Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 20
Pedaços




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Barry observou Cisco andando de um lado a outro segurando um pequeno aparelho e uma chave de fenda, fazendo os últimos ajustes para que pudessem testar a tecnologia na prática. Não ficou surpreso ao descobrir que o engenheiro havia pedido o reforço da Dra. Tannhauser, uma vez que precisariam desenvolver um equipamento que agiria, literalmente, em contato com ele.

Todos estavam em um silêncio tenso, onde ninguém sabia como seu corpo reagiria à técnica que utilizaram e, ainda que não estivesse de ótimo humor, podia ver o elefante gigante crescendo no meio do laboratório. Supôs que fosse o fato de Carla e Cisco estarem trabalhando juntos pela primeira vez, mas não saberia dizer e tudo que queria era sair dali o mais rápido possível.

Não havia como negar que vinha se sentido um tanto invadido pela ideia de um aparelho que vigiaria sua atividade cerebral. Era estranho pensar que toda essa (ir) realidade criada em sua cabeça pudesse vir a ganhar uma forma que não estivesse intrinsecamente ligada à sua pessoalidade, talvez até alguma vaidade. Por isso, não gostava da ideia que todos ficassem à par daqueles sonhos e devaneios, que haviam sido só dele e de mais ninguém por tanto tempo.

— Tudo bem. – Carla se levantou, ainda com os olhos azuis e frios sobre Cisco, antes de se voltar a ele. – Você relatou a Francisco ter sentido essa interferência externa em momentos que vão além dos sonhos...

— Sim. – Cruzou os braços, tentando elaborar de uma forma compreensível. – Às vezes, nem percebo que vai acontecer até que esteja imerso nessas... Cenas dessa outra vida.

— Estamos trabalhando com a hipótese de que esses devaneios surgem a partir de “gatilhos”. – Profissional e, confiantemente, a doutora andou pela sala, explicando a ideia. – Como bem sabe, gatilhos são pontos acionados automaticamente em seu cérebro quando recebem um estímulo, como... Respostas prontas. Nesse momento, se o seu cérebro está programado a agir de determinada forma quando recebe determinado comando, é o que ele fará, lhe “mostrando” essa realidade, que conta em tantos detalhes.

— Okay...

Lançou um olhar rápido a Cisco, que descartou a chave de fenda antes de encará-lo tranquilamente e se aproximar da cama hospitalar, onde estava sentado, somente aguardando.

— A ideia desse registrador de atividade mental, então, é descobrir se os gatilhos são externos ou internos, ou seja...

— Da Força de Aceleração.

Completou a fala interrompida de Cisco, que colocou as duas pequenas esferas ao lado de suas têmporas e encarou o I-pad poderoso que tinha em mãos, fazendo com que sentisse uma leve vibração quando ativou o aparelho. No momento seguinte, contudo, a vibração desapareceu e só pode sentir a cola dos pequenos aparelhos contra sua pele.   

— Sim.

— No entanto, Sr. Allen, até termos certeza de que há algum resquício a mais de Força da Aceleração em seu corpo no momento dessas interferências, temos de lidar com hipóteses mais palpáveis.

Carla alertou, rapidamente examinando sob os óculos retangulares seu próprio I-pad, que deveria imitar o de Cisco em relação aos seus dados. Nesses momentos, apesar da rigidez do assunto, sabia que ela estava sendo mais profissional do que desdenhosa realmente. Barry era, finalmente, o paciente que ela queria e não somente o Flash, que só lhe trazia ferimentos e problemas.

— De que tipo de gatilho está falando? Não consigo pensar em nada que pudesse fazer com que desejasse uma nova vida com outra pessoa enquanto ainda estava casado. – Barry teimou inconformado com a própria sorte. – Quer dizer, as coisas deveriam estar em seu devido lugar agora! Deveriam estar ótimas, na verdade, mas... Esses sonhos e devaneios vêm e me deixam essa sensação de que... Falta algo ou alguém nessa minha vida perfeitamente ajeitada.

— Não há como saber o que o seu cérebro considera como gatilhos, realmente. Não materialmente falando, por isso a necessidade de monitorar sua atividade mental. 

