Insomnia escrita por blue devil


Capítulo 3
Insomnia - part 3




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— Eu só queria que a minha mente calasse a boca.

— 'Tá ruim desse jeito, hem?

— Por qual outro motivo você acha que o Bakugou ia me intimar a falar com você? - Kaminari ergueu o rosto sobre a cama, apoiando-o sobre a mão. Jirou girou o corpo sobre a sua cadeira de metal à frente da escrivaninha. - Ele literalmente me arrastou 'pra cá. Disse que eu precisava, pelo menos, falar com alguém sobre como eu me sentia.

— Desse jeito parece que eu sou a sua psicóloga.

Kaminari riu.

— Não, mas... Você é uma das poucas pessoas que eu consigo importunar com os meus sentimentos. Isso é meio raro.

— Hmm, é o mesmo ‘pra mim. – Jirou concordou facilmente com um sorrisinho no rosto. – Desde o festival cultural eu sinto que posso confiar em você ‘pra falar dos meus problemas sem ser julgada e sem sentir que eu estou incomodando. Isso deve ser especial, né?

— Deve ser. – Kaminari sentiu o peito aquecer com aquela declaração tão casual, sentindo-se orgulhoso de si mesmo por conseguir aquilo com uma pessoa tão reservada quanto Jirou. – Estamos na mesma sintonia, hem?

— Se você fizer trocadilhos com música no meu quarto você vai ser expulso, é a regra. – Jirou o cortou sem desviar os olhos da lição de casa que fazia sobre a escrivaninha. Kaminari riu na cara do perigo.

Kaminari estava contente que, após uma tentativa estranha e fracassada de namoro no primeiro ano, eles não se afastaram e sim, na verdade, se aproximaram mais do que antes, percebendo como funcionavam mais como melhores amigos.

E também estava contente por ver Jirou mais confortável na própria pele namorando com Momo. No fim, o término deles rendeu mais coisas positivas que negativas. E, aparentemente, todo mundo via isso. Ou apenas Bakugou era um pouco mais perceptivo do que parecia... Mas só as vezes.

Kaminari deixou a cabeça cair novamente sobre a cama com lençóis e travesseiros vermelhos, traçando planos mentais de como falar dos seus problemas no momento enquanto encarava o teto. Acabou se distraindo com o jazz suave que tocava no quarto de Jirou, e pegou o celular por uma questão de hábito automático.

Até que soltou um gritinho ao olhar para a tela e sentou-se na cama na mesma hora.

— Kaminari! - Kyouka exclamou assustada. - Que porra??? O que houve?? Por que você é tão escandaloso?

— Desculpa! - Kaminari exclamou de volta, sem saber o que fazer. - O Shinsou acabou de me mandar uma mensagem!

Kyouka demorou um instante inteiro para reagir.

— É só isso?

— JIROU!!! A gente parou de se falar! Isso é sério, okay!!!

— Okay... - ela não soava convencida, cruzando as pernas e os braços, apoiando mais as costas sobre a cadeira. - E o que ele disse?

Kaminari nunca conseguiria ler em voz alta, então apenas mostrou a tela do celular. Jirou analisou por um instante, lendo o mais simples e comum "Hey" da face da terra. Sério, não tinha mais nada. Era só isso.

— Ouch! - Kaminari soltou de dor quando a garota o atacou com um dos ouvidos.

— Se você surta desse jeito por um cumprimento, agora eu entendi como conseguiu fazer a luz do dormitório piscar naquele dia.

Shh, não fala disso, eu posso queimar tudo de novo. - Denki resmungou ultrajado, massageando a bochecha que foi acertada como o bom dramático que era. - O problema aqui é o tempo que a gente passou sem se falar... E eu fugi dele no refeitório ontem. Não tem como ele não falar disso!

Kyouka inclinou o rosto para o lado.

— Mas não é melhor que ele queira falar sobre? Significa que ele se importa com você.

