Vibrato escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 2
Can't help falling in love


Notas iniciais do capítulo

Eu de novo, e hoje completa uma semana inteirinha que publicamos o primeiro capítulo, o que significa que a regularidade das postagens já está sendo decidida: uma vez por semana.

O link da música de hoje é esse:
https://youtu.be/5ExRyE1bR7Y

E que música linda ♥ escolha da madrinha, óbvio.

É isso, aproveitem o capítulo que fizemos com muito amor e carinho, e nos vemos semana que vem ;)



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Na sala de seu pequeno apartamento, sentado em sua poltrona creme favorita de frente à mesa de centro na qual um conjunto de chá em porcelana fina repousava, Draco Malfoy encarava um dos seus retratos preferidos: um onde sua versão antiga de dez anos, sua mãe Narcisa e seu pai Lucius ostentavam beleza e elegância, em frente à Galeria Nacional de Londres, localizada na Trafalgar Square — praça na qual tinha tocado aquele dia. Lembrava com perfeição daquela ocasião, do concerto que o marcara como nunca, da primeira vez em que vira e ouvira ao vivo e em cores o toque de um violino. 

Como um amante de música, Draco sempre procurou estar por dentro de tudo que a envolvesse. Foi assim, pesquisando e se maravilhando com o mundo das melodias, que ele se deparou com aquela filosofia: a que dizia que as paixões não eram instrumentos de sopro, cujo som se extinguia assim que se parava de soprar. Não, nossos sentimentos eram instrumentos de corda, cujo som reverbera mesmo quando você deixava de tocar — mesmo que você desejasse desesperadamente o silêncio em seu coração, as notas continuariam soando. 

Foi assim que ele se interessou por instrumentos de corda: queria ter controle sobre eles, fazer com que tocassem a sua música, que se submetessem aos seus sentimentos. Se não podia calar os impertinentes, então daria voz a eles e a partir disso causaria ondas reverberantes em outras pessoas, para que elas se sentissem como ele. E foi após assistir àquele concerto com participação da grande Hilary Hanh que Draco escolheu o tipo de corda que gostaria de controlar: as cordas do violino. 

Era sempre satisfatório enxergar as lágrimas que sua música despertava e observar o seu reflexo naqueles rostos, já que Draco estava sempre chorando por dentro: chorando porque tocar o comovia, chorando porque o caminho para chegar naquela magnitude não fora fácil, chorando porque apesar da perfeição com a qual produzia aquele som, seu pai ainda não estava satisfeito. Lucius Malfoy queria mais, queria algo que Draco nunca poderia oferecer: o som do piano. 

A verdade era que, apesar de sempre ter achado lindo ouvir pessoas tocando piano, o garoto nunca se interessou em ser ele a tocá-lo, pois sua conexão sempre fora maior com o violino: sentir o arco deslizar por suas mãos, apoiar o queixo na queixeira do instrumento, ajustar as cravelhas, apoiar os dedos no espelho e observar o reluzir das cordas de ouro… Era isso que amava, isso que queria para sua vida. Quando revelara tal desejo para seu pai, fora tratado com grande desprezo, como se estivesse renunciando ao sobrenome Malfoy e cuspindo nele com descaso. 

Impor seus próprios desejos e abandonar a grande tradição da família talvez fosse mesmo uma renúncia ao seu sobrenome, mas ele não podia deixar que tradições estúpidas destruíssem seus sonhos. Draco demorara para perceber que nada do que fizesse poderia realmente satisfazer seu pai, mas quando se deu conta, decidiu que trilharia seu próprio caminho tocando as cordas que ele desejasse tocar. 

— Viajando de novo, Dray? — perguntou uma voz feminina familiar, em um tom de quem já sabia no que ele estava pensando. 

— Esse apelido é tão gay — Draco murmurou em resposta, fugindo daquela conversa como sempre fazia. 

— É porque você é gay, Malfoy — replicou Pansy, sorrindo debochada ao invadir o campo de visão do amigo, adentrando a sala como se fosse sua. 

— Você é tão sutil — rezingou ele, se empertigando na poltrona. — Alguma novidade? 

— Sim, meu doce violinista, a sua turnê está sendo mais esperada do que eu imaginava. — Ela sorriu maliciosamente, mas no fundo (talvez bem bem no fundo), Draco sabia que ela estava tão feliz quanto ele pelo feito. — Aliás, o seu pequeno showzinho essa manhã não passou despercebido. O Twitter e o Instagram estão chovendo de marcações e pessoas se vangloriando que o viram — revirou os olhos, passando rapidamente pelo celular e abafando as notificações que não paravam de apitar. — Aquilo era mesmo necessário? Pensei que fosse passar essas últimas semanas se concentrando em treinar e na seleção de músicas para a turnê. 

Draco serviu os dois e levou sua xícara até os lábios, saboreando o chá da tarde, antes de responder:

— Eu já disse que era. Você sabe, foi onde tudo começou para mim. Achei que devia fazer um tributo em homenagem, quem sabe me renda alguma sorte na viagem.

— Draco, querido, você não precisa de sorte, nem de talento, isso você já tem de sobra, e nem vamos entrar no quesito beleza. Acha que aquelas filas de mulheres e homens se formam pelo amor a música clássica? Ah, por favor! — ela riu, jogando-se no divã, talvez um pouco à vontade demais. Mas Draco a conhecia bem àquela altura, era a sua amiga mais antiga e que permanecera fiel a ele mesmo após o anúncio a sua família sobre os rumos que planejava para o próprio futuro.

Ele passou os olhos pelo espaço bem iluminado pelas amplas janelas que terminavam em uma agradável varanda, o papel de parede com ondas prateadas cortado apenas por suas obras favoritas, a única parede verde-mar na qual a estante repousava e os livros favoritos que ele vinha colecionando ao longo dos anos. A pouca mobília em tons de marfim estava espalhada de forma harmoniosa, mas apenas evidenciava os espaços vazios. Há muito ele vinha pensando em como o lugar lhe parecia solitário. 

— Talvez não seja a respeito disso que eu deseje ter sorte — Draco comentou, desviando os olhos claros para a janela. Ele quase podia sentir os olhos de Pansy se cerrando e seu olhar afiado pinicando em sua nuca.

