Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 8
— Longa madrugada




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— Longa madrugada

Eram duas horas da manhã e o verde jardim do palácio real estava cheio de policiais. Com Yue por perto para dizer se a história dele era falsa ou verdadeira, Sora explicava a morte acidental do invasor para três deles. Até o momento ela não precisou negar nada do que ele disse. Haru, enquanto isso, estava sentado ao lado da princesa Minna no primeiro dos degraus de concreto da grande porta da morada dos reis, fazia companhia para ela e os pais dela até Kin chegar. A madrugada era belíssima mas um frio muito forte os fazia tremer da cabeça aos pés, todos já haviam perdido o sono.

A primeira ministra do Reino de Órion chegou voando, desfez suas brilhantes asas douradas e pousou no jardim. Quando ligou para ela, Yue contou tudo o que aconteceu. Kin não engoliu aquela história de que a morte do invasor foi acidental. Achava que Sora tinha alguma coisa a ver com tudo aquilo. Por isso, sua primeira atitude ao aterrissar não foi ir até a família real para perguntar se estava tudo bem e garantir que aquilo não voltaria a acontecer, ela construiu uma espada com sua energia e andou a passos firmes na direção de Sora.

Colocou a ponta de sua espada de luz na garganta do Raikyuu e o pressionou contra a parede do castelo. Queria respostas urgentemente, seu humor não estava nada bom. Um atentado à vida da família real não constituía apenas um crime gravíssimo, ele era prova absoluta de fragilidade para os rebeldes e as nações inimigas, um convite dizendo "venham e destruam-nos". Uma questão de honra. A destruição do reino e a partida de Hayate, por si só, já alardeou os criminosos sem pátria.

— Como você sabia que estavam tentando matar a princesa? Comece a falar. — Kin o olhou nos olhos e exigiu.

Sora não viu outra saída além de abrir o bico. Pretendia ajudá-los antes daquela ameaça, no entanto, esperava conseguir manter segredo sobre seus métodos e os rumores que ouviu por mais tempo. Ele abriu os braços em rendição, ergueu o queixo e contou suas suspeitas:

— Kikuchi falou dezenas de vezes sobre atacar a família real do Reino de Órion. Depois que vocês me libertaram, eu passei a prestar atenção no palácio e a usar meus poderes para ouvir o que estava rolando por lá. Venho seguindo os rastros dele há mais de um ano e não consegui nenhuma pista do paradeiro do desgraçado, não soube de nada suspeito, até hoje nem parecia que ele está vivo. Até hoje.

Kin achou razoável o que escutou, o passado dele com Kikuchi justificava a obsessão por encontrá-lo. Mas ainda não confiava nele. Mesmo assim, desfez a espada de luz com a qual o ameaçava e o soltou.

— Eu quero você dentro do Reino de Órion, ainda está sob suspeita! — Ela, com autoridade, avisou, depois deu-lhe as costas.

Sora nunca abaixava a cabeça para ninguém.

— E se eu sair? — Replicou, em tom desafiador.

Kin respirou fundo, fechou os olhos e contou até três. Não tinha nenhuma paciência para lidar com valentões metidos a besta. Mais calma, se virou para ele e o advertiu:

— Então eu te prendo, entendeu? E se disser mais alguma gracinha, você vai preso agora por desacato.

Ele ia responder com mais deboche ainda, mas Haru tapou sua boca com a mão. Teve sorte por Kin não ver nem isso, ela os deixou para ir falar com o rei e a rainha.

— Você é maluco! Achou mesmo que ela não mandaria te prender? — Haru deu uma bronca nele.

Yue mostrou que ainda brava com o Raikyuu, comentou:

— Devia ter deixado ele falar, queria que ela tivesse mandado ele pra cadeia!

Sora riu.

— Por desacato? No máximo eu passaria uma noite na prisão e o resto da semana limpando algumas ruas, ou nem isso. Precisam de mim pra descobrir quem está tentando matar a família real. — Despreocupadamente justificou sua atitude.

— Ouviu o que ela disse. — Disse Yue. — Se sair do reino, você vai preso, é um suspeito. Melhor não sair de perto da gente.

O garoto deu de ombros.

— Eu pretendia ficar aqui por um tempinho, agora vou ganhar um quarto especial de graça por um programa de proteção às testemunhas! — Comemorou.

Haru não conseguiu segurar as risadas. Yue, por outro lado, não achou a menor graça na falta de noção dele, balançou a cabeça em desaprovação. Sora nunca foi tão sincero com alguém quanto estava sendo com os orionianos. Precisava deles. Se Kikuchi estava mesmo de volta, o lugar mais seguro do mundo era ali, o lar das pessoas que quase mataram o miserável há pouco mais de um ano. Sora não tinha a menor dúvida de que ele viria atrás de vingança. Aquele monstro era arrogante e muito, muito orgulhoso, jamais perdoaria os autores de sua primeira derrota. Mas, como os guerreiros de Órion provaram, não era invencível.

