A Outra Lydia Kinsley escrita por Bea Mello


Capítulo 15
Banheira


Notas iniciais do capítulo

ALOU. Ultimamente eu venho só postando os capítulos sem dizer nada kk ~misteriosa. Então se vc chegou até aqui deixa aquele comentariozinho maroto ;)

Espero que gostem do Scott, pq ele é meu xuxuzinho.



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[4 de agosto; Las Vegas, NV]

Um jato de água gelada na minha cara me fez acordar com um sobressalto, e o sossego do inconsciente logo deu lugar a uma ânsia horrorosa. A sensação era de que eu havia engolido uma pedra inteira e o peso parecia me puxar para baixo pelo estômago. Forcei meu cérebro a funcionar enquanto eu tentava assimilar meus arredores, a lembrar de como eu havia chegado naquela enorme banheira vazia. O banheiro luxuoso era completamente estranho para mim. Do lado de fora, um quarto tinha enormes janelas com vista para a Torre Eiffel, o céu azul límpido. 

Onde é que eu estava?

Minha cabeça estava leve, como se eu pudesse desmaiar a qualquer momento, mas me esforcei para manter-me consciente como um instinto de sobrevivência. À minha direita alguém pairava sobre mim, e à medida que minha visão ia entrando em foco, pude notar que era um homem segurando uma ducha ainda ligada, molhando o chão do banheiro.

“Puta. Que. Pariu!” exclamou ele, desligando a ducha e se ajoelhando ao meu lado. “Eu achei que você tava morta!”

Eu esfreguei o rosto numa tentativa de me secar. Scott.

“O que aconteceu?” balbuciei.

Não prestei atenção na resposta. Eu estava ocupada demais contemplando o fato de que a camiseta branca que eu estava vestindo já não adiantava muito agora que meu peito estava todo molhado.

Com uma olhada suspeita na direção de Scott, usei os braços para me cobrir, mesmo que eu tivesse tido a modéstia de colocar um sutiã sem alças na noite anterior. 

Discretamente movi cada músculo do meu corpo, procurando por alguma dor incomum, mas a única coisa que doía era minha cabeça — meus órgãos pareciam todos intactos e em seu devido lugar.

“Você tá bem?” perguntou ele. Talvez tenha notado minha pequena investigação.

Fechei meus olhos, mas o escuro parecia fazer tudo girar ainda mais rápido.

“Eu tô uma merda,” ri sem humor nenhum.

Ele sorriu. Senti seus dedos removerem uma mecha de cabelo molhado da minha bochecha.

“Preciso de mais detalhes para poder ajudar.” Sua voz e seus olhos castanho-esverdeados eram gentis. Seu cabelo preto caía sobre a testa com uma leve onda. “Está tonta, enjoada, com fome, com frio?”

“Todas as opções acima. E tem um tijolo no meu estômago.”

“Consegue levantar?”

Hesitei por um momento, mas assenti. Scott me ofereceu uma mão até eu sair da banheira, e atravessei o banheiro até um banco de madeira maciça.

“Eu vou pedir algo pra digestão, tá bom?” disse ele. “Já volto.”

Eu o observei sair para o quarto enquanto levava minhas as mãos à bochecha. Apesar de estar sentindo um pouco de frio, meu rosto estava quente, e meu coração batia acelerado no peito.

Suspirei, me sentindo pior a cada segundo que se passava. Para o meu infortúnio, eu lembrava de quase tudo da noite anterior, e tive sorte de que Scott me tirou de lá antes que eu pudesse destruir a reputação da minha irmã. Eu não tinha certeza se podia confiar nele, mas a essa altura não havia muito o que eu pudesse fazer. Afinal, ele já sabia que eu não era ela. 

Eu só conseguia me sentir a pessoa mais burra do universo naquele momento.

Levantei de pressa na intenção de procurar pelo meu celular, mas um rebuliço cresceu rapidamente no meu estômago e dois segundos depois eu estava ajoelhada diante da privada, pintando a porcelana branquinha com as minhas tripas.

Como se eu o houvesse conjurado do além, Scott logo surgiu atrás de mim, tentando juntar meu cabelo com uma mão enquanto segurava o telefone com a outra.

“Uma salada de frutas e… Quer mais alguma coisa?” Minha resposta foi outro round de gorfo. Ele continuou: “Tá, é… Um antiácido e uma garrafa de Gatorade… Sei lá, o azul.”

“Não,” protestei toda babada. “Laranja.”

“Laranja, na verdade, desculpe,” repetiu ele no telefone. “Ótimo, muito obrigado.”

