Vibrato escrita por Artemísia Jackson


Capítulo 1
Lost song


Notas iniciais do capítulo

Hello, olha eu aqui de novo. Dessa vez não venho sozinha, essa lindeza aqui tem uma mão pesada da madrinha que mais amo, uma escritora incrível e ótima pessoa pra se trabalhar em conjunto: Nathymakis ♥

A culpa desse plot é uma imagem do face mais um vídeo que vi, cujo mencionou algo sobre essa teoria de David Hume ?” que infelizmente não tem muitas outras fontes a não ser que você esteja disposta a ler 300 páginas de tese (eu não estava, nem a madrinha).

O capítulo tem uma música tema, como todos os outros terão. O link pra música está bem aqui:

https://youtu.be/zVVUJLQnflA

Vou lançar a epígrafe junto com o capítulo porque só assim pro Nyah aceitar :v

Enfim, é um dos meus novos trabalhos favoritos porque tá lindo, é meu primeiro trabalho conjunto, foi feito com a madrinha e é Drarry :3

Enfim, deixa eu parar de enrolar: boa leitura.



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Epígrafe: 

O som do piano os levou embora 

O violão foi o sabor da minha derrota 

A flauta foi a trilha sonora da morte da minha alma

E assim, a música jogou tudo que eu ainda possuía fora 

 

Os sons reverberando em meus ossos sempre traziam más lembranças

Da época em que eu era uma doce criança 

Da época em que meu castelo desmoronou

E nada além de um lugar que não era meu me sobrou

 

Eu odiava melodias 

Até que conheci a sua, num chuvoso e frio dia

Minha vida, que era sempre nublada 

Começou a ficar ensolarada 

 

Você me trouxe os sons que eu queria ouvir 

Me salvou de mim 

Me mostrou que não só ódio é como um instrumento de corda: 

O amor também ecoa para sempre na nossa alma.

***

A lembrança mais antiga de Harry Potter envolvia sua mãe rodopiando com ele ao som de uma doce melodia que ecoava da vitrola sempre presente no canto da sala. Havia a risada de seu pai vinda de um canto atrás dele, dizendo a ela como parecia uma ninfa em toda a sua graciosidade, e a sua própria gargalhada infantil de quem não entendia o que estava acontecendo, mas sabia que aquilo, aquele momento, era perfeito por si só e fazia a felicidade borbulhar para fora de seus pulmões causando um enorme sorriso no rosto dela. 

Ele sempre pensava nisso quando passava pelo que havia restado do local, ainda cercado por faixas da polícia e sem metade do charme refulgente que outrora tivera. Gostava de lembrar deles assim: alegres e cheios de vida, não frios e pálidos, tão distantes de tudo que acreditavam para a vida. Tão distantes dele agora. Mesmo em sua breve década de vida, Harry sabia o quanto havia perdido. Podia sentir isso nos olhares penalizados lançados em sua direção no que era uma tentativa de discrição, mas sequer chegava perto de uma; nos sussurros de “Perder os dois pais tão jovem assim, pobrezinho…” e nas condolências oferecidas por cortesia. 

A realidade era que nenhuma daquelas pessoas se importava de verdade, nenhuma delas os conhecia como ele. E apesar dos pais serem bem falados no mundo da música, famosos até, eles não sabiam da mania de Thiago de curvar o pescoço sempre que chegava ao fim de uma música no piano, de como Lílian tinha a case do violoncelo repleta de adesivos floridos que o pai vivia a lhe presentear ou do modo que ela o girava pela sala recitando trechos de músicas dos grandes mestres e o deixava comer gotas de chocolate sempre que acertava uma. Sua casa costumava ser daquele modo: cheia de risos e melodia, um lar feliz. Agora, tudo que havia restado era a poeira que se acumulava sobre os discos e o silêncio que pesava sobre os cômodos como um grosso cobertor, abafando tudo que um dia havia sido e cobrindo o lugar com uma melancolia dolorosa.

Harry não voltaria mais lá. 

