Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 7
— Ligação noturna




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795576/chapter/7

— Ligação noturna

Após pôr seu pijama amarelo de calças e mangas compridas, Kin se sentou no sofá e ligou o pequeno comunicador preto que ajustou à orelha direita. Precisava pedir algo a Arashi.

— Boa noite, olhos azuis! Como vai a cabeça? Ainda doendo? — Perguntou, quando ele atendeu.

Até que não, cachos dourados. Shiori preparou um remédio que fez a dor passar.

Kin dobrou a perna esquerda e sentou em cima dela, ajeitando-se no sofá.

— Me desculpa por não passar mais desse tempo com você, eu não queria que sua irmã cuidasse de tudo sozinha...

Eu não queria ser um peso pra vocês. — Desabafou.

A loirinha esfregou o nariz e explicou:

— Você não é um peso pra nós, eu já te disse. Cuidar de você é legal. Não temos trabalho nenhum.

Jura?

— Juro. Do total de um paciente que eu já tive em toda a minha vida, você é o melhor. É literalmente paciente!

Ouviu-o rir.

Essa piadinha fez de você a enfermeira mais engraçada que eu já tive.

— Essa sua mentirinha foi a pior que eu já ouvi. — Ela rebateu, sorridente. — Shiori me disse que a Mahina e o Kenichi estiveram aí.

Arashi ficou tenso. Com medo de levantar suspeitas sobre o pedido que fez aos dois para investigarem algo em segredo, começou a pensar num modo de mudar de assunto.

Ela chamou mesmo os dois de "Mahina e Kenichi"?

Kin tentou lembrar como exatamente a irmã dele se referiu a eles.

— Não, foi de "aquela garota simpática e o parceiro mal humorado dela". Falei disso porque quero saber se você pediu pra eles te fazerem alguma coisa amanhã, primeiro ministro.

Ele ficou ainda mais nervoso, mas usou seu dom de disfarçar as emoções e falou:

Não, nada. Vai precisar deles amanhã?

— Vou, lembra que eu te disse que preciso do Selo de Bellatrix? A senhorita Keiko me falou pra mandar alguém buscar no Reino de Bellatrix amanhã, só que eu vou ter que ir junto, os dois não conhecem o caminho.

O guerreiro glacial estava aliviado. Ela não suspeitava de nada, senão teria perguntado na lata. Kin era assim.

São todos seus, primeira ministra.

Kin se espreguiçou, esticou as pernas e deitou-se no sofá.

— Ah, eu descobri hoje que as pessoas não sabem como nos chamar. Pela primeira vez na história do Reino de Órion temos dois retalhadores exercendo o cargo de primeiro ministro.

Você tem feito toda a parte chata do trabalho, o título é seu.

Ela cruzou os braços atrás da cabeça e olhou uma mancha no teto.

— Mas amanhã, até eu voltar, será só seu. Você decide como seremos chamados.

Eu decido? Essa é uma grande responsabilidade. Deixa eu ver se me lembro que apelido eu sonhava ter quando era criança...

Kin não conteve as risadas.

— Nos vemos de manhã, olhos azuis. Te amo.

Também te amo, cachos dourados. Até de manhã.

Pegou no sono poucos minutos depois de ouvir o "te amo" dele, passou a noite toda ali no sofá mesmo. Arashi também dormiu como um bebê. Não fossem os problemas de saúde dele e os de administração que estavam tendo com o reino, não teriam com o que se preocupar, muito menos do que reclamar.

A partida de Hayate colocou sobre os ombros dos dois uma carga que ninguém sabia se eles conseguiriam suportar, nem eles mesmos, essas conversas por comunicador uma noite antes do dia de trabalho eram a forma deles de fingirem confiança. Tinham um legado imensurável para honrar, um pelo qual não pediram e definitivamente não esperavam, mas que deles necessitava.

Naquela mesma noite, alguém se aproveitou da vulnerabilidade do Reino de Órion para tentar matar a única filha do rei e da rainha, a descendente do trono. Haru e Yue estavam na rua quando o atentado começou, retornavam para casa, e por algum motivo Sora os avisou. Os dois foram até lá, pararam o pretenso assassino e o capturaram.

A princesa Minna, Yue e Sora se reuniram no jardim do palácio real, e juntos formaram uma roda em torno do criminoso sentado na cadeira de ferro. Eles esperavam ele acordar para, antes das autoridades chegarem, começar um interrogatório ao estilo do Sora caso o de Yue se provasse ineficaz, como ele pensava que seria. A menina era contra torturas, ele gostava delas.

