Faca de Bolso escrita por march dammes


Capítulo 6
Ponto de ruptura


Notas iniciais do capítulo

opa, último capítulo. agora não falta nenhum.
agradeço muito a quem acompanhou até aqui - especialmente se você ta lendo isso agora. o nyah virou um cemitério, mas ainda é meu cantinho feliz. então, oi.
vou deixar o resto dos agradecimentos pra notas finais. então...bora ler?



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Algumas semanas depois, Baljeet se sente tentado a falar com ele de novo.

Ele não pode, é claro. A mensagem de Buford havia sido bastante clara – nunca mais fala comigo, ou eu te quebro o braço. Suas palavras pareciam ecoar no fundo da mente de Baljeet como uma fita cassete travada.

Deus. O que foi que ele fez?

O sol da tarde primaveril é estranhamente quente sobre suas costas, fazendo o suor escorrer pescoço abaixo e ele poderia se esgueirar para debaixo da sombra de alguma árvore magra, mas daquele ângulo ele pode observar Buford sem que este o perceba.

Rodeado por um pequeno grupo de amigos, o valentão ri, olhos apertados e rosto para o alto, a gargalhada estrondosa parecendo fazer vibrar as cordas de seu coração. Baljeet comprime os lábios em frustração. Por que ele parece subitamente tão distante ao parar de rir?

Baljeet desvia o olhar, troca o peso de um pé para o outro. Ele não deveria estar ali. Deveria estar estudando, nos fundos da escola, preferencialmente com um cigarro aceso em uma mão e a caneta esferográfica na outra. Sim, ele deveria estar estudando.

Ele deveria estar estudando.

Então não fazia sentido ele não conseguir se concentrar. Não fazia sentido sua mente pairar, nebulosa, sobre as páginas, olhos perdidos escaneando as palavras, mas não absorvendo coisa alguma, frases sem sentido entrelaçadas às fórmulas que ele não sabia mais como resolver.

A álgebra sempre fizera mais sentido para ele do que as pessoas – mas, agora, ele não sabia qual dos dois era mais difícil de entender.

O boletim tingido de vermelho não o surpreendeu. Por que iria? Estudar era inútil. Baljeet podia passar horas folheando as páginas dos livros didáticos, seu impacto seria tanto quanto ficar plantado no pátio do internato debaixo de sol, apenas para roubar um olhar insignificante de Buford. Era como estar invisível, e ele odiava ser invisível.

A única vantagem era poder passar despercebido pelos outros delinquentes que infestavam aquela escola como larvas sobre uma carcaça. Ele podia deslizar por entre as pequenas multidões que salpicavam os corredores e o ginásio, sair por uma porta lateral, escapar para os fundos do campus quando simplesmente não estava a fim de assistir às aulas. Todo aquele esforço para estabelecer uma reputação, e Baljeet agora era invisível.

Mas é inútil. Tentar resistir é inútil.

E Baljeet só é pego de surpresa quando Buford é quem se aproxima dele primeiro.

—O que caralhos aconteceu, nerd?

Buford Van Stomm é como um furacão: bruto, destrutivo e intenso. Baljeet pensou em rebater, talvez até responder honestamente sua pergunta, mas seu peito se enche e ele fica tão feliz ao ouvir o apelido de novo que sua mente fica em branco. Buford chuta sua mochila para longe e cerra os punhos bem à sua frente, o encurralando contra o muro. Não o deixaria fugir, nem se Baljeet quisesse.

Baixou os olhos para suas mãos desocupadas, e bufou.

—Sem cigarros hoje? Cadê a droga do seu maço?

—Foi confiscado -Baljeet cuspiu, dando de ombros logo em seguida- Não que seja da sua conta, de qualquer forma.

As palavras foram mais rápidas do que seu raciocínio, pela primeira vez na vida. Não sabia o que fazer com as mãos agora que o olhar de Buford recaíra sobre elas, então cruzou os braços, fechando ainda mais sua linguagem corporal em relação ao brutamontes.

Não se importava com o que ele tinha a dizer, afinal.

—Eu tô falando com você, desgraçado. -Buford rosnava as palavras, carregadas de raiva- Olha pra minha cara.

Baljeet ergueu o olhar com o mais genuíno desinteresse. Aquilo, sim, era familiar a ele – a irritação, o deboche, o escárnio dos rebates, as respostas atravessadas. Ele poderia ficar ali o dia todo, mas Buford não parecia favorável ao seu jogo.

—O que aconteceu com você? -repetiu. Em um tom mais pesado do que Baljeet esperava dele- As coisas circulam rápido por aqui, sabia? Não deu nem dois dias pra eu descobrir que você tava reprovando.

