Os Retalhadores de Áries escrita por Haru


Capítulo 13
— O Lar das Gaivotas




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— O Lar das Gaivotas

Uma vez, numa das centenas de visitas que fez a Arashi no tempo que ele passou no hospital, Yue contou sobre o sonho que tinha de abrir uma loja para vender as roupas e os acessórios que fazia em casa. Ela disse que estava juntando dinheiro, procurando um bom lugar, lhe mostrou até alguns dos desenhos que fez. O guerreiro glacial nunca esqueceu: jurou para si mesmo que a ajudaria se sobrevivesse. O dia marcado de cumprir essa promessa chegou, o mais legal era que a garota nem esperava, sequer imaginava.

Foram convidados para a festa que os pais de Mahina organizaram porque o dia da alta dela chegou e, já que morava umas seis ruas de distância de Yue, combinou com ela de se encontrarem antes para irem juntos. Em certo ponto da caminhada, revelou que tinha uma surpresa, um presente para agradecê-la por toda a sua ajuda naquele período difícil, então a vendou com um comprido e espesso lenço verde escuro. A menina segurava-se no braço de seu casaco negro de capuz e confiava nos reflexos sobre-humanos que possuía para não tropeçar. Apesar de ter dito que ele não precisava dar presente nenhum, que não o ajudou esperando alguma coisa em troca, estava empolgada.

Yue nem ligava para o que ganharia, só do gesto vir de vir de alguém de quem ela gostava, de um amigo de verdade, já estava amando. Já ganhou presentes antes, claro, mas todos eles de seus pais e de sua irmã, de sua família, pela primeira vez alguém que não tinha seu sangue demonstrava que se importava com ela. Não sabia nem o que era e já estava emocionada, já queria chorar. Aguenta firme, dizia a si mesma. Pelo menos espera até saber o que é. Sempre foi chorona, e quando começava, não conseguia mais parar. Seu pai vivia repreendendo-a, dizia-lhe que um retalhador não deve ser emotivo assim, mas nunca, embora tenha tentado, deu-lhe ouvidos.

— Eu já disse que você não tem que me dar presente nenhum, Arashi — Ela dava de ombros e se repetia, enquanto caminhavam. — Eu só cumpri com meu dever de amiga, nunca quis nada em troca.

— Eu sei. — Ele reafirmou, fazendo a cara e o tom de voz de quem escutava o óbvio. — E chegou minha vez de cumprir o meu. Ajudar uma amiga a realizar o sonho dela também é o dever de um amigo. Estamos quase lá.

A tarde se despedia do Reino de Órion, deixando para trás um céu repleto de nuvens alaranjadas e um leve frio melancólico. Os dois pararam de andar quando chegaram na frente da grande vitrine de uma pequena loja de paredes brancas, à direita da qual ficava a porta — do tipo que abria quando alguém se aproximava. Pouco acima fizeram o telhado, todo composto de uma escura madeira maciça. A calçada, mesmo de concreto, graças à cor parecia toda feita de bronze, e brilhava de tão limpa. O estabelecimento também era muito bem localizado, por ali passavam pessoas de todos os lugares a qualquer hora e qualquer dia.

Orgulhoso, Arashi sorriu e desamarrou a venda que pôs no rosto da amiga. O lenço caiu devagar. Yue, estupefata, olhou a butique de cima a baixo e da direita para a esquerda. Alçou as sobrancelhas, girou e encarou Arashi. Você não fez isso. Ele riu e balançou as chaves dela, acenando para elas com a cabeça. Você fez, a baixinha gentilmente pegou as chaves e as olhou, ainda incrédula. Tinha as mãos trêmulas.

— Arashi...? — O fitou interrogativa, segurando o chaveiro junto ao coração.

— É bem humilde, não deve ser como você sonhava, mas vai ter bastante cliente por aqui... vai poder expandir com o dinheiro que ganhar. E é toda sua, não tem que pagar aluguel. Vai ficar bonita depois de pintarmos. — Arashi falava, tentava conseguir que ela dissesse alguma coisa.

— Deve ter custado um dinheirão... — Estava com o queixo lá em baixo, incapaz de avançar ou recuar um só passo do lugar. Ficara sem palavras. — Não posso aceitar isso, é demais... E eu te disse que queria conquistar isso por mim mesma...

