Vibrato escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 3
One Step At the Time


Notas iniciais do capítulo

Tardamos bastante, mas não falhamos. Desculpem a demora e vamos logo pro capítulo hehehe

link da música de hoje; https://youtu.be/d6mReNeSeCA



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/794666/chapter/3

Harry não conseguia dormir, seu corpo estava muito agitado, embora seus olhos estivessem cansados demais para se manterem concentrados no livro didático. Deitado na cama, ele encarava o teto bobamente quando uma ideia lhe ocorreu. Indeciso, olhou para o esconderijo onde guardava seu tesouro dado por Hermione: um smartphone de última geração que ela tinha ganho em uma competição que envolvia tecnologia - a amiga podia ser muito competitiva às vezes, não pelo prêmio, mas pela possibilidade de provar ser a melhor. Por fim, o garoto suspirou e levantou da cama num pulo, indo até a madeira solta no assoalho abaixo de sua cama, a qual oferecia um pequeno espaço, perfeito para guardar o celular.

Mordendo os lábios num tique nervoso, Harry apanhou-o, recolocou a madeira no lugar e pulou para o conforto das cobertas novamente, enroscando-se como podia enquanto ligava o aparelho. Ainda matutava sobre ser uma boa ideia ou não, mesmo quando já tinha aberto o Instagram e feito o que desejara fazer por todos aqueles dias: conversar com Draco. A última conversa deles, o último encontro... estava tudo gravado a ferro em sua mente, juntamente com o desejo insano de repetir, ainda que nem uma semana houvesse se passado desde então. Com o coração martelando de forma audível num súbito esgar de coragem, ele enviou a mensagem.

harry_pot: oi, ta acordado?

Harry se arrependeu quase que imediatamente, pensando que tomara uma decisão estúpida, que jamais teria resposta e que o músico o ignoraria para sempre pela sua audácia de lhe mandar mensagens de madrugada. Pelos deuses, no que estivera pensando? E se Draco achasse que ele era um tremendo pervertido com gosto por conversas noturnas por motivos indecentes? Pensando bem, seria uma sorte se não fosse bloqueado em todas as redes sociais, e caso fosse, ainda seria pelo bem de algo pior não ocorrer: ser perseguido por Pansy Parkinson devido ao seu descaramento. Depois de passar quase dez minutos num dos maiores vieses de negatividade cerebrais daquele ano, Harry foi surpreendido pelo acender da tela do celular, que indicava uma nova notificação - o som fora desativado para evitar que o aparelho fosse descoberto pelos Dursley.

dracomalfoy_oficial: Não, Pottah
aqui é o cachorro dele.

Rindo baixinho enquanto corava ao sentir o coração vibrar de felicidade por ter sido respondido, Harry se pôs a digitar com dedos trêmulos - se achava um grande bobo por tais reações, mas não podia controlar nenhuma delas.

harry_pot: achei q gostasse mais 
de gatos.

dracomalfoy_oficial: Na verdade, nenhum dos dois. 
Eu prefiro cobras.

harry_pot: cobras??? pq cobras?

dracomalfoy_oficial: São animais fascinantes, 
não acha?

harry_pot: só pq são venenosas
como vc?

Draco passou tanto tempo digitando que Harry pensou que ele havia adormecido com o celular na mão. Mas antes que a decepção o atingisse por completo, a tela do celular acendeu mais uma vez, junto com as luzinhas alegres e coloridas que envolviam o seu coração naquele momento.

dracomalfoy_oficial: Cobras não são venenosas, 
são PEÇONHENTAS,
porque o veneno delas é transmitido 
através das mordidas,
não da pressão nas glândulas que 
produzem o veneno, 
como em alguns sapos.
À essa altura, imaginei que soubesse a 
diferença existente entre animais venenosos e peçonhentos.

harry_pot: mds, nunca achei q ia encontrar 
alguém q mandasse texto de sermão 
intelectual no meu pv além da mione.
alias, vc escreve igual ela, usa pontuação certinha e td mais.

draco malfoy_oficial: Claro, nem todo mundo nasce
com tendências psicopatas a
ponto de querer assassinar a linguagem materna.

harry_pot: vou falar p pansy 
considerar mudar seu apelido p 
drama queen, combina mais cntgo.

dracomalfoy_oficial: Vai se foder, Potter!

harry-pot: MDS, VC FALOU
PALAVRÃO!!!!!
:0 
to cinquenta tons de bege aq

dracomalfoy_oficial: Bom saber que sua pele 
conhece outro tom além do vermelho. E pra você ver:
eu também posso ser
diferente por mensagem.

harry_pot: cm assim, tbm???

dracomalfoy_oficial: Também porque você fica 
todo soltinho, nem parece que

pessoalmente fica vermelho a cada dez 
palavras ditas. 
Você age de modo inesperado, 
assim como eu,
que estou falando palavrões.

harry_pot: vc esqueceu de mencionar q 
fica MUITO tagarela!

dracomalfoy_oficial: Vai a merda, Pottah.

harry_pot: nossa, de novo!!!

dracomalfoy_oficial: Já que presenciar eu xingando 
te faz tão feliz, considere esse
meu presente de aniversário a você.

harry_pot: obg, mas acho 
q existe algo flndo 
sobre dar presente antes do niver ser 
mal agouro
mal*
DROGA DE CORRETOR
MAU*

dracomalfoy_oficial: Não imaginei que 
fosse supersticioso, Pottah.
Quando poderei eu dedicar-lhe 
meus xingamentos, então?

harry_pot: Dia 31 de julho, senhor.

dracomalfoy_oficial: Agora que constatei
que você não é tão analfabeto
quanto pensei, posso descansar em paz. 
Boa noite, Potter.

harry_pot: boa noite, Dray, 
bons sonhos.

