A Outra Lydia Kinsley escrita por Bea Mello


Capítulo 14
O que acontece em Vegas...




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Logo após o almoço, Nina chegou ao hotel para se certificar de que eu estava viva e bem.

“Fiquei preocupada com você,” disse ela, me seguindo para dentro do quarto. “Você não atendeu nenhuma das minhas ligações depois do evento.”

Eu me joguei de costas em uma das camas, suplicando para que o universo me poupasse de ter essa conversa.

“Eu apaguei assim que saí do banho,” menti sem nenhuma hesitação. Por que não tive essa facilidade na frente de Scott Vallencourt na noite passada?

“Você está bem?”

Nina deitou-se de bruços na cama ao lado, apoiando o queixo sobre as mãos e me olhando de um jeito fofo. Eu queria poder contar a ela quem eu realmente era, queria tê-la como minha amiga, mas sabia que isso não seria possível. Ela provavelmente nem sabia que Lydia tinha uma irmã.

“Estou sim,” encarei o teto. “Era só aquele espartilho que estava muito apertado.”

Nina levantou a cabeça, lançando-me um olhar confuso.

“Espartilho?”

Balancei a cabeça.

“Por que você estava de espartilho?”

Eu queria muito saber explicar.

“Bem, eu já tinha o vestido para o evento há algum tempo…” Pensei bem nas palavras que usaria. Quem eu estava tentando confortar? “Mas não estava cabendo.”

Percebi seu olhar percorrer meu corpo todo por um segundo. Eu sorri.

“Está tudo bem,” continuei. “Eu sei que você percebeu.”

“Eu não fico reparando, mas já te disse que sua bunda está um filezinho.”

Não consegui segurar a gargalhada. Algo na forma como ela dizia essas coisas tão naturalmente me confortava.

“Que foi?” indagou com um sorriso perdido. “Eu disse algo que não devia?”

“Não,” respondi. “Não foi nada, não. Mas fico feliz que minha bunda lhe agrade.”

Ela me encarou em silêncio enquanto eu me recompunha. Depois de alguns segundos, comentou:

“Faz tempo que eu não te vejo feliz assim por nada.”

Eu suspirei, e pensei logo em outro assunto. Se deixasse meu cérebro perambular demais começaria a pensar na minha irmã, e pela primeira vez em alguns dias eu estava me sentindo confortável — não queria que isso acabasse tão cedo. Eu ligaria para ela assim que estivesse de volta em Los Angeles.

“E então, sobre hoje à noite…”

“Olha, eu entendo se não quiser ir,” Nina interrompeu.

“Na verdade,” vi seus olhos brilharem enquanto ela se apoiava nos cotovelos. Eu continuei: “Você vai ter que me convencer a ir ao show, mas quero ir à festa do Cody.”

“Mesmo?”

Eu assenti.

“Mesmo, mesmo?”

“Sim!”

Nina soltou um grito agudo enquanto saltava da cama e se jogava em cima de mim.

“Eu tô tão feliz que você vai comigo!”

#

O lounge do hotel consistia em uma entrada no andar de baixo, onde se encontravam dois bares, uma pista de dança de LEDs coloridos e um palco onde o DJ tocava o tipo de música eletrônica que eu mais detestava. No mezanino, as poucas mesas dispostas estavam ocupadas por grandes grupos de pessoas.

Mas era no terraço que a festa realmente estava acontecendo. Eu já havia cumprimentado mais celebridades do que eu podia contar. Duas piscinas rasas cercavam a área restrita onde três holofotes estáticos iluminavam o céu, mudando de cor simultaneamente, e os quatro bares eram interligados por uma série de varais de lâmpadas que iluminavam as mesas logo abaixo. Havia tantos elementos naquele lugar que a paisagem de Las Vegas acabava apagada.

“Beleza, beleza,” gritou um dos convidados sobre a música alta, seu cabelo castanho e regata preta colados no corpo, a pele escura reluzindo com glitter e suor.

Nina havia murmurado algo que não prestei atenção em meu ouvido, enquanto me arrastava para um grupo de pessoas reunido ao redor de uma mesa. Eu estava muito distraída para entender o que ela havia me dito na hora, mas quando percebi o conglomerado do que devia ser uns cinquenta shots organizados sobre a mesa diante de nós, a ficha caiu.

Bora encher a cara?

“O jogo se chama Eu Nunca,” continuou o homem com um sorriso malicioso no rosto. “Cês sabem jogar, né?”

“Eu jogo se você jogar,” disse Fred a Cody enquanto os dois se aproximavam.