— Não é demais. O que você fez por mim, pela Kin e pelo Haru foi demais. — Ele a corrigiu, dessa vez com a frase e o olhar recheados de seriedade. O azul claro de sua íris luzia. — E você conquistou por si mesma, com seu caráter, sua personalidade, seu grande coração e o seu jeito de ser. Nunca-

Ela o abraçou tão rápido e com tanta força que o impediu de terminar de falar. Ele sorriu e retribuiu. Ao ouvi-la chorar, deitou o queixo na cabeça dela e fez um carinho nas alças de seu vestido roxo claro. Arashi precisou de pouco tempo para compreender que, entre todos eles, Yue era a mais humana, aquela que mais sonhava com uma "vida normal", que, no fundo, ela só queria paz, e no minuto que entendeu isso, quis ser amigo dela. Precisavam de alguém como Yue em suas vidas, assim como Yue precisava, na dela, da pessoa que ele planejava ser.

A função dela era abrir seus olhos para o que eles realmente defendiam se um dia isso ficasse difícil de ver, recuperá-los caso eles se perdessem, a dele era fazê-la se sentir confortável na própria pele, porque Yue nunca foi uma retalhadora comum e, no que dependesse dele, nem se tornaria uma. Mais do que lhe fazer companhia no hospital, do que levar refeições, remédios e livros para ele quando Kin e Shiori não podiam, Yue o despertou para o papel dele naquele grupo de guerreiros promissores.

Da janela ao lado da porta de sua sala de estar, Kin olhava distraída os pássaros que sobrevoavam os ares de seu reino. Seus dispersos olhos castanhos escuros refletiam cada um deles, sua face, sem expressão alguma, reproduzia o fulgor cor de abóbora que as nuvens emanavam. Uma gaivota passando chamou sua atenção, ela acompanhou o percurso do bicho até ele desaparecer. Aquela ave era tão comum por ali que nem teria olhado se um certo alguém não a tivesse mencionado enquanto conversavam.

"Essa região do Reino de Órion já foi chamada de 'Lar das Gaivotas', sabia, Kin?", Santsuki aleatoriamente lhe contou, se referindo ao enorme conjunto de ruas onde Kin morava com Haru e com Naomi, onde se localizava a casa na qual a loira cresceu e foi educada pelos pais. Quando lhe disse isso, o facínora estava bem na sua calçada, a poucos metros de distância da sua porta. Aconteceu há quatro dias. No minuto que o viu, Kin achou que ele cobraria a essência de Hanzuki. "Não vim atrás dos poderes do velho, pode ficar tranquila, só fingi que aceitei te ajudar por isso pra te apavorar."

Sustentando aparência de calma, perguntou primeiro por que ele estava ali. O canalha não respondeu, lhe deu as costas e escondeu as mãos dentro dos bolsos do terno preto. "Por que você me ajudou?!", insistiu em saber, já realmente irritada. "Porque eu estava entediado... Eu ainda estou, mas isso já vai ficar divertido", foram as exatas palavras que saíram da boca dele, seguidas de um sorriso. Quis obrigá-lo a ser menos vago, mas antes de poder piscar os olhos, Santsuki já tinha desaparecido.

— Ele está pronto, chefona. — Naomi desceu junto com Haru e avisou, acordando Kin dos devaneios dela. O garoto optou pela mesma camiseta de capuz sem mangas, só que daquela vez da cor branca. Vestiu uma bermuda preta, chinelos de dedo e quase teve que lutar com a francesa para ela não passar um pente em seus cabelos.

— Teria me arrumado mais rápido se você não ficasse ameaçando entrar no banheiro toda hora. — Resmungou o ruivo.

— Aquilo foi só pra ter graça. — Replicou a morena, entregando o presente de Mahina nas mãos de Kin.

— Obrigada, Naomi. — Kin agradeceu e guardou o presente de Mahina numa sacola preta. Vestia a camiseta branca da equipe dos retalhadores de elite, uma longa calça jeans preta e um par de tênis rasos, os únicos enfeites que escolheu foram um relógio dourado no pulso direito e seu cordão de sempre. — Tem certeza de que não quer vir com a gente? Disseram que podemos levar quem quisermos.

— Tenho uma velha regra de só ir pra onde sou diretamente convidada. Além disso, eu tenho um quadro horrível pra terminar. — Falou, atirando-se no sofá.