Mesmo que estivesse um pouco desapontado pelo encerrar repentino da conversa, Harry não conseguia evitar sorrir como um bobo, e estava prestes a desligar o celular - imaginando que não haveria resposta - quando a tela acendeu uma última vez, mostrando os votos de Malfoy para que também tivesse bons sonhos. Com um sorriso ainda mais largo, o garoto se ajeitou nas cobertas e escondeu o celular embaixo do travesseiro, cansado demais para se arrastar até o esconderijo. Harry realmente teve ótimos sonhos naquela noite, nos quais certa cabeleira loira brilhante e olhos claros e celestes eram protagonistas.

Draco suspirou profundamente ao desligar seu celular e encarar o teto, se perguntando o que, exatamente, ele acabara de fazer. Sua mente insistia em dizer que fora só uma conversa normal com um novo amigo, mas... Se era realmente só isso, por que seu coração batia tão depressa no peito, por que ele se sentia tão cheio de algo indefinido que poderia até mesmo lhe fazer explodir? Não que fosse ruim, claro que não, era o contrário: era tão bom, tão relaxante e acolhedor que assustava. Draco poderia viver sem aquilo, agora que tinha encontrado? Era o mais próximo do que sentia pela música, só que dessa vez direcionado a outra pessoa e numa escala muito maior. Como diabos aquilo fora acontecer tão rápido? Fora tudo culpa daqueles olhos, não fora? Aquela sincera apreciação, aquelas lágrimas intensas e cheias de dor, cheias de algo tão familiar para si, aquele sorriso e aquele brilho que ele exalava e nem percebia; tudo aquilo causara a atual situação, certo?

Suspirando mais uma vez, Draco abandonou o celular no criado mudo e se virou de lado na cama, assumindo posição fetal. Deveria dormir e esquecer tudo aquilo, toda aquela bagunça cujo nome oficial não devia ser nomeado. Sim, porque uma vez ele tinha visto em algum lugar que dormir esclarecia as ideias e levava embora aquelas que eram ridículas e inviáveis - exatamente como aquela que ele acabava de ter enquanto forçava os olhos a ficarem fechados.

Draco abriu os olhos, não se contendo. Era ridículo, mas... e se desse certo? Se não desse, ele esqueceria o episódio e nunca mais pensaria em fazer algo parecido novamente, mas por ora, não custava nada ao menos tentar. Erguendo o queixo, ele jogou as cobertas de lado, agarrou o celular mais uma vez e digitou uma mensagem para Pansy: sabia exatamente o que daria de presente de aniversário para Harry Potter - e com certeza não seriam meros palavrões digitados, porque Draco Malfoy nunca oferecia coisas medíocres para aqueles que gostava.

Draco não pôde evitar o sorriso cínico que deu para a amiga na manhã seguinte, ao vê-la adentrar sua sala trazendo consigo dois ingressos VIPs para a abertura da sua turnê.

— Sabia que tinha algo errado no momento que você não me ligou berrando de madrugada após visualizar a mensagem. Granger conquistou seu coração, então?

— Não sei do que está falando, querido. Estou apenas aproveitando a oportunidade para me redimir com a garota por ter a golpeado e gritado em seu ouvido. Tenho uma reputação pela qual zelar - explicou ela, num tom de desinteresse que não enganava Draco.

— Geralmente você não pede desculpas por se divertir, Pansy - ele observou, pondo sua xícara de chá na mesa de centro enquanto a observava se jogar no divã como tantas vezes já fizera ao longo do tempo de amizade deles.

Sentindo um forte déjà vu, Draco se lembrou da tarde na qual eles discutiam sobre sua aparição na Trafalgar Square, que ele considerara um tributo em nome de sua sorte. Um pensamento brega e inevitável se seguiu a lembrança: ele havia mesmo conseguido ter sorte, uma vez que conhecera Harry Potter na noite seguinte. Balançando a cabeça para espantar essas caretices da mente, ele voltou-se à amiga, que o observava minuciosamente.

— O foco aqui é você, espertinho. Fala sério, Dray, de tudo que há disponível, você tinha que escolher justo esse? - ela suspirou de forma exasperada, encarando o teto.

Draco sabia que podia mesmo estar se envolvendo em problemas, e que logo a imprensa cairia matando em cima deles, procurando detalhes sobre seu novo affair. Sabia também que a amiga quem teria de lidar com isso, e quase sentiu culpa, até se lembrar que ela também tinha coisas para explicar - afinal, pedir desculpas não era do seu feitio.

— Por que só eu sou interrogado, hein? Isso é um relacionamento abusivo - protestou ele, dramático. - Também quero respostas, ou não sou digno disso?

— Tá bom, talvez eu tenha planos de levar Hermione Granger para conhecer meu lindíssimo apartamento, sim, Dray - ela revelou, mantendo o tom de desinteresse enquanto revirava os olhos. - Mas não é isso que temos que conversar, então mais uma vez: não tente fugir do assunto! Eu me lembro de você dizendo que nunca ia se envolver com fãs, sabe?

Draco desviou o olhar para sua xícara, meio envergonhado. Não queria falar daquilo ainda, porque era muito cedo para fazer confissões apaixonadas para alguém, mas por outro lado ele se sentia explodindo com emoções demais para guardar sozinho. E Pansy era sua amiga, não tinha porque hesitar em lhe contar a verdade, principalmente se esperava que ela concordasse com suas loucuras.

— Ele é diferente - suspirou por fim, finalmente encarando os olhos de Pansy. - Ele não estava ali pela minha aparência, pelo proveito que poderia tirar ou por qualquer coisa do tipo: ele estava ali pela minha música, porque ele entendia o que eu queria passar com ela. Não é só um fã maluco, é alguém que realmente aprecia o que faço com tanto amor.

Num movimento que Draco não esperava, Pansy levantou do divã e caminhou até ele, sentando-se no braço da poltrona para abraçá-lo de lado.

