A Mesma Sensação escrita por Loreh Rodrigues


Capítulo 1
Que ironia




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Aqui estamos começando com a  sequência de Estranha Sensação. Espero que A mesma sensação traga, para vocês e para mim, a  mesma emoção da primeira. Votem, comentem e me façam saber o que acharam. Amo vocês

 Cuántas mentiras supiste vestir con sonrisas
Cuántas caricias vacías pues más de un millón

Sin salida
Qué ironía
Extrañar tu olor 
Qué Ironía - Alejandra Guzman

*** 
Victoria se esbarrou num vaso quando chegou até a sala para abrir a porta. Era quase meia noite e aquela porta só estava sendo tocada porque ela havia chamado Antonieta ali. Além disso, havia meses, depois de sucessivos golpes em seus brios e em sua quase inabalável auto estima, que ela não era a mesma.

— Você está bem? — Antonieta demonstrou sua inquestionável preocupação.

— Entre! Antonieta, eu já te disse que odeio essa sua mania de fazer perguntas óbvias? — Ela indagou com sarcasmo, mas sem esperar resposta jogando-se no sofá. — Mas apesar de sua incapacidade de saber o que fazer, você é a única amiga que me resta e eu te agradeço muito por estar aqui. Trouxe o que eu te pedi?

— Aqui está! — Ela estendeu a sacola e Victoria agarrou abrindo-a depressa.

— Ai, obrigada! Se eu não tomasse sorvete de pistache essa noite, eu morreria. — Forçou o drama de maneira graciosa.

— Eu jamais permitiria que meu afilhado passasse vontade de sorvete. — Antonieta sorriu sentando-se ao lado dela. — E, claro, que eu também fiz por você. — Sorriu.

— Está uma delícia! — Ela disse usando a colher descartável que veio no pote de sorvete. — Só não te ofereço porque você não está grávida, às voltas com um processo pelo misterioso assassinato de seu ex-marido, sua filha não forçou o conselho a passar à presidência de sua empresa pra ela e, o mais importante, seu noivo não se casou com sua maior inimiga no jardim de sua casa no dia de seu casamento enquanto você estava sendo interrogada numa delegacia imunda!

— Ai, Victoria, toda essa amargura de novo? — Lamentou Antonieta. — Você só vai resolver isso quando falar com Heriberto, frente à frente. Quando vai contar a ele sobre o bebê?

Victoria mudou imediatamente a expressão. Apesar de algumas dores nos pés por um leve inchaço pela gravidez se levantou e caminhou até o lado oposto da sala. Isso, claro, sem abandonar o pote de sorvete. O açúcar era a única coisa capaz de fazê-la esquecer, por um segundo que fosse, o quanto sua vida estava amarga. E, às vezes, nem ele conseguia.

— Eu exijo que você não toque no nome dele! — Havia mudado, mas nem tanto. — Se eu me deixei encantar por ele, um pouco é por sua culpa, por ter escutado seus conselhos de boba romântica.

Antonieta não se intimidou pela sua agressividade. Já estava acostumada e estava feliz demais para se deixar envenenar pela amargura de Victoria. Se preocupava com ela e esperava que ela pudesse, de uma vez por todas, esclarecer seus sentimentos e mágoas.

— Victoria, você não acha tudo isso muito estranho não? — Voltou a instigá-la como já havia feito outras vezes. — Eu não estava aqui porque corri para a delegacia, mas Heriberto se desesperou quando soube de sua prisão e correu para o carro, ia te acompanhar, te apoiar. Não entendo o que pode havê-lo feito mudar de ideia.

— Não entende? — Ela respondeu com tristeza. Naquele momento odiou Antonieta por fazê-la rememorar esse dia tão doloroso. — Ele se deu conta de que não precisava mais me enganar, que eu já estava no fundo do poço. E, que ironia, era um fundo falso. Eu ainda ia descer mais fundo nesse maldito poço. Ele e Bernarda se sentiram livres e pensaram que não precisavam mais se divertir às minhas custas.

— Não foi assim. Não foi assim e eu vou investigar. Luiz me disse que ele parecia um morto vivo naquele altar. Que estava envergonhado de ter convidado as pessoas para o casamento com um mulher e estar se casando com outra. Ele tem evitado Luiz desde que começamos a namorar, mas eu vou descobrir o que há por trás disso.