— O que você quer dizer?

— Nada. — Draco apertou os lábios, as bochechas ganhando um distinto tom de vermelho.

— Opa, opa, opa! — Pansy se endireitou no divã, os saltos plataforma batendo no chão com um estalo enquanto ela se inclinava em sua direção. — Você ficou vermelho, espero que seja bom. E quente. Comece com os detalhes.

— Não é nada disso, sua pervertida. Não aja como se não soubesse melhor do que eu o que faço no meu tempo livre.

— Sinto muito, esqueci o quão puritano você é — ela revirou os olhos exageradamente. — Ia te matar se soltar um pouquinho? Tanto homem bonito no mercado e você aí enrolando bobs no cabelo antes de dormir como uma velha senhora aposentada.

— Eu não faço isso! — Draco protestou.

— Faz sim, tenho até uma foto para provar. Mas não se preocupe, querido, não é nada do que se envergonhar, tem pessoas que curtem velhas aposentadas.

— Saia já daqui — Draco alcançou a almofada mais próxima e arremessou nela sem muita força. — Você não tem trabalho ou algo assim para fazer além de me encher?

Ela riu e rapidamente se pôs de pé, ajeitando os cabelos escuros e se inclinou para lhe beijar a bochecha com afeto, sabia que ele não estava verdadeiramente chateado. 

— Eu tenho trabalho a ser feito, apenas gosto de procrastinar um pouquinho e dar algo a que fazer para a minha assistente. Aliás, isso me lembra que ainda temos aquela festa de inauguração da nova seção no Museu de História Natural amanhã à noite. Todos estão ansiosos para te ver lá, vê se não vai esquecer! — disse e saiu batendo os saltos pela porta.

Draco encarou uma última vez o retrato sobre a mesa e ergueu o queixo naquela postura que Pansy chamava de teimosa, reafirmando mais uma vez para si mesmo suas escolhas e o destino que tomara para si. Sua carreira o aguardava. Qualquer que fosse o vazio não nomeado em seu peito, precisaria esperar: ele ainda tinha muitas apresentações a fazer.

— Estarei lá.

 

 

Após um dia cheio, a última coisa que Harry queria era ter de explicar aos Dursley por que ele estava saindo para ir a uma festa a qual eles não tinham sido convidados. Não que ele quisesse, claro, mas lutar contra uma entusiasmada Hermione era algo impossível de se fazer. Ainda mais quando o convite vinha de graça. O pai da garota havia ganhado duas entradas para a exposição da nova seção do Museu de História Natural naquela noite em um sorteio via rádio e, claro, as presenteara a filha que, como boa nerd que era, havia ficado completamente eufórica com a oportunidade. Harry passara de uma aula para a outra ouvindo o tagarelar incessante da amiga em sua tentativa de o arrastar consigo para acompanhá-la, uma vez que Luna já tinha planos com o pai aquela noite e a família de Rony jantaria na casa de Gui e sua noiva. Portanto, restara apenas ele, o pobre Harry preso na casa dos Dursley e sem permissão para sair, como seu último recurso.

Ao ver a resistência do amigo em concordar, a garota apelara para sua cartada final: a nota do trabalho.

— Ora, Harry,  uma ótima oportunidade de incrementar o nosso seminário! Experiências reais. O que melhor do que ver a história com os próprios olhos ao invés de só falar dela? A professora McGonagall vai adorar! — ela havia se erguido, apontando o dedo para ele em seu melhor tom feroz de discurso. 

— Claro que vai — Harry resmungara, desistindo da luta.

Então é, ela havia ganhado como de costume e lá estava ele ao pé das escadas que levavam em direção a imponente entrada arqueada e bem iluminada, onde várias faixas anunciando o evento e a nova atração se encontravam penduradas, usando suas melhores roupas — que, com sorte, ainda cabiam nele e não apresentavam sinais de desgaste muito visíveis — após uma fuga audaciosa de seu quartinho no sótão.

Harry bateu o pé no chão e puxou a gola da camisa que lhe incomodava — o que talvez fosse culpa do nervosismo que sentia —, impaciente. Já estavam atrasados e, como parecia ser sua sina nos últimos dias, ele ainda não havia encontrado Hermione. Ele sabia que deveria ligar para ela e era exatamente isso que estava prestes a fazer se não houvesse avistado aqueles cabelos claros e porte esguio o qual passara horas e mais horas da noite anterior, bem como do dia subsequente, assistindo — não que ele fosse confessar isso a alguém algum dia. E, mesmo após uma única apresentação ao vivo, Harry sabia que o reconheceria em qualquer lugar.

Draco Malfoy subia as escadas de entrada com elegância, a cabeça curvada e o queixo escondido nas dobras do grosso casaco, enquanto as mãos puxavam as luvas em um movimento casual. Por um segundo, tudo o que ele fez foi olhar de queixo caído o objeto de sua vergonhosa obsessão desde o dia anterior, enquanto seu cérebro processava o fato de que ele realmente estava ali. E então, sem que notasse, seus pés tomaram a iniciativa, cada passo o levando para mais e mais perto dele, os arredores bem como os demais convidados não passando de borrões desfocados. Porém, antes mesmo que     tivesse a oportunidade de dizer algo ou sequer pensar em um plano melhor para a sua súbita aproximação que não o fizesse parecer tão louco, algo envolveu sua garganta, fechando suas vias respiratórias e o fazendo engasgar. Distraído como estava, ele não havia a visto se aproximar — a mesma mulher que o acompanhara no parque e aparecia em muitas das fotos que ele vira — até que fosse tarde demais.

— Quem é você e quem disse que pode se aproximar de Draco Malfoy sem nem lhe conhecer? — Interrogou Pansy, apertando o pescoço de Harry no mata leão, sem piedade alguma. 

— … — Era uma ótima questão e o rapaz a responderia com o maior prazer, isso é, se pudesse.

— Me responda! — esbravejou a mulher, sem se dar conta de que quanto mais apertava, menos sua vítima podia se pronunciar. 

— Pansy, o garoto não pode responder com você o sufocando — elucidou Draco, a voz soando terrivelmente entediada. — Solte-o. 

— E se ele for um psicopata stalker? 