Eu me sentei nos calcanhares. Scott me ofereceu uma toalha e uma garrafa de água, e sentou-se no chão ao meu lado. Tratei de limpar minha boca e nariz na toalha, lamentando o fato de que ela provavelmente continuaria sendo usada por outras pessoas no hotel, e bebi mais da metade da garrafa de uma vez. Não havia percebido o tamanho da minha sede até então.

Quando me senti minimamente satisfeita, murmurei.

“Desculpa.”

Finalmente tomei coragem e olhei para ele. Parecia preocupado.

Me preparei para falar mais, mas meus olhos se encheram de lágrimas e meus lábios começaram a tremer. Eu engoli em seco. Depois de toda a humilhação da noite anterior, além do incidente com o espartilho, eu me recusava a dar mais um show na frente dele.

Eu gostaria de preservar as últimas gotas de dignidade dentro de mim. 

“Tudo bem,” sussurrou. “Tava todo mundo muito louco ontem. Ninguém viu nada.”

“Ninguém me viu completamente bêbada?” Foi uma pergunta retórica, eu sabia que ele só estava tentando me confortar.

Scott ponderou, como se tentasse encontrar as palavras certas.

“E quase tomando bala de um estranho,” falou finalmente. Eu arquejei — ele estava tentando me confortar? Scott continuou, sua voz baixa: “Ou quando eu tirei você de lá, e você gritou comigo para eu tirar seu vestido chique e desmaiou na minha cama.”

Um sorriso oscilou no meu rosto, mas não tentei impedir. Era isso ou pular da janela de tanta vergonha alheia.

“Eu não gritei com você.”

Scott deu uma risada doce. 

“Você estava gritando o tempo todo,” assegurou ele.

“Sério?” murmurei, meu rosto pegando fogo.

Ele assentiu. Eu suspirei e esfreguei meus olhos. Que ridícula. Eu era ridícula. Ele continuava sendo tão gentil mesmo enquanto eu arruinava a minha imagem de todas as formas possíveis, e eu não podia evitar sentir que estava sendo um estorvo na sua vida nos últimos dias.

E ainda assim, não acredito que estava bêbada demais na noite anterior para aproveitar estar seminua na cama dele. 

Margot, não. 

“Eu falei algo sobre Lydia?”, perguntei.

Ele ficou sério. 

“Nenhuma palavra, que eu saiba,” murmurou. Percebi que reprimiu o riso, antes de continuar. “E acredite, eu tentei perguntar.”

Procurei algum sinal de desonestidade em suas feições, mas ele estava firme e seguro, apesar do ar alegre. Então respirei fundo. Não sabia qual era a motivação dele para estar me ajudando, ainda assim neste momento eu estava convencida de que ele era um anjo na Terra.

“Então…” continuou. “Posso te chamar de Margot, mesmo?”

Eu congelei. Senti minha expressão neutra se desmanchar e dar lugar a um misto de emoções enquanto o encarava fixamente — raiva, confusão, medo, e mais um milhão de coisas que eu não saberia descrever nem que tentasse. Pela cara de surpresa dele, havia percebido. Ele se prontificou em explicar:

“Foi você quem disse. Ontem, quando… bem, no elevador.”

Uma onda de outras memórias voltaram a minha cabeça, e rapidamente fui encaixando os pequenos momentos como um quebra-cabeça.

O elevador.

Onde eu pedi desculpas.

E o abracei.

E o beijei.

E disse meu nome.

Eu não sabia quem eu odiava mais — eu mesma por ter sido tão burra, ou ele por… pelo quê? Ele não tinha culpa, mas isso não me impedia de ter raiva dele, por mais que ele estivesse sendo um cavalheiro. Com certeza havia alguma motivação por trás.

O que eu poderia fazer agora? Mentir? Alegar que não sabia do que ele estava falando? Já era tarde demais, e pela forma que ele me decifrou na noite da premiação eu não tinha nenhuma esperança de enganá-lo.

“O que Sarah te disse ontem?”

“Me agradeceu por te ajudar e pediu pra eu não fazer perguntas.”

“Pediu?” indaguei. “Ela pediu gentilmente e você obedeceu?”

Ele me encarou, e não soube identificar o que se passou na cabeça dele. Parecia uma mistura de ódio e… atração? Era narcisista da minha parte pensar que ele sentia algum tipo de atração por mim?

Expulsei esses pensamentos o mais rápido que pude. Por que eu não conseguia focar no que era importante naquele momento?

“Eu não ganho absolutamente nada em dedurar você.”

“Que tal dinheiro, fama, uma disparada na venda dos seus álbuns?" questionei, logo me arrependendo de dar ideias.

