Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 5
Involuntário




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Seus dedos pipocaram pelo couro da poltrona enquanto encarava o Dr. Halford. O homem, do alto de seus prováveis setenta anos o encarava de volta com aquele olhar compenetrado sob os óculos retangulares de armações finas. Tinha o queixo sobre as mãos e os olhos verdes mais críticos que já vira em alguém tão silencioso, afinal o psicólogo não falava nada além do essencial, nem para estimulá-lo.

Evitando um suspiro incomodado, desviara a atenção para a decoração minimalista do consultório, conjecturando pela milésima vez a respeito da ampulheta de alumínio que ficava sobre a mesa de vidro, assim como o luxuoso quadro de três metros de comprimento que ficava atrás dela. Aquela obra abstrata em tons de vermelho, marrom e amarelo o irritava ao extremo. Barry sempre descobria um novo traço ali, pois tinha de concentrar-se em alguma coisa sempre que não conseguia dizer nada e, por isso, por todo aquele mês vinha examinando o quadro de maneira minuciosa.  

Voltou a encarar os dedos nervosos sobre o estofado claro da poltrona. Há um mês ia a Star City apenas para ver o médico indicado por Felicity há muito tempo e, também há um mês, não conseguia pôr em palavras sua situação. Não sabia como descrever a uma pessoa comum tudo que lhe acontecera, mas, mais importante, também não tinha ideia de como os acontecimentos o fizeram se sentir, de toda a mudança provocada à sua volta e nele próprio.

No entanto, sabia que essas pequenas diferenças, as quais, aparentemente, não eram tão notadas assim pelas pessoas próximas a ele, o levaram a afastá-las, especialmente Iris, que deveria ser aquela com quem enfrentaria essas consequências juntos, afinal... Não houve um momento em que não estiveram e tinha certeza de que estariam, não fosse por ele e sua pseudo traição. Fechou os olhos, evitando um grunhido de insatisfação, pois não tinha controle sobre para onde sua mente ia quando fechava os olhos. 

Correu-os pelo relógio de ponteiro, que não mostrava qualquer número sobre a porta e respirou fundo, sentindo o ambiente repentinamente quente ao encarar o senhor novamente e, finalmente, suspirar rendido. Havia um caminho por onde começar, uma brecha ainda que pequena, pela qual seria seguro adentrar e explorar.

— Minha esposa e eu... Nos desentendemos. – O homem levantou uma sobrancelha, indicando que estava ouvindo. – Já não estávamos muito bem, mesmo antes de vir aqui, e... Essa semana... Eu pedi um tempo.

— O senhor pediu, não ela. – Repetiu o homem, como se o fato agregasse alguma diferença à situação como um todo.

— Eu pedi, mas me arrependi no mesmo instante, porque não queria... Eu não quero... Não quero que nos afastemos por uma bobagem.

Gaguejou vendo-o anotar qualquer coisa naquela maldita prancheta. Perguntou-se se ir ao psicólogo era um processo difícil para todos, se as pessoas passavam por aquele constrangimento de contar suas vidas a um desconhecido sem muitos problemas ou era algo dele, que não podia adentrar em todos os aspectos do que acontecia no seu dia-a-dia.

— Que tipo de bobagem?

— Nós discordamos em alguns pontos sobre... Minha atual ocupação. – O Dr. Halford apenas meneou a cabeça, sabendo que havia algo mais, pois, aparentemente, sempre tinha. Então, desviou o olhar para o chão, inevitavelmente torcendo as mãos. – E também... E também venho sonhando com outra pessoa.

— O senhor quer dizer...?

— Literalmente sonhando. – Respondeu rapidamente para esclarecer qualquer dúvida. – Não há nada platônico, com ninguém, não estou pensando em nenhuma outra pessoa, traí-la nunca passou pela minha mente, mas...

— Ainda assim, há essa fantasia. – Barry apertou as mãos nos olhos, gemendo contrariado.

— Oh meu deus, isso soa tão errado.

— Sr. Allen, sabe que não estou aqui para julgá-lo. – É claro que estava, ponderou a chance de sair naquele instante, porque era praticamente um crime falar sobre aquilo em voz.

— Não é uma fantasia. É mais involuntário do que qualquer outra coisa. – Corrigiu em voz baixa. – Eu nunca a reconheço, nem seu rosto, nem sua voz, nem seu perfume. Apenas sei, em meu íntimo, como aquela consciência estranha que temos em sonhos, que nada disso está relacionado à minha esposa. Porque Iris é familiar, sempre esteve comigo, e essa mulher é... Proibida.

— Porque o senhor é casado. – Barry não continuou, sem concordar ou discordar, pois não tinha certeza de muito nos últimos tempos. – Mesmo que haja qualquer outro motivo, não apenas um impedimento prático para... A concretização do que quer que seja, talvez, deixando Iris de lado por algum tempo, essa pessoa... Essa mulher com quem vem sonhando deixe de ser proibida.