Isso fez Kaminari arregalar os olhos. Kyouka o encarou sem entender quase nenhuma daquelas reações. Única coisa que entendia era que Kaminari complicava mais a situação do que deveria.

— Mas... E se eu perder o controle e eletrocutar tudo de novo? Quer dizer, no refeitório... Eu quase dei um choque na Mina...

Mina o achou não muito tempo depois para pedir desculpa junto de Sero, e Kaminari pediu desculpas de volta. Apesar de terem se resolvido e conversado – principalmente esclarecido que ele e Shinsou eram só... Bem, colegas — Kaminari ainda se sentia um pouco culpado por ter quase machucado a amiga por algo tão pequeno que nem deveria afetá-lo.

Mas afetava.

— Kaminari, você está estudando para ser um herói por um motivo. Você já fez coisas piores e mais perigosas do que falar com um garoto pelo celular. Aproveita que vocês não estão se vendo para se preparar mentalmente ‘pra não perder mais o controle. Isso não pode acontecer toda vez que ele estiver presente.

Kyouka tinha toda a razão.

Era por isso que ela o equilibrava.

— Tudo bem... - Kaminari soou um pouco derrotado, respirando fundo. Jirou apenas o observava enquanto Kaminari lutava contra o próprio celular, tentando responder a mensagem de Hitoshi de uma forma que não precisasse bloqueá-lo e desativar todas as redes sociais depois.

Hey...

Kaminari quase derrubou o celular no chão quando Shinsou o respondeu logo em seguida, mais rápido do que esperava:

Você 'tá bem?

Kaminari olhou para Jirou pedindo ajuda.

— Boa sorte. - ela o cortou facilmente, virando-se na cadeira mais uma vez e se inclinando sobre a escrivaninha, focada no que estudava até então. Kaminari quis jogar algo nela, só para variar.

E, para variar, ele teve que pensar sobre a pergunta de Shinsou de verdade para que pudesse respondê-la: Ele estava bem?

Acho que sim?

... Uau, nós realmente não sabemos mais conversar, hem?

Kaminari teve que sorrir, mesmo que de forma agridoce, ao ler a mensagem de Shinsou.

Você também percebeu que era mais fácil antes?

É bem óbvio. Olha... Você queria me ajudar a dormir e foi isso que aconteceu. O chá funcionou. Mas eu nem te agradeci. E por isso eu peço desculpa... De novo.

Kaminari segurou a respiração por um instante, deixando a cabeça cair sobre o travesseiro de Jirou ao deitar mais uma vez, agora sobre a lateral do corpo. Shinso também sabia ser maduro. Até o lembrava um pouco de Jirou, como ela era envergonhada e reservada, mas também sensata, esperta e gentil. Kaminari achava que não conseguiria achá-lo mais interessante (e qualificado para ser um herói, de verdade), mas Hitoshi gostava de provar que Kaminari estava errado.

Tá de boa. Você não precisa pedir desculpa.

Bom, mesmo que eu não peça por isso, eu vou ter que pedir por não ter falado mais com você.

Kaminari deu um risinho baixinho.

Eu também não falei com você. Não é justo você assumir a culpa.

Okay... Desculpas mútuas?

O sorriso de Denki permanecia.

É, ok, desculpas mútuas.

Isso foi tão fácil que eu 'tô me sentindo um completo idiota por não ter feito antes.

Isso fez Denki rir alto, esquecendo-se de Jirou no quarto. A garota apenas balançou a cabeça negativamente, mas estava sorrindo.

Realmente... ‘Tô sentindo o mesmo.  Aliás, eu só percebi que você nunca pegou o chá que sobrou. E esse era meio que o ponto, ‘pra te ajudar a dormir.

Você ‘tá me dizendo que ainda tem chá ai?

Yep!

Então você ‘tá me perguntando se eu ainda quero o que sobrou...?

Antes de Kaminari poder responder, Shinsou mandou outra mensagem:

Eu aceito se você me trazer dessa vez.