Ele havia chorado naquela noite em que tudo havia acontecido. Sentira suas lágrimas escorrendo pelas bochechas enquanto as pernas tremiam, o medo as prendendo no mesmo lugar e deixando-as incapazes de o levar adiante, cobrir os metros que os separavam e estender sua mão como se ele pudesse salvá-los. Em um segundo, as luzes dos holofotes brilhavam em todo o seu fulgor e os aplausos ansiosos reverberavam junto ao orgulho em seu peito — aquela era uma grande oportunidade, apresentar-se no Carnegie Hall, a grande casa consagradora de artistas em Nova Iorque, faria maravilhas para a carreira dos dois; no segundo seguinte, houve uma faísca e então as chamas lamberam o veludo vermelho e macio e os delicados instrumentos, arrebentando e curvando as cordas, se espalhando pelos assentos e causando pânico generalizado. Ele lembrava de conseguir enfim dar aquele primeiro passo, mas de logo em seguida ser agarrado por mãos desconhecidas e arrastado em direção a saída, sua voz perdida em meio a algazarra, o grito por eles engasgado na garganta enquanto o fogo avançava e avançava, incansável em sua busca por ar a ser consumido.

 Ainda coberto de cinzas, com a roupa formal amarrotada e os óculos perdidos em algum ponto da fuga, ele recebera a notícia: seus pais estavam mortos. O incêndio — resultado de uma falha no circuito elétrico — fizera 23 vítimas e vários feridos, mas, para Harry, em toda a maturidade que uma criança de 10 anos conseguia ter, o verdadeiro culpado era a música. Se não fosse por ela, eles não estariam ali naquela noite e nada daquilo teria acontecido. Ele não estaria sozinho ao lado do caixão deles, tão pequeno em seu terno emprestado, tão vazio e surdo às vozes que cochichavam, tão devastado pela perda e pelo luto que sequer parara para se importar com o fato de que em breve estaria deixando seu país, tudo que conhecia, para embarcar em um avião em direção ao outro lado do oceano onde a família da irmã de sua mãe o criaria a partir de agora, a mesma irmã que a havia expulsado de casa em desdém quando sua mãe ousara dizer que trilharia o caminho dos artistas. Apesar de todas as dificuldades, ela havia prosperado, conhecera seu pai e ambos fizeram o seu nome e a mãe nunca mais voltou para lá, dizia não precisar de mais nada além da família que havia formado agora. No final, ela havia mentido. O para sempre não era realmente infinito.

A milhares de quilômetros no ar, Harry observara a terra se distanciar, despedira-se dos arranha-céus impossivelmente altos, das luzes vibrantes que transformavam a noite em dia, dos campos verdes nos quais um dia correra, da casa na qual fora criado e de todas as raízes que deixava para trás. Nada mais o prendia ali, ele não tinha mais nada a perder. Sua chegada a casa da Tia Petúnia fora tão bem recebida quanto um machucado. Ele havia acertado em seus pensamentos, nenhum deles o queria ali tanto quanto Harry não desejava ficar. E, embora aquela dinâmica não fosse das melhores, porque não tinha outro lugar o esperando, ele ali permaneceu.

Ao longo dos anos, Harry evitara ouvir qualquer tipo de música. Havia sido ela a grande vilã, a responsável por tirar dele seus pais e jogá-lo naquele mundo cinzento e cruel que era a grande Londres, com parentes grosseiros e apenas a memória de ser amado para lhe fazer companhia nas noites frias e chuvosas. Sempre que o mínimo soar de uma melodia o atingia, seus ouvidos eram tomados por um zumbido alto e agudo que obscurecia tudo ao seu redor e trazia de volta a memória daquele momento, do fogo e das vozes, do próprio medo e impotência, da pontada de dor que parecia nunca desaparecer. Ele se encolhia em uma bola protetora, joelhos sob o queixo, e murmurava para si mesmo que nada daquilo era real, que os pais já estavam mortos e ele não podia fazer nada a respeito. Era triste e doloroso e ele odiava cada momento, cada nota que o fazia sentir tudo desabar sobre si novamente.

Em algum momento ao longo da trajetória, Harry ouvira dizer que o tempo curaria todas as feridas, que tornaria tudo mais fácil e suportável, mas o que eles não diziam era que restariam cicatrizes, profundas demais, enraizadas demais no âmago de seu ser, as quais nunca desapareceriam nem sequer parariam de doer. Um lembrete constante do quanto seu coração havia sido machucado e de como certas coisas sempre nos acompanhariam durante a vida, não importando o esforço que se fizesse para esquecê-las ou deixá-las para trás.

