A Última Vez escrita por Auto Proclamada Rainha do Sul, KodS


Capítulo 2
Capítulo 2 - Cardigan




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"Mas eu conhecia você, dançando em seus levi's, bêbado sob os postes de iluminação. Mas eu conhecia você, as mãos sob o meu suéter, querido, me beije mais"

Eles andaram em um silêncio quase completo pela rua. Inundados pela escuridão e aquela melancolia que sempre parecia seguir a luz prateada da lua por onde quer que fosse. Não o tipo ruim de melancolia, mas aquele tipo libertador que parece te permitir pensar sobre tudo na vida.

Sokka não sabia para onde estava indo, estava apenas seguindo os passos calmos da dobradora de terra que andava alguns passos a frente, as mãos cruzadas atrás da nuca enquanto se movia com uma graça encantadora. Ele nem havia notado que estava tão envolvido pelos seus movimentos simples enquanto a seguia pelas esquinas, não sabia sequer para onde iam, mas isso não importava em nada.

Naquele momento iria a qualquer lugar, desde que fosse com ela.

⎻ Você não precisava ter vindo comigo ⎻ ela disse, assim que a porta bateu atrás dele. Sua voz parecia estranha agora, envolvida pela névoa da bebida e da caminhada.

Ele não ligou para o que Toph dizia, mal observou quando ela se deitou sobre o sofá com os pés descalços esticados sobre o braço de madeira, descontraída e confortável como ela sempre parecia quando não havia ninguém por perto, mesmo com o vestido apertando suas costelas.

⎻ Não é nada demais ⎻ respondeu dando de ombros, pegando uma garrafa de vinho e enchendo as taças. Uma vez ouvira que a melhor forma de tratar uma resseca era permanecendo bêbado e definitivamente não tinha vontade de ficar sóbrio ainda ⎻ E eu achei que você poderia aceitar dançar comigo se não tivesse ninguém por perto.

Ele largou a taça sobre a mesinha de centro e então puxou os braços dela em direção a ele, a erguendo sobre os próprios pés e então envolveu a cintura fina com um braço para evitar que se esquiva-se outra vez, mas ela mesma já tinha uma das mãos enrolada em seu antebraço, se mantendo firme contra o corpo dele.

Voltou a pegar a taça com a mão livre. Levando-a aos lábios.

⎻ Porque você está tão insuportável com essa história hoje?

A pergunta ficou no ar enquanto Toph tentava tomar a taça da mão dele, com nenhum sucesso, acabou apenas envolvendo os dedos dele e deixou que Sokka virasse a bebida doce entre seus lábios.

⎻ Porque eu fui trocado como um casaco velho ou qualquer coisa ⎻ ele respondeu, a garganta de repente seca ⎻ Estou carente e preciso de atenção.

Não havia falado sobre isso com ninguém ainda, mas era a verdade amarga sobre isso. Os braços pálidos envolveram o seu pescoço, trazendo-o para mais perto, fechando a distancia resistente entre eles.

⎻ Mas nós não temos música ⎻ ela respondeu, se deixando guiar pela sala onde um rádio descansava sobre a estante e logo o som de uma balada lenta e triste enchia a sala, as notas parecendo apertar o coração mais a cada instante.

⎻ Eu amo a tecnologia ⎻ resmungou contra o ombro nu da mulher em seus braços, que apenas riu contra seu ombro.

Fazia muito tempo que não se sentia daquela forma, praticamente enfeitiçado. Havia ligado a música, mas isso não fazia diferença enquanto apertava a cintura estreita entre seus braços, a mantendo perto. Tropeçavam nos pés um do outro em um descompasso alcoolizado.

Até que Toph pisou no pé dele, dessa vez não havia sido de propósito como todas as outras, mas Sokka não pareceu ligar, do contrário, a puxou para cima de seus pés como se faz com uma criança. A equilibrando com o próprio corpo, ela riu mais uma vez, confiante demais para sentir que estar completamente cega fazia qualquer diferença agora.