Denki arregalou os olhos mais uma vez. Leu, releu e releu a mensagem algumas vezes, até que alguns minutos se passaram. Ele achou que os dois conversariam por algum tempo ainda, testariam águas, antes de se verem novamente. Mas não, Shinsou pretendia ir direto ao ponto.

Hã... Tipo levar no seu dormitório?

Kaminari teve que perguntar. Vai que ele entendeu errado.

Sim.

Não, ele não entendeu errado.

Bom... Era justo? Shinsou veio até o dormitório dele, não era como se Kaminari não pudesse fazer o mesmo.

Tipo um entregador? xD

Mandou o emoji da forma mais receosa o possível, querendo desesperadamente que Hitoshi soubesse que brincava, mas também com medo de ser julgado por usar emojis. Aquilo era tão bobo. Quem é que não usava emoji na geração deles? Kaminari não deveria se importar tanto assim com a opinião de Hitoshi. E não deveriam ser os emojis que destruiriam a... Qualquer coisa que os dois tinham.

Hã... Por acaso você assiste filme com os seus entregadores?

O celular de Kaminari caiu na cara dele.

O coração começou a bater descompassado e, sinceramente, ele entendia o pobre órgão desesperado. Shinsou era... Shinsou era um pouco demais. Ele podia parecer como se não soubesse o que estava fazendo, mas ele sabia sim. Kaminari sabia que o garoto era esperto, mas não naquele nível... E ele era supostamente antissocial, ainda por cima.

Se fosse sincero, Kaminari teria que admitir que Hitoshi o enrolava em volta dos dedos de uma forma que não conseguiria se soltar.

E também nem iria querer.

Óbvio que aceitou o convite para o filme.

O chá era só uma desculpa esfarrapada e os dois sabiam.

Agora, Kaminari precisava focar em manter o controle da própria eletricidade dentro do quarto de Shinsou, sozinho com ele, vendo um filme que nem sabia qual seria.

Optou por roupas confortáveis, como uma calça jeans negra um pouco antiga que ainda o servia muito bem (já que não cresceu muito e nem criou muitos músculos), e uma camiseta amarela longa e larga o suficiente para chegar até as coxas. Ainda assim, colocou uma gargantilha de fita negra e deixou os piercings que acumulavam nas orelhas desde o começo do segundo ano à vista, apenas por uma questão de costume - não tinha nada a ver com tentar impressionar alguém, não, claro que não!

O dormitório da 2-B era bem mais quieto comparado com o da 2-A, o que fez Kaminari agradecer, já que seria uma tortura ter que lidar com Monoma agora que se sentia tão socialmente inseguro.

Com uma garrafa térmica de tamanho considerável em mãos, ele vagou perdido pelo dormitório da 2-B por pouco tempo até que uma das garotas, Kendou, se apiedou dele e o ajudou a achar o quarto de Hitoshi.

Foi só quando chegou a frente da porta que percebeu que deveria ter mandado uma mensagem para Hitoshi o avisando que chegou em vez de simplesmente andar sozinho.

Ok... Eu 'tô nervoso e 'tô sendo burro por isso... Nada de novo aqui...

Mesmo não sendo algo novo, com certeza não se tornava menos frustrante toda vez que acontecia. O fazia se questionar se era incapaz de pensar antes de agir, e esse tipo de questionamento, querendo ou não, sempre o decepcionava de verdade.

Mas, antes que Denki pudesse se sentir decepcionado consigo mesmo, a porta do quarto de Shinsou se abriu antes mesmo de que Kaminari batesse na madeira.

Hitoshi terminava de colocar um casaco cinza em volta dos ombros, com uma camiseta branca que acabava um pouco apertada contra o peito toda vez que se movia, fazendo Kaminari piscar ao perceber que o garoto não era exatamente magrelo. Ele com certeza parecia magrelo, mas essa não era a realidade.

Antes que Kaminari ficasse encarando o peito dele por muito tempo, ergueu os olhos e encontrou um Shinsou muito confuso o encarando de volta, como se não entendesse como e por quê Denki estava ali, parado na frente do seu quarto.