— O registrador vai detectar pontos de incoerência em sua atividade cerebral e nós examinaremos, posteriormente, quando tivermos uma quantidade razoável de seus dados mentais nesses... – Cisco continuou a explicação de Carla, tentando ser o mais didático possível. – Momentos onde acontecem os devaneios e você fica mais vulnerável.

— Que tipo de incoerência esperam encontrar? – Questionou, incomodado com a palavra associada ao seu desempenho mental, no que a Dra. Tannhauser virou a tela de seu I-pad a ele, mostrando um gráfico em verde.

— Aqui, essa é a atividade cerebral que um ser-humano comum desenvolve no período de quinze dias. – Passando o dedo na tela surgiu um gráfico amarelado e bem mais cheio que o outro. – Essa é sua atividade normal. Devido ao gene meta-humano é mais arrojada do que a comum, porque é isso que a velocidade pede, mas, ainda assim, uma atividade como a que todos do ramo conhecem. Por fim, essa é a sua atividade quando influenciado pela Força de Aceleração.

Carla deslizou o dedo pela tela novamente e um gráfico alaranjado surgiu acima do outro, para que conseguisse ver a diferença em uma comparação prática. O último mostrava-se tão robusto quanto o outro, mas demonstrava oscilações demais, o que o impressionou. Não sabia que a Força de Aceleração podia ser tão instável, mentalmente falando, afinal não sentia quase nenhum efeito físico disso.

— É isso que buscamos. – Cisco bateu uma mão contra a outra empolgado. – Por sorte, Caitlin guardou todos os seus dados cerebrais da época em que voltou da Força de Aceleração, já que estava...

— Sim.

— Assim, se houver algum ponto de incoerência, teremos uma variação brusca nos picos dessa ilustração das suas ondas cerebrais. – O latino continuou a falar como se não houvesse sido interrompido, provavelmente checando os últimos detalhes de seu aparelho. – Como eu amo ciência...

Levantou as sobrancelhas respirando fundo pela empolgação mal contida de Cisco enquanto entendia progressivamente todas as variáveis do próprio plano, não somente de seu gráfico mental. Ansioso, observou Carla ajeitar o I-pad contra o peito, abraçando os próprios braços à espera de seu entendimento chegar – tão parecida com Caitlin.

— O que acontece se identificarem uma variação?

— Isso irá depender do que o registrador captar. Apenas a partir do momento em que tivermos seus dados cerebrais em mãos é que poderemos traçar nossa próxima linha de ação. – Ele notou a resposta neutra apesar do floreio que a doutora tentou dar.

— Então... Apenas isso aqui não vai bastar? – Tocou levemente os dois pontos eletrônicos em sua têmpora e Cisco aquiesceu.

— Provavelmente não, mas isso está nos nossos cálculos desde o primeiro instante, Barry. Não se preocupe.

— Para solucionar o problema, precisamos diagnosticá-lo primeiro.

Em silêncio, concordou com a cientista e cruzou os braços em um suspiro contrariado. Ao mesmo tempo em que desejava manter para si toda aquela história e não compartilhar com mais ninguém essa realidade desconhecida, também gostaria que precisasse passar por todo o estresse que os sonhos e devaneios haviam lhe trazido ou mesmo que eles jamais houvessem acontecido.

Agora que a solução do problema parecia mais próxima, este paradoxo vinha se desenhando tão claramente em sua mente que já não sabia mais o que pensar a respeito, exceto continuar revivendo esses momentos que nunca aconteceram realmente. Caitlin estava certa: isso não estava fazendo bem à Barry ou ao homem que lutava para ser todos os dias.

— Por quanto tempo terei que usar seu “Registrador”? – Perguntou resignadamente

— Vamos começar com... Uma semana, todos os dias em todos os momentos. – Meneando a cabeça, arregalou os olhos para Cisco que parecia sequer dar importância para o fato. – Só tire para tomar banho.

— Você sabe que eu trabalho, certo? – Levantou as sobrancelhas para o olhar distraído e desentendido de Cisco. – Fora daqui, numa delegacia, com pessoas normais...