— Sei, sei, e você vai fazer isso deitada no sofá... — Kin riu e retrucou, enquanto procurava a chave certa entre as de seu chaveiro. Ao encontrá-la, dirigiu-se com Haru até a saída, porém, teve um mau presságio quando pôs a mão na maçaneta e achou necessário dizer de novo: — Se tiver qualquer problema, me chama. Meu comunicador estará ligado.

Brincalhona como sempre, Naomi fez cara séria e bateu continência. As palavras de Santsuki não saíam da cabeça de Kin, especialmente o "mas isso já vai ficar divertido". O que ele quis dizer? Coisa boa, com certeza, não significava, seria mais fácil deduzir o que era se a culpa pelo que aconteceu no outro universo não estivesse demolindo suas emoções e os seus pensamentos, impedindo-a de raciocinar tão bem quanto o normal. Aquele maldito psicopata via a vida como um jogo no qual as pessoas só existiam para entretê-lo. Se ele queria brincar com a mente dela, havia conseguido, nem contar para Arashi, seu melhor amigo, o único de quem nada ocultava, podia. Até isso ele lhe tirou. Como eu pude ter sido tão burra?

Os pais de Mahina tiveram o zelo de armar toda a pequena festa da filha de acordo com as agendas de todos os retalhadores da equipe de elite, então nenhum deles tinha desculpas para se ausentar. Acabou que nenhum faltou: alguns naturalmente mais isolados, outros mais extrovertidos e bem humorados, todos estavam lá, espalhados pela sala de estar da casa da líder deles. Os mais faladores e risonhos, Gray, Emi, Hana e Mahina, dançavam e jogavam entre si.

Uma agitada música alegre saía do aparelho de som acima da estante de madeira à esquerda da espaçosa sala. Quem arrumou a casa decidiu retirar o tapete de cima do piso de azulejo marrom avermelhado e dispensou todos os eletroeletrônicos e cômodos, com exceção da caixa de som e do comprido sofá branco. Nas paredes, tão brancas quanto o sofá, ficavam os enfeites: simples dizeres carinhosos em letras de papel coloridas, e próximo deles estavam as lâmpadas da casa. "Bem vinda de volta", "Todos te amamos", "Você é nosso sorriso", falavam os recados, envoltos de estrelas e corações.

No meio de sua animada dança de mãos dadas com Kin, Arashi sentiu que algo a incomodava. Ele olhou para os lados, para ela e a inquiriu sem rodeios:

— Parece distraída. O que foi?

— Nada. — Disse, fingindo felicidade. — Eu só... não consigo acreditar que tá tudo tão bem.

— A Mahina tá vindo pra cá... — Falou. Quando Kin olhou para trás para checar, ele a girou, a arrastou para perto de si e continuou: — Se você continuar com essa cara, ela vai te fazer discursar.

— "Continuar com essa cara" — O arremedou, engrossando a voz para falar parecido com ele. — Tá dizendo que eu tô feia, é? — Deu uma risada. Ganhou um beijo na testa.

— Impossível. — Respondeu. Sentiu o rosto dela deitar em seu peito.

— Impossível você dizer que eu tô feia ou eu ficar feia?

Arashi ficava sem jeito toda vez que ela fazia essas pegadinhas verbais, quase corava. Tramando algo para se vingar, acenou para Mahina e os pais dela e assim que conseguiu a atenção deles, inventou:

— A Kin quer falar uma coisa e quer que todos escutem!

— Ah! Que sem vergonha! Você me paga! — Pôs a mãos na cintura e brigou com ele, olhando-o se afastar. Devia ter previsto.

Mahina abaixou o som até o volume mínimo, puxou a loira pela mão até o centro da sala e a abraçou. Igual a todos os seus companheiros, usava o uniforme do grupo de elite, a mensagem que queria passar era a de que continuava sendo uma deles e que já estava pronta para voltar.

— Fala o que tá nesse seu coraçãozinho! — Pediu, depois se sentou no sofá junto aos outros e ao lado de Kenichi para escutá-la.