— Kaminari?

— Sim? - Kaminari respondeu um pouco rápido demais, se encolhendo automaticamente. - Quer dizer, oi.

— Você... Você chegou no meu quarto sozinho?

— Me acharam e me ajudaram. - Kaminari explicou de forma envergonhada, evitando dar detalhes.

— Eu achei que a gente tinha combinado que eu ia fazer isso? - Shinsou piscou, sem acusação nenhuma na voz, apenas curiosidade. - Mas você não mandou mensagem nenhuma...

O peito de Kaminari se encheu como um balão de água, mas no caso, era de sentimentos positivos que também causaram nervosismo e um pouco de vergonha.

— E você estava indo me esperar do mesmo jeito? - não conseguiu evitar: Sua impulsividade que questionava agora.

Os lábios de Shinsou se curvaram ligeiramente.

— E daí? - ele soou divertido. Kaminari não sabia como reagir. Os dois passaram um instante em um silêncio que era difícil de descrever, até que os dedos de Shinsou se afundaram nos cabelos ao redor da nuca. - Não vai entrar?

— Ah, sim, vou. - Kaminari piscou ao voltar a realidade, pedindo licença baixinho e sentindo-se muito idiota quando ouviu a risada nasal de Hitoshi. Essa não era a casa dele, Kaminari seu idiota, era só o quarto dele! ‘Pra que o pedido de licença???

O quarto de Shinsou era incrivelmente normal.

Em boa parte, parecia com o de Kaminari com a cama apoiada na parede, de frente para a sacada. Suas cortinas também eram negras, mas a cama, cheia de travesseiros diferentes, possuía um jogo de um tom tão escuro de roxo que poderia passar por preto. Ele tinha um armário, não uma cômoda, de plástico preto e branco. Sua escrivaninha também era preta e de plástico, o mais neutra o possível com apenas coisas importantes: Alguns livros, cadernos, um notebook e os materiais mais importantes para a escola.

Mas ele também tinha dois pequenos cactos sobre a escrivaninha.

Além dos cactos que pareciam ser bebês - um deles começava a formar florzinhas róseas -  Shinsou tinha alguns pôsteres espalhados pelo quarto. Kaminari reconheceu algumas bandas (e se sentiu orgulhoso por isso), alguns filmes e algumas séries, mas em boa parte eram artes alternativas que prenderam a atenção não só por nunca ter as visto antes, mas também pelo arranjo visual que Shinsou fez no espaço livre, principalmente sobre a parede negra ao lado da cama. As cores contrastavam na medida certa, as mensagens se entrelaçavam para formar algo novo, os desenhos acabavam por contavar histórias novas e interessantes.

Não havia nada ali que não tinha um significado por trás.

Incluindo a pelúcia de espuma de gato preto em cima da cama dele.

— Quem diria que você é um catboy. - obviamente, a primeira coisa que Denki fez após deixar a garrafa térmica sobre a escrivaninha de Shinsou foi sentar na cama dele para pegar o gato, o abraçando ao notar o quanto ele era macio e gostoso de apertar. - E esse gato cheira tão bem! Qual o nome dele?

Shinsou precisava de um minuto.

Ele precisava de tempo para digerir tudo aquilo em pouco tempo. Denki não só o chamou de "catboy" (como é que é?) como, mais importante, pegou seu gato de pelúcia e o abraçou da forma mais fofa e adorável do mundo, parecendo ele mesmo um gato ao esfregar a pele com a maciez do bicho de pelúcia. Tudo isso em cima da sua cama.

Shinsou precisava de mais do que um minuto.

— Ninguém nunca te disse que isso é falta de educação?

— Heh? - Denki piscou, adoravelmente confuso. O coração de Shinsou se retorceu no peito. - O que é?

— Tudo. Literalmente tudo que você fez até agora.

Isso fez Kaminari rir.