A conclusão acendeu um alerta imediato em sua cabeça, o que o fez encarar o doutor com uma nova perspectiva. No entanto, nada boa. Sentia-se invadido, pego no flagra, como sabia que seria assim que começasse a falar. Por isso, colocou-se de pé imediatamente.

— Ela não é real e quero que meu casamento volte a ser como antes. Só preciso parar de ter esses sonhos, o senhor pode fazer algo quanto a isso? – Declarou em um tom que esperava ser firme, mas pôde notar o desespero na própria voz sob o olhar inflexível do psicólogo. – Obrigado pelo seu tempo, Dr. Halford.

Sabia que ainda restavam alguns minutos de sua consulta, mas as paredes claras e mórbidas do consultório pareciam se fechar ao seu redor agora que o profissional conhecia parte dele – uma que Barry não gostaria que as pessoas soubessem, pois significava que poderia ser uma farsa, alguém sobre quem colocaram expectativas demais, de quem esperaram demais, e não poderia retribuir com muito.

*

No período da tarde, concentrou-se nos relatórios periciais que andava atrasando após ter sua atenção merecidamente chamada por Joe mais cedo. Não respondera ao chamado de seu plantão por mais de uma vez, o que prejudicara a todos os seus colegas e Joe, como Capitão, detestava que houvesse qualquer atrito em um ambiente onde todos deveriam cooperar para que o trabalho que realizavam em prol da comunidade fosse o melhor possível.

Resolvera não empenhar seus poderes naquilo e fazer tudo com calma, até mesmo para não ter tempo à disposição. Sua cabeça, quando percebia tudo milimétrica e mecanicamente organizado, incluso nisso seu expediente como Flash, mostrava-se um caos. Não pensava apenas na mulher desconhecida, apesar desta ser um grande fator, mas tudo relacionado à Crise, desde as perdas, passando pelas dificuldades e batalhas até as possibilidades de futuro que vira. E essas sempre o abalavam a ponto de não se sentir suficientemente bem na própria pele.

A batida na porta lhe chamou a atenção e levantou os olhos para encarar Joe adentrando o laboratório em seu costumeiro terno e gravata escuros. O observou fechar a porta lentamente e voltar-se a ele em feições preocupadas, que não lembravam o policial correto de algumas horas antes. Entendia que, naquele momento, Joe estava cumprindo sua função, pois, por mais que o considerasse, não poderia mantê-lo na delegacia sem que Barry fizesse sua parte. No entanto, por trás de tudo estava sempre a preocupação paternal e inevitável.

— Aconteceu alguma coisa? – Perguntou antes que ele se pronunciasse, pois o homem rodou o laboratório como se houvesse algo errado ou apenas como se estivesse ganhando tempo.

— Me diga você. – Joe suspirou e aproximou-se até apoiar-se em sua mesa, ainda olhando-o de cima. – Não parece estar dormindo bem.

— Eu... – Encarou o tampo da mesa, onde maços de papéis estavam espalhados, ponderando se deveria considerar mentir, mas descartando a ideia no mesmo instante, pois nunca conseguia mentir para Joe West. – Realmente, não estou. É tão fácil assim perceber?

— Sim, mesmo para aqueles que não o conhecem tão bem. – Ele deu de ombros quando Barry suspirou, enfadado demais. – Mas eles, provavelmente, atribuem a falta de sono à Nora.

— Porque pessoas normais estariam assim com a chegada de um bebê.

Concordou, desejando muito mais do que em qualquer outro momento ter problemas corriqueiros, que não estivessem atrelados ao Flash, afinal mesmo seus problemas matrimoniais indiretamente partiam dele.

— Acho que é um bom momento para dizer que Iris me contou o que aconteceu. E que já faz mais de uma semana que está ficando com Cisco. – Joe elaborou cautelosamente, no que coçou a cabeça pensando em uma resposta, que satisfizesse a ambos, no que Joe levantou uma das mãos, impedindo-o de continuar. – Sabe, não imaginei, nem por um momento, que esse momento não fosse chegar para vocês.

— O que quer dizer...?

— Esperava que pudesse contar comigo, se um dia isso lhe acontecesse, porque... Conheço os filhos que tenho. – Franziu o cenho, ainda um tanto confuso, somente o acompanhando. – Mas entendo o motivo de postergar.

— Ouça, Joe, eu... Não quero colocar meus problemas com Iris entre nós. – Explicou Barry, sem jeito. – Algumas coisas podem ofendê-lo e Iris nunca deixará de ser sua filha, enquanto eu...

— Você é meu filho também. – Joe o interrompeu antes que terminasse e, por isso, deixou os olhos abaixados, ainda que ele o segurasse firmemente em um dos ombros. - Barry, sobre todas as outras coisas, você ainda é você. Sabe disso, certo?