— Olha a cara de pateta do garoto, Pansy, pelo amor de Hilary Hanh! — exasperou-se Draco, revirando os olhos. — Solte-o agora, e nem adianta me olhar com essa cara! 

Ignorando-o e mantendo sua careta de indignação e ultrajamento, Pansy largou o estranho devagar, atenta a cada movimento dele, pronta para esganá-lo ao menor sinal de intenção de agressão, que ela geralmente classificava como "atentado de fã maluco e mal amado". Alguns convidados que chegavam a festa lançavam olhares espantados para o acontecimento, levando suas mãos ao peito e murmurando com seus acompanhantes sobre como as pessoas hoje em dia haviam perdido por completo a decência em público.

— Eu não sou um pateta! — exclamou Harry, o rosto quente de constrangimento e irritação, encarando os olhos de Draco com ferocidade. 

— Não? Pois parece — retrucou o violinista, um sorrisinho de canto tomando seus lábios. — Sair seguindo alguém que obviamente não quer ser reconhecido não parece algo que alguém não pateta faria. 

— Hum, certo… E-eu só me empolguei um pouco, tá bom? Me desculpe — murmurou Harry, constrangido. 

— Um pouco? Você fez o maior escândalo! — Pansy acusou de forma rancorosa. 

Porém, antes que Harry pudesse se defender de alguma forma e ressaltar que a responsável por toda a cena havia sido ela, uma massa volumosa de cachos castanhos se aproximou por trás de Pansy, parecendo aliviada ao avistar o amigo. 

— Harry, finalmente te encontrei, por que você nunca está no lugar mar… ?

Hermione foi interrompida pelo mesmo golpe que interrompera Harry antes, o que a fez esbugalhar os olhos ao se dar conta da situação. Tal como ele, a garota não podia sequer gritar, uma vez que estava sendo sufocada por Pansy — àquela altura, Harry começava a suspeitar que a psicopata fosse ela, a louca dos mata-leões. 

— Quem é você e o quê… — começou a gritar Pansy, mas Harry avançou e tapou a boca dela rápido como um raio. 

— Não grita perto dela, sua maluca! — sussurrou ele, resistindo a sua própria vontade de gritar ao sentir as mordidas em sua mão. 

— Pansy, solte a garota também, eles não são psicopatas stalkers, a única psicopata aqui é você — rezingou Draco, com seu fastio se tornando quase palpável. 

Resmungando, Pansy soltou Hermione, e tal como fizera com Harry, reparou em cada movimento que a garota fazia.

— Está tudo bem, Mione? — indagou o amigo, observando a careta que ela fazia enquanto tapava os ouvidos. 

— Tudo sim, só está zumbindo um pouco porque gritaram no meu ouvido — explicou ela, lançando um olhar irritado para Pansy. 

E somente nesse momento que ela e Draco perceberam o aparelho auditivo discreto que a estranha usava. 

— Muito bem, vamos respirar fundo e nos acalmar — interviu o músico, suspirando enquanto fulminava Pansy com o olhar. — E vamos sair dessas escadas, já que meu disfarce está completamente arruinado e agora todos estão olhando mesmo — acrescentou dando de ombros, sem deixar de lançar um outro olhar acusador, dessa vez para o protagonista do incidente. Harry deixou a admiração de lado por um instante, não querendo nada além de gritar que a culpa não havia sido dele. Bom, não totalmente.

— Isso não vai mudar muita coisa, Dray, você só não vai poder apreciar as atrações do Museu sem ter um monte de abutres no seu pé — refletiu Pansy, se aproximando do amigo. — Se bem que apesar de estarem olhando, as pessoas ainda não perceberam que somos nós. 

— Mas agora é uma questão de tempo até que nos reconheçam, já que estão nos encarando — elucidou ele novamente, racional como sempre. 

— Eu sinto muito por isso — Harry manisfetou-se enfim, abraçando os ombros de Hermione protetivamente enquanto andavam perto de Pansy. — Eu não queria incomodar, acabei me afobando, desculpe. 

— Besteira — comentou Draco, balançando a mão em gesto de dispensa. — Não se preocupe, não guardo rancor — o músico decididamente resolveu ignorar a tosse falsa e acusatória da amiga. — Pelo menos dessa vez ninguém jogou uma calcinha na minha cara!

— Tem gente que joga calcinha na sua cara? — admirou-se Hermione, os olhos esbugalhados em choque. 

— Ah, sim, essas mulheres são todas loucas — intrometeu-se Pansy. — Elas com certeza não entendem nada de música clássica e só estão ali pela beleza do Dray. Isso é bem irritante, sabe? 

— Imagino que seja — concordou Hermione, balançando a cabeça. 

— Dray? — indagou Harry de repente, ao que Draco agradeceu pelo casaco: suas bochechas tinham ficado absurdamente quentes. 

— Coisa de amigos, você não entenderia — ele resmungou, encarando o estranho de soslaio. — Aliás, até agora nós não sabemos quem você é e por que veio andando até mim como se me conhecesse — acrescentou Draco, em parte para fugir do último tópico e em parte porque ele estava mesmo curioso. 

Àquela altura, ambos já estavam no topo da escada e se encaminhavam para o interior do museu enorme, cujo centro já possuía outra escada esperando. O salão principal do lugar estava cheio de pessoas vestidas de forma elegante, e as luzes douradas refletiam nas jóias caras que as mulheres usavam. Luvas de pelica ou de couro refinado de várias cores podiam ser vistas, e as mulheres pareciam travar uma espécie de competição de melhor vestimenta. Harry se sentiu repentinamente maltrapilho, e provavelmente algumas pessoas concordavam, já que o encaravam de forma desdenhosa. 

E foi assim que Draco Malfoy foi descoberto: as pessoas encaravam Harry e Hermione — que estava linda em seu vestido longo azul turquesa e luvas rendadas da mesma cor, mesmo que nenhum deles  tivesse custado um rim e mesmo que não usasse jóias caras ou algum penteado chique  — e em seguida suas requintadas companhias, que não usavam trajes tão refinados graças a tentativa de discrição, mas que ainda esbanjavam elegância. Reconhecer os cabelos loiros de Draco não era muito difícil, principalmente se ele estivesse acompanhado de uma cabeleira negra reluzente. Não demorou muito para que logo eles se vissem cercados de pessoas aparentemente cordiais, mas que na realidade eram verdadeiros lobos tentando arrancar algum pedaço do grande músico que se apresentaria ali naquele dia. 