Victoria colocou o sorvete sobre a mesinha e se virou calmamente transfigurando-se ao se aproximar de Antonieta:

— Eu te proíbo! — Ela disse com fúria nos olhos segurando o ombro de Antonieta. A loira pôde sentir o gelo que havia ficado do sorvete sobre sua pele. — Antonieta não se meta nisso ou eu não respondo por mim!

— Victoria, seja razoável. — A fúria de Victoria já não lhe intimidava. — Você está esperando um filho, presa nessa cidade por responder um processo, até quando você pensa esconder essa gravidez de Heriberto?

— Por mim, para sempre! — Ela se afastou incomodada pela insistência de Antonieta. —Mas, por enquanto, são três meses de gestação e ainda não se nota. Depois, dependendo, eu encontro "um pai" para meu filho. O que não vai acontecer é Heriberto participar desse processo casado com aquela mulher. Isso eu jamais vou permitir, Antonieta, jamais! — Finalizou.

***

Heriberto terminava de se vestir na frente do espelho em seu quarto. Há muito tempo sua imagem não o agradava e ele era consumido pela raiva de Bernarda, revolta consigo mesmo por não encontrar uma saída daquela armadilha, e saudade de Victoria. Bernarda entrou assustando-o fazendo com que ele se afastasse do espelho.

— Você nunca vai aprender a bater na porta? — Ele reclamou.

— Enquanto você não deixar de bobagem e se mudar para meu quarto, entrarei aqui sempre que quiser.

— Entenda que existem coisas Bernarda que não se conseguem à força. Que eu me sinta à vontade para dormir com você, é uma delas.

— Não se preocupe. — Ela se aproximou dele e ajeitou sua gravata forçando uma intimidade que não existia. — Eu sou paciente. Você já devia ter entendido que eu consigo tudo que eu quero, senão você não estaria aqui e seria meu marido. — Deu um risinho de satisfação.

— Se você acha que isso é motivo para se orgulhar, não espere o mesmo de mim. — Ele deu de ombros retirando a mão dela de sua gravata.

— Onde você vai? — Indagou Bernarda inquieta.

— Ao Continental. — Soltou ele fácil. — Hoje vence a licença que você me obrigou a tirar e eu quero recomeçar a trabalhar amanhã mesmo. Não aguento mais um só minuto preso nessa casa. — Ele demonstrou raiva.

— Eu não gosto nada nada que você volte a esse hospital onde você tem tantas lembranças com Victoria, mas...

— Mas você e eu fizemos um acordo e eu não vou te ceder um dia mais. Ou você também quer que eu abandone minha profissão? — Perguntou um tom acusador.

— Você deve encontrar outro hospital. Esse fica muito perto da casa de Victoria e não será nada bom, para ela, que vocês não resistam ao desejo de me enganar. — Voltou a ameaçá-lo.

— Não se preocupe, Bernarda. — Respondeu Heriberto com cinismo. — Como você já deve estar sabendo por ser tão bem informada, Victoria já teve alta do tratamento ortopédico que fazia nessa clínica. Você não deve se preocupar porque não há o risco de que nos vejamos.

— Eu estava sim informada disso. — Respondeu ela desconfiada. — Você é que não devia estar. Mas tudo bem. Vou confiar no meu maridinho. E, se acontecer de vocês se encontrarem, você já sabe o que deve fazer para que Victoria continue desfrutando de sua liberdade. — Sorriu.

***
Quando Heriberto chegou ao estacionamento do Continental, foi ele quem sentiu um gosto de liberdade que ele melancolicamente recordou que, há muito não sentia. Viver com Bernarda era um martírio e mais depois de tantos planos e sonhos que ele havia compartilhado com a única mulher de sua vida.  Estar naquele hospital onde havia estado com Victoria acompanhando-a era, de alguma maneira também, estar perto dela, ainda que não fisicamente.

O estacionamento estava cheio, ele precisou rodar um pouco tentando encontrar uma vaga. Acabou se distraindo olhando para os lados bem perto de um cruzamento, dentro do estacionamento, de onde vinham os carros que acabavam de entrar pelo lado direito. Ao perceber que estava próximo do cruzamento e que um luxuoso carro entrava, precisou frear bem forte ao ponto de as rodas travarem e emitirem aquele som de breque nervoso. O outro carro também freara abruptamente e, ao baixar o vidro, ele se deu conta de que a condutora era Victoria quando seus olhos se encontraram num impacto muito mais inesperado do que o que a frenagem dos veículos havia evitado. 

 Y sin medida te di la vida
Melancolía de tu voz
Una agonía fue tu partida
Quedó la sombra de los dos
De los dos 

***

 


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