Além disso, mesmo que quisesse, ele não poderia esquecê-los. Deixá-los no passado seria o mesmo que perder aquela parte sua a qual se agarrava tão firmemente dia após dia, a mesma que um dia soltara gargalhadas de alegria que traziam rugas de contentamento aos sorrisos deles. Não, Harry a manteria viva, ele se manteria vivo nesse mundo por eles.

Quando as coisas ficavam demais, ele tinha Rony e seus irmãos sardentos e de cabelos muito vivos. Rony que ele conhecera por sorte na escola primária, que não fazia perguntas, apenas o arrastava para os feriados em família e o fazia se sentir querido e incluso quando os Dursley o enxotavam de seus jantares elegantes por medo do que as visitas falariam. Já quando as coisas ficavam silenciosas demais e ele se deixava cair naquele poço de melancolia que jazia permanentemente em seu peito, ele tinha Hermione, sua voz ressonante enumerando fatos e curiosidades que havia lido em algum lugar com a velocidade de um foguete, com olhos castanhos muito brilhantes que nunca se afastavam do seu sonho de ingressar na NASA e a sua aura firme que nunca o deixava desistir. Havia dias que ele deitava no seu quartinho minúsculo localizado no sótão e pensava sobre o quão sortudo ele era, tinha um teto sob o qual morar, amigos que se importavam verdadeiramente com o que lhe acontecia e um futuro pela frente. Nesses momentos, ele era grato pela vida e pela oportunidade que lhe fora dada. No entanto, era impossível deixar de imaginar quanto daquilo poderia ter sido diferente caso os pais houvessem sobrevivido e estivessem presentes ali com ele o tempo todo, sempre exprimindo o seu apoio a cada decisão e deixando claro o seu amor incondicional. Nessas horas, o pesar amargava os sentimentos bons e ele se virava na cama por minutos afins se perguntando “e se?”. 

A convivência com os Dursley não era fácil. Metade do tempo eles pensavam em Harry como sua empregada particular — embora eles tivessem dinheiro o suficiente para uma — e o garoto alternava entre os momentos na escola e as diversas tarefas que precisava cumprir para que lhe fosse permitido jantar; e na outra eles o tratavam como um bicho de estimação indesejado que apenas fazia sujeira e era indigno de permanecer naquele espaço por mais tempo. Era nesses dias que o garoto fugia para a casa de um dos dois únicos amigos — por mais que ele se sentisse mal por estar os incomodando — e ali passava vários dias até que os Dursley se acalmassem e ele pudesse enfim retornar. “Só mais alguns anos”, dizia a si mesmo, riscando dia após dia no calendário escondido sob a cama, só mais alguns anos até que atingisse a maioridade e assim pudesse dar adeus aquela vida de obrigações e maus tratos definitivamente.

E quanto a música que um dia tanto havia feito parte da sua vida, quem precisava dela, não é mesmo?

 

 

As nuvens cobriam o céu naquela manhã fria de domingo. Gélidas e finas gotas de chuva caíam como jóias prateadas, criando no chão poças que refletiam o caos da grande metrópole que era Londres. Harry gostava do tempo nublado, porque combinava com seu humor, e, além de tudo, concedia um ar mais interessante à sua praça preferida: Trafalgar Square. 

Com passos lentos e cuidadosos para evitar as poças, ele caminhou pelo seu refúgio favorito, observando as esculturas. Era sempre assustador observar o tamanho do Almirante Nelson, um homem que até os dias atuais era lembrado por comandar a frota naval britânica que vencera as frotas da França e Espanha durante uma das guerras napoleônicas. Não que Harry fosse um nerd de história — a convivência com Hermione devia o estar afetando mais do que pensara —, mas morando numa casa com tio Válter, tia Petúnia e Duda, não sobrava muitos passatempos que não fossem ler os livros didáticos da escola. 

O jovem estava parado de frente para a coluna enorme do Almirante quando o som alcançou seus ouvidos e inundou sua alma como se esta fosse um copo vazio a ser preenchido pela chuva. O rumor penetrou em sua pele, reverberou pelos seus ossos e então alcançou seu âmago com notas suaves e lânguidas que misturaram-se a sua própria melancolia, unindo-as num elo que ele descobriria ser inquebrável depois daquela tarde chuvosa na Trafalgar Square. 