Sentiu que os braços o envolviam, acariciando os cabelos compridos do homem, soltando o rabo de lobo, enquanto Sokka deixava os dedos roçarem o tecido macio, descendo pela extensão dos botões enquanto pensava em como seria fácil solta-los. Afundou o rosto contra o pescoço pálido, sentindo o cheiro característico dela enquanto tentava resistir a vontade de beija-lo.

⎻ Ela é uma idiota ⎻ disse em um tom mais baixo que o normal, um tremor ressoando enquanto tentava manter a compostura ⎻ Você é a melhor pessoa do mundo.

⎻ Ai é um exagero seu ⎻ respondeu, movendo os lábios contra a pele exposta, apertando o corpo mais contra o seu, enquanto balançavam de um lado para o outro da sala. O vinho esquecido sobre a mesinha de centro.

⎻ Talvez ⎻ respondeu com sinceridade, esticando a cabeça para a lateral, deixando que Sokka movesse a boca livremente de seus ombros até o lóbulo da orelha ⎻ Mas você ainda é a minha pessoa favorita.

⎻ Você também é a minha pessoa favorita ⎻ sussurrou, a voz quase praticamente um rugido rouco, próximo demais.

"Mas eu conheci você tentando mudar o final, como Peter perdendo Wendy "

⎻ Eu nunca entendi.

Estavam deitados no chão de pedra, na parte mais distante de Cidade República. O plano dizia que viraria um grande parque no futuro. Estavam há 5 anos naquele relacionamento estranho, não eram namorados, mas também não saiam com outras pessoas e agora, assim de repente, parecia que tudo era sobre o futuro. Ou talvez sempre houvesse sido e eles só não paravam para pensar nisso antes.

Agora as estrelas brilhavam sobre as suas cabeças, mas ela não conseguia enxergar e mesmo assim se sentava ao lado dele, a cabeça apoiada em uma pedra, um pé firme na grama macia enquanto o outro descançava sobre o joelho.

Havia se acostumado a vê-la com os ombros de fora agora. Não que fossem as roupas na maior parte das vezes, mas naquela noite ela realmente usava uma blusa folgada sem mangas por sobre a calça de tecido grosseiro. Era a primeira vez que saiam em um encontro oficialmente e também era a última.

Talvez por isso estivessem tão bucólicos e nostálgicos naquela noite.

⎻ Que eu sou cega? ⎻ perguntou, como se lesse uma parte da sua mente ⎻ Eu já notei isso há muito tempo, mas um dia você entende, eu confio na sua capacidade.

Ela lhe deu um soco no braço, aquele tipo de afeto que esperava dela quando estavam em público no fim das contas. Os dois riram, os olhos vidrados, meio perdidos na escuridão coberta de pintas brancas. Ele sabia que sentiria falta dela quando estivesse longe.

⎻ Eu nunca entendi porque você sempre vem comigo se não pode ver nada.

Ela moveu a cabeça lentamente, virando para cima e para baixo enquanto buscava as palavras certas para explicar exatamente o que a fazia sempre estar perto dele. Deixou que a mão escorregasse da parte de cima de sua barriga, estudando cada pequena onda que era enviada pelo chão e então se sentou, virada para ele.

⎻ Você lembra dos oogies? ⎻ ela perguntou e imediatamente Sokka riu ao se lembrar das viagens que faziam todos juntos após a guerra, cruzando o mundo, antes de começarem a se afastar aos poucos, isso parecia um pouco idiota agora ⎻ Bom, você podia ver, mas eu apenas sentia as mudanças nos corpos. ⎻ ele a encarou, observando o rosto delicado, absorvendo cada palavra de sua explicação ⎻ Quando se está apaixonado o coração dispara e é fácil ler, mas os oogies são diferentes, a pressão abaixa muito e a batida é mais calma.