Fred apoiou um braço sobre meu ombro, seu cabelo loiro na altura dos ombros estava colado na nuca pelo suor. Cody deu a volta e parou ao lado da irmã. Eu observei enquanto o homem que havia iniciado o jogo enchia de forma descuidada os copos com vodka de limão.

“E aí?” Nina me encarava com um olhar esperançoso.

Até então não havia visto Scott em lugar nenhum, mas fiquei me perguntando se encher a cara era uma boa ideia. Se ele aparecesse e viesse falar comigo, eu não iria me responsabilizar pelas merdas que com certeza iriam sair da minha boca.

Por outro lado, eu não havia comprado um vestido de quase seiscentos dólares para ficar sentada sóbria pensando em tudo que podia dar errado.  

“Eu jogo.”

Mais alguns convidados se juntaram, e quando um total de oito pessoas estavam ao redor da mesa, o líder começou.

“Eu vou pegar leve com vocês, beleza? Eu nunca…” Ele balançou as sobrancelhas, enquanto um outro cara rolava os tambores na beira da mesa, fazendo a bebida nos copinhos tremerem. “Transei com alguém do mesmo sexo.”

Eu assisti enquanto mais da metade dos jogadores, incluindo Fred, alcançava um copo. Espreitei Cody, do meu lado direito, para ter uma ideia de como eu deveria reagir com essa nova informação, mas ele permaneceu de braços cruzados e com um enorme sorriso no rosto — acho que não foi surpresa para ninguém além de mim. Nina também não bebeu.

O jogo continuou. Uma pessoa de cada vez inventava histórias de coisas que eles nunca haviam feito. Pensei que estava bem, mas rapidamente o jogo começou a virar. Eu, Margot, podia não pertencer ao estilo de vida daquelas pessoas, mas quando chegou a vez de Fred, a pergunta dele me pegou desprevenida, e lembrei que eu estava jogando pela pessoa errada.

“Eu nunca…” Ele deu uma olhada ao redor. “Usei alguma droga ilícita no Estado em que eu estava no momento.”

De início, duas pessoas beberam enquanto eu observava.

Cody, para minha surpresa, era o que menos estava bebendo, mas ele estava empenhado em lembrar todos os momentos “eu já” de Fred.

“Cê nunca fumou um baseado em Nova York, Fred? Tem certeza disso?”

Fred o encarou por um momento como se procurasse por uma desculpa, mas acabou por ceder.

Dissimuladamente, eu alcancei um copo. Decidi que a melhor forma de fazer isso era rápido, igual remédio, e sem respirar. A sensação de ardência ficou presa no fundo da minha garganta, e tive que me esforçar muito para não fazer uma careta. Eu estava começando a me arrepender de entrar nesse jogo.

Para o meu alívio, ninguém questionou.

Nina, que estava de braços cruzados até então, alcançou um copo.

“Não vou te deixar sozinha nessa,” murmurou ela no meu ouvido. Após beber, comentou: “Sabe, eu acho que a gente é muito santa pra esse jogo.”

“Acha?” questionei. Por um momento, pensei em discordar, mas ela estava certa. Mesmo jogando por Rose, eu só havia bebido uma vez até então.

“Melhor a gente beber em todas as rodadas,” ela ergueu uma sobrancelha, como se aguardasse minha aprovação.

“De acordo,” respondi.

Logo as pessoas começaram a se empenhar em embebedar todo mundo. Algumas rodadas mais tarde, eu já estava bebendo por Rose e eu, e no meu nono shot, decidi que isso estava indo longe demais.

Já falando mole, Nina e eu saímos do jogo.

Eu estava prestes a comentar que já estava querendo ir embora quando percebi que Nina tinha os olhos fixos em algo — ou alguém — do outro lado do lounge, mas não consegui identificar quem no meio daquela multidão.

Ela segurou meus ombros e aproximou seu rosto do meu.

“Amiga, eu vou ao banheiro e já volto... Mas talvez demore.”

Ela deu uma risadinha maliciosa e se retirou.

Pela primeira vez naquela noite, encontrei Scott do outro lado do lounge, próximo à uma das piscinas. Ele conversava com um cara enquanto os dois fumavam, fazendo um esforço para assoprar a fumaça longe da garota loira de vestido preto colado ao corpo, que acariciava o braço de Scott como se ele estivesse dando a ela alguma atenção. 

Distraída pela cena, acabei esbarrando em um cara sem camisa, que segurou meu braço antes que eu caísse de bunda no chão.

