Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 20
— Arashi




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— Arashi

O guerreiro glacial ficou vinte minutos em silêncio depois da primeira pergunta da psicóloga. Preocupada, a mulher resolveu falar.

— Arashi? Arashi — O chamou. Quando ele a olhou, ela quis saber: — Tudo bem?

O rapaz, com cara de quem vira um fantasma, respondeu que sim movendo a cabeça. Graças ao questionamento da especialista, afundou-se num mergulho profundo dentro da própria mente, nadou nas águas escuras das emoções que experimentou no dia mais sofrível de sua vida: a noite do incêndio no vilarejo que morou, aquele que o tornou órfão. Podia até sentir novamente o cheiro da fumaça, o calor do fogo. Escutar os gritos de seus vizinhos. O choro de seu irmão de um mês de idade em seus braços, sua frágil irmã tremendo de terror e sussurrando que estava com medo. Ouvir os punhos de Santsuki destroçando a face e abrindo o crânio de seu pai, a maçaneta da porta da casa sendo usada como arma para esmagar o coração de sua mãe.

Estava há anos sem afrontar essas lembranças, empurrando-as para os locais mais remotos de seu subconsciente. Achava que voltaria a ser aquele garotinho indefeso se pensasse nelas. Tinha razão. Bem que avisou para Kin que não era uma boa ideia ele ir a um psicólogo.

— Me desculpa. — Disse. Ao tentar explicar como se sentia, algo em seu interior o travava. — É que eu...

A doutora abotoou o jaleco branco, ajeitou-se no banco, juntou as mãos e sugeriu:

— Quer que eu repita o que eu disse?

Ele repeliu a ideia com um gesto de cabeça, jogou os cabelos para trás com uma nervosa passada de mão neles e se aprumou.

— Não, obrigado. — Replicou. Ela lhe perguntou sobre sua infância. Felizmente, tinha a fórmula de relato resumido: — Minha história tomou um rumo totalmente novo depois da noite da chacina no meu vilarejo. Do assassinato dos meus pais. De repente uns retalhadores estranhos começaram a invadir casas, a incendiar elas e a matar os sobreviventes. Meu pai também era um retalhador, ele lutava muito bem... Claro que não era do nível dos retalhadores daqui, mas era bom o suficiente pra vencer alguns dos invasores. Não era páreo para o Santsuki e sabia disso... Quando viu que ele estava vindo, meu pai mandou minha mãe, meus irmãos e eu nos escondermos no armário, o problema era que não tinha espaço pra minha mãe. Ela ficou do lado de fora. Fui forçado a vê-lo matar os dois pra acompanhar os passos dele, pra saber pra que lado ele iria quando acabasse, eu tinha que conseguir fugir com meus irmãos. Precisei ser frio, como uma máquina. Não podia cometer erros.

A resposta dele determinou a linha de análise que a psicóloga iria seguir. Ela anotou os pontos mais relevantes da aterradora história e o questionou:

— Como foram os anos posteriores? Me conta das situações que ofereceram mais riscos à sua vida.

— Depois disso eu vim pro Reino de Órion. Trazido por Yume, ela e minha mãe eram amigas desde crianças. Passei cerca de dois anos morando com ela, eu ajudava com trabalhos escritos porque ela não gostava muito da parte teórica da administração e também a acompanhava em algumas reuniões. Morávamos ela, o esposo dela, a Kin e eu. Meu salário triplicou depois que eu me tornei retalhador de elite, foi questão de tempo até eu juntar dinheiro suficiente pra comprar minha casa e me mudar. Kin não ia muito com a minha cara nos primeiros meses, coisa de filho único quando chega criança nova na casa. Mas em pouco tempo construímos um laço muito forte, fruto de uma conexão... sobrenatural. Isso também se refletia na nossa postura em combate, nosso entrosamento e nossa química eram tão especiais que nos tornamos uma dupla imbatível, ficamos famosos pelo mundo inteiro. Diziam que éramos o futuro do Reino de Órion.

As palavras dele, seu modo eloquente e apaixonado de se expressar referentemente à sua parceria e ligação com Kin, puseram um sorriso no rosto da doutora. Afim de descontrair, brincou:

— Foi a primeira garota de quem você gostou?

Arashi, um tanto desajeitado, disse a verdade:

— Primeira e única. Demorei pra ver porque ainda éramos crianças, eu não sabia o que estava sentindo, mas comecei a gostar dela pouco mais de um ano depois de fazermos dupla na equipe de elite. Feria minha alma só a ideia dela sentindo um pouquinho da dor que eu sentia, eu queria protegê-la de tudo. Por um tempo consegui, mas a vida não é só flores... O pai dela sumiu e a mãe, morreu. Vi ela chorando pela primeira vez e isso acabou comigo. Eu me odiei mais. 

— Me conte das missões mais perigosas que vocês enfrentaram.

O primeiro ministro esticou a camiseta branca e, nervoso, brincou com o relógio de pulso. Preparado, mirou a médica com seus perfurantes olhos azuis claros, respirou fundo e falou:

— Nunca chegamos tão perto da morte quanto quando lutamos contra os cientistas que causaram o "Dia do Céu Lilás", nem quando Órion foi destruído. Naquele dia, perdi a cabeça um monte de vezes, teve um momento que me desesperei tanto com a possibilidade de vê-la morrer que me atirei para a morte primeiro. Teve a madrugada que lutamos contra as crianças que estavam sendo controladas por uma maníaca, eu fiquei para que a Kin pudesse ir e apanhei quase até a morte. Também teve a vez que a Lire, uma velha rival da Kin, tentou sequestrar o irmão dela e matar uma falecida amiga nossa, ela só não conseguiu o que queria porque eu estava lá mas, pra salvar essa nossa amiga, eu me atirei na armadilha da Lire. 

A analista enxergou o padrão que buscava. Envolta de um ar mais sério, foi franca com o retalhador:

 — É cedo pra fazer um diagnóstico, Arashi, mas você exibe os sinais típicos de uma depressão muito profunda, oriunda de vários traumas assustadores. Você suporta uma dor insuportável... Talvez seja por isso que, numa situação de vida ou morte, por reflexo, você escolhe a morte.


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