Concordou sem vontade, mas consciente de forma muito veemente que ainda se tratava dele, não somente do Flash, ainda que todos os seus problemas derivassem disso.

— Sim, sei que sempre posso contar com você. Apenas... – Deu de ombros, se levantando. – Essa situação como um todo não é exatamente confortável.

— Você e Iris vão dar um jeito no que quer que seja.

— Ela não lhe contou?

Questionou, sondando o território para o qual ela o deixara, no que Joe apenas respondeu que Iris não entrara em detalhes, pois conversariam no jantar que haveria na casa dos West naquela noite, convidando-o por tabela. Essa era, exatamente, uma das coisas que gostaria de evitar durante esse tempo em que estava afastado de Iris.

— Na verdade, o assunto todo surgiu porque gostaríamos de fazer o jantar na casa de vocês, mas ela avisou que você não estaria, o que tornaria tudo inviável porque Iris é péssima cozinheira. – Joe lhe lançou aquele olhar de aviso, que conhecia bem de todas as vezes que precisaram enfrentar qualquer comida feita pela West. – Enfim, nós vamos esperá-lo essa noite.

— Joe, não sei se é uma boa ideia...

Notou que Joe tentaria provar algum ponto após sua relutância em recusar, mas segundos depois desistiu e, por fim, somente o abraçou de lado.

— Só não se afaste de nós. Ou de Nora, okay?

— Não, nunca.

Isso poderia prometer com certeza, pois o fato de não estar com Iris não o tornaria ausente da vida de Nora de forma alguma ou faria com que se afastasse daqueles que foram sua família por tanto tempo, o acolhendo quando muito cedo já não tinha mais a sua biológica. Não deixariam de ser o que sempre foram e isso era um problema momentâneo, que não perduraria no tempo. Contudo, só pode respirar aliviado quando a porta se fechou atrás de Joe novamente e pode se ver sozinho. Por mais que o amasse, estavam em uma situação complicada.

Escondeu a cabeça entre as mãos, os olhos fechados e pesados de sonos, após um dia inteiro com eles lacrimejando pela noite mal dormida. Percebeu que se deixara cochilar por alguns minutos, tão poucos que sequer houvera a chance de sonhar, quando seu celular vibrou, anunciando uma mensagem. Contrariado, alcançou o mesmo deslizando o dedo pela tela e vendo que se tratava de Caitlin:

“Coma alguma coisa.”

Franziu o cenho, sem saber exatamente como interpretar a mensagem, afinal ela nunca o mandara comer por mensagem de texto. Não se lembrava, na verdade, da mulher o mandando comer qualquer coisa, muito pelo contrário. Apesar de saber que Barry precisava comer mais do que alguém normal, devido ao metabolismo acelerado, Cait sempre o repreendia por comer besteiras demais.

“O quê?”

 “Joe disse que está andando pela delegacia como um fantasma.”

A resposta veio segundos depois, pois ela estava online. Sorriu ao terminar de ler, pois o capitão deveria ter ligado para ela imediatamente após a pequena reunião que tiveram.

“Mas não porque não estou me alimentando.”

“Barry, sei que não está comendo. Eu o monitoro, lembra?”

Podia, inclusive, ouvir o tom exasperado dela por sua discordância. Caitlin sempre detestava que discordassem dela quando tinha certeza de que estava certa e isso acontecia com bastante frequência, o que os levava a discussões muito parecidas com aquela.

“Sim, eu me lembro. E é irritante, vamos deixar isso claro.” Dessa vez, a resposta demorou um pouco mais para vir e até se perguntou se havia algo de errado.

“Apenas não me faça ter de ir verificar seu índice de glicemia.” Riu ajeitando-se na cadeira, vendo a próxima mensagem chegar em seguida: “Você está bem?”

 Caitlin lhe perguntava isso com frequência e, agora, relendo a mensagem, percebia a razão de ser. Barry sentia que estava a um passo de quebrar de uma forma constrangedora e a doutora, provavelmente, conhecia sua tendência, afinal ela lidava com o que sobrava dele, fisicamente, sempre que isso acontecia. Então, decidiu por retornar o que seria mais fácil.

“Sim.”

Não viu qualquer problema em sustentar essa mentira entre eles, pois Caitlin sabia que o era – claro como a água, tinha muita certeza disso.

“De qualquer forma, coma algo para que eu me sinta melhor.”

Sorriu pela estranheza da mensagem e rapidamente digitou em resposta.

“Okay, doutora, vou comer um Big Belly Burguer em sua honra, já que não é dia de viagem e nem há uma comemoração.”

“Obrigada!”

Por fim, guardou o celular e realmente saiu para comer, pois sequer havia almoçado naquele dia.


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