Dois sujeitos estranhos estavam sentados numa rocha a meio caminho da Fronteira Norte do Reino de Órion, pareciam esperar por algo ou por alguém na estrada que a antecedia. Ambos tinham a cabeça raspada, vestiam camisetas pretas sem mangas, calças bege e chinelos nos pés. Quem olhasse rápido diria que eles eram gêmeos. O menor dos dois em estatura, entretanto, tinha um nariz bem mais fino e curto, além de olhos verdes claros, com os quais viu primeiro quem se aproximava. O sorriso em seu rosto se desmanchou. Para o azar deles, não vinha quem esperavam. Por azar, esbarraram com um Kenichi mal humorado.

O retalhador de elite ficou sabendo da invasão ao palácio há poucos minutos, através de Kin, e nunca viu aqueles dois caras no Reino de Órion. Era só do que precisava para puxar uma boa briga.

— Identifiquem-se. — Ordenou. Manteve o semblante sério, sombrio.

O mais alto sorriu.

— Se não é Kenichi, um dos poderosos retalhadores de elite. — Ironizou. — Kylian deve estar morto. E se você está aqui, significa que o maldito nos entregou.

Kenichi cerrou os punhos, andou seis passos na direção deles e parou.

— Me digam quem enviou vocês, se não quiserem ser incinerados. — Mandou.

Os dois riram. O menor se pôs de pé para encará-lo, caso fossem atacados.

— Podemos não ser famosos no mundo todo como você, mas não faça pouco caso de nós. A ordem que recebemos era de matar a líder do seu reino, se ela comprometesse a operação... mas, se você insiste em nos enfrentar, deixaremos que chame sua parceira para te ajudar e a esperaremos. Não somos covardes.

Kenichi se moveu e, num piscar de olhos, estava a poucos centímetros de distância deles, seu montante era tão grande que teria cortado os dois juntos se eles não tivessem saltado. Próximos das nuvens, os invasores mensuravam assustados o risco que correram. Que velocidade, pensavam, encarando-o. Um sorriso pintou no rosto do retalhador de elite, um que fez seus inimigos imaginarem o que mais de impressionante ele poderia fazer. Foi então que uma aura verde clara cobriu o ruivo e fez a Terra inteira estremecer. O brilho que vinha dele chegou rápido ao jardim do palácio real, Kin, Haru, Sora e Yue, principalmente Yue, o contemplaram com espanto.

Os tremores se intensificaram, o resplendor se fez tão claro e tão forte que parecia que havia amanhecido. Que poder é esse, Yue se questionava, consternada, boquiaberta. A última vez que sentiu uma energia daquelas foi quando Santsuki visitou a Terra e lutou sozinho contra todos os ministros. O clarão se expandiu a ponto de cegar momentaneamente todos os que estavam despertos ao redor do mundo, de ofuscar o planeta. A confusão também se espalhou pelo globo. Ninguém sabia dizer o que estava havendo. Isso só pode significar que Santsuki voltou, Keiko, a milhares e milhares de quilômetros de distância dali, formou sua teoria. Só ele para ter todo aquele poder.

Ela estava enganada. Aquela força não vinha de Santsuki, um retalhador experiente que travou milhares de batalhas e ceifou bilhões de vidas. Não. Ela vinha de um garoto, de um rapaz que não era tão cruel quanto o vilão a quem Keiko atribuiu aquele poder, mas que moveu seu montante e atacou seus oponentes sem nenhuma piedade. Ao final do golpe, os tremores pararam, o brilho se apagou e o único guerreiro de pé era Kenichi. Dos adversários dele não restou nem os ossos, eles não tiveram a menor chance de se defender. O retalhador de elite prendeu o montante às costas e saiu andando como se não tivesse feito nada. O mundo inteiro, ele não sabia, estava de queixo caído.

Talvez pela primeira vez na vida, Kin gaguejou de nervosismo:

— O que f-foi isso, Yue?

— Não tenho ideia. — A menina respondeu, embasbacada. — Pro nosso bem, tomara que seja fogo amigo.

Ninguém sabia, nem mesmo Mahina, mas, ao longo dos anos, Kenichi treinou feito um lunático, ele se submeteu a formas de treinamento que fariam mesmo Kin e Arashi pensarem duas vezes antes de irem em frente e conseguiu um poder que lhe fugia da compreensão. Seu plano era superar Shin e Arashi, mas sua obsessão o fez ir muito além do previsto. Por enquanto manteria segredo sobre o que conquistou.