— Diga que está fazendo um exame neurológico. As pessoas nunca continuam o assunto se sentem que está correndo risco de vida e pode começar uma história triste sobre como tem apenas dois meses de vida.

Encarou Carla, um tanto incrédulo, e ela somente deu de ombros muito lentamente, aquiescendo.

— Francisco tem razão.

— Caitlin havia pensado numa versão mais discreta, que pudesse usar apenas durante o sono, mas como você nos disse que não acontece exclusivamente quando está dormindo... - Cisco levantou as mãos, como se dissesse que nada podia fazer, e fitou determinadamente. – O “Registrador” está funcionando perfeitamente, já tenho seus primeiros dados. Agora basta aguardar.

— Que divertido.

Soou irônico forçando um riso para o latino, que lhe sorriu de verdade, pois achava a ideia de detectar alguma interferência externa em cérebro realmente divertida. Tanto ele quanto Carla pareciam claramente aliviados que o aparelho criado em conjunto funcionava na prática e não precisavam prolongar ainda mais o projeto, somente esperar para colher os resultados dele.

Assim, Barry voltou a delegacia e ultrapassou o dia, obviamente incomodado com o aparelho de Cisco claramente exposto em sua têmpora. Joe, o qual encontrou enquanto tomava o café ralo da delegacia, encarou o objeto com preocupação, mas tentou dizer que não precisava se preocupar... Embora estivessem lidando com algo desconhecido. Por isso, para provavelmente não pensar muito no assunto, o capitão o ocupara o dia todo com consultorias e um caso de assassinato, que chegara à CCPD.

No final da tarde, adentrou o prédio adjunto ao de seu trabalho, onde ficava a creche da polícia, e encontrou Nora, já pronta para ir para casa. Tanto ele quanto Iris tinham autorização para buscá-la quando quisessem, mas sabia que a mulher chegaria rapidamente. A bebê sorriu no instante em que colocou os olhos claros sobre ele, assim como Barry.

— Ei Pinguim! – Sentada no tapete felpudo repleto de brinquedos ao lado de outras crianças da mesma idade, ela impulsionou o corpo repetidamente para que pudesse pegá-la enquanto repetia sua própria versão da palavra “papai”. – Como foi seu dia?

Sempre que a pegava, Barry desfrutava daquela sensação de alívio por tê-la junto de si e essa era a parte mais difícil do divórcio. Na verdade, não sentia falta de Iris, mas dos momentos que dividia com ela, especialmente depois de Nora, porque agora já não podia vê-la mais todos os dias ou cuidar dela da forma que estava acostumado a fazer.

— Nunca entendi porque vocês a chamam de Pinguim. – Comentou Emma, uma das babás que ajeitava as coisas das outras crianças.

— Ah, é... – Sorriu, um pouco sem graça pela forma como ela pareceu um pouco intimidadora em seus cabelos loiros cacheados, olhos escuros e um sorriso calmo, esperando despretensiosamente e claramente ignorando o “Registrador” de Cisco em sua têmpora. – Uma amiga nossa, Caitlin, deu de presente à Nora uma réplica do pinguim do Joey em Friends e ela não o largou por dias. O Hugsy é a pelúcia favorita dela e, desde então, o apelido...

— Interessante.

Ela sorriu e abriu a boca para dizer algo, mas foi interrompida por Iris adentrando apressadamente e parando para encará-lo com surpresa por um momento, interrompido quando Nora chamou sua atenção e ela sorriu ao abaixar os olhos para a menina em seu colo, inclinando-se para beijar fortemente a bochecha da menina, que já se pendurava em busca da mãe.

— Ei, isso é traição! – Disse à Nora, que sequer se importou.

— Olá bebê, também estava com saudade. – Barry acompanhou Iris até a porta, onde ela se voltou à baba, com a filha abraçada ao seu pescoço. – Até amanhã, Emma!

— Tudo bem, Srta. West. Até mais, Nora!

Barry franziu o cenho em estranhamento ao ouvir a mulher chamar Iris pelo nome de solteira. Era estranho, depois de se acostumar à sonoridade de seu sobrenome combinado com o dela, e até um pouco incômodo, mas logo seguiram lado a lado para a saída, conversando sobre a filha e o dia corrido de ambos.