⎻ Isso não explica porque você vem comigo sempre. ⎻ ele acrescentou quando ela parou de falar, enroscando os dedos nos dela.

⎻ Você nem me deixou terminar ⎻ bateu o braço dele com força para logo em seguida acariciar os músculos firmes, os puxando para envolve-la pela cintura enquanto se virava para ele. Sabia que logo teriam que se separar para sempre ou algo do tipo, mas os dois ainda não haviam conversado sobre isso.

⎻ Então se explique, por favor ⎻ respondeu beijando-a devagar e a apertando mais perto, não tinham o costume de ficarem muito próximos em público, abraços e beijos eram coisas que nunca se arriscaria a tentar. Ainda eram pessoas famosas e muito públicas, mas aquele era um dia especial que valia o risco.

⎻ Você tem essa mesma batida de coração quando está olhando as estrelas ⎻ ela respondeu, movendo as mãos pelas costas do homem, aproveitando o contato e se deixando embalar, o coração entrando em compasso com o dele mais uma vez e os arrepios na superfície da pele ⎻ No começo eu só tinha curiosidade mesmo, eu queria entender o porque, então achei que fosse ela.

"Ela". Toph nunca conhecera Yue, mas conhecia as histórias e teve o cuidado de não dize-lo. Mesmo assim Sokka pode sentir como pedaços de gelo atravessando a sua pele como sempre acontecia. Queria se soltar e procurar o brilho familiar, se afastar de todo o resto como sempre fazia, mas ao invés disso puxou a mulher para mais perto, afundando o nariz na curva do pescoço e se afundando no cheiro familiar.

Já havia perdido uma, não queria perdê-la também.

⎻ Então eu senti de novo naquela noite ⎻ não precisava falar, sabia que era aquela noite em que dançaram na sala do apartamento dela, quando ainda morava lá. Antes que decidissem qualquer coisa ou se preocupar com o futuro. ⎻ Talvez eu só esteja curiosa para saber o porque.

Era sempre essa a desculpa dela, estava apenas curiosa para ver até onde iam, curiosa para entender por que entrava em compasso toda a vez que estavam sozinhos, porque nunca conseguia recuar ou resistir.

Sokka pensou sobre isso. A lua era um dos espíritos guardiões das Tribos da Água, era simplesmente natural que qualquer um de lá se sentisse atraído por ela, mesmo sem conhecer a pessoa por de trás. Era um marinheiro e noites de céu limpo em que as estrelas brilhavam eram sinais de bons ventos pela manhã, mas Toph não tinha nenhum desses significados intrínsecos, era apenas sua melhor amiga, seu porto seguro.

Então entendeu, ele era Sokka da Tribo d'Água, seu lugar podia ser no mar, mas sempre precisaria de uma rocha sólida para atracar.

⎻ Deita de bruços ⎻ ele pediu, guiando os quadris com as mãos, até que ela estivesse sobre os cotovelos.

⎻ Nós estamos em público ⎻ ela protestou em meio a uma risada, não parecia realmente se importar com isso não nessa noite pelo menos ⎻ O que vão falar sobre você amanhã.

Rio abafado, sabendo que não estaria ali na manhã seguinte.

⎻ Eu só quero te mostrar o que eu vejo ⎻ respondeu, subindo as mãos pelas laterais do corpo até estarem apoiadas nas costas largas ⎻ Pronta?

⎻ E eu tenho escolha?

Ele não respondeu. E então os dedos começaram a circular todas as manchas e sinais em suas costas, traçando linhas entre elas e dizendo nomes que lhe pareciam estranhos, contando histórias da tribo que a faziam sorrir. Ele terminou a primeira constelação com um beijo na espinha que a fez se arrepiar e então partiu para a próxima, a mão passeando pelo espaço nu entre os ombros que a camiseta deixava exposto.