Draco manteve sua postura impecável e foi gentil com todos, mantendo Pansy ao seu lado. Logo, o círculo que se formara em volta dele tinha dado um jeito de expulsar Harry e Hermione das proximidades, e foi inevitável para o garoto não sentir raiva e nojo daquelas pessoas sedentas por qualquer oportunidade de serem vistas e reconhecidas. Elas sequer davam valor ao trabalho de Draco, ou estavam ali ao redor dele apenas pelo prestígio, fama e boa aparência que ele possuía? 

Harry foi arrancado dos seus pensamentos por um toque gentil de Hermione, que apertava seu ombro num gesto acolhedor. 

— Vamos, Harry. Ele está ocupado agora — ela disse, começando a abrir caminho para alcançar a outra escada. 

— Mas… — argumentou ele, relutando em perder Draco de vista. 

— Não se preocupe, meu amigo — Hermione disse, sorrindo de forma confiante enquanto encarava o objeto de admiração de Harry. — Você ainda vai ter uma chance a sós com ele. A noite está apenas começando. 

— Hermione!

Ela ignorou seu fraco protesto e se pôs a subir a escada central rumo a atração que tanto queria ver. A Harry, só restou a opção de segui-la. Por algum motivo, a frase da amiga lhe deu alguma esperança: de fato, a noite tinha acabado de começar, e muita coisa poderia acontecer antes que ela chegasse ao fim. 

 

 

A verdade sobre festas? Draco as amava.

Ele amava a atmosfera quente e brilhante, a música suave entrecortada pelo murmurar abafado das conversas, as roupas elegantes e luxuosas, o toque da seda em sua pele e as bolhas de champanhe que estouravam em sua língua enquanto percorria o amplo salão com a delicada taça de cristal na mão e o braço bem enlaçado no de Pansy que alternava sorrisos e olhares afiados pela multidão. Ele a cutucou discretamente, franzindo as sobrancelhas ao se virar para ela e dizer:

— Quer parar com isso? Vai acabar assustando todos eles e então para que público eu acabaria tocando?

— Não se preocupe, querido, não quero assustar todos, só aqueles que olham de volta.

— Você é areia demais para o caminhãozinho deles? — alfinetou ele.

— Exatamente. — Ela sorriu largo, agitando os dedos para afastar alguns fios rebeldes que lhe cobriam os olhos. — Além do mais, sei de alguém que permaneceria aqui para te ver tocar.

Draco revirou os olhos e a guiou por um dos corredores laterais, procurando fugir um pouco da multidão e apreciar a exibição que era o objetivo daquela noite. Ele amava festas, de verdade, mas era das pessoas que não gostava muito. Sempre o cercando e o cobrindo de elogios pegajosos os quais ele sabia ser tão falsos quanto os diamantes que exibiam com tanta propriedade. No fundo, as palavras eram vazias e o jovem músico tinha ciência que por baixo delas havia um desespero ferrenho de cair em suas graças para que assim pudessem ganhar algo em troca. Olho por olho, não era isso que a lei de talião ensinava? Bem, eles que tentassem, Draco era muito melhor do que isso para se deixar levar por doces conversas. Ele não precisava delas, não precisava de nada além de sua música. Não dê atenção a eles, repetiu para si mesmo com firmeza.

— Não sei do que você está falando.

— Oh, por favor, não me diga que não percebeu o olhar do lunático que tentou te seguir lá fora. É óbvio que ele está caidinho por você, pobrezinho.

Draco ergueu o queixo. Ele não ia cair nas provocações dela aquela noite.

— Não, não notei. Estava ocupado demais assistindo você o enforcar. Precisa mesmo fazer isso todas as vezes?

— É divertido. — Pansy deu de ombros, nem um pouco culpada. — E não mude de assunto! O que vamos fazer com o seu mais novo fã?

— Nós não vamos fazer nada. Eu vou conversar com ele cordialmente e dispensá-lo com classe, coisa que você deveria aprender. 

— Vou ver se encontro um espaço para isso na minha agenda — ela devolveu, sem muito interesse. — Então ainda vai falar com ele? Por quê? Já os agraciou com a graça de sua presença, não deve mais nada.

Antes que Draco pudesse pensar em uma resposta à altura, um homem baixo, atarracado e com um espesso bigode entrou em seu caminho se curvando levemente.

— Sr. Malfoy — chamou. — Todos os preparativos estão prontos a sua espera. Por favor, permita-me acompanhá-lo.

— Depois — ele sussurrou para Pansy e virou-se novamente para o homem. — Mostre o caminho.

O homem, que Pansy o informou ser o curador do museu, os levou de volta para o salão em direção ao palanque erguido no centro onde um pianista testava as escalas para fazer o acompanhamento. Ele sentiu aquela energia nervosa que sempre precedia uma apresentação, a canção em seu sangue antecipando o momento que os dedos enfim envolvessem o arco e as notas pairassem no ar em busca de um destino. A amiga o beijou na bochecha para desejar boa sorte e retomou seu lugar junto a multidão que se aproximava para assistir. Ele retirou cuidadosamente o violino da case, acalmando-se com a sensação familiar da madeira lustrosa em seus dedos e do deslizar das cordas completamente obedientes ao seu comando. Estava tudo perfeito. Com uma última respiração funda, ele assumiu o seu lugar no centro, encaixou o instrumento sob o queixo e tocou.

Havia algo sobre tocar do qual Draco nunca se cansaria. Com os olhos fechados e todo o som suplantado pelo soar envolvente da música, ele quase podia dizer que estava sozinho. Não o tipo de solidão que se anuncia no silêncio e acompanha a melancolia do vazio a sua frente; mas aquela que o acolhia como um filho, que trazia a sensação de existir e lhe sussurrava gentilmente que aquele era o seu lugar. Era a música que pertencia. Ele se permitiu uma olhada rápida na multidão, encontrou o rosto sorridente e orgulhoso de Pansy e se permitiu um leve sorriso de volta. Mas tinha mais, uma espécie de energia incandescente que o chamava, conduzindo a melodia como se desejasse bebê-la e ainda assim não fosse suficiente. Ele se permitiu ser sugado e se derramou naquela direção, encontrando olhos verdes marejados em um rosto que vinha lhe seguindo desde o início da noite.