Baljeet sentiu seu sangue gelar, ainda que por um segundo. O olhar de Buford não era de fria reprovação como os olhares de seus pais. Havia algo de emotivo nele, uma raiva quente, borbulhante, fervente. E Baljeet imaginou o quanto demoraria até ele entrar em erupção.

Mas Buford continuou:

—Você é o maior – não, honestamente, – o único nerd que eu conheço. Tá meio que, sei lá, na porra da sua programação ou algo assim. Alguma coisa aconteceu pras suas notas caírem, quer dizer—mano, você tá morrendo?

Se Baljeet dissesse que estava prestando atenção, estaria mentindo. Honestamente, havia parado de ouvir depois da palavra “nerd”.

Se limitou a piscar lentamente, como se demorasse a processar o que tinham lhe dito. Levantou as sobrancelhas para dar efeito.

—Ainda estou incerto sobre como isso é da sua conta.

Buford retesou a mandíbula, e Baljeet sentiu os joelhos falharem. O bully à sua frente continuou falando, e falando, e falando, mas ele não ouvia mais nada – só queria ouvir ele dizer seu nome mais uma vez.

—Tá, entendi -Baljeet gesticulou, como se espantasse um inseto, suspirando com certa impaciência- Deus, você parece minha mãe. Ainda que exista um motivo para o meu comportamento, eu não tenho a obrigação de dá-lo a você—o olhou de cima a baixo, secretamente aproveitando a vista-, ainda mais levando em conta nosso...histórico.

—De que histórico você tá falando? -Buford suspirou, exasperado- Alguns meses de bullying? Sério? -um sorriso começa a se alastrar por seu rosto, repuxando um dos cantos de sua boca, acentuando a covinha no meio de sua bochecha- Eu deixei tanto assim uma marca em ti, nerd?

Baljeet sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo. Descruzando os braços, esgueirou a mão direita para dentro do bolso da calça, sentindo algum alívio e segurança ao que seus dedos tocaram o metal frio de sua faca.

—Honestamente... -a risada de Buford é baixa e fria, diferente de seu usual riso estrondoso- Por que você tá tratando isso como se fosse um término? -Seu sorriso é quase cruel- Por acaso tu se apaixonou por mim, Tjinder?

—Hah -Baljeet rebate, ríspido- Pode sonhar.

Dentro dele, alguma coisa se rompeu naquele momento. Talvez tivesse sido o modo que Buford dissera “término”, ou a formalidade do uso de seu sobrenome, quando Baljeet se acostumara a ser chamado de nerd. Talvez fosse a junção de todos esses fatores. A verdade é que Baljeet sentia um certo desespero, como se algo escorregasse rapidamente por seus dedos, saindo de seu alcance, e ele não sabia ao certo o que era.

—Meio difícil se apaixonar por alguém que você odeia, afinal -deu de ombros.

—Você se surpreenderia.

—Mas e você? -Baljeet estreitou os olhos, cuspindo as palavras carregadas de veneno- O que diabos quer comigo, quando foi você que dissolveu o trato? “Fim de papo”, não foi isso que você disse?

Uma pausa. Buford lhe pareceu perdido, só por um momento.

—Claro -voltou a se curvar em sua direção, como um galo de briga- Mas você esqueceu que eu faço o que eu bem entender, nerd. E se eu vim tirar satisfação contigo é porque eu tenho um motivo.

Baljeet jogou as mãos para o alto, gesto acompanhado de um suspiro quase desesperado. Se sentia discutindo com alguém que não falava sua língua.

—E eu tenho a obrigação de te responder?

—Desde que não queira que seu segredinho caia na boca do povo, sim, você tem.

—Oh—e você esqueceu que eu também tenho um segredinho seu?

Se encararam por um sólido minuto. A atmosfera ao seu redor era pesada, tensa, tão densa que se podia cortar o ar com uma faca. Era primavera, mas por algum motivo, o corpo de Baljeet lhe dizia que iria chover.

Por fim, Buford quem cedeu.

—Tanto faz -grunhiu, relaxando os ombros e estalando o pescoço- Vou te dar mais uns minutos pra pensar se tu vai me responder ou não.

Baljeet foi de repente tomado por uma enorme urgência para mantê-lo por perto.

—E se eu decidir que não?

—Eu te quebro a cara -Buford foi rápido em responder- Você não vai poder falar se eu arrancar a sua língua na unha.

—Eu adoraria ver você tentar.

Tudo aconteceu muito rápido, mas não rápido o suficiente para que os reflexos de Baljeet o deixassem à mercê do valentão. Ao mesmo tempo que Buford cerrou e ergueu o punho sobre o ombro, tensionando os músculos para lhe acertar um soco, a mão direita de Baljeet voou para o bolso e o pequeno clique metálico pairou por um breve segundo no ar entre eles.

—Calminho, agora.

O sorriso de Baljeet se tornara incontrolável, agora. Mas não era um sorriso alegre, ele sabia – era seu típico sorriso de escárnio.

