A Mesma Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 2
Indecisa




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***

Por um segundo todos aqueles três meses lhes vieram em cima. Mentiras, enganos e saudade. Muita saudade. Como se o tempo tivesse voltado para aquele dia em que suas vidas voltaram a se cruzar no impacto de seus carros quando Heriberto ainda era padre. Não podiam explicar e, muito menos, entender aquele sentimento tão massacrado e sufocado pela inveja e pela maldade que insistia em não morrer mesmo depois de fortes e sucessivos golpes.

— Você realmente é um péssimo motorista! — Disse ela sentindo o coração na boca ao vê-lo descer de seu carro e ir na direção do dela.

— Você está bem, Victoria? — Dizer o nome dela era um martírio, ele recordava, inevitavelmente, quando o dizia com paixão em meio ao desabrochar de um desejo insaciável.

— A que você se refere? — Depois de tanto evitá-lo, ao estar diante dele, só conseguia, no mínimo, despejar todo o ódio que sentia para fora. — Porque aqui não aconteceu nada. Já nos últimos três meses...

— Eu me referia ao susto. Eu não parei, freei abruptamente e você fez o mesmo... — Não sabia se ia resistir estar diante dela e explicar a verdade ainda que estivesse proibido pelas chantagens e ameaças de Bernarda. Ironicamente, não lhe dizer a verdade significava proteger precisamente a ela. Ainda que a magoasse. E magoá-la doía nele até mais que nela.

Victoria desceu do carro e o encarou fulminante no meio daquele estacionamento, o sol refletia em seus olhos e o deixava ainda mais atraente, as manchinhas em sua pele lhe recordavam que ela conhecia intimamente cada pedacinho dela e que o contato com essa pele a enlouquecia. Mas ela não conseguia esquecer que foi justamente por ceder à tentação que Heriberto sempre representara para ela que tudo havia dado tão errado. Ele, por sua vez, a analisou de cima abaixo. Ela usava um vestido largo, os cabelos castanhos soltos, beijados pelo vento, sempre com muito estilo, mas havia algo diferente nela. Um brilho que ele não conseguia decifrar. E, com certeza, ele adoraria fazê-lo por muitas horas ininterruptas.

— Você está linda! — Ele exclamou levemente emocionado. — Fico feliz que você esteja bem... e livre! Tenho acompanhado as notícias...

— Às notícias? — Ela o interpelou acusadora. — Depois de tudo o que você me fez você tem a desfaçatez de me dizer que sabe como eu estou pela imprensa? Pois eu quero que você me diga, aqui mesmo e agora, por que você jamais se dignou a me procurar para me dar a menor explicação!

— E... Eu... — Gaguejou. — Eu não sabia se você fosse querer me ver, sabia que você ia ficar furiosa e...

— Furiosa? Então você não me procurou por medo da minha fúria? — Gritou chamando atenção de algumas pessoas que passavam no estacionamento e os olharam curiosos. — Pois o mínimo que você me devia depois de tudo que me fez era aguentar calado toda a fúria que eu quisesse jogar para cima de você!

— Victoria, se acalme. — Ele pediu nervoso, tinha medo que todo aquele escândalo chegasse aos ouvidos de Bernarda e ele sabia que não era nele em quem a megera se vingaria. — Me acompanhe até lá em cima, eu posso conseguir um consultório e assim podemos conversar mais à vontade.

— À vontade? — Ela riu com ódio e cinismo. — Você e eu não temos mais nada para fazer em privado, Heriberto, eu nunca mais vou ceder à você. Não há nada que precisemos conversar que não possa ser dito aqui nesse estacionamento, a não ser que você tenha medo de falar comigo em público e que sua esposa fique sabendo. — Acusou-o.

— Não é isso. — Ele defendeu-se sem jeito olhando para os lados. Sua atitude só confirmava à Victoria que era exatamente essa a questão: ser visto com ela. — É que você tem toda razão, eu lhe devo uma explicação. Você veio falar com o doutor Rodrigo, não é isso? Eu vou conseguir um consultório e, ao final de sua consulta com ele, peço à sua secretária para te dizer onde eu estarei te esperando.

— Nem sonhe que eu vou estar lá. — Ela negou não muito convencida e, portanto, sem poder convencê-lo também.

— Não importa. — Ele se aproximou dela sedutor perturbando-a, como se todo aquele tempo e todas aquelas coisas não houvessem passado. — Vou te esperar do mesmo jeito. Por favor, Victoria. Não vá embora sem nos dar a chance dessa conversa.

Ele se afastou, entrando no carro, fazendo uma pequena manobra de ré, saindo dali para estacionar o carro em outro lugar deixando-a completamente desarranjada como sempre acontecia ao tê-lo diante dela.

— Não sei o que é que têm nas suas palavras, mas sempre me tranquilizam e eu acredito em você, maldito! — Disse para si mesmo antes de entrar em seu carro e voltar a procurar a vaga para estacionar.