— Eu disse que algumas pessoas gostavam de velhas aposentadas com bobs no cabelo, não disse, querido? - alfinetou, incapaz de se segurar.

— Vai à merda, Parkinson - rezingou ele, embora não tenha se esquivado do contato. Realmente gostava dos abraços de Pansy.

— Ah, céus, algumas horas andando com um estranho e já fica assim, poluído! - exclamou ela, esfregando os nós dos dedos fechados no couro cabeludo loiro e macio em uma reprimenda.

— Não tem nada a ver com ele, droga, Potter não fala palavrões - ele protestou, tentando se desvencilhar dos punhos assassinos.

— Ah, entendo. Ele apenas desperta o seu lado mais Draco e silencia o lado Malfoy - refletiu Pansy, parando o movimento de agressão para acariciar os fios sedosos. - Só por isso, já tem minha aprovação. Quero ser madrinha do casamento.

— Pelo amor de Hilary Hahn, pode parar com essas caretices - resmungou Draco, as bochechas coradas ao perceber que o coração tinha acelerado ao imaginar o casamento.

— Bom, depois dessa confissão, eu não tenho mais nada a dizer contra, Dray, porque a coisa que eu mais quero é que você seja feliz - Pansy confessou, subitamente séria enquanto se afastava para lhe agarrar nos ombros e lhe encarar nos olhos. - Só tome cuidado pra não se machucar, e caso aconteça, pode me chamar que eu vou atrás do tarado por velhas aposentadas e acabo com a raça dele.

Draco se permitiu sorrir e acenar positivamente com a cabeça.

— Obrigada, Pansy - agradeceu sinceramente, abraçando-a de lado, surpreendendo-a uma vez que sempre era ela quem iniciava esses contatos.

De fato, independente do que acontecesse ele entre e Harry, o músico já sabia que tinha muita sorte só de ter uma amiga como Pansy.

— O que aconteceu que você está todo alegre hoje, Harry? - indagou Hermione, sem deixar de notar o sorriso bobo que o amigo estampava no rosto.

— Ele está apaixonado - comentou Luna, distraída. - Ele sorri do nada, fica encarando o céu e as pupilas dilatam sem explicação no mesmo momento que ele sorri, como se estivesse lembrando de algo muito bom. Só pode significar isso: paixão.

— Por quem? - indagou Rony, a boca cheia de bolo de chocolate.

A primavera chegara há apenas uns dias, e a fim de aproveitar o clima ameno e agradável, o quarteto de amigos planejara um piquenique para a manhã de sábado - Harry adorava qualquer oportunidade que tivesse de fugir dos Dursley ao fim de semana. Apenas se esquecera de um pequeno detalhe: seus amigos não deixavam nenhum detalhe passar em branco, além de serem muito intrometidos às vezes.

— Por ninguém, Rony, elas não sabem o que estão falando - resmungou o garoto, constrangido.

Porém, já era tarde demais: Hermione tinha aquela expressão de quem guarda um segredo muito importante, sorrindo pelo seu privilégio. Os outros dois amigos se alvoroçaram e começaram a encarar Harry com um olhar penetrante.

— Não é justo a Mione saber e a gente não! - protestou Rony, com um bico enorme se formando nos lábios.

— Mas não é muita surpresa, né? A gente sempre soube bem lá no fundo que não somos tão dignos de confiança quanto a Hermione. - dramatizou Luna, encarando o céu como se sofresse grande injustiça.

— Podem parar por aí - resmungou a acusada de ser privilegiada. - Eu só sei porque juntei os pontos, não recebi nenhuma confidência! Não é culpa minha que vocês sejam lerdos.

— Vocês podem parar de falar da minha vida pessoal como se eu não estivesse aqui? - rezingou Harry.

— Não! - responderam os outros três em uníssono.

Indignado porém ciente de que tinha perdido aquela batalha, Harry deu de ombros e resolveu dar uma curiada no celular - não que estivesse esperando uma mensagem, mas nunca se sabe. E foi com grande surpresa e satisfação que ele descobriu que de fato havia uma mensagem lhe esperando no Instagram, mandada a cerca de cinco minutos atrás.

dracomalfoy_oficial: Ei, Pottah, vai 
estar livre no próximo domingo?

Um sorriso tomou conta do seu rosto enquanto respondia, digitando rapidamente.

harry_pot: vou, pq?

dracomalfoy_oficial: Estava pensando em 
levar o cachorro para passear.

harry_pot: oh, ent vc tem
mesmo um?

dracomalfoy_oficial: Estava falando de você, 
santa lerdeza Potter.

harry_pot: n sou lerdo, vc 

q errou confundindo as espécies.

dracomalfoy_oficial: E qual é sua 
espécie então, Pottah?

harry_pot: gato, óbvio.

por isso a gente se entende

miau ;)

dracomalfoy_oficial: Isso é o que você chama de 
cantada? Deprimente.

harry_pot: vc é crítico demais.

dracomalfoy_oficial: Lindíssimo crítico Malfoy, 
ao seu dispor. 
Mas e então?
Não tenho o dia todo.

harry_pot: e ent o 

q????

dracomalfoy_oficial: Depois fala que 
não é lerdo... 
Pra que eu te chamei, 
Pottah??

harry_pot: p me ofender?

dracomalfoy_oficial: Não, 
pra levar o cachorro
pra passear.

harry_pot: OH!

Harry estava tão entretido na conversa que não percebera os amigos lhe chamando, tampouco percebera quando eles pararam para lhe observar digitando e dando sorrisos bobos para a tela do celular. E embora Hermione tivesse tentado alertar, o garoto não teve tempo de enviar a confirmação e nem de se esquivar de Rony, que avançara para agarrar o seu celular a fim curiar quem era o objeto de sua paixão.

— Devolve isso, Rony - desesperou-se Harry, mas o outro desviou facilmente.