— O que estão aprontando dessa vez? – Questionou ela ao ganharem a calçada, carregando Nora enquanto Barry fazia o mesmo com a mala amarelada da menina.

— O que quer dizer? – Apenas o olhar que lançou ao seu aparelho dizia tudo. – Oh, estamos... Tentando encontrar uma forma de... Parar o que quer que esteja acontecendo comigo.

— Então... Finalmente deixou que o time cuidasse de você.

Notou que o tom dela era um tanto ressentido, o que fez com que se sentisse culpado: nada havia feito até que fosse tarde demais para eles. Perguntou-se até quando teriam de lidar com aquele clima estranho sempre que um assunto delicado era iniciado, pois sabia que eram mais do que “pisar em ovos” um com o outro.

— Eles acham que existe algo afetando a minha mente e fazendo com que eu... Me deixe levar por isso. Cisco criou esse equipamento para monitorar minha atividade cerebral e descobrir se a interferência é externa ou interna...

— A Força de Aceleração? – Meneou a cabeça quanto ao palpite baixo e temeroso de Iris.

— Talvez. – Pegou Nora novamente quando chegaram ao carro e ela começou a ajeitar as coisas. – Não dava para continuar como estava, certo?

Por um momento pensou que ela, entretida com o que estava fazendo, não iria responder, mas conhecia a mulher o suficiente para saber que fazia trinta coisas ao mesmo tempo e, talvez, apenas não quisesse fazê-lo. Com um suspiro rendido, despediu-se de Nora dizendo que se veriam depois e a colocou na cadeirinha dentro do carro, ajeitando o cinto ao redor de seu corpinho pequeno.

O silêncio já estava se tornando esmagador quando voltou a olhar Iris. Podia ver a chateação em todos os seus poros enquanto abria a porta do motorista e o encarava, parecendo reflexiva.

— É, acho que será melhor para todos. – Ela respirou fundo e forçou um sorriso rápido antes de se sentar no banco em frente ao volante e bater à porta. – Tchau, Barry.

Com um suspiro vencido, se despediu sentindo aquele gosto amargo deixado pela decepção de Iris. Sabia que, assim como para ele, a mulher havia deixado de lado o amor exaltado e apaixonado do início em nome daquela combinação de carinho e mágoa pelo fim de algo que idealizaram tanto.

Para Barry, contudo, o fato de possuírem uma gama de histórias juntos, que só eles conheciam e conheceriam, e que recordava com tanto apreço ainda era amor, embora não romântico, pois Iris sempre seria Iris e eles só precisavam lamber as feridas – especialmente ela, sabia que as coisas não haviam sido justas.

Se encaminhou para seu próprio apartamento sem pressa, uma vez que estaria sozinho de qualquer forma, e permaneceu até altas horas da noite descobrindo novas e péssimas séries de TV, já que praticamente não dormia, até ser vencido pelo sono ao encontrar uma posição favorável. O sonho parece ter chegado assim que fechara os olhos, contudo. Podia sentir o movimento ao redor, o perfume do lugar e, principalmente, ela inteira abrindo a porta de madeira polida com muita força enquanto a seguia.

— Então é isso? Vai simplesmente arrumar suas malas e sair? Como se não tivéssemos nada mais para falar?

— Eu já disse tudo que queria e tudo que não devia dizer, Barry.

Ela continuou a colocar as roupas dentro da mala enquanto ele somente assistia, impotente e incrédulo, por um momento incapaz de conceber que aquilo estava realmente acontecendo. As coisas definitivamente não deveriam acontecer daquela forma, especialmente naquele final de semana. Estavam em um grande quarto, que parecia ser de algum castelo ou de uma casa luxuosa com pisos de madeira polida, paredes de pedra com painéis de madeira, uma grande cama com cabeceira estofada em couro e diversas janelas de vidro muito estreitas.

Lá fora, nos jardins daquela enorme e antiga propriedade, o céu escurecia cada vez mais rápido devido à tempestade que se formara durante a tarde toda. Já começava a ventar e o clima iniciava seu caos, assim como o do lado de dentro acontecera – embora este houvesse sido completamente imprevisível.