O violinista não sabia o que havia mudado ou mesmo como um simples olhar, uma mera reação a qual ele já esperava, pudesse o afetar tanto. O fato de ver aquelas lágrimas ali em um olhar que parecia tão sofrido, apenas o impulsionou. Draco tocou como nunca havia tocado, colocou em cada movimento do arco seus sentimentos, em cada mover dos dedos, sua alma. Ele se lançou na música, naquele verde vivo e se permitiu apenas ser quem era. Apenas uma criança que sonhava em tocar, sonhava em emocionar pessoas, em dar algo mais a elas; e havia conseguido. Pois aquele era o olhar pelo qual havia buscado por todo esse tempo.

Quando a música cessou e a mão que segurava o arco caiu ao seu lado sem forças, ele se sentia inflamado, as brasas que antes ardiam em seu íntimo totalmente transformadas em chamas incansáveis buscando por mais e mais daquele momento. Curvando-se para os aplausos, seu olhar buscou o verde que o havia despertado, mas ele não estava mais à vista. 

— Draco, isso foi incrível! — Pansy sussurrou, abraçando-o com força assim que ele desceu do palanque. — Viu o que eu disse? Eu disse que você não precisava de sorte. 

— É, sim, eu acho — ele murmurou, mas seus pensamentos não estavam naquela conversa, muito menos nas seguintes ou mesmo na fila interminável de pessoas que apareciam para parabenizá-lo pela magnífica apresentação. Seu corpo ainda zunia com a força daquele momento e ele tinha plena consciência de que aquela fora sua melhor performance desde que havia segurado um violino pela primeira vez. — Pansy, você pode cuidar disso? Eu preciso de um pouco de ar.

— É claro, Dray — ela piscou. — Só não vá fazer nada divertido sem mim.

— Você sabe que não — ele devolveu, mas no fundo estava agradecido.

Draco virou as costas e saiu andando rumo ao seu tão necessitado ar, atravessando o salão com destreza, praticamente flutuando ao desviar das pessoas que vinham em sua direção. Não aguentaria mais um segundo naquele sufoco de pessoas de fragrâncias caras e sorrisos falsos, e por isso andou mais rápido do que pretendia, alcançando o fim da escada central depressa. Só então, no último degrau, seu cérebro computou a outra presença que também descia rapidamente, mas que pareceu paralisar ao vê-lo. De fato, o pé direito do dono daqueles incríveis olhos esmeralda — que o afetaram tanto durante a apresentação — tinha parado no ar enquanto seus olhares se cruzavam mais uma vez, com intensidade o suficiente para fazer o mundo ao redor se tornar um borrão disforme e desinteressante.

E então o rapaz finalmente desceu o pé, porém foi descuidado em seu movimento, pulando um degrau e se desequilibrando ao torcer o tornozelo esquerdo, quando este enfim alcançou a solidez de mármore do outro patamar. Draco estava próximo o suficiente para encerrar a distância entre eles, agarrando o outro pela cintura, evitando que este caísse e rolasse escada abaixo. Claro que ele não se aproveitou da oportunidade de apertar aquele corpo contra o seu, nem de se agraciar com o calor que ele emanava — não, alguém de sua elegância e classe jamais faria algo do tipo.

— Se machucou? — indagou o músico, ainda sem soltar o outro, que fazia uma leve careta ao tentar firmar novamente o pé no chão.

— N-não, obrigado — gaguejou, parecendo muito constrangido.

— Precisamos parar de nos encontrar assim — Draco gracejou, com uma risada ao ver o vermelho tingir o rosto do outro. 

— Não, eu não… — ele se atrapalhou, demorando um segundo a mais para se livrar do seu agarre e se firmar nos próprios pés. — Sinto muito, não era a minha intenção.

— Um pedido de desculpas por um acidente? — sua sobrancelha se ergueu, provocando-o ainda mais. — Espero que não tenha deixado a Pansy te assustar, ela pode ser bem intimidante quando banca a protetora.

— Aquilo não foi nada — ele riu. — Comparado ao que passo quando a Hermione chega no período de avaliações finais, o que aconteceu foi quase um abraço fofinho. 

— Ela parece ter uma personalidade e tanto. — Draco sentiu seus lábios moldarem um sorriso e estendeu a mão para cumprimentá-lo adequadamente. — Sou Draco Malfoy.

— Eu sei. — Ele parecia bem envergonhado de algo, e por um instante Draco receou que ele não apertaria sua mão, mas ele o fez, sem conseguir esconder o brilho naqueles olhos que de perto tinham um tom ainda mais impressionante de verde. — Eu me chamo Harry Potter.

— Pois bem, Harry Potter, gostaria de me acompanhar em um passeio lá fora enquanto ambas as nossas companhias não nos dão o ar de sua presença? O ar aqui está me deixando um pouco sufocado.

Harry sabia que deveria voltar e procurar Hermione que certamente deveria estar no pé do Curador discutindo algum artefato antigo que se mostraria essencial para o avanço do futuro da sociedade ou mesmo para a possibilidade de se encontrar vida em outros planetas e todo esse blá blá blá científico, mas se viu preso por aqueles olhos claros e a fala confiante. Havia um quê de etéreo em sua presença, como se de repente uma das obras de arte houvesse decidido dar um passeio por entre os presentes. O aperto em seus dedos era firme e fazia circular por seu corpo uma estranha corrente elétrica que o deixava atrapalhado. Era difícil resistir a tentação de permanecer ali mesmo que fosse apenas por mais alguns instantes.

— Claro — ele se viu dizendo.

— Excelente. Vamos, então? — Draco indicou o caminho com um inclinar de cabeça.

Eles terminaram de descer as escadas sem que mais nenhum incidente acontecesse e atravessaram o enorme esqueleto pendurado no hall de entrada, parando apenas para reaver os seus casacos, o tempo todo uma voz estranhamente semelhante a de Pansy gritando em sua mente: “O que diabos você pensa que está fazendo?”. Draco não sabia, mas havia algo naquele rapaz que o atraia para perto como se eles fossem dois lados opostos de um ímã. 