Kin achava Mahina um doce, mas às vezes um pouco açucarada demais. Quando viu Arashi rindo, sussurrou "eu te mato" pra ele, respirou fundo e começou seu discurso:

— Eu tinha sete pra oito anos quando conheci a Mahina e... nós duas sempre fomos bastante diferentes, então no começo eu não soube se seríamos amigas, mas em menos de dois anos eu percebi que sim, que ela é alguém que eu quero pra sempre na minha vida. Eu fico muito feliz por ver você de pé de novo e por lembrar que você é a minha sucessora na liderança da equipe de elite, Mahina. Você é o coração desse grupo! Eu te desejo todo o sucesso e felicidade do mundo!

Uma salva de palmas explodiu no recinto. Quando viu que a primeira ministra vinha em sua direção, Arashi trocou de lugar no sofá com Yue. "Isso vai ter volta", ela o ameaçava de longe. O seguinte a falar foi Gray. Muito aplaudido. Depois dele, chegou a vez de Kande, e assim foi até todos falarem. Quase todos. Só quem se recusou a falar foi Kenichi. Mahina se chateou, mas decidiu não demonstrar. A palavra era sua. Bastante emocionada por causa das homenagens e das lindas coisas que disseram a seu respeito, a garota enxugou o rosto, ficou de pé e passeou com calma até o meio da sala, depois se virou para a sua plateia.

— Quero agradecer a presença de todos aqui, agradecer o carinho. — Começou. Olhou todos, um a um, e prosseguiu: — Todos aqui éramos muito crianças quando esse grupo foi formado, nós treinamos juntos, lutamos lado a lado, salvamos uns aos outros... nós literalmente crescemos juntos. Minha mãe vive dizendo que eu passo até mais tempo com vocês do que na minha própria casa! O Hayate me contou uma vez que escolheu crianças para formar essa equipe esperando que, crescendo juntas, elas passassem a realmente se importar umas com as outras, e não que apenas fizessem as coisas movidas por dever. Ele nunca quis que uma ordem de retalhadores implacáveis fizesse a guarda do reino dele, ele queria uma família fazendo isso... e com muito orgulho, digo que ele conseguiu. Eu amo todos vocês.

Seu discurso suscitou a comoção, a alegria de todos os ouvintes. Ela falou o que abrigava no coração há tempos. Foi sincera em cada palavra. Cerca de uma hora e meia depois, Inari e Hana se levantaram primeiro para ir embora, após eles se foram Shin, Emi e assim se seguiu até que na casa só restaram Mahina e Kenichi. O ruivo pensou em ficar para ajudá-la a colocar os móveis no lugar e remover os enfeites, foi até o andar de cima, desceu com uma televisão enorme e a pôs no lugar que ela costumava ficar. Foi então que sentiu certa indiferença em sua colega de equipe.

Jogou seu montante nas costas e se aproximou dela, que colocava os enfeites dentro da caixa que estava sobre o sofá.

— Quer que eu ajeite a estante? — Perguntou.

Tudo o que ganhou como resposta foi um olhar rápido por cima do ombro e uma resposta seca:

— Eu vejo isso amanhã.

Claro que não podia ir sem saber o que ela tinha.

— O que é que te deixou assim? — Cruzou os braços e a inquiriu.

Mahina deixou de lado o que estava fazendo e o olhou séria.

— Quer mesmo saber o que me deixou assim? Você não vai gostar, ou vai achar bobo. — Deixou avisado. Kenichi continuou olhando-a, esperando a resposta. — Tá legal, lá vai. Todo mundo discursou, falou um monte de coisas legais pra mim, até o Haru, a Yue e o Shin falaram, mas aquele que eu mais queria que falasse, o meu favorito, não disse nada! Eu tava ansiosa pra te ouvir falando bem de mim, é isso. É mesquinho? É, já que eu ganhei uma festa pra comemorar minha alta, mas-

— Você também é a minha favorita. — Ele inesperadamente a cortou, deixando-a sem palavras. Ruborizado, franziu o cenho e, olhando para baixo, continuou: — Os outros são meus amigos, mas você é minha irmã. E você sabe que eu não sou bom falando do que eu sinto, deveria me dar um desconto.

Mahina o abraçou tão forte quanto abraçou Kin. Normalmente ele reclamaria e tentaria se soltar, mas sentiu falta demais do abraço e da companhia dela para dizer qualquer coisa contra, mesmo de brincadeira. Pela primeira vez, se rendeu e retribuiu o gesto.


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