— Não se preocupe, não vou ler a conversa, só vou ver quem é a ladra de corações - ele explicou, tentando acalmar o pobre apaixonado.

— O ladrão, Rony. Eu sempre soube, meu gaydar, como vocês costumam chamar, nunca falha - Luna revelou após uma breve olhada na pequenina foto de Draco nas mensagens.

— Um garoto? - Rony admirou-se. - Você gosta de garotos?

— E se ele gostar, você tem algum problema com isso, Ronald? - interviu Hermione, soando ameaçadora enquanto se aproximava, arrancando o celular da mão dele de forma brusca.

— É claro que não! - exclamou ele, ofendido. - É isso que pensa de mim, Mione? Eu só acho estranho e não consigo entender porque gosto muito de meninas, mas eu jamais ficaria estranho com o Harry por ele gostar de um garoto! Eu só vou ter algum problema no dia que ele gostar de alguém que lhe faz mal.

Essas palavras desarmaram Harry completamente - ele não as esperava, pelo menos não vindas de Rony. Esse havia sido um dos motivos de sua hesitação em revelar: o medo do que o amigo poderia falar. Agora, se sentia um pouco culpado por ter pensado tão mal do outro, por tê-lo julgado. Embora Rony fosse idiota e sem noção às vezes, não chegava a ser o tipo de pessoa que terminava uma amizade a não ser que tivesse um bom motivo para isso, e certamente a opção sexual de Harry não era um.

— Eu também não sabia, Rony - ele revelou, apanhando de volta o celular que Hermione lhe estendia. - Que gostava de garotos e tudo mais... desculpem por não ter contado, estava com medo da reação de vocês.

— Que isso, cara, sempre vamos estar aqui pra te apoiar - Ron sorriu, de forma compreensiva.

— Eu quero ver como ele é, Harry - pediu Luna, os olhos grandes vidrados nele.

Incapaz de negar algo a expressão pidona de Luna, o garoto desbloqueou o celular e passou aos amigos, para que pudessem stalkear o perfil a vontade.

— Uau, como ele é bonitão - exclamou Rony após alguns minutos, impressionado.

— Ele toca muito bem - observou Luna, encantada.

— Pois é, Harry tem bom gosto - Hermione provocou, sorrindo de forma maliciosa para o amigo.

— Certo, certo, já viram tudo o que queriam, não é? - Harry apanhou o celular de volta, levemente corado.

— O que é que vocês estavam falando, que você tava rindo feito um bobo aí, hein? Indagou Rony, incapaz de conter a curiosidade.

— Bem... ele me chamou pra sair no próximo domingo - murmurou o garoto, ficando ainda mais corado.

— Você disse sim, não é? - implorou Hermione, animada, os olhos arregalados em sua empolgação.

— Eu ia responder quando o Rony arrancou o celular da minha mão - acusou Harry, rancoroso, embora não estivesse realmente bravo.

— Bom, desculpa aí, cara. Mas e então? - ele questionou, enchendo a boca de bolo de chocolate mais uma vez.

— E então o quê? - Harry perguntou, confuso.

— O que tá esperando pra responder e dizer que sim? - Incentivou Rony, apontando o celular com um gesto de cabeça.

— Ah... certo - ele concordou, desbloqueando o celular e mais uma vez se dirigindo até a conversa, tentando ignorar os amigos se esticando atrás de si para espiar por cima de seus ombros.

harry_pot: tá bem, Malfoy.

eu aceito passar com você.

A resposta demorou alguns minutos para chegar, minutos nos quais todo o quarteto aguardou em grande expectativa, mantendo o silêncio.

dracomalfoy_oficial: Combinado, 
então.

— Assim que se faz, cara! - Rony deu uma palmadinha em suas costas em aprovação.

Harry só conseguiu sorrir enquanto agradecia em silêncio mais uma vez pelos bons amigos que possuía - ele tinha mesmo muita sorte de ter todas aquelas pessoas ao redor de si, pois mesmo que desse tudo errado, eles estariam sempre ali para lhe oferecer suporte, apoio e amor. Essa era, sem dúvida, a maior sorte que alguém poderia ter na vida.

Uma semana depois, Harry sorria para o espelho, levemente satisfeito. Bem, o cabelo continuava indomável como sempre, e as roupas não eram das melhores, mas algo no brilho do seu olhar foi o suficiente para ele achar que estava minimamente decente para o evento daquela manhã: o passeio com Draco Malfoy. Eles haviam marcado se encontrar no seu lugar favorito em comum na cidade: a praça Trafalgar Square, onde tudo tinha começado.

Sorrindo, o garoto abriu a porta do seu quarto no porão e andou depressa pelo corredor a fim de alcançar a porta de entrada de modo que pudesse sair antes que algum Dursley o visse e enchesse sua paciência. Mas, como diz o ditado, alegria de pobre dura pouco, e quando Harry achou que estavas prestes a conseguir escapar, uma voz o fez congelar no hall de entrada da casa.

— Aonde você pensa que vai? - indagou tio Válter, na porta da sala de estar, olhando feio para o sobrinho, como se fosse ultrajante vê-lo sorrindo num domingo de manhã quando nem café tinha tomado ainda.

— Encontrar um amigo - foi a resposta de Harry, que já ia virando as costas quando foi agarrado pelo braço e puxado bruscamente para trás.

— Tá pensando que é assim, fácil, moleque? Que sai quando dá na telha? - vociferou o homem, a cara redonda e enorme adquirindo um tom púrpura enquanto suas feições adquiriram traços de uma fúria grotesca. - Sei que não anda ajudando como deve, ouvi sua tia Petúnia reclamando ontem que você não comprou o molho de tomate que ela lhe mandou comprar.

— Eu esqueci - resmungou Harry, baixinho, tentando conter o tom de exasperação na voz.