Ele inclinou a cabeça em minha direção levemente. Seus olhos percorreram meu rosto, pairando em meus lábios por um segundo longo demais antes de se fixarem nos meus olhos. 

“Eu já tenho bastante disso, caso não tenha notado.” Um dos cantos de seus lábios vacilou em um sorriso debochado. “Bem, ela também me ameaçou, de certa forma. E eu não gosto de ter informações sobre a minha vida pessoal expostas, então…” Ele deu de ombros. “Pode-se dizer que estamos quites.”

Tentei imaginar que tipo de informações ele guardava para si, mas não consegui pensar em nada. Eu não o conhecia bem o suficiente para isso. Eu só conseguia estar agradecida por Sarah ter tomado conta da merda que fiz.

“Eu não tenho nada a ver com a vida de Lydia,” declarou.

“Então por que me ajudou?” as palavras saíram antes mesmo de eu pensar no que estava falando.

“Você não é a Lydia, é?”

Franzi o cenho.

“Não foi essa minha pergunta.”

“Sei lá…” Ele pareceu pensar por um momento. “Realmente não sei. Mas posso deixar você em paz se quiser, é só pedir.”

Abri minha boca para responder, mas fui interrompida por uma batida na porta. Serviço de quarto. Ele se afastou, colocando-se de pé e me ajudando a levantar. Percebi que torceu o nariz enquanto me examinava.

“Por que você não toma um banho?” sugeriu gentilmente. 

“Eu tô fedendo, né?” perguntei tímida, de repente autoconsciente da catinga de vômito que eu estava exalando. 

“Fedendo é pouco, gata. Você tá podre,” disse, brincalhão. “Tem toalhas ali,” ele apontou para um cesto de vime sobre o longo banco de madeira, contendo uma pirâmide de toalhas brancas enroladinhas, “e escova e pasta de dente na gaveta. Pode abusar das coisas do hotel, tá?”

“Eu já entendi,” respondi mal-humorada ao seu tom de zombaria.

Ele abriu um sorriso travesso, mas continuou afável o tempo todo:

“Vou deixar seu vestido na porta.”

Eu assenti, esfregando meu braço inquieta, e ele se retirou do banheiro, fechando as portas duplas estilo francês atrás dele. Me certifiquei de que as cortinas das portas eram grossas o suficiente e comecei a me despir, odiando o fato de estar sozinha na minha cabeça. 

Eu só queria poder tomar uma decisão quanto a Scott. Por um lado, eu sabia que tinha que ser cautelosa — eu mal o conhecia, e ele também não havia sido apresentado a mim por alguém de confiança, o que dificultava meu trabalho de classificá-lo como bom ou mau.

Por outro lado, ele não parecia estar mentindo ou tentando me enganar. Mas como eu poderia ter certeza?

De qualquer forma, ele já sabia. Eu não podia mudar isso, apenas poderia ter cuidado com o que eu falava de agora em diante. 

Me dirigi até o box do chuveiro, todo revestido em mármore, assim como o resto do banheiro. O meu quarto não era nada assim. Haviam elementos em comum, claro, como o banco de madeira e os cestos em vime, mas minha suíte era muito menor e mais simples. 

Talvez eu pudesse fazer um favor à minha irmã e trocar Sarah por alguém que me colocasse em quartos luxuosos em Las Vegas. O pensamento me fez rir, mas eu não podia reclamar — Sarah já havia feito mais por Rose e eu do que poderíamos pedir.

Rose. Eu sentia que não falava com ela há tanto tempo. Tinha que dar um jeito nisso — começando pelo meu comportamento —, no entanto, isso teria que ficar para depois que eu voltasse para Los Angeles.

Nem três minutos haviam se passado quando eu desliguei o chuveiro e comecei a me secar. Escovei meus dentes, me vesti, dei uma ajeitada no cabelo e, respirando fundo, saí para o quarto cheirando a ser humano novamente.

Scott estava deixando uma bandeja com as coisas que ele havia pedido em cima da cama — apesar de seu quarto ter uma mesa para quatro pessoas perto de uma mini cozinha. Dobrei a camiseta que ele havia me emprestado, e pela primeira vez notando a estampa, comentei:

“Guns’n’Roses? Não tinha uma banda boa, não?”

Ele percorreu meu corpo dos pés à cabeça em um milésimo de segundo — se estava admirando meu lindo vestido à luz do dia ou me julgando, eu não saberia dizer.

“Por que eu te daria uma das camisetas que gosto? Eu nem te conheço.”