— Não pode simplesmente ir embora!

— Se continuarmos a discutir, vamos nos magoar pra valer. – Com uma pontada no peito, a ouviu engasgar enquanto fechava uma das malas. – E acho que já tivemos nossas cotas de machucados por hoje, não é?

— Cait, aquilo... O que aconteceu não foi nada, não significa nada... – Levou uma das mãos à testa, chocado com a rapidez com que a doutora iniciava uma nova mala. – Okay, Iris me beijou e eu não estava esperando, não precisa fazer disso algo grande... Algo que não é!

— Não significar nada para você não muda que tenha acontecido, não é?

Caitlin afirmou inflexível e Barry suspirou, incapaz de pensar algo que pudesse amenizar o que acontecera, embora simplesmente não existisse. Todo o fim de semana daquela viagem entre amigos havia sido um desastre inesperado.

Não esperava que Iris pudesse voltar a demostrar interesse após aqueles meses separados, assim como não previra que ela pudesse tentar algo concretamente, embora viesse notando algumas indiretas e os olhares de Cait sobre ele, como que procurando qualquer sinal de que retribuía as discretas investidas. Não haviam conversado a respeito e todos pareciam ignorar isso em nome da boa convivência.

Então, Iris o encontrou na sala de jantar terminando um relatório urgente e o envolvera o suficiente para esquecer tudo que conversaram antes do fatídico beijo e da chegada de Caitlin. Porque ele não reagira. Estava lá e deixara que ela o beijasse, automaticamente. Sem significados. Porque não havia nada mais para sentir por Iris enquanto podia distinguir o peso característico do anel que carregava no bolso, desde o início do fim de semana.

— Cait...

Deu à volta na cama, impedindo que ela continuasse seu caminho em direção ao guarda-roupa e de volta à bagunça de malas e roupas. No entanto, a doutora levantou uma das mãos impedindo que se aproximasse mais.

— Não.

— Não havia nada ali, nada como o que temos. – Barry deixou os ombros caírem ao fixar os olhos nos dela, completamente marejados. – Eu amo você. Sabe que eu não faria algo para machucá-la assim.

A observou desviar o olhar para o chão e, então para as malas, que segurava com força, e detestava que o rosto alvo estivesse tão corado e os olhos vermelhos pelo choro contido. Só queria que retomassem àquela manhã, onde simplesmente ignoraram que havia qualquer um lá fora, esperando-os, resolvendo continuar na cama, se amando, concentrados apenas na presença um do outro.

— Não posso encará-lo sem... – Caitlin mordeu os lábios, insegura e machucada. – Pensar em você beijando Iris e eu... Não consigo suportar te olhar, porque isso fica... voltando à minha mente. Era isso que queria ouvir?

Dessa vez, sentiu os próprios olhos marejarem em um reflexo dos dela e não impediu que passasse e continuasse a ajeitar suas coisas, ainda com pressa, mas sem tanto rebuliço. Era quase capaz de ver tudo o que construíram nos últimos meses desmoronando apenas na sensação fria tomando-o pelo estômago e na boca seca por vê-la, simplesmente, se esvair dentre seus dedos sem poder fazer nada porque Cait não conseguia olhá-lo.

A ideia disso estava quebrando-o inteiro por dentro e, ainda assim, continuava a acompanhá-la com os olhos em completa inércia. Fechando as malas maiores em silêncio, Caitlin sumiu pela porta do banheiro e se demorou um pouco por lá, provavelmente ajeitando seus diversos produtos de higiene pessoal na maleta menor. Em um suspiro, Barry se sentou e pegou a caixinha em seu bolso, lentamente abrindo-a para fitar o anel.

O carregara por todo aquele dia, esperando uma oportunidade em que pudesse, finalmente, pedir a mão dela, mas surgira um relatório, Iris e um beijo repentino em detrimento disso. Agora o objeto parecia rir da ironia da situação, embora provavelmente se tratasse de seu subconsciente abominando-o por machucá-la daquela forma, pois o anel em si, completamente dourado com um diamante pequeno no meio do modelo de uma rosa pequena, era tão Caitlin que jamais se mostraria tão cruel assim.