— Então, você gosta de música? — Grande jeito de se iniciar uma conversa, Malfoy, se repreendeu internamente. De uma hora para outra, parecia que todas as palavras que conhecia, em mais de uma língua, por sinal, haviam desaparecido. O olhar surpreso e manchado por uma tristeza profunda sobre a qual ele se perguntava desde a apresentação grudou ao seu e Draco percebeu que talvez estivesse sendo invasivo demais. 

— Costumava gostar — ele respondeu, a expressão ainda sentida. 

— Imaginei que fosse esse o caso.

— Como?

— Seus olhos, eles pareciam tão melancólicos.— Draco percebeu que suas perguntas não estavam ajudando em nada a melhorar o clima e se sentiu como há muito não se sentia: confuso e vulnerável. Ele queria que aquele rapaz, Harry Potter, gostasse dele. Então completou, brincando em uma tentativa de aliviar a tensão. — Eu sei que minha beleza é capaz de fazer qualquer um chorar, mas presenciar isso fez maravilhas para o meu ego.

Funcionou. Harry corou e mexeu nos cabelos muito escuros de um modo sem graça, com certeza tentado a puxá-los para a frente de forma que pudesse esconder o rosto neles.

— Não é um elogio dizer o que já sabe, mas você estava realmente muito bonito tocando lá. — A cabeça dele se ergueu para o céu como se pudesse ver as estrelas sob a cobertura cinza das nuvens. Quando seu rosto se virou de volta para si, Draco sentiu o coração errar uma batida ao ver a luz tocá-lo, evidenciando os ângulos e o sorriso tímido que se abria em seus lábios. Até mesmo aqueles óculos ridiculamente arredondados pareceram bonitinhos por um instante. — Mas eu gostaria de agradecer mesmo assim, fazia muito tempo desde que uma melodia me tocava tanto. Na verdade, eu pensei que jamais fosse capaz de ouvir música novamente.

— Por qu…? — A pergunta não havia saído completamente quando ele sentiu ser conduzido pelas ruas em direção a uma pequena barraquinha vermelha cujo último cliente se afastava feliz com seu pedido. Ele olhou interrogativamente para o outro, se perguntando o que diabos ele estava fazendo, mas este apenas riu e disse:

— Essas festas podem ser chiques e tudo o mais, mas eu estou morto de fome. Você não?

Draco balançou a cabeça com uma vontade absurda de rir do seu comportamento recente. O que ele estava fazendo fugindo de um prestigiado evento no qual poderia encontrar várias pessoas que poderiam apoiar sua carreira para comer comida de rua com um estranho que até algumas horas atrás mal conhecia direito? Se Pansy pudesse vê-lo agora...

No fim, Draco não fez nada para o impedir, muito menos indicou que gostaria de voltar. Harry pagou pela comida com um punhado de notas amassadas enfiadas bem no fundo dos bolsos da calça social e eles sentaram em um dos bancos na rua, comendo Fish and Chips com os dedos frios e rindo sempre que um pouco de molho marcava o lábio superior como um bigode vermelho e gosmento. Para a sua surpresa, Draco estava se divertindo. Ele achava altamente prazeroso provocá-lo e ver todas aquelas expressões tão bem marcadas em seu rosto. O rapaz era como um livro aberto.

— Olhe só para nós, fugindo de uma festa chic para comer pipoca na rua como se fossemos duas crianças.

— Ah, deixa disso, Malfoy. — Harry riu. — Vai me dizer que não gostou?

— Não, não, isso é bom. Não tinha uma noite dessas há muito tempo, ser um músico reconhecido não significa viver cercado de amigos o tempo inteiro — comentou e quase ao mesmo tempo quis pegar as palavras de volta. O que havia dado nele? Desde quando saía soltando seus pensamentos mais profundos assim, sem mais nem menos?

Harry devolveu a pipoca que havia pego ao pacote e franziu a testa, um olhar preocupado nítido em seus olhos ao se virar para encará-lo.

— Eu sinto muito por isso, sei que as pessoas podem ser umas babacas e se importar apenas com as aparências. — Draco concordou, percebendo que ele não o estava julgando por ter uma vida boa e ainda reclamar disso. Pelo contrário, ele soava compreensivo, como se houvesse passado pelas mesmas coisas e entendesse de fato o que era estar sozinho em um mundo rodeado de pessoas. Ele se assustou quando Harry bateu as mãos na calça, sem se importar com os dedos sujos de caramelo, e pulou do banco que eles haviam sentado com determinação. — Bom, vamos então.

Uma onda de decepção o invadiu. Talvez ele houvesse entendido errado afinal. Talvez tudo tivesse sido apenas um delírio de sua cabeça após passar tantas noites se revirando na cama e se perguntando se estaria sozinho para sempre. Mas ele era Draco Malfoy, e não deixaria que o outro visse qualquer uma dessas emoções em seu rosto. Esconderia tudo na máscara de charme e sarcasmo que sempre utilizava e voltaria para a festa como se nada demais tivesse acontecido.

Eles refizeram os seus passos, porém, antes que Draco pudesse tomar o caminho que o levaria de volta ao salão agitado, Harry o segurou pelo pulso e o impediu de continuar,  perguntando em um tom confuso:

— Aonde você está indo? O caminho é por aqui.

— O quê? — perguntou, soando igualmente confuso, mas o outro apenas balançou a cabeça com uma risada.

— Não vamos voltar agora, tem um lugar que você precisa ver — foi tudo o que disse antes de o arrastar por uma série de corredores vazios e silenciosos nos quais ele tinha certeza que o seu acesso não era permitido.

Draco tentou esconder a apreensão que fazia seu coração martelar no peito e brincou em um tom provocativo: 

— Então Pansy tinha razão e sua intenção o tempo todo era me raptar? Eu já devia saber.

— O quê? Não! — ele recuou, soltando seu braço como se só agora percebesse o que estava fazendo. Era engraçado e adorável e fazia Draco querer ver mais. — Eu estava apenas querendo mostrar algo — tentou se justificar.

— Mas já? — Draco disse maliciosamente. — Não acha meio cedo para isso? Acabamos de nos conhecer e tudo que você me pagou foi uma porção de batatas e pipoca. Por acaso me acha barato assim?