Os olhos de Harry se arregalaram, a garganta secou e ele tremeu, virando a cabeça na direção do som que vinha do seu lugar favorito na praça: a fonte. Uma pequena aglomeração se avolumava por ali, e ele se aproximou a passos trêmulos. O coração ribombava conforme mais e mais notas jorravam pelo ar e o encontravam no caminho. Para ele, que tinha dificuldades de ouvir qualquer melodia por mais simples que fosse, estar exposto e vulnerável assim era um acontecimento tão raro que se viu empurrando as pessoas com seus ombros, ignorando os resmungos. Não existia nada mais naquele momento além daquela música, daquela melodia que parecia lhe puxar com uma corda invisível. Ele esqueceu o porquê de estar ali tão cedo em um domingo, esqueceu de pôr as mãos sobre os ouvidos para impedir as notas de o alcançarem, esqueceu o embrulho em seu estômago que aquele fato lhe causava e apenas se deixou levar.

Quando enfim alcançou o início da aglomeração, teve certeza que aquilo só podia ser uma aparição divina: de pé ao lado da fonte, um garoto alto, loiro e elegante tocava um violino com a delicadeza do sopro de uma brisa primaveril, o som envolvendo-o como um véu invisível, sobrenatural e lindo. O garoto parecia estar flutuando, se sobressaindo como uma estrela brilhante em meio àquela paisagem cinzenta e nublada, conduzindo as pessoas perdidas a orbitarem ao seu redor em um silêncio deslumbrado. 

Harry não se lembrava exatamente da última vez que ouvira música e gostara do som. Desde o acidente dez anos atrás, ele odiava música, odiava as lembranças que ela lhe trazia. Porém, naquele momento, ele sentiu como se estivesse sendo renovado, como se um toque mágico se infiltrasse pelos seus poros e aliviasse a dor das suas feridas apenas por entender como elas doíam. Era lindo, e ele não soube dizer quando as lágrimas começaram a correr — Harry não chorava desde aquela noite —, apenas deixou que elas rolassem, caíssem e lavassem sua alma exatamente como aquela melodia fazia. 

O estranho ainda tocava, imerso em seu movimento repetitivo de deslizar o arco pelas cordas do violino para produzir o som que flutuava ao redor, os dedos esguios posicionando-se com maestria e fluidez. O músico parecia perdido, à deriva em um mundo particular, do qual nada além dele e a música participavam. Esse pensamento causou em Harry um tremor e o fez constatar que qualquer que fosse o mundo, ele também queria fazer parte. 

Se alguém perguntasse ao jovem, ele não saberia dizer por quanto tempo ficou ali, sendo embalado pelas notas que soavam do violino, pela melodia que despertava um amor e interesse que por todos aqueles anos estivera sufocando. Harry estava tão perdido que se esqueceu o motivo de estar ali naquela praça: seu encontro com Hermione. De fato, ele não teria lembrado se não tivesse sentido um aperto repentino em seu braço, seguido de um cravar de unhas irritado. 

— Finalmente te encontrei, Harry! — exclamou a garota, arrancando-o do estado imerso em que se encontrava, no exato momento em que o músico se curvou em uma reverência e se virou para partir. — O que está fazendo aqui? Pensei que a gente tinha marcado de se encontrar na cafeteria da esquina.

— O quê? — confundiu-se o garoto, tentando enxergar aquele que roubara seu coração com uma melodia de violino, mas este último já estava longe, ao lado de uma mulher que parecia manter todos a uma distância segura. 

— Chamando, Terra para Harry, chamando — resmungou Hermione, acenando as mãos em frente ao rosto do amigo. 

— O quê? — repetiu Harry, finalmente encarando a amiga dessa vez. Ele notou que ainda tinha lágrimas escorrendo pelas bochechas e tratou de limpá-las o mais rápido possível no cachecol envolto em seu pescoço. Hermione, mostrando ser a boa pessoa que ele sempre soube que era, não comentou nada a respeito. — Ah, oi, Mione. Me desculpe, acabei me distraindo. 

— Percebi — retrucou ela, agarrando-o pela mão e o arrastando para a beira da fonte onde poderiam se sentar como sempre faziam naqueles encontros. — O que é que o cara bonitão tinha de tão especial? 

— Você não ouviu? A música dele? 