— Me desculpa! Mas ele é tão fofo que eu não me aguentei. - e esticou o gato no ar na direção de Hitoshi, como se isso fosse servir em sua defesa. Ele estava completamente certo. - Ele tem nome? - Hitoshi jurava que os olhos dourados de Kaminari brilharam ao questionar.

Hitoshi era fraco e patético.

— Talvez... Talvez eu já tenha chamado ele de Yori. Talvez.

— Yori é um ótimo nome! - Kaminari exclamou de forma genuína. Shinsou quis bater a cabeça na parede várias vezes. Qualquer coisa para gastar a energia que se acumulava dentro do corpo por conta da fofura de Denki. Estava começando a repensar se chamá-lo ali realmente foi uma boa ideia. - Você o tem há muito tempo?

— Desde que eu nasci. - Shinsou suspirou, aceitando que não tinha como fugir do assunto. Pelo menos, era fácil explicar que o gato de pelúcia envelheceu junto de Shinsou. Era quase uma parte da sua personalidade e por isso não conseguia mais se fazer dele.

— Você cuida muito bem dele, ele parece novo. - Kaminari soou mais baixo e gentil, chamando a atenção de Shinsou. Não entendia exatamente o que o garoto estava pensando, mas ele parecia ser sincero com o que dizia. Kaminari sempre parecia ser sincero de uma forma ou de outra e isso que encantava Shinsou.

O gato sentava sobre o seu colo como se fosse um gato de verdade enquanto Shinsou pegava o notebook para se sentar ao lado de Kaminari na cama.

— Mas eu não sou um "catboy". - Shinsou soou profundamente incomodado, pegando Kaminari desprevenido. Pode perceber que ele achou que Shinsou não abordaria essa parte. Kaminari riu de nervoso para o garoto ao lado, que arqueou a sobrancelha. - Se eu te matar aqui vão demorar 'pra descobrir, sabia?

— Então esse era o seu plano desde o começo? Me separar do resto da sala 'pra facilitar...

— Você me descobriu. - os lábios de Shinsou se curvaram novamente, e Kaminari se perdeu um pouco com o jeito que ele era bonito. - Agora falando sério, eu não quero te assustar, mas o único filme que eu pensei em assistir se chama Sinister e é terror.

— Você gosta de filmes de terror?

— Você parece bem surpreso com isso.

— Ah, não... É que filmes de terror costumam ter um roteiro ruim ou clichê. Óbvio, tem exceções, e você já viu Noroi? É uma obra prima do terror, de verdade. Eu prefiro filmes japoneses nesse caso. Ou coreanos. Filmes coreanos de terror são muito bons também. Mas eu consigo total ver você achando terror muito bobo ou coisa do tipo.

Com a hemorragia verbal, Shinsou acabou rindo ao sentir familiaridade.

Preferia isso do que não ouvir nada de Kaminari.

— Você gosta de filmes de terror.

— Huh, sim?

— É bom saber disso. Então não vai se incomodar com esse filme. - Hitoshi afirmou simplesmente. – Se eu posso escolher, prefiro ver coisas só por entretenimento, então terror é divertido de vez em quando. Principalmente os americanos. Esses são especialmente estúpidos. - Hitoshi explicou ao pegar travesseiros e entregar alguns para Denki, se movendo na cama até estar de costas para a parede com o notebook no colo, confortável.

Kaminari teve que ficar ao lado dele para ver a tela, e o braço de ambos se tocava enquanto Denki continuava abraçado com o gato de pelúcia.

— Então... Você nunca viu Noroi? - Denki se viu questionando novamente, usando Yori como apoio emocional a essa altura. A cabeça do gato acabou parando contra a sua boca, deixando apenas a parte superior do seu rosto a vista.

Shinsou o encarou por um longo instante.

Se se aproximassem mais do que isso, sentiriam a respiração um do outro.

— Já vi. - Hitoshi finalmente o respondeu. - Mas eu não acho que eu gosto tanto quanto você.