— Não! Eu não quis… — ele começou, atrapalhado e vermelho, mas então algo brilhou em seus olhos, uma determinação feroz que causou em Draco um arrepio a lhe subir pela coluna. — Então quer dizer que não está nem um pouco curioso para saber aonde vamos? 

— Nem um pouco — disse em sua melhor voz de convicção. Harry apenas sorriu zombeteiro e desafiador, sabendo que aquilo era uma mentira.

— Tudo o que precisa fazer é confiar em mim e me seguir. — Ele retomou os passos em direção a um arco que terminava em uma porta de madeira de aparência pesada. Draco hesitou pelo tempo de uma respiração e então o seguiu. Harry não conseguia esconder o tom de animação em sua voz enquanto voltava a falar: — O lado bom de ter uma amiga nerd é saber essas pequenas coisas que para os outros parecem segredo.

Ele empurrou a porta e esta se abriu com facilidade. Então todo um mundo novo se abriu a sua frente. Havia verde por todo lado, cortado por canteiros de rosas e o murmúrio grave dos pássaros noturnos. Música doce e suave emanava da festa, mas esta parecia combinar com o ambiente, completá-lo até. Em um lugar como aquele, até mesmo a magia parecia possível. 

— Onde estamos?

— No Jardim da Vida Selvagem, lar de milhares de espécies da flora e fauna britânicas.

Draco riu.

— Você parece um daqueles robôs que fazem a visita guiada por áudio.

— Tenho certeza que sou muito mais bonito — Harry gracejou em uma tentativa de fazer charme, passando a mão pelos cabelo e os bagunçando mais ainda.

— Merece reconhecimento por ter tentado. Tem certeza que podemos estar aqui?

— Não, mas é isso que deixa tudo melhor.

— Você é louco.

— Então você não gostou?

Draco voltou os olhos para a visão diante dos seus olhos. O verde salpicado de pequenas fagulhas douradas, reflexos das luzes do interior que escapava pela janela. O ar entrava em seus pulmões e diminuía sua pulsação, fazendo-o relaxar e o deixando mais calmo do que jamais havia ficado. Era como se eles estivessem em um universo à parte, longe de todos os males e sensações negativas que poderiam consumi-lo. Pela primeira vez em muito tempo, Draco encontrou a beleza em um local solitário. 

— Eu não disse isso. 

— Foi o que pensei. — Harry sorriu de forma brincalhona. — Sabe o que é melhor do que ver isso? Explorar. — Naquele instante, Draco se sentiu jovem novamente. O fato é que ele era jovem, mas sentia como se os anos pesassem em suas costas, tornando-o essa pessoa ácida e desacreditada no mundo. Era bom por vezes ser lembrado que certas coisas ainda tinham sua nota de encanto e a capacidade de surpreendê-lo. Harry pigarreou e estendeu a mão, o pedido mudo em seus olhos combinando com a aura de tranquilidade do lugar. — Você vem?

Draco olhou dos dedos estendidos para os olhos verdes e brilhantes com sua ponta de tristeza, então colocou sua mão sobre a dele e decidiu:

— Estou logo atrás de você. 

 

 

Os saltos de Pansy Parkinson faziam um barulho firme e ritmado enquanto ela andava pelo salão, se esticando para tentar ter um vislumbre da cabeleira loira. Iria matar Draco por sumir no meio de um evento tão importante, ah, se ia! Ainda varrendo o salão com o olhar, ela encontrou uma familiar massa de cachos castanhos e soltos que pareciam virar de um lado para o outro a todo momento, como se estivesse procurando alguém também.  Antes que pudesse pensar direito sobre o que estava fazendo, Pansy se viu marchando até a jovem com passos firmes e decididos. 

— Oi, amiga do psicopata stalker, procurando alguém? — indagou ao se aproximar. 

— Ele não é um psicopata stalker — replicou ela, revirando os olhos. — E é Hermione Granger, eu já disse. 

— Certo, então. Senhorita Granger, está procurando alguém? — Pansy reformulou a pergunta, sem esconder a pontada de sarcasmo na voz. 

— O Harry, claro. Não sei onde aquele boboca se enfiou, ele sempre faz isso! — Hermione reclamou, batendo um pé no chão como uma criança emburrada. 

Ahá, eu sabia! Estava certa o tempo todo! Esse garoto sequestrou o Dray. Mas pra onde diabos ele o levou? Pode ir começando a falar, espertinha.

— Eu tenho certeza que o Dray poderia ter recusado, se quisesse. Conhecendo o Harry como eu conheço, ele deve ter saído para comer alguma coisa porque esse lugar chique não tem uma comida de verdade para servir. Então se ele por acaso encontrou o Senhor Malfoy, provavelmente deve ter o arrastado com ele. Chiqueza sem comida não vale de nada, essa é a verdade — tagarelou Hermione, parecendo mais tranquila. — Bom, se eles estão juntos, não tenho com o que me preocupar… acho que vou procurar aquele curadorzinho de novo e lhe dar uns sermões, nunca vi um Curador de evento tão grandioso ser mais negligente e desinteressado.

Aceitando que não podia fazer nada a respeito do sumiço de Draco por ora, Pansy achou que seria divertido importunar a garota tagarela e nerd, além de ser uma boa oportunidade de arrancar algumas informações acerca do psicopata stalker. 

— Se o destino é semeação da discórdia, lá eu estarei — anunciou de forma falsamente diplomática, se pondo ao lado de Hermione para caminhar com ela. 

— Não tem nada de discórdia — a garota riu, balançando a cabeça em negativa. — Vamos apenas semear o conhecimento. 

— Nada de voadoras e estrangulamentos, então? — lamentou Pansy, fazendo beicinho. 

— Você tem certeza de que não é a psicopata da história? — Hermione indagou, a olhando com sobrancelhas erguidas e mão na cintura, como se estivesse preocupada com sua própria segurança. 

Por um minuto, ambas se encararam sem dizer nada, paradas no meio do salão principal . No momento seguinte, elas riram e voltaram a caminhar. 

Hm, até que você não é tão irritante quanto pensei — comentou Pansy quando elas viraram num corredor qualquer. 