— E quem disse que pode esquecer? Isso é falta de uns bons castigos, seu moleque atrevido! Anda saindo quando quer, já fugiu duas vezes em menos de um mês para seus encontros e acha que tá tudo bem, que vai sair de novo e não vamos ligar? Pois pode voltar para seu quarto e não saía de lá até segunda ordem, seu fedelho mal agradecido.

Duda tinha saído do seu lugar sagrado à mesa da cozinha para espiar, já que adorava observar quando o primo era tratado como um animal e obrigado a se recolher com um rabinho entre as pernas. Mas naquele dia, Harry não ia dar aquele gostinho a Duda, nem serviria de saco de pancadas para tio Válter. Ele estava de saco cheio e não deixaria de ver Draco para ser humilhado daquela forma.

— Pois eu vou e não vai ser você que vai me impedir! - retrucou de forma ousada, encarando os olhos de porco do tio com uma ferocidade desconcertante.

— O que disse, moleque? - berrou Válter, erguendo a mão em uma ameaça.

— Exatamente o que o senhor ouviu, e nem ouse por suas mãos gordurosas em mim - Harry sussurrou, baixa e ameaçadoramente. - Já ouviu falar da penalidade que sofrem aqueles que maltratam menores, tio Válter? - acrescentou Harry, com falsa doçura na voz. - Não acho que a cadeia tenha poltronas tão confortáveis ou seis refeições por dia.

— Maus tratos? Só pode estar brincando comigo, moleque. Nós fizemos o enorme sacrifício de te dar casa e comida após seus pais irresponsáveis terem decidido virar fumaça. Você devia nos agradecer pela sorte que tem! O que mais alguém da sua laia poderia querer? - zombou Válter, embora uma ligeira preocupação pudesse ser percebida em sua voz.

— Não ouse falar assim dos meus pais! - Harry gritou, a raiva estalando em suas veias como algo vivo. - Agradecer?! Eu devia agradecer? Você me dá comida ou eu tenho que merecê—la, titio? - indagou, os olhos semicerrados enquanto encaravam o homem e as mãos pousavam nos quadris numa pose crítica.

— P-pedimos algo em troca, sim, mas é o mínimo, não é? - retorquiu Válter, menos seguro agora. - Afinal, é mais uma boca pra alimentar, não ando defecando dinheiro, ou ando?

— Tem o suficiente pra me alimentar sem precisar me tratar como um diarista, e ainda assim me trata como se fosse, assim como tia Petúnia. Isso pegaria muito mal e renderia no mínimo uma multa, não acha? - rebateu Harry, o sorriso vingativo se alastrando por seu rosto.

A essa altura, a tia tinha se juntado a Duda e observava a cena horrorizada, as mãos na boca em um expressão de grande espanto. Contudo, nenhum dos dois ousou falar, já que nenhum deles possuía argumentos e provavelmente já sentiam o peso da culpa (ou assim Harry escolhera acreditar). O único apto para aquela discussão era Válter, mas mesmo ele parecia atemorizado com as ameaças.

— E que provas você tem, hein, moleque? - tornou a duvidar o homem, tentando recuperar a razão. - São três contra um, podemos facilmente alegar que você sente ciúmes porque não recebe o mesmo amor que o Duda, que é nosso filho.

Nesse momento, Harry alargou seu sorriso e arrancou o celular do bolso, exibindo como um grande trunfo antes de guardá-lo rapidamente mais uma vez.

— Andou roubando? - Petúnia finalmente se pronunciou, a voz destilando desprezo.

— Não preciso disso - retrucou Harry, ofendido. - Ganhei este da Hermione, mas isso não importa agora. Acontece que aqui tenho vídeos e áudios dos seus abusos, todos como uma ótima prova. Podem agradecer a Mione, a ideia foi dela, e por falar nisso, já vou aproveitar a deixa pra avisar: não adianta quebrar o aparelho, está tudo salvo numa conta do Google. Minha palavra pode não valer, mas áudios e vídeos valerão! - acrescentou, vitorioso. - A escolha é de vocês. Encostem um dedo em mim e a verdade vai estar estampada em todas as manchetes dos jornais matutinos no dia seguinte.

Harry manteve a postura firme, encarando-os sem medo. O silêncio recaiu sobre o ambiente como um pesado tapete, tudo o que ouvia era o som do próprio coração retumbando em suas orelhas. O garoto não tinha certeza de onde havia tirado a coragem necessária para enfrentá-los daquele modo, mas após colocar cada palavra para fora, ele sentia como se um enorme peso houvesse sido retirado de suas costas. Nenhum dos três Dursley moveu um músculo e ele nem mesmo tinha certeza se eles estavam respirando. Pela primeira vez, eles haviam sido colocados em seu devido lugar, o choque por Harry tê-lo feito foi o bastante para que suas bocas não voltassem a se abrir. Ele tinha conseguido, a vantagem era toda sua.

— Foi o que pensei - disse, guardando o aparelho novamente no bolso e caminhando até a porta. - Agora eu vou sair para encontrar meu amigo e voltarei quando tiver vontade, estamos entendidos?

A visão dos parentes assentindo rigidamente foi a última coisa que viu antes de se lançar para o lado de fora. Os primeiros passos para a rua se deram com uma calma impossível, mas logo seus pés haviam se detido e a respiração que prendera durante toda a conversa saiu como uma grande lufada. Ainda incrédulo do que havia feito, uma gargalhada saiu de seus lábios - o som que marcava o momento exato no qual retomara as rédeas de sua vida. Era um sentimento excitante e assustador, mas Harry guardaria aquilo para matutar depois. No momento, o céu estava limpo e exibindo a cor rara de azul e ele tinha um encontro marcado com Draco. O que poderia ser melhor?