— Não, desliguei esse troço porque as pessoas estavam fazendo tanto barulho! — exclamou a jovem, apontando para seu aparelho auditivo. — E aliás, achei que não gostasse de música — acrescentou Hermione, de forma cautelosa devido a ciência de que aquele era um assunto delicado. 

— Não gosto, mas esse som… foi tão diferente de tudo que ouvi na vida, Mione! Era tipo apanhar e receber carinho, tipo se quebrar e ser consertado, entende? — divagou Harry, meio alucinado. 

— Hmmmm, não?! Você tá andando demais com a Luna, Harry. Mas enfim, fico feliz que se sinta assim e tudo mais, porém preciso que mantenha o foco: temos um seminário para entregar na próxima semana e realmente precisamos repassar como vai ser a apresentação. 

— Focada como sempre, não é? — ele suspirou, os olhos ainda buscando na multidão os cabelos claros e a postura elegantes, mesmo sabendo que agora era tarde demais e ele já teria desaparecido. — Muito bem, vamos ver a apresentação. Mas primeiro, eu preciso de café. Está cedo demais para isso em um domingo.

— Isso ainda vai acabar te matando — ela comentou em um tom exasperado e desistente, enquanto eles se levantavam e esfregavam as gotículas que haviam respingado em suas roupas, para então caminharem até o local original de encontro.

Harry até tentou se concentrar nos slides que a amiga exibiu no notebook, mas foi impossível controlar sua mente, que sempre voltava para o mesmo pensamento: o violinista que tocava tão lindamente a ponto de fazê-lo sentir aquela chama de paixão pela música reacender. Nem mesmo uma xícara fumegante de expresso conseguiu deixá-lo focado o suficiente para a tarefa. Hermione sabia reconhecer uma batalha perdida quando via uma, de modo que meia hora depois ela resolveu fechar o PowerPoint para abrir o Instagram. 

— Sem condições de falarmos sobre trabalho enquanto você não stalkear o cara do violino — concluiu ela, digitando algo na aba de pesquisa do aplicativo. 

— Tem como fazer isso? — indagou ele, esperançoso. 

— Em que mundo você vive, Harry? É óbvio que tem, só preciso jogar Trafalgar Square e ver os posts de hoje que possuem essa localização. Com certeza alguém gravou e publicou para mostrar que é culto e curte música clássica… Ahá! Foi fácil demais, até — comemorou Hermione, clicando em um vídeo que mostrava o evento com clareza. 

Embora o registro fosse bem amador e tremesse muito, era possível apreciar a apresentação de modo satisfatório. Os amigos ficaram ali, vidrados no som que saía do notebook, que embora não fosse igual a magnitude de presenciar ao vivo, ainda era edificante e hipnotizante. Ao fim do vídeo, Hermione tinha algumas lágrimas no canto dos olhos. 

— Harry, isso foi tão lindo! — ela exclamou, maravilhada. — Por mais que as pessoas tenham pena de mim quando vêem esse aparelho auditivo, eu sou muito grata por meus pais terem se esforçado para comprá-lo. Esse tipo de coisa sempre me deixa feliz por ainda ouvir alguma coisa, sabe? — desabafou ela, emocionada. 

Sem saber bem o que dizer, Harry apenas assentiu positivamente, demonstrando que entendia. Pareceu ser o suficiente, já que a garota lhe sorriu contente e voltou-se para o aparelho que segurava, lendo a legenda e os comentários numa tentativa de encontrar alguma menção ao músico. Enquanto esperava pelos resultados, o garoto se pôs a refletir o quanto Hermione e ele se pareciam naquela questão: pessoas sentiam pena deles, mas não os entendiam de fato, nem sabiam nada sobre eles e sequer tentavam entender, apenas fingiam generosidade só para se sentirem bem consigo mesmas. Harry odiava aquelas pessoas, e embora sua amiga não falasse sobre esse assunto com frequência, sabia que ela sentia a mesma coisa. 

— Ahá! — Hermione exclamou novamente, arrancando Harry de suas reflexões. — Eu disse que ia ser fácil, Harry, encontrei a conta dele marcada num comentário de uma louca que até se esqueceu de elogiar a música elogiando a beleza do músico — caçoou ela, se aproximando do amigo enquanto posicionava o notebook no centro da mesa e mais próximo deles, para que enxergassem melhor.

— Você é realmente boa nessas coisas, Mione — elogiou ele, animado, enquanto observava ela descer pelo feed do artista. 