— Ora, muito obrigada — agradeceu Hermione, irônica. 

— Disponha — a mulher fez uma reverência exagerada, tendo como resposta mais uma risada gostosa de Hermione. 

Elas andaram por alguns minutos, desviando de várias pessoas com destreza, Pansy encarando todos de cima graças ao seu salto quinze, enquanto Hermione precisava se esticar nos próprios pés para tentar achar o maldito atarracado de meia tigela, como ela mesma o chamara em seus resmungos. 

Pansy ficou uns momentos observando o modo como Hermione estreitava os olhos para enxergar abaixo das luzes, como fazia uma careta quando alguém falava alto demais perto dela — algo que a fez se sentir ligeiramente culpada pelo primeiro contato que fizera com a moça —  e como esticava as mãos ao lado do corpo para se estabilizar ao se esticar para enxergar acima das cabeças mais altas. Era interessante — não, encantador era a palavra certa. E Pansy Parkinson não era do tipo que achava qualquer pessoa encantadora, por isso se viu um pouco hipnotizada ao observar a outra. Pelo menos até o "maldito atarracado de meia tigela" aparecer ao seu lado, atrapalhando sua contemplação silenciosa. 

— Com licença, senhorita? — ele pigarreou polidamente, dirigindo-se para Pansy. 

— Pois não? — ela encarou o homenzinho com as sobrancelhas erguidas, quase que desafiando-o. 

Hermione manteve-se quieta e atenta ao diálogo, pois mesmo que tivesse passado todo aquele tempo procurando pelo homem, não seria rude de interromper a conversa alheia, então apenas ficou ali, esperando pacientemente ao lado deles. 

— Alguns fotógrafos estão reclamando sobre o sumiço do senhor Malfoy, dizem que dispõe de compromissos e que o senhor Malfoy deveria honrar os dele — disse o homem, mantendo uma sábia posição apartidária enquanto falava. 

— Eles falaram o que? — Pansy gritou, indignada. — Estão sendo pagos para isso, não são? Ora, quem tem que cobrar qualquer coisa aqui sou eu: se não tivessem ocupados bajulando os riquinhos por aí, teriam pego Draco antes dele sair. Como diria ele, pelo amor de Hilary Hanh, é de cair o…

Pansy se interrompeu antes que descesse demais seu nível. Não que se importasse muito com o cenário imponente e as pessoas aparentemente chiques ao redor (uma ova!, ela sabia bem que aquele povo também tirava meleca do nariz), mas de repente ela lembrou que estava gritando e que alguém ali perto não ia gostar, e isso pareceu ser um detalhe muito importante. Mal tivera tempo de se desculpar pelo primeiro grito, e já estava ali gritando de novo.

Ao se virar para encarar os olhos castanhos e astutos de Hermione, percebeu que ela não estava mais ali; estava distante, no outro lado do salão, e acompanhada do tal amigo, o que indicava que Draco devia estar de volta. Trincando os dentes, Pansy bateu seus saltos de agulha no chão, dando as costas para o curadorzinho, determinada a encontrar Draco, participar das sessões de fotos para a Vogue — ou a porra que fosse — e soltar alfinetadas amargas para os fotógrafos folgados. Faria todos eles pagarem por terem a impedido de fazer algo que ela realmente desejava fazer: aproveitar mais da companhia de Granger. 

Erguendo o queixo, Pansy decidiu que faria isso, porque teria outras oportunidades. E se não tivesse, as criaria. Afinal, odiava terminar histórias com a impressão de que faltava algo — que naquele caso específico, era a retratação por gritar tanto ao lado de Hermione sabendo que isso causava-lhe grande mal estar. Ela era Pansy Parkinson e se desculparia a altura do próprio nome, ah, se ia! 

 

 

Apesar de não desejar que aquela noite chegasse ao fim, Draco se viu em pé na entrada do Museu de História Natural onde tudo havia começado. Os convidados saíam, comentando uns com os outros sobre a festa e por vezes lançando olhares surpresos para o violinista, reparando nas roupas amarrotadas e no vermelho em suas bochechas causado pelo esforço revente. Draco não se permitiu abalar, apenas ergueu o queixo e colocou no rosto sua melhor expressão de inabalável confiança. A confusão e o barulho da indomável cidade quase parecia surreal após a calmaria silenciosa do jardim, cortada apenas pelo som de suas vozes a discutir enquanto se perseguiam pelo labirinto verdejante. Ele não tinha ideia de quanto tempo haviam passado ali, mas suas mãos, os dedos que cuidava com tanto afinco, ainda se recusavam a soltar os de Harry. Estar assim, ligado fisicamente a ele, era como viver em uma realidade paralela onde a vida normal e as coisas normais que todos faziam também fossem possíveis para ele. 

— Obrigada pela noite, eu me diverti muito invadindo espaços com você — Harry pigarreou, sem saber exatamente o que dizer que não soasse tanto como uma despedida definitiva.

Draco também tinha muito a agradecer naquela noite, mas começaria por algo simples.

— Na verdade, Senhor Potter — Sua voz arrastou as sílabas, o final soando com um 'ah'. —, eu quem preciso te agradecer.

Harry o encarou visivelmente confuso.

— Por quê?

Draco lambeu os lábios ainda doces da pipoca e inclinou a cabeça para mais perto dele para sussurrar:

— Por me fazer tocar como nunca tinha feito antes.

O sorriso que recebeu em resposta, junto ao rubor mal disfarçado, superou o arrepio que sentia ao ser aplaudido de pé por uma plateia lotada; era muito, muito melhor.

— O prazer foi meu. Estou sempre disponível quando quiser repetir a dose.

Ao longe, ele já podia ouvir os gritos desesperados de Pansy e as reclamações pelo seu sumiço. No momento, isso não tinha muita importância. Havia apenas os olhos verdes e brilhantes de Potter e as covinhas convidativas em sua bochecha. Draco se sentia vivo e em chamas. Por isso, não poderia deixar aquilo passar. Ergueu a sobrancelha e abriu seu melhor sorriso malicioso.

— Lembrarei disso no futuro.

 






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Notas finais do capítulo

Gostaram? Não deixem de expor suas opiniões, é muito importante para nós.

Por hoje é só, até a próxima.



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