A manhã raiou tranquila, tão fria quanto a madrugada que a pariu, mas absolutamente sem agitações. O sol venceu as nuvens e deu as caras, iluminava a todo o reino com suas luzes douradas, anunciando um belo dia. Todos torciam para que as coisas permanecessem calmas. Haru, Yue e Sora combinaram de se encontrar numa ponte cor de abóbora que ficava próxima da casa de Haru, mas, como já era de se esperar, Sora estava atrasado. Muito atrasado. Prevendo que o Raikyuu os deixaria ali plantados por um bom tempo e que isso estressaria Yue, Haru levou uma bolinha de tênis para jogar com ela até ele vir.

Os dois conversavam e arremessavam a bola um para o outro, como na noite passada. Ela no início da ponte e ele lá no final. Depois que começaram, nem viram a hora passar, Sora nem foi notado quando chegou, e se não tivesse puxado o ombro da camiseta preta sem mangas de Haru, eles nem saberiam que ele finalmente estava ali. Haru e Yue apontaram para a cara dele e gritaram:

— Tá atrasado!

— Desculpa, é que eu não queria vir mesmo... — Foi honesto com eles e, despreocupado, deu-lhes as costas.

Yue partiu para cima dele, mas Haru entrou na frente e a conteve.

— Essa é a sua desculpa? Ficamos te esperando duas horas, eu nem passei minha camisa! — Bradava a menina.

— Melhor a gente ir logo, Kin e os outros já devem estar a caminho da Fronteira do Leste! — Dizia o ruivo, segurando a amiga pelos braços.

Os três foram andando, Haru ia no meio para controlar Yue caso Sora dissesse mais bobagens. De blusa tomara que caia cor de rosa com mangas curtas, saia branca, chinelos de dedo e cabelos presos para trás, ela achava que estava pronta para lutar, caso fosse necessário. Como sempre sem camisa, com o peitoral e as tatuagens expostas, Sora nunca viu nas roupas um empecilho em suas batalhas, Haru, que só andava de bermuda e camisas com capuz, também não. O problema mesmo era que todos eles estavam morrendo de sono, não dormiram nada por culpa dos eventos daquela madrugada. 

Kin e Mahina esperavam-nos na fronteira há quase meia hora. A conversa das duas era tão séria que Kin nem se irritou com o atraso dos quatro que faltavam chegar, não seria nenhum exagero dizer que ela até se esqueceu que estava saindo a trabalho. Falavam sobre a briga do Arashi com Kenichi e sobre Kenichi não ter dado as caras a noite toda depois de discutir com Mahina. A princípio, a loira se irritou quando soube das coisas que o retalhador de elite disse para o seu namorado, mas depois começou a pensar se ele tinha razão. Será mesmo que não existiam alternativas? Talvez estivessem mesmo desistindo muito rápido. 

Kenichi chegou e um silêncio muito desconfortável veio junto com ele. Kin arregaçou as mangas longas da camisa azul clara de lã que vestia e sacudiu os cabelos, como que tentando disfarçar o climão causado pela vinda do parceiro de Mahina. Como líderes da equipe de elite, a dupla tinha que usar sempre o uniforme padrão do grupo e uma braçadeira preta e branca na altura do ombro direito. Foi então que a primeira ministra notou a ausência dos outros três e começou a se irritar. Tinha certeza que a culpa era toda do Sora, Yue sempre fora pontual e Haru sabia que ela detestava atrasos. Aquele idiota estava desafiando-a de novo.

Finalmente pôde vê-los no horizonte. 

— Me fala de novo porque eu tive que vir junto. — Sora não parava de resmungar. 

— Ai, para de reclamar! — Yue, que até então o ignorava, resolveu falar. — Eu também não queria ir e não queria que você fosse, mas ordens são ordens. 

— É o que ela disse. É uma longa caminhada, eu ainda não dormi, não comi e não quero ouvir mais choro. — Kin, olhando para Sora, concordou com Yue, depois se dirigiu aos demais: — Agora que estão todos aqui, vou explicar melhor o que teremos que fazer. Vamos ao Reino de Bellatrix buscar uma réplica do selo de lá, ela deve estar guardada em um cofre superprotegido, então talvez enfrentemos algumas dificuldades. Fiquem perto de mim, da Mahina e do Kenichi, o passe da senhorita Keiko está com a gente. Só usem seus poderes com a nossa permissão. Isso é tudo. 

 Yue ficou séria, Sora revirou os olhos, não escondeu seu tédio. Haru estava empolgado, mas escondeu o sentimento atrás de um rosto carrancudo. Fora ele, todo mundo só queria voltar para casa e dormir. Kenichi tentava pensar em uma forma de se desculpar com Mahina. Pela primeira vez desde o dia que a conheceu, após todas as brigas que tiveram, se sentiu culpado pelas coisas que disse a ela. Já não a via mais como parceira, nem como amiga. Sem perceber, passou a amá-la como se ela fosse sua irmã. 


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