A ouviu voltar do banheiro momentos depois e, por isso, fechou a caixinha e se levantou, analisando-a como se fosse a última vez em seu conjunto elegante de calça e suéter azul escuro, seus cabelos castanhos claros ondulados e seus lábios vermelhos. Era como se já pudesse sentir sua falta, ainda que estivesse exatamente ao seu lado, uma vez que ela parecia fazer questão de evitar encará-lo enquanto verificava sua bolsa e a carteira.

— Sinto muito que a tenha feito se sentir dessa forma. Essa não era a minha intenção, você sabe. – Viu quando Caitlin engoliu em seco e mordeu a parte interna da bochecha para evitar falar. Então, em meio a um suspiro derrotado colocou a caixinha sobre a cama perfeitamente arrumada, quase à frente dela, seu corpo gritando para que não se afastasse só para que continuasse a sentir o perfume fresco dos cabelos dela, que paralisou assim que colocou os olhos sobre o objeto. – Você é a mulher da minha vida. Tenho certeza disso, Cait.

Ela continuou a evitar seu olhar e também não fez menção de pegar a caixinha, apenas continuou a fitá-la com seus olhos doloridos e brilhantes, como previra que faria, pois Caitlin era sempre convicta de suas decisões. Após um meneio de cabeça, andou em direção à saída e, quando se virou para fechar a porta, pode ver algumas lágrimas escorrerem silenciosamente pelo rosto perfeito enquanto ainda encarava a caixinha fechada, só a possibilidade do que deveriam ser com aquele anel naquele instante quebrando-os em diversos pedaços.

Acordou sentindo-se sem ar e com o peito dolorido. A garganta ardia e a fonte do nariz formigava em uma estúpida vontade de chorar por ter acabado de perdê-la e, embora não houvesse realmente, porque aquela realidade não existia, era como se sentisse todas as emoções de sua versão do sonho, assim como seu coração partido.

Se acostumara a estar sempre quebrado, o tempo todo tentando se reconciliar com si mesmo. Contudo, não se habituaria nunca à imagem de uma Caitlin estilhaçada. Era isso, o que via nos olhos doloridos daquela versão da doutora: pedaços, causados por ele. E, ainda que nada daquilo fosse real, sentia como se fosse, como se refletisse sua própria realidade e também estivesse a um passo de perdê-la.

Assim, impulsivamente e sem conhecer os caminhos para lidar com essa sensação, jogou os cobertores para o lado e, rapidamente, colocou um pijama do laboratório em que pudesse correr, saindo do flat a alta velocidade. Via em si a urgência do Barry Allen do sonho, a necessidade de fazê-la ficar a qualquer custo, de tentar remediar o que a machucara. Deus, ele nunca faria aquilo com Caitlin!

Só parou de correr quando se viu na rua escura, completamente desconhecida e deserta, a não ser pelas luzes da recepção do enorme hotel de luxo, que se erguia à uma das esquinas. Barry conhecia o endereço de cor desde que ela o mandara por mensagem numa noite qualquer e sequer precisou conferir.

Por um momento, enquanto ofegava de um lado a outro na calçada, tentou convencer a si mesmo que não deveria estar ali àquela hora da madrugada, a qual, certamente, seria considerado imprópria por qualquer pessoa normal. Entretanto, a sensação de perda do sonho voltava para golpeá-lo em inevitabilidade, como se num instante Caitlin estivesse ao seu lado, mas em outro não, e essa era sua certeza: não conseguia dizer se sabia continuar a conviver com a falta que ela fazia o tempo todo.

Por isso, ainda se utilizando de sua velocidade, chegou ao corredor do quarto n°. 138 e ainda engolira em seco, passando a mãos trêmulas pelos cabelos em nervosismo, antes de bater três vezes contra a madeira da porta branca e esperar, inseguramente. Não sabia o que estava fazendo ali exatamente e não sabia o que iria dizer, apenas precisava estar. Momentos depois, ouviu a fechadura ser destrancada e então a viu, confusa, bagunçada e com os olhos estreitos pela luz do corredor enquanto o fitava de volta, sem entender nada.

— Barry? O que está fazendo aqui?


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