suas opções.

—Certo.

Bufou, soltando a gola de seu uniforme, e virou as costas.

—Eu vou te deixar em paz a partir de hoje.

Talvez Baljeet fosse surdo, talvez o poder o tivesse subido à cabeça, pois ele hesitou. O quê?

Certo—repetiu-, o trato acabou. Eu não vou mais te incomodar. Mas, e vamos estabelecer uma coisa -olhou por sobre o ombro, falando entredentes-, você nunca mais fala comigo, ou eu te quebro o braço. Fim de papo.

Se recusou a ficar mais um segundo no mesmo precinto que Baljeet Tjinder. Não olhou para trás, nem mesmo ao ouvir o baque surdo característico de um corpo cansado se sentando na grama.

Buford não fumava, mas talvez aceitasse um cigarro agora.

Que inferno. Mas que inferno.

Ele se sentia derrotado. Descuidado. Estúpido.

Deus, ele se sentia estúpido.

Ele estava amolecendo. Essa era a única explicação lógica para o aperto em seu peito.

Buford realmente pensava que eles tinham algo especial.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

oooo angst



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Faca de Bolso" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.