Reprimi um sorriso. Ele apenas deu meia volta e se sentou confortável numa poltrona giratória, quase de costas para mim, catando o violão preto lustroso que estava no chão e começando a dedilhar. Eu vacilei por um momento, mas tratei de escalar logo a cama, me dando conta de que a camiseta que eu vestia antes me cobria mais do que meu próprio vestido. Achei uma posição confortável que não me fizesse pagar calcinha enquanto eu comia, e comecei a cutucar a salada de frutas.

Levei um tempo para conseguir colocar tudo para dentro. Quanto mais eu comia, mais enjoada eu parecia ficar, mas depois de uns quinze minutos eu tinha deixado apenas meia garrafa de Gatorade para trás.

Durante esse tempo, Scott não disse uma palavra, seu olhar alternando entre o violão e a janela. Na esperança de não voltar aos meus pensamentos — eu teria bastante tempo para isso na viagem de volta para Los Angeles —, prestei atenção na melodia que ele tocava, mesmo que não a reconhecesse. Não sei por quanto tempo mantive o foco na música, mas quando percebi, eu já estava tentando decifrar todas as tatuagens no seu braço direito — uma tarefa nada fácil, considerando que parte estava oculta pelo violão. Do cotovelo para cima, consegui ver o que pareciam nuvens, um relógio de número romanos marcando duas horas e cinco minutos e uma partitura cujas linhas fugiam da página e cercavam alguma outra imagem oculta por sua camiseta preta.

Acho que ele percebeu que eu estava encarando, pois parou de tocar num instante e virou-se para mim, como se eu houvesse acabado de surgir ali.

“Está melhor?”

Eu assenti. Não sabia o que fazer agora. Devia agradecê-lo e ir embora, ir atrás de Nina, ou simplesmente tentar dormir mais um pouco. Mas eu não queria voltar. Eu sabia que, no momento que saísse pela porta, teria que ser Lydia Kinsley novamente. E eu só queria mais uns minutos para ser a Margot, mesmo que não pudesse na frente dele.

Eu devia ter ido embora logo que saí do banho.

Pondo-me de pé, eu suspirei. 

“Obrigada… Por tudo.”

Scott deixou o violão de lado, seus lábios pressionados em uma linha fina. 

“Não foi nada.”

Eu desviei o olhar, pensando em como eu podia ir embora com ele sabendo quem eu era. Não me parecia certo. Assim como a maior parte das minhas escolhas. Acho que eu ficaria devendo mais favores a ele do que eu podia pagar — e eu só podia rezar para que ele não decidisse me extorquir. 

“Você…”

“Não vou contar,” interrompeu ele. Fiquei surpresa que ele sabia exatamente o que eu estava pensando. Eu era tão decifrável assim? Ele continuou: “Já disse, não tenho nada a ver com a vida de Lydia.”

Hesitante, eu balancei a cabeça.

“Obrigada,” sussurrei.

Caminhei tímida em direção à porta. 

“Margot?” 

Eu me virei de imediato, esperando que ele fosse me pedir para ficar mais um pouco. Óbvio que ele não tinha motivo nenhum para isso, mas a essa altura eu estava quase implorando por um motivo para não voltar ao meu papel de figura pública, pelo menos por mais algumas horas.

Além de que eu sabia que não o veria novamente depois disso — e eu queria poder falar livremente com ele, sem medo ou desconfiança. Já fazia algum tempo que eu não dava uns bons amassos em alguém, e apesar do contexto em que nos encontrávamos, Scott era um baita de um candidato.

“Não tá esquecendo nada, não?”

Ele apontou para o canto do quarto onde minhas botas estavam. Ah, como eu queria desaparecer dali. Constrangida, atravessei o quarto para buscá-las, e quando estava novamente chegando perto da porta Scott pigarreou. Percebi que ele reprimia o riso quando me entregou o cartão do meu quarto e a garrafa de Gatorade pela metade. 

“Será que eu não deixei um braço ou uma perna para trás, também?” brinquei.

Ele deu uma risadinha. 

“Eu te aviso se encontrar mais um pedaço seu por aí.”

Saí do quarto e parei alguns passos mais adiante, pensando em alguma desculpa para voltar, mas desisti quando ouvi o som da porta fechando gentilmente.

Deixei um suspiro escapar enquanto encarava as coisas em meus braços, quando notei um papel amarelo colado ao cartão de acesso. Com dificuldade, tentei balancear minhas coisas para poder virar o cartão, de modo que conseguisse enxergar o que estava escrito no Post-It. Era um número de telefone. Logo abaixo, um recado em uma letra pequena e simétrica.

Se sentir que vai desmaiar de novo.


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