Sua dúvida foi rapidamente respondida assim que ele avistou o Malfoy parado no exato lugar onde o avistara semanas antes, o perfil bem definido e bonito quanto a última vez que haviam se visto. Parecia uma época totalmente diferente agora que o conhecia mais intimamente. Milhares de mensagens trocadas em horários inapropriados se estendiam entre os dois como uma corda conectando-os e tudo o que Harry desejava fazer agora era puxar um dos lados até que não houvesse distância alguma, apenas os dois, lado a lado, e todo o tempo que pudessem passar juntos. Vagarosamente, para não demonstrar essa vontade, ele caminhou até o outro, mantendo um sorriso contido no rosto.

— Bom dia, Pottah - Draco cumprimentou assim que ele chegou mais perto, estendendo a mão formalmente.

— Sério isso? Depois de me chamar de cachorro, ainda precisamos dessas formalidades? - indagou Harry, as sobrancelhas erguidas em incredulidade enquanto encarava a mão do outro.

— Ora, e como eu deveria te cumprimentar? Com um beijinho na bochecha? - zombou Draco, com um sorriso torto.

Normalmente, Harry teria corado e ficado sem graça, negando efusivamente com a cabeça. Mas naquele dia, ele estava se sentindo particularmente corajoso. Talvez um ato de coragem fosse o suficiente para desencadear uma sucessão deles, numa incansável busca de mais daquela sensação de controle, de poder sobre suas escolhas e sobre o que nos limita ou não. E talvez ele estivesse começando sua própria busca, porque sorriu animado e assentiu antes de dizer, em tom de obviedade:

— Exatamente.

E dito isso, se inclinou ele mesmo na direção de Draco, dando-lhe um beijo estalado na bochecha enquanto empurrava delicadamente a mão ainda estendida. O músico arregalou os olhos em surpresa, tentando segurar o impulso de tocar a bochecha bem onde tinha sido beijado, para verificar se ela não estava saindo do lugar para se grudar para sempre na boca de Harry devido a maravilhosidade do toque macio de seus lábios. Então ele se deu conta do quão brega e ridículo era aquele pensamento e retomou sua postura, encarando o outro com olhos afiados e determinados, agarrando-o pelo pulso quando ele fez menção de se afastar.

— Minha vez de retribuir a gentileza - sussurrou ele, perto da orelha de Harry, arrastando a boca propositalmente dali até a bochecha alheia, deixando um beijo suave e gentil na região.

Agora ambos estavam muito vermelhos, embora mantivessem o sorriso no rosto, incapazes de recuar ante aquele primeiro passo dado. Não era isso que diziam; "um passo de cada vez"? Ao que parecia, eles tinham começado com o direito, pois tudo entre ambos fluía de forma natural e gostosa, como se fossem conhecidos de longa data.

— Certo, então... Já que nos cumprimentamos, podemos ir andando - murmurou Harry, tentando controlar a expressão abobalhada que tinha certeza estar fazendo.

— Certo - dito isso, Draco lhe ofereceu o braço direito de forma pomposa, como se estivessem prestes a entrar numa passarela.

— Que cavalheiro - brincou Harry, aceitando o braço e o entrelaçando ao seu enquanto começavam a caminhar ao redor da fonte. - Por que me chamou pra cá? - indagou, inclinando a cabeça de forma curiosa.

— Pensei que tinha dito o motivo - Draco arqueou as sobrancelhas, confuso.

— Disse? - Harry aparentava ainda mais confusão, pensando se tinha esquecido de algum detalhe da conversa que relera tantas vezes nas madrugadas seguintes à ela.

— Levar o cachorro pra passear, ora! - revelou Draco, sem conseguir conter o riso que veio logo após a fala.

— Há, há, há - rezingou Harry, sem um pingo de humor. - Muito engraçado, Malfoy, mas achei que já tinha deixado claro também que não sou um cachorro, mas sim um lindíssimo gato. Miau, miau e miau pra você.

Um casal que passava bem ao seu lado ouviu a última parte da frase e os olhou de modo estranho, como se eles fossem dois seres que não pertenciam àquele mundo, completos alienígenas com suas linguagens estranhas. Porém, nem um deles sequer notou, tamanho o foco que mantinham um no outro: não sabiam nem que direção estavam tomando, apenas andavam a esmo enquanto conversavam.

— Suponho que isso tenha algum significado ou você só quis ser idiota em "mianês"? - alfinetou mais uma vez, incapaz de resistir aos impulsos de perturbar a criatura ao seu lado.

— Tem o significado de boboca-chato-metido-a-besta, que é o que você é! - retrucou Harry, dando a língua como uma criança de cinco anos de idade.

— E mesmo ass...

Draco não pôde terminar sua frase devido ao atentado que sofreu, caindo de cara no chão em frente ao Almirante com um baque surdo ao ser empurrado por trás. Sem entender o que diabos tinha ocorrido, seu acompanhante se abaixou ao seu lado, chamando-o de forma preocupada, prestes a procurar o responsável pelo ataque - o que a louca dos mata-leões havia dito mesmo sobre atentados de fãs? - quando este se pôs a agir novamente, pulando e derrubando-o ao lado do músico. Ao contrário de Draco, Harry caiu de barriga para cima, de modo que ficou cara a cara com seu enorme agressor babão.

— Canino, assim você assusta as pessoas! - exclamou uma voz grave de um homem que parecia se aproximar devagar, não muito preocupado com o fato de seu cachorro estar atacando pessoas por aí.

— Eu avisei que não era uma boa ideia sair com ele assim, Hagrid - comentou uma voz serena atrás do homem que conversava com o cachorro.

Rindo devido as cócegas que as lambidas do cachorro lhe proporcionavam, Harry ergueu o tronco e se apoiou nos cotovelos, tentando empurrar o enorme cão negro de olhos brilhantes e eufóricos. Com muito esforço, conseguiu afastá-lo o suficiente para se virar e cutucar sua ilustre companhia, que mantinha-se esparramado no chão de forma nada elegante.