Era o melhor em retirar informações dos outros, sendo sincero, estava ansioso pra fazer isso com aquele babaca. Algo lhe dizia que ele estava ali a mando de Kikuchi. Quando o cabeça raspada abriu os olhos, ele sorriu com maldade, ia se aproximando quando Yue entrou na frente. Ela se inclinou para o bandido e fez sua expressão mais séria.

— Deve se lembrar de nós dois. — Começou, apontando a si mesma e Haru. — Também já deve esperar que eu sou a boazinha do grupo, eu seria incapaz de bater em alguém que está amarrado e fraco, mas não posso dizer o mesmo do meu ami... bom, do Sora. — O Raikyuu revirou os olhos — Ele é um covarde.

— Ei! — Sora protestou.

— Eu não deixei quebrarem a sua cara, mas nós fizemos um trato: vamos fazer do meu jeito primeiro, se eu falhar, faremos do jeito do Sora. Eu sou uma garota de palavra. Na noite passada, você tentou matar a rainha. — Concluiu. — Quem mandou você fazer isso?

— Ninguém. Eu fiz porque eu quis, porque eu odeio seres humanos. Essa... família real representa o retrocesso. Os seres humanos representam.

— Me poupe desse discurso decorado. Ele está mentindo! — Sora o desmascarou. Era capaz de saber quando alguém estava mentindo ou dizendo a verdade ouvindo o som das batidas do coração da pessoa.

— Bom, eu tentei evitar. — Yue não precisava das mesmas habilidades de Sora para saber que era mentira, então saiu do caminho dele e deu permissão: — Vá em frente.

Sora sorriu, acenou levemente para baixo com a cabeça e agradeceu:

— Obrigado.

— Vamos subir, princesa. Haru. — Os chamou.

Haru queria as respostas na íntegra.

— Eu vou ficar aqui também, Yue. Esse cara já me tirou do sério.

— É, Yue. Ele quer ficar. — Sora adorava provocá-la. — Bom, vamos lá. — Disse, chegando mais perto do vândalo. — Vou perguntar uma só vez antes de usar o nível um nos seus tímpanos. Quem mandou você matar a rainha?

— Nin-guém. — Repetiu a resposta. Sora só tocou a mão direita na orelha dele e um som insuportavelmente agudo teve origem nos cantos mais fundos de seus ouvidos, ele começou a gemer, em seguida se pôs a gritar.

— Mentir pra mim não adianta. — Socou a cara dele, se admirando com o tom de cor vermelho que tomou-lhe o rosto. — Tá achando ruim? Esse é só o nível um! Escuta, cara. Eu estou aqui pra provar um ponto, por isso não quero que isso dure mais do que o necessário. Sabe que ponto eu quero provar? Que às vezes só a tortura resolve, então quanto mais depressa você confessar tudo, mais certo eu vou estar! Eu não quero que você sofra muito!

Haru ouvia tudo atentamente, refletindo sobre cada palavra dita por ele. Sim, não concordava com os métodos dele, nem mesmo gostava de usar a violência, mas reconhecia que às vezes ela era necessária. Ora, se não pensasse desse jeito, com certeza nem vivo ele estaria hoje.

Mas o mundo era mau. As pessoas eram cruéis, capazes de muito mais do que ele mesmo podia imaginar. Começou a pensar que, algumas vezes, poupar uma vida era sacrificar outras. Porém, não queria ser igual aos outros, queria ser diferente. Queria ser a mudança.

Queria agir de acordo com seus próprios conselhos. Apesar de ter o poder e a força que tinha, Haru ainda era muito novo e inseguro, inexperiente, inocente e ele próprio reconhecia tudo isso, tinha muito a aprender com a vida e com as pessoas. Diferente do que Kin e Yue pensavam, talvez até alguém ganancioso e violento como o Sora tivesse algo a lhe ensinar.

— Ah, qual é, larga de ser teimoso! Vai mesmo querer que eu apele para o nível dois? Você já não está aguentando nem com o um! — Não ouviu respostas. Respirou fundo, se agachou na frente dele e pediu: — Conta de uma vez! Quem foi que te mandou pro castelo? Quem te ajudou a entrar lá sem ser visto?! Quem te disse aonde a rainha estava!?

— Não vai conseguir arrancar nada de mim, Sora Raikyuu. Eu não vou trair a causa! — Exclamou, ignorando toda a dor. Assustou seu torturador quando disse o nome dele.

— Tá, tudo bem, a escolha é sua! — Sora o acusou. Olhou pro Haru: — Você o ouviu, não ouviu? — Sem opção, Haru assentiu, permitindo que ele aumentasse o patamar da tortura. Com o consentimento do menino, Sora tocou a orelha do criminoso e dobrou o volume do som. Em segundos, começou a jorrar sangue dos olhos e das orelhas dele.