***
Apesar daquele encontro tê-la atrasado um pouco, quando ela chegou na frente do consultório do doutor Rodrigo, a secretária lhe avisou que ainda demoraria um pouquinho para que ele a chamasse. Seu impulso era sair correndo dali e o faria se não fosse tão importante o que ela foi fazer no Hospital Continental.

— Os médicos e esse péssimo hábito de nos fazer esperar. — Falou para si mesma sentada nas cadeiras da sala de espera do ortopedista.

A cada segundo se sentia mais perturbada ao pensar que Heriberto esperava que eles ficassem sozinhos em um consultório com todo aquele desejo reprimido envolto por toda a fúria que ela sentia dele, combinado aos inquietos e, nada silenciosos hormônios da gravidez. Seu celular tocou tirando-a daqueles pensamentos que jamais deviam passar por sua mente com o homem que a trocou por outra depois de abandoná-la sozinha numa delegacia.

— Victoria? — Disse Antonieta do outro lado da linha. — Conseguiu os laudos com o doutor Rodrigo?

— Ainda não. Ele teve um contratempo e precisou atrasar minha consulta. Minha vontade é ir embora daqui. — Respondeu afetada. — Quem ele pensa que é para me deixar plantada desse jeito?

— Quem ele pensa que é, eu não sei, mas você precisa desse laudo para a reunião amanhã com o conselho. É sua única chance de convence-los a te devolver a presidência. — Recordou Antonieta.

— Eu não preciso do laudo, porque o laudo serve para convencer a eles. — Disse com amargura. — Mas não convence à única pessoa que me interessaria convencer: minha filha, Fernanda.

— Estou vendo que você está mais ácida e pessimista que o normal. — Observou Antonieta. — Sei que essa história com Fernanda sempre te afeta, mas você vai conseguir reconstruir a relação com sua filha, Victoria.

— Não é só isso que está me deixando nervosa. — Confessou ela.

— E o que mais? — Antonieta ficou curiosa.

— Me esbarrei com Heriberto no estacionamento e ele... Ah, Antonieta, ele está tão bonito. — Suspirou sentindo que perdia uma importante batalha contra si mesma.

— Heriberto? — Se animou a loira. — Mas ele não tinha saído desse hospital? E como foi? O que você sentiu?

— Não sei se saiu e voltou, se estava de visita, não sei de nada... Parecia não ter um consultório. O que eu senti foi ódio... — Tremeu ao recordar. — Nada me daria mais prazer do que esmagá-lo, destruí-lo, aniquilá-lo até que não restasse nada dele, matá-lo...

— Sim, eu sei. — Respondeu Antonieta entendendo-a perfeitamente. — Isso é o que você gostaria de fazer com ele em seu coração.

— Exatamente. — Ela disse tentando controlar o tremor. — Ele espera que...

— Senhora Victoria Sandoval? — A secretária chamou. — O doutor Rodrigo à espera. Pode entrar. 

— Tenho que desligar, nos falamos mais tarde. — Disse Victoria antes de colocar o celular na bolsa.

A consulta com o ortopedista não durou mais que vinte minutos. Ele aceitou fazer o laudo, mas antes quis examiná-la para ter certeza que estava tudo bem com sua mão. Ela sabia que devia contar ao médico sobre a gravidez, mas naquele momento não tinha cabeça para isso. Só queria que tudo terminasse e ela pudesse finalmente fugir dali, da tão imponente presença de Heriberto que ocupava todo o ambiente ainda que aquele hospital fosse tão grande.

Ao final da consulta, colocou o laudo em sua bolsa e saiu dali, de cabeça baixa, torcendo para que a secretária não falasse nada com ela e se alegrou de que tenha sido assim. Ela evitava seus saltos mais altos por causa do bebê e agradeceu por ter bastante mobilidade naquele momento apressando-se em sair daquele hospital, era uma pena que não existisse um caminho mais rápido. Quando chegou ao final do corredor, apertou o botão para chamar o elevador e quase conseguiu sentir alívio por finalmente se livrar daquele martírio.

Quando a porta do elevador se abriu, a porta do escritório que ficava na frente dele também se abriu e Heriberto sorriu tentando ser gentil em meio à todo aquele caos. Ela voltou a se assustar ainda que dessa vez não haja acontecido nenhum breque inesperado.

— Entre! Vamos conversar. — Ele disse com todo aquele charme que nunca o abandonava.

Victoria encarou a porta do elevador aberta e Heriberto parado ali, diante dela e se sentiu indecisa como poucas vezes havia se sentido na vida.

***

 


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Notas finais do capítulo

E então, onde nossa diva vai entrar: no consultório para ficar sozinha com o doutor que, ainda que esteja casado, bambeia suas pernas, ou no elevador, para abandoná-lo como ele fez com ela?



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