— E esse filme de agora? Eu acho que nunca ouvi falar.

— É meio antigo, pré-quirk era, mas eu acho que 'tá no limiar entre entretenimento bobo e filme cult. - Hitoshi sorriu de leve ao explicar. - Eu não lembro de mais nada da história, então queria rever.

— Hmmm. - Kaminari fez em confirmação. - Você vai querer o chá?

— Não, eu não acho uma boa ideia. - Shinsou franziu o cenho com flashbacks da guerra. Era melhor que eles não cometessem os mesmos erros. Kaminari só percebeu ao olhar para o rosto dele, corando em seguida. Sentiu uma leve corrente elétrica ao seu lado, mas que desapareceu rápido.

Kaminari estava se esforçando para não o eletrocutar. Perceber isso fez coisas se remexerem no peito de Shinsou, mas ele não sabia reconhecê-las e também não sabia se queria. Sabia que eram completamente positivas, e por isso também eram um pouco assustadoras.

Após isso, Shinsou terminou de se organizar com Kaminari ao lado, ainda abraçando Yori, e colocou o filme para que os dois assistissem no notebook. Surpreendentemente, Kaminari não era tão falante enquanto assistia algo, realmente se concentrando no que acontecia na tela - ou pelo menos tentando.

Hitoshi percebia que ele se remexia muito e se distraía fácil com coisas pequenas, mas toda vez que Shinsou soltava algum comentário sobre o enredo, Denki não perdia tempo em engajar e aprofundar a conversa com tudo que conseguiu analisar e absorver do filme até agora.

Denki parecia ter um instinto de agradar em tudo que fazia que brincava com a sanidade de Shinsou.

Eles se concentraram no que assistiam até, pelo menos, metade do filme, caindo em vários momentos de silêncio em que os únicos barulhos dentro do quarto saíam do notebook.

Shinsou não considerava a situação desagradável, mas precisava admitir que era mais difícil prestar atenção de verdade no enredo com Kaminari ao lado, mesmo que ele não fizesse nada demais.

— Ok, esse filme é um pouco assustador sim. – Kaminari resmungou baixinho quando as sequências de medo começaram a se desenvolver na tela do notebook. Shinsou sorriu.

— Você gosta de filme de terror e ainda assim tem medo? - olhou para ele ao perguntar.

— Você não? – Kaminari ergueu o rosto suavemente para retribuir o olhar.

— Não. – Shinsou respondeu facilmente. – Eu não veria se tivesse medo.

— Mas essa é a graça, não é? Tipo ir nos brinquedos mais perigosos do parque de diversões.

Shinsou soltou uma risada nasal.

— Eu não saberia. Nunca fui em um parque de diversões.

— O que? – Kaminari soou escandalizado, erguendo o rosto e se aproximando de Shinsou no processo. Shinsou o olhou surpreso. – Nunca mesmo? Nem em circos com parques de diversões? Você nunca foi em uma roda gigante??? Diz que pelo menos já foi em festivais.

Shinsou piscou algumas vezes ao ser atropelado por perguntas.

Kaminari estava... Preocupado?

Shinsou não sabia o que fazer com aquela informação.

— Eu não sei o que eu deveria responder primeiro.

— Como assim ninguém nunca te levou em um parque de diversões, Shinsou?! – agora Kaminari estava indignado.

Isso fez Shinsou rir. Ele era mesmo adorável.

— O que tem demais nisso?

— Tudo! Tem vários problemas envolvidos! – Kaminari continuou indignado, fazendo-o rir mais. – Se eu não fosse uma companhia tão irritante com certeza te levaria em um parque de diversões ‘pra resolver isso.

Isso surpreendeu Shinsou.

— “Irritante”? – Shinsou ergueu o rosto e o inclinou para o lado, encarando Kaminari. – Em que momento eu te considerei assim?

Kaminari ficou desconcertado.

— Ah... Não... É só que eu sei que eu sou, então...