— Ei, Malfoy, está tudo bem aí? - indagou, preocupado.

— Acabei de ser atacado por um monstro que baba cachoeiras, Potter, como poderia estar melhor? - retorquiu, a voz destilando sarcasmo.

— Canino não é um monstro, apenas estava empolgado! - protestou o provável dono do animal, ofendido.

— É um monstrro adorrável, crreio eu - outra voz comentou, aproximando-se.

Virando-se de barriga para cima para encarar os donos do cachorro afim de dá-los o melhor do humor ácido dos Malfoy, Draco se deparou com o quarteto mais bizarro que já vira na vida: o cachorro negro que provavelmente em pé teria quase a sua altura; um homem estupidamente alto e com tantos cabelos no rosto que lembrava algum viking daqueles filmes da Netflix; um homem que parecia o papai noel versão magra, com cabelos e barba prateados e oclinhos de meia lua estupidamente fora de moda e uma túnica estrelada que podia muito bem lembrar personagens de filmes de fantasia; e por último uma mulher de cabelos curtos, também muito alta e cujo estilo dava impressão de que tinha acabado de sair de um ensaio da Vogue. Talvez eles estivessem a caminho de alguma convenção que exigia a entrada fantasiada, ele ponderou ainda tentando absorver a estranheza da situação; ou quem sabe fossem apenas um bando de lunáticos mesmo. Que pessoa com amor próprio usaria roupas assim em pleno dia?

— Certo, Hagrid, desculpe-se com os jovens por isso - aconselhou o estranho de cabelos prateados, sorrindo gentilmente para ambos.

— Oh, é claro, me desculpem, crianças. O Canino estava tão feliz que não quis colocar coleira e arriscar estragar a felicidade dele. - disse o homem maior, estendendo ambas as mãos para erguer os dois adolescentes de uma só vez, fazendo-o com grande facilidade.

— Claro, e deixar o cachorro feliz é mais importante que a segurança dos civis - resmungou Draco enquanto se erguia com a ajuda daquela mão enorme, ainda que a tivesse aceitado de forma relutante.

— Não seja tão rabugento, Malfoy! - ralhou Harry, constrangido.

— Mas o garroto está cerrto: Hagrrid, você precisa pôr uma coleira na Canino! Ele pode atacarr uma crriança, é perrigoso.

— Vocês estão certos, eu fui um irresponsável - choramingou o tal Hagrid, com os olhos se enchendo d'água.

A bizarrice da cena era tanta que alguns transeuntes tinham parado no caminho para olhar, fotografar ou até mesmo gravar. Draco já podia imaginar a bronca que Pansy lhe daria por estar ali no meio daquela trupe de malucos. E tudo ficou ainda mais estranho quando Harry se aproximou ainda mais do homem grande e lhe deu tapinhas na costas, como se consolasse um amigo de longa data.

— Não fique assim, é normal as vezes priorizarmos a felicidade de quem amamos, seja pessoa ou animal. Mas agora já aprendeu a lição, certo? - indagou de forma amigável, sorrindo para Hagrid.

— Depois dessa aula gentil, aposto que ele aprendeu, sim, Senhor...? - o homem de barbas prateadas lhe sorriu, esperando a resposta.

— Harry, Senhor. - ele sorriu de volta, estendendo a mão para cumprimentá-lo.

Ao seu lado, Draco observava a interação meio boquiaberto, incrédulo com a gentileza e amabilidade que Harry distribuía aqueles estranhos responsáveis por uma queda dolorosa e um momento muito constrangedor. A mãe dele não o ensinou sobre falar com estranhos? — pensou com seus botões, encarando a cena estoicamente.

— É um prazer conhecê-lo - tornou o papai Noel fora de época.

— Igualmente, senhor - sorriu Harry.

— Que menine mais gentil - comentou a enorme mulher, com um sotaque francês. - Vocês são mesmo muito adorráveis, obrrigada por entenderrem. Podem deixarr, nunca mais irrei perrmitirr que Hagrrid saía com o Canino sem usarr ume coleire.

— Contamos com isso - Harry sorriu mais uma vez, piscando um olho.

— Veja só, Dumbledore, este garoto será um grande homem como você - elogiou Hagrid, dando palmadas nas costas do adolescente.

— Arrisco a dizer que ambos vão ser muito maiores do que jamais fui, Hagrid. Mas receio que tenhamos que ir, e que nossos jovens tem mais o que fazer, então vamos indo.

— Ouí, Ouí, vamos, amorr. Tchau, menines, foi um prrazerr - a mulher acenou e começou a virar as costas, rumando para a direção oposta.

— Certo, então. Tchau, rapazes. Diga tchau, Canino - Hagrid instruiu o cachorro, que se despediu pulando em Harry e em Draco enquanto os lambia ferozmente.

O homem de barbas prateadas apenas sorriu e acenou, virando-se para acompanhar o casal que já se afastava. Ambos os jovens ficaram parados por uns instantes, observando o quarteto bizarro sumir de vista.

— Certo, isso foi muito estranho - Draco comentou ao ver o grupo incomum se afastar.

— O quê? - perguntou sem entender por que o Malfoy continuava a resmungar mesmo com Canino já tendo partido.

— Pelos céus, Potter. Não me diga que é algo comum na sua vida ser quase morto por um rolo compressor na forma canina e logo em seguida fazer amizade com os donos dele. E que conversa sem noção foi aquela com o velhinho? Eu estava observando você, parecia que os conhecia há anos!

Harry riu, enganchando os dedos na manga do casaco dele e o puxando para continuar a caminhada.

— Não seja tão cético, existem pessoas boas por aí. Se parasse de presumir que sabe tudo sobre todos apenas por olhar para eles, enxergaria isso. - Draco fez uma careta para a sugestão, o descontentamento do fato perfeitamente legível em sua face. Harry balançou a cabeça, incapaz de parar de sorrir. - Aliás, foi você quem disse que viria aqui para levar o cachorro para passear, não tenho culpa se o Universo resolveu te escutar e providenciar um especialmente para a ocasião.

