Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 19
— Naomi II




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795576/chapter/19

— Naomi II

Contou para a psicóloga sua tentativa fracassada de matar Santsuki, seu turbulento retorno para a Terra, as batalhas que enfrentou contra os retalhadores entre os quais cresceu e falou sobre os amigos que fez em meio a isso. Tudo com um bom humor tão poderoso que contagiou até a doutora. A mulher gargalhou tanto que chegou a chorar.

Quando conseguiram parar com as risadas, a especialista enxugou os olhos com os dedos e deu continuidade ao exame:

— Como tem sido morar no Reino de Órion?

A francesa pintora nem precisou pensar muito para saber como se sentia a respeito daquilo.

— Maravilhoso. — Foi cem por cento sincera em sua resposta. — Eu sinto uma paz que nunca senti, até mesmo quando estou lutando para ajudar meus amigos. Não é como antes, que eu ia pra cama com medo de que alguém me matasse, que explodissem a nave enquanto eu dormia ou que o Santsuki fosse aparecer no meio da madrugada e nos pedir pra fazer alguma coisa, é... ótimo, eu tô muito feliz. Eu amo esse lugar e vou protegê-lo com tudo de mim... pelas pessoas que moram aqui e pela memória do meu pai, que se sacrificou pela segurança delas. É o mínimo que eu posso fazer.

— Você mencionou seus amigos. — Apontou a médica. — De quais você é mais próxima, Naomi? Esse sentimento de gratidão se estende a eles?

— Com certeza se estende. Kin, Arashi, Yue e Haru salvaram a minha vida, me fizeram sentir, de novo, o que é ser querida, são pessoas muito especiais... eu viajei a galáxia inteira e nunca conheci retalhadores como eles. Eu sei que seria bem recebida e que viveria bem aqui mesmo sem esses quatro, mas saber que os tenho ao meu lado é o que torna tudo maravilhoso, como eu disse. E não só pra me ajudar nas minhas missões como retalhadora. Sei que posso jogar conversa fora com eles, falar bobagem, brincar, me abrir, ser eu mesma. Eles me ensinaram o que é amizade verdadeira. De quais eu sou mais próxima...? De cara me vem a Kin. Amo todos eles, mas minha relação com ela é diferente, eu... só... não sei explicar. Adoro o jeito como ela cuida de todos, admiro a postura dela de quem ama e não tem medo de demonstrar, a lealdade, a força. Kin é confiante até sobre as próprias vulnerabilidades, sabe que não tem que se culpar caso alguém a magoe. Pensando melhor agora, eu sei como explicar o motivo da minha proximidade dela: ela é como o meu pai e todos dizem que minha mãe era.

Houve um longo silêncio. A psicóloga foi até o bebedouro metálico prateado perto da saída, encheu, com água, dois copos brancos de plástico, sentou-se aonde estava e deu um para Naomi. Conforme isso ocorria, a francesa pensava no quanto Kin insistiu para que ela fosse à consulta e na determinação da loira em pagar, caso dinheiro fosse problema. Riu da ironia que era serem praticamente vizinhas, terem quase a mesma idade mas nunca terem se encontrado quando crianças. Seu pai chegou a ser amigo do dela. Desejou tê-la conhecido antes, tudo poderia ter sido muito diferente. 

Como quem lia sua mente, a mulher perguntou:

— Você e Kin têm quase a mesma idade. Já pensou como teria sido se tivessem se conhecido quando crianças e crescido juntas? 

Oui, um monte de vezes. — Naomi bebeu um grande gole de água, fez uma pausa para reflexão e prosseguiu: — Acho que meu pai não teria decidido me mandar pra fora da Terra... Talvez eu tivesse me tornado integrante do grupo dos Retalhadores de Elite. Eu sei que teria uma infância bem mais feliz. Mas, como dizem os franceses, chacun voit midi à sa porte, todo mundo vê o meio-dia em sua porta, não tenho certeza de como seria, mas tenho certeza de que seria muito melhor do que viver com os lacaios do Santsuki. 

A especialista achou interessante o fascínio de Naomi pela cultura francesa, então a questionou:

— Você nasceu em Órion, como fala francês tão bem e com um sotaque tão carregado? E por quê? 

— Minha mãe só falava esse idioma. Meu pai virou fluente nele por causa dela e me educou a partir dele, por isso decidi estudá-lo pelo resto da minha vida. O idioma e a cultura de lá... Adoro estudar essa língua porque me sinto entre os dois de novo, se eu não fosse retalhadora, seria professora de francês. Por causa do trabalho e dos estudos eu ainda não tive a oportunidade de visitar o lugar onde a minha mãe viveu, mas vou para lá assim que der.

— O que mais você faz no seu tempo livre? — A psicóloga resolveu ser incisiva nesse ponto, achava-o fértil para a análise que estava realizando. 

 — Eu gosto de pintar. Minhas pinturas não são nada boas, mas eu gosto! — Exclamou, entre risadas. Bebeu o último gole de água do copo, colocou-o em cima da mesa e foi adiante: — Como eu disse para minha amiga, é uma coisa em que eu não sou boa e fazer isso me ajuda a lembrar meus limites. Resumindo, é porque eu sou meio doidinha e porque me dá disciplina, me ensina medida, proporção... Isso me ajuda com as minhas habilidades de retalhadora, entende? Minha essência me faz dissecar tudo aquilo no que eu toco quando inflamo minha energia e, se eu não souber manipulá-la direitinho, ela pode fugir do meu controle e afetar até meus aliados. É por isso que eu quase não a uso, tenho que ter muita concentração, morro de medo de ferir um amigo. Mas é mais porque eu sou doidinha. 

— Por isso você usa luvas também?

Naomi ergueu as mãos e replicou:

— Oui. São especiais, inibem meu chikara... O Santsuki me deu pra que eu não corresse o risco de matar os meus colegas enquanto dormia ou pra não me suicidar. 

As luvas eram únicas, se existissem outras ou se soubesse como confeccioná-las, não usaria as que Santsuki lhe deu. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Retalhadores de Áries" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.