Seus gritos ecoaram para o outro lado da mansão, onde estavam a pequena Minna e Yue, que fazia de tudo para fazer a descendente do rei não pensar naqueles gritos horrendos.

Yue sente que tem que dizer:

— Perdão por isso.

— Não, tudo bem, cedo ou tarde eu iria ter que conviver com isso, já que um dia serei a rainha dos retalhadores. — Sorriu.

— E que vai se casar com um retalhador. — Yue quis quebrar o gelo, mas a fez corar. — Tá na cara que você gosta do Haru! Mas ele é tão tapado que nem se dá conta.

— Acha que ele também gosta de mim? — Questionou-a.

— Se eu acho? Tenho certeza! — Confirmou, alegrando-a. — Ele só é bobo demais pra perceber isso, mas gosta, sim. E muito. Se não, ele não estaria tão irritado com aquele skinhead. — Os gritos pararam, Yue achou isso suspeito. — Eu vou até lá. Por favor, fique aqui, princesa.

Sora acidentalmente havia matado o rapaz. A cena era muito forte, forte demais até para Yue. Haviam furos nos globos oculares dele, buracos por todo o seu nariz, suas orelhas espirravam uma quantidade assustadora de sangue, sua boca estava cheia de cortes.

Toda aquela violência não foi útil para nada, ela deduziu. Pela cara de bobo do Sora, não conseguiram arrancar nada dele. Foi por isso que, enquanto chegava perto, ela nem olhou muito para o Raikyuu, só improvisou um lençol e cobriu o cadáver do seu outrora inimigo.

— Ah, olha, eu juro que foi sem querer. Eu desconheço os limites da minha própria força! — Tentava consertar o que fez, mas era ignorado por ela, que contou com a ajuda de Haru para carregar o corpo.

— Vai ter que se explicar pra polícia! — Yue retrucou. 

O jovem interrogador foi franco quando disse que não queria matá-lo. As últimas palavras dele não saíam de sua cabeça. "Não vai conseguir arrancar nada de mim, Sora Raikyuu", disse seu nome completo, confessando que o conhecia. Sua suspeita de que ele trabalhava para Kikuchi se intensificou. "Eu não vou trair a causa", completou o bandido, confirmando que não veio por só si mesmo, mas em nome de alguém. Aí residia o problema. Quem o enviou? Sora não sabia por que ligava para aquilo, mas ligava. Talvez porque todo o ocorrido cheirava a Kikuchi.

 Kenichi andava transtornado pelas ruas do Reino de Órion, sob a luz da lua. Não podia acreditar que aquele idiota estava abrindo mão dos próprios poderes. Arashi o derrotou, humilhando-o na frente de todos, e agora estava privando-o da revanche. Tudo pelo que treinou todos aqueles anos. Sua mente foi atacada por memórias da sua infância, reproduzia os insultos e as maledicências de sua mãe com tamanha fidelidade que fazia parecer que ela própria estava ali. Ele estava ficando tonto. Me deixa em paz, balançou a cabeça e colidiu com um muro. "Você não serve pra nada, nunca vai servir", podia ouvi-la gritar isso perfeitamente.  

Por mais que Kenichi não admitisse, seu problema, hoje, não era somente psicológico. Formou uma imagem de Kin, Arashi, Haru e Yue: os via como pessoas que não desistiam rápido, que lutavam até o último fio de força que possuíam. Os admirava, vinha tentando, em seu íntimo, ser mais como eles. Vê-lo aceitar a cirurgia de primeira, sem nem tentar algo mais, o fez duvidar da possibilidade da virtude que pensou ter visto neles. Nunca esteve tão confuso. Deu um murro na parede, seu punho a perfurou. Foi quando olhou para trás e viu Mahina. Ela parecia assustada, o conhecia desde criança e nunca viu aquela feição no rosto dele. 

— O que foi que aconteceu, Kenichi? — Perguntou, preocupada. O rosto dele se transformou, teve a expressão tomada de raiva.

— Me deixa em paz, tá bom?! Já tô me cansando de você! Para de ficar me seguindo como se eu fosse uma criança, falou?! Eu sei me virar, não preciso de você! 

Diferente do habitual, Mahina nada lhe disse em resposta. Manteve-se em silêncio, encarando-o. Não sabia se estava mais assustada, preocupada ou triste. Já brigaram muitas vezes mas ele nunca lhe disse coisas como aquelas. Ainda mais recentemente. Pensou que enfim haviam se tornado amigos de verdade, próximos. Kenichi também parecia não acreditar no que disse para ela. O rosto dele se suavizou, ele a olhou nos olhos como se por um segundo estivesse a ponto de pedir desculpas, mas de repente se virou e saiu andando. Sua parceira não saiu do lugar, mal se mexeu. Olhou-o ir. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Retalhadores de Áries" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.