— Você é ridículo. - Draco revirou os olhos. - Acredita mesmo em algo como o destino ou no fluxo autoconsciente do Universo?

— Gosto de pensar que as coisas acontecem porque devem acontecer. Não acha que seria triste viver em um mundo repleto de coincidências? Onde está a magia nisso?

— Quem sabe na túnica daquele velho. - Draco bufou, exasperado. - Creio que com isso sou obrigado a corrigir o que acabei de dizer: você não é ridículo, é absurdo.

— Por mim está tudo bem, seu cético teimoso e desiludido. Você é igual a Hermione, ela também não me leva muito a sério. Mas a vida vai provar que estou certo, vocês vão ver.

— Mal posso esperar - o Malfoy zombou. - Por falar na sua amiguinha de cabelos fofos, tenho algo para entregar a você.

Ciente dos olhos verdes que o observavam com curiosidade mal disfarçada, Draco deu um pequeno show enquanto tateava os bolsos internos do casaco e puxava de lá os dois ingressos VIPs que Pansy havia conseguido a seu pedido. O Malfoy assistiu divertido enquanto aqueles orbes esmeraldas se arregalavam ao perceber o que aquilo significava.

— Isso é o que eu penso que é? - ele perguntou com assombro, tocando nos papéis laminados com apenas a ponta dos dedos.

— Não querendo insultar sua capacidade intelectual, mas dado o que acabou de acontecer no dia de hoje, o que achou que seria?

Harry de ombros, ainda atônito pelo enorme presente que lhe fora dado.

— Sempre existia a possibilidade de você estar mesmo carregando biscoitos para cachorro, até explicaria o porquê de o Canino ter pulado em cima de você primeiro. - Ele riu com a expressão desgostosa de Draco, como se este ainda estivesse imaginando os danos que um cachorro poderia fazer em seu querido guarda-roupa. - Mas ingressos VIPs? Nunca esperei ver isso com meus próprios olhos!

— Não seja bobo, Potter. São apenas ingressos. Não é como se eu estivesse te dando uma barra de ouro ou diamantes.

— É como se fosse. - Harry insistiu, guardando-os com todo o cuidado em um dos bolsos não furados do próprio casaco e tocando o local como se para protegê-lo de quaisquer desventuras que pudessem acontecer. - Draco, eu nem sei como agradecer...

O outro dispensou seus agradecimentos com uma virada elegante de pulso.

— Não fiz isso para receber sua gratidão, é mais como um pedido de desculpas pela forma rude que nos conhecemos. E claro, a sua amiga, a Srta. Granger também, se ela aceitar. Digamos que uma certa pessoa também se sentiu culpada pela forma como agiu.

— Aquela mulher assustadora? Você só pode estar brincando.

— Tente não dizer isso na frente dela quando a encontrar da próxima vez, sim? - Draco retribuiu a ruidosa gargalhada de Harry com um de seus raros sorrisos espontâneos. - Pensei que já que você disse gostar tanto da minha música na outra noite, talvez gostasse de ter mais uma oportunidade para ouvi-la. Então isso significa que você irá?

— Acha que eu perderia isso? Nem sonhando! - Havia tanta sinceridade no rosto dele, tanta esperança, que Draco sentiu aquela comichão nervosa em seu estômago com a possibilidade de ser rejeitado diminuir. - Mal posso esperar.

— Digo o mesmo.

A expressão de pura felicidade que Draco estava começando a apreciar, decaiu em uma carranca profunda de preocupação.

— O que houve?

— Acabei de perceber que não tenho roupas para um evento desses. - Suas bochechas esquentaram ao admitir a verdade. Harry não queria que o outro sentisse pena dele ou soubesse quantos perrengues passava na casa dos Dursley para conseguir roupas apropriadas. Devia boa parte das que tinha aos presentes dos amigos e da família de Rony, os únicos que ainda se importavam o suficiente com ele para reparar na sua situação. Ele desviou o olhar dos olhos claros de Malfoy que o encaravam ainda em confusão.

— Então tiraremos um tempo semana que vem para dar um jeito nisso - ele disse como se não fosse nada demais.

— O quê? Não! - Harry protestou. - Eu não preciso...

Draco o calou colocando um dos dedos sobre seus lábios. Ele gostou de ver a expressão dele mudar para algo ansioso e foi custoso para si afastar a mão de lá.

— Já está decidido.

— Mas como vamos nos encontrar para isso? Você não está muito ocupado com os detalhes do início da turnê? Não quero incomodar e não me perdoaria por te atrapalhar em meio a algo tão importante.

Draco apenas riu e se inclinou em sua direção, os lábios roçando perigosamente perto do canto da sua boca. O beijo enviou um estalo de eletricidade por suas veias que o deixou paralisado enquanto o observava partir.

— Não se preocupe, Pottah - ele disse após alguns passos, como se só naquele momento lembrasse de sua pergunta não respondida. -, eu mandarei uma mensagem.

Harry sentia o coração bater inconstante no peito, o calor afluindo do local onde Draco o havia beijado de leve, mas muito provocativamente. O garoto devia saber que ele não deixaria sua fala de mais cedo passar em branco. Era tão mal perdedor quanto ele próprio! Ele tocou a bochecha e sorriu. Não havia sido um primeiro encontro perfeito, de fato muitos fatores os haviam atrapalhado, mas estava tudo bem. As coisas entre eles não precisavam ser perfeitas, bastava apenas continuar avançando um passo de cada vez. O resto, o Universo se encarregaria de acertar.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Demoramos mas pelo menos o capítulo tá cheio, né ;)

Espero que tenham curtido, até a próxima.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vibrato" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.