— Você não pode decidir isso por mim. – Shinsou o retrucou. – Eu não te considero assim, então não é como se você soubesse, não de verdade.

— Ahn... Por acaso... Você ‘tá irritado comigo...?

Shinsou teve que pensar por um instante inteiro antes de responder. Ele estava? Isso só não provava o ponto exato de Kaminari?

— Não, só não concordo com você. – Shinsou desviou os olhos ao responder tanto Kaminari quanto ele mesmo. – Se você quer me levar em um parque de diversões, você deveria apenas dizer isso. Eu não te negaria.  

Houve um momento de silêncio constrangedor quando Hitoshi percebeu o que havia acabado de dizer.

Melhor, confessar. 

Pode ver, pelo canto de olho enquanto se forçava a encarar o notebook, Kaminari abrindo a boca para respondê-lo, mas foi interrompido quando uma das personagens soltou um grito alto o suficiente para fazer Kaminari pular e afundar o rosto contra o peito de Shinsou ao abraçá-lo no susto.

Shinsou paralisou, sem saber o que fazer com Denki agarrado nele enquanto os sons assustadores do filme continuavam ressoando pelo quarto, altos o suficiente para renderem uma dor de cabeça.

Acabou por não fazer nada. Esperou Denki deixar de tremer contra o seu peito, implorando para qualquer tipo de entidade divina que ele não percebesse o seu coração descompassado por conta da situação toda, nada acostumado com o toque físico – especialmente abraços e abraços de suporte emocional. Mas seu lado racional sabia que era impossível Denki não notar, mesmo com medo. Hitoshi conseguia sentir o coração pulsando nas orelhas, provavelmente tão vermelhas quanto o rosto que queimava de forma patética.

Kaminari só se recuperou após a sequência assustadora finalmente acabar.

— Você ‘tá bem? – Hitoshi soou mais sufocado do que queria, isso quando finalmente conseguiu dizer algo. Kaminari esfregou o rosto contra o peito dele no processo de assentir.

Hitoshi sentiu um arrepio graças ao toque que o confirmava: Teria um ataque do coração e morreria ali mesmo. A ideia de ver um filme com Denki foi a pior ideia que já teve.

Pior e melhor ao mesmo tempo, sinceramente.

— Okay... Eu preciso pausar o filme. – Shinsou soou baixinho. Não queria afastá-lo, realmente não queria, por mais perigoso que fosse para o próprio coração. Mas sua cabeça começava a latejar por conta do volume alto do notebook. – E se você quiser ver outra coisa...

— Não... Eu... – Denki choramingou. – Foi mal, eu estou agindo como uma criancinha. É só que... Eu não sei, filmes que tem uma história boa são mais assustadores, e esse é exatamente o caso, mas eu passei todo esse tempo tentando fingir que não ‘tava com medo ‘pra você não descobrir, e não adiantou de nada.

Shinsou balançou a cabeça negativamente após Denki se afastar e o permitir pausar o filme a frente de ambos.

— Você não ‘tá agindo como uma criancinha, pelo menos não agora. Eu não deveria ter te feito ver algo que te assusta.

— Não, mas eu gostei, cem por cento de certeza! – Kaminari exclamou determinado em fazer Shinsou acreditar. Shinsou apenas o olhou. – É... Que eu ainda me assusto. Como eu te disse. Mas eu gostei do filme, de verdade. Quero saber como termina.

Hitoshi suspirou.

— Então você quer continuar a ver?

— Sim. – Kaminari assentiu com a cabeça para enfatizar. – Se eu ficar com medo de novo, eu vou abraçar o Yori. – e apertou o gato contra o peito para demonstrar. – Eu só não estava preparado antes. As vezes parece que o filme não vai ser tão assustador assim, e aí jumpscare na porra da sua cara.

— Tudo bem. – Shinsou acabou cedendo, sabendo também que não queria que Kaminari fosse embora tão cedo.

Mas sobre apenas abraçar o Yori caso ficasse com medo? É, essa parte era uma mentira descarada.


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