⎻ Acho melhor irmos pro seu apartamento ⎻ sussurrou quando sentiu que haviam mais beijos do que pontas de dedos em suas costas.

⎻ Eu não vou reclamar de uma tela maior ⎻ respondeu, a ajudando a se levantar de volta em seus pés.

Foi um caminho lento, em que mantinham as mãos e os corpos distantes um do outro. As possíveis fofocas voltando as suas mentes em uma velocidade assustadora, mesmo assim mantinham o passo lento, era mais tempo que tinham juntos, mesmo que separados pelo ar frio da noite.

Mas as aparências não duraram muito, pois assim que chegaram ao apartamento ela já estava nos braços dele, as mãos sob o tecido grosseiro da camiseta enquanto se encaminhavam para o destino final. Não tinha pressa naquela noite, apesar da necessidade avassaladora de estarem juntos.

Podia senti-lo se mexendo sob ela, implorando para que fossem mais rápido, mas não era isso a intenção. Queria prolongar aquele momento ao máximo, como se pudesse guardar a sensação dele por mais tempo, talvez para sempre se necessário e sabia que o parceiro não se importava como um todo, não quando a apertava tão perto de seu peito, beijando toda a pele exposta em que podia tocar sem quebrar o contato.

Ainda estavam abraçados, sentados no meio da cama quando tudo acabou. Os dedos dele correndo sobre pele, onde ela ainda sentia as constelações que ele havia traçado durante a noite inteira. Mais do que sentido, ela quase podia dizer que havia visto os padrões brilhando em sua mente e estava prestes a perder tudo aquilo.

⎻ Casa comigo? ⎻ ele sussurrou.

Ela parou por um instante, se afastando apenas o suficiente para tocar o rosto que ela conhecia de cor, mesmo sem poder ver. Traçou as linhas grossas do maxilar que havia ficado mais quadrado com os anos e da boca fina, sabia que ele a olhava de baixo, esperando pela resposta impulsiva. Por isso esperara todo esse tempo, por isso deixaram se alongar tanto.

Mas ela já tinha pensado na resposta centenas de vezes antes e, mesmo que agora não conseguisse achar as razões coerentes e por impulso quisesse dizer "sim", se ouviu dizendo.

⎻ Não!

Sem justificativas. Não precisavam delas, já haviam passado por isso antes, colocados os prós e contras na mesa e os contras sempre pareciam mais duros, não valia a pena e eles sabiam.

A abraçou mais forte, puxando-a para deitar em seu ombro.

Não foi surpresa quando acordou com ninguém ao seu lado, exceto uma pequena rocha em forma de coração que guardou na mala.

"Eu sabia que você voltaria quando a emoção expirasse, e que você estaria em pé na luz da minha varanda da frente. E eu sabia que você voltaria para mim"

Ela sabia que ele estava ali do lado de fora. Podia reconhecer o batimento dele ao lado do poste de luz recém instalado. Sabia que ele estava olhando para ela e também que não deveria estar ali. Fazia isso todo ano desde que havia partido e isso já tinha 3 anos.

Podia vê-la vestindo uma camisola fina e um roupão de tecido por cima. Podia vê-la encarnado-o sob a luz amarelada da sala. Estava passando aquele tempo na casa da irmã dele, uma visita rápida para aproveitar as férias, ver os afilhados. Ele não, se o vissem ali seria um escândalo.

Sokka tinha um dever há muitos quilômetros dali, costumavam quebrar regras e evitar deveres quando eram jovens, quando as pessoas achavam que não sabiam de nada. Mas agora eram adultos e não podiam mais ignorar essas coisas chatas.

E então a luz se apagou e ela sumiu de vista, mas ainda ficou de pé ali, o assistindo partir mais uma vez.

Odiava despedidas e o gosto amargo que deixavam, mas sabia que ele ficaria marcado em sua pele por muito mais tempo, sabia que seria para sempre um "e se". Sabia disso desde muito jovem.

 


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