Os olhos de Buford, no entanto, não pareciam nada típicos.

—Eu vou acabar com você.

Baljeet riu em um sopro.

—Ohh, que medo.

O punho do bully permanecia no ar, trêmulo, como se todos os nervos de seu corpo se concentrassem em segurá-lo para que não partisse o crânio de Baljeet em dois.

E, ainda assim, Baljeet sentiu que queria provocá-lo um pouco mais.

—Não pense que eu realmente acredite que você vai me bater -apertou a empunhadura da lâmina, igualmente tenso- Você nunca me bateu. E houve muitas chances, não? Você é bem maior do que eu – se eu não fosse tão rápido, não teria a menor chance. Mas você nunca me bateu. E nem vai. Por que isso, humm?

O bully trincou os dentes. Parecia rosnar do fundo de sua garganta, ferino, gutural.

—Cala a boca.

—Oh, eu tenho uma aposta -Baljeet sentia a garganta seca, mas não recuaria agora- Talvez tenha sido você que se apaixonou por mim.

O corpo inteiro de Buford tremia. Ele estava tão perto.

Tão tentadoramente perto de uma erupção.

Baljeet sorriu. Malícia em seu olhar.

—Acertei?

Sem resposta.

Baljeet sentiu o riso de deboche borbulhar sob seu peito e escapar por seus lábios antes que pudesse contê-lo. Seu agarre em volta da faca cedeu.

—Honestamente...! -o riso era baixo, mas quase histérico em seu ritmo- Não sei o que eu esperava de um viadinho.

Foi isso. Foi isso que virou tudo de uma vez.

Agora, seus reflexos o falharam. Com o punho que se apertou em volta de seu pulso – parecia tão magro e fraco sob ele – a lâmina caiu no chão sem produzir som, o baque ensurdecido pela grama. A outra palma colidiu contra sua traqueia com uma força que lhe tirou o ar, e o manteve em apneia por mais alguns bons segundos quando os dedos calejados se fecharam em volta de seu pescoço, o pressionando contra a parede.

A força de Buford era tanta que Baljeet pôde sentir o chão faltar. Com um som que mais lhe pareceu um rugido, o bully o descolou da parede e o espancou contra ela de novo, Baljeet sentindo as costas se chocarem no concreto com uma intensidade que poderia ter lhe quebrado as costelas.

E é quando a mão do outro aperta seu pescoço que ele arqueja, lágrimas brotando nos cantos de seus olhos, e ele os fecha apertados, piscando duas ou três vezes para evitar que as lágrimas escapassem. E ele arqueja, e nenhum ar entra em seus pulmões.

Ah, ele pensa. Era isso.

Isso é justamente o que ele queria.

E Buford percebe, é claro.

Porque Buford tinha os olhos como os de um falcão – e porque era de sua natureza, é claro, nem mesmo uma profunda e sanguinária ira o deixaria de perceber o mais discreto descompasse da respiração de seu nerd.

E ele percebe.

Percebe os olhos de Baljeet, e como eles o observam, pupilas dilatadas, cílios úmidos de lágrimas, esperando, desejando – e aquilo o acerta em cheio, tudo de uma vez. Oh. Isso é meio o que ele queria, também.

Buford percebe o jeito que Baljeet passa a língua nos lábios. Percebe como ele minimamente se ajeita, se contorcendo sob seu aperto, tocando a relva com as pontas dos pés, encurralado por ele.

Controlado por ele, e como Baljeet o permite.

Então, Buford fez a coisa mais lógica. Decidiu experimentar.

Se curvou, e o beijou.

Delicadamente, e depois, mais intenso.

Agressivo. Urgente.

As mãos de Baljeet deslizam por suas costas, os dedos se embaraçam em seus cabelos curtos, o agarram pela nuca, o puxando para mais perto, convidativo, vulnerável.

Buford não sabe dizer quando deixou de pressionar os dedos contra as laterais de seu pescoço, mas sabe que ele arquejou da forma mais adorável possível quando o fez.

Não sabe quando as mãos invadiram o interior de sua jaqueta, apressadas em se livrarem do uniforme.

Não sabe nem mesmo quantos beijos levam até que ele se veja completamente sem fôlego.

Mas uma coisa ele sabe – sabe que, agora, acabou.

Acabou para ele. Acabou para Baljeet.

Principalmente para Baljeet.

Pois agora, Buford sabe.

Sabe exatamente o que quer.

Buford quer destruí-lo.


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Notas finais do capítulo

se você tá lendo isso agora - valeu, de verdade. sei lá, me procura no twitter, deixa um comentário com um emoji. tua presença importa, mas seu engajamento também. eu escrevi essa fic pra mim mesme, mas encontrar gente que aprecie é sempre legal. então...é. espero te ver de novo da próxima vez ♥



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