— Isso não é nada, ainda tenho que ralar muito se quiser entrar para a NASA nesta vida. Mas veja só, quanta elegância tem esse sujeito. Draco Malfoy… Até o nome dele é elegante, não acha? — comentou a garota, acelerando a descida até que pudesse chegar nas primeiras postagens. 

— Ele parece reservado, né? — apontou Harry, notando que a maioria das publicações eram demasiadas formais, nada muito íntimo ou pessoal. Além disso, reparou o garoto, não havia vestígios da família do violinista, ninguém o acompanhava nas fotos e apresentações além da mulher que estivera ao lado dele naquela tarde. — Acha que é a namorada dele? 

— Não sei, mas acho que não. Reconheço uma aura de amizade quando vejo uma, e também reconheço um gay quando vejo um. Draco é, com certeza! 

— Lá vem você com esse gaydar, Mione — murmurou Harry, revirando os olhos. 

Quando conhecera Hermione e ela lhe contara sobre sua habilidade, tinha achado a característica muito engraçada. Mas depois de conhecer Luna e vê-la constatar que se ele não fosse gay, era no mínimo bissexual, Harry tinha deixado de achar engraçado.  

Não que ele fosse preconceituoso ou algo do tipo, mas pensar sobre aquilo era chocante para si. Na verdade, pensar em se atrair por qualquer pessoa lhe parecia chocante, uma vez que nunca se vira aspirando por um romance. Afinal, quem iria querer um órfão problemático, calado e que não suportava ouvir nenhum tipo de música? Harry se achava complicado demais para tentar algo com quem quer que fosse, e achava que as pessoas eram normais demais para entendê-lo. Seus únicos três amigos eram todos esquisitos: Rony, com seu senso de humor rústico e típica falta de noção, Hermione com seu gaydar e mania atípica de recitar trechos de livros que ninguém além dela se importava em ler e Luna, que conhecera somente no ensino médio e que, além de usar roupas e adereços extravagantes e também possuir o tal gaydar, tinha um hábito de falar coisas francas demais para pessoas que não tinham preparo suficiente para ouvi-las. 

— Isso é uma sensibilidade natural, Harry, você não entende — retrucou ela, fazendo um gesto de dispensa com a mão. — Enfim, eu já estou seguindo a conta e mandei o perfil para você stalkear como bem entender quando estiver em casa. 

— Ah, sim… a propósito, você poderia fazer aquela coisa mais uma vez? Os Dursley mudaram a senha do wi-fi de novo. 

— Mas o que há com essa gente? Você não tem o direito de ter uma droga de internet? Escuta, Harry, porque você não deixa eu ir lá treinar uns golpes no seu primo? — ofereceu-se Hermione, referindo-se aos golpes de muay thai que andava aprendendo no YouTube. 

— Você não vai querer sujar suas mãos com aquele leitão nojento, acredite em mim. E além do mais, eles não mudaram a senha por minha causa, nem desconfiam do celular que você me deu — Harry lançou a amiga um sorriso agradecido e conspiratório. — É só que o idiota do Duda estragou o aparelho idiota e eles tiveram que comprar outro, aí mudaram a senha pra não ficar com a automática. 

— Entendo… — Hermione assentiu, pensativa. — Ouvi dizer que essa companhia de internet reforçou a segurança das redes, vai ser um desafio interessante. Se é assim, vamos logo então, descobrir a senha daqueles porcos velhos. A gente só vai conseguir planejar o seminário depois que você passar uma noite stalkeando Draco Malfoy, tenho certeza. 

Dito isso, a garota fechou o notebook  bruscamente e o guardou na proteção preta e discreta, pondo-o embaixo do braço, em seguida e se levantando da mesa para se dirigir até o destino desejado — não sem antes depositar na mesa o dinheiro da conta, claro. Harry só pôde segui-la, sorrindo de forma grata por ter uma amiga tão maravilhosa em sua vida. 

Eles só não sabiam de uma coisa: Hermione tinha errado em suas previsões e Harry não se satisfaria com uma noite stalkeando Draco. Depois daquele breve momento em que fora laçado pelos sons das cordas do outro, Harry só se satisfaria se pudesse passar todos os dias de sua vida ao lado do violinista, embora nem soubesse disso ainda. 






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Notas finais do capítulo

Leiam as notas iniciais :)



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