“Opa, foi mal,” falei risonha, percebendo que eu estava começando a tropeçar nas palavras.

“Sem problemas, gatinha.”

Ele piscou para mim, e percebi minha careta se formando enquanto eu me esquivava da sua mão se aproximando do meu rosto.

“Tááá…”

Os amigos dele caíram na gargalhada, mas não parei para ver a reação dele. 

Continuei indo em direção ao bar e procurei pela seção de petiscos no cardápio.  Devo ter revirado o menu umas três vezes até me conciliar com o fato de que eles não tinham nada além de chocolatinhos, e decidi pedir o drinque de nome mais atrativo. Só mais uma bebida não iria matar ninguém, não é?

“Um Kryptonite, por favor.”

Enquanto o barista preparava meu pedido, eu me sentei no banco ao meu lado. Pela forma com que os respingos de outras bebidas no chão pareciam dançar, percebi que talvez eu estivesse mais bêbada do que eu imaginava, mesmo completamente auto consciente e lúcida. 

Meu olhar correu pelo terraço. Encontrei Nina do outro lado do lounge de amassos com um cara que não reconheci, mas desviei o olhar quando senti uma pontada de inveja das duas partes. Apesar de que, se eu estivesse no lugar de Nina — e se eu fosse eu —, preferiria estar beijando...

Scott ainda estava no mesmo lugar de antes, mas o homem com quem ele conversava antes havia sumido e dado lugar a uma segunda mulher, essa de cabelo preto e liso na altura da cintura — quase tão longo quanto o meu costumava ser. Ele tinha uma taça de vinho na mão, seus lábios esticados em um sorriso enquanto as garotas, que tinham os braços ao redor da cintura uma da outra, falavam alguma coisa. 

Ah, como eu queria interrompê-los. 

Acho que encarei por tempo demais, porque de repente ele olhou em volta como se sentisse que estava sendo observado, e não demorou muito para seus olhos encontrarem os meus.

Seu sorriso cresceu um pouco, mas não o suficiente para mostrar os dentes. Tive a impressão de que ele havia piscado para mim, mas de longe e com a vista afetada pelo álcool, não pude ter certeza.

De qualquer forma, eu sorri de volta e desviei o olhar logo em seguida. Ele não precisava saber que tinha ocupado meus pensamentos por boa parte do dia.

Bebi o último gole do meu Kryptonite e me levantei. Tive que fazer um esforço descomunal para andar em linha reta até o guarda corpo de vidro só para tomar um ar. Eu ainda tinha esperança de que a tontura ia passar, pelo menos o suficiente para eu chegar ao meu quarto em segurança. Foquei no degrau a alguns metros de mim enquanto eu caminhava, mas por mais estável que eu pensei que estivesse, consegui tropeçar nele, e só não caí no chão pagando calcinha para a festa toda porque um braço forte me segurou.

Eu dei uma risadinha.

“Ah, decidiu aparecer, é?”

“Sem dúvidas,” respondeu uma voz que definitivamente não era a de Scott. O homem descamisado em quem eu havia esbarrado mais cedo me fitou, seus olhos confusos, mas bem humorado. Um palito branco de pirulito dançava pelo canto dos seus lábios.  “Cê tá bem?”

“Tô sim. Pensei que fosse outra pessoa,” respondi.

Me apoiando sobre o parapeito, finalmente percebi o quão bêbada eu realmente estava. Pigarreei enquanto alisava meu vestido de veludo vermelho, checando se tudo estava no lugar. Talvez uma roupa tão curta e decotada não fosse ideal para se embriagar em Las Vegas.

“Nossa, estou ofendido.”

Levantei a cabeça e observei o homem que havia acabado de me ajudar. Ele vestia um jeans azul escuro e tênis, e assim como dois terços dos convidados, ele estava suado. Me perguntei se havia alguma coisa errada comigo, pois a temperatura parecia ter caído uns dez graus nos últimos minutos.

Ele tirou o pirulito da boca para falar.

“Eu sou Aaron,” ele se apresentou, seu sotaque sulista pesado. “Eu tava prestando atenção em você e decidi dar um oi.”

“Hm, oi,” respondi tentando ser simpática, enquanto ajeitava meu cabelo para cobrir o decote. Eu não estava a fim de falar com nenhum desconhecido no momento.

Ele riu. O máximo que consegui fazer foi esticar os lábios em um sorriso duro. Rezei para que ele fosse bom em ler linguagem corporal.

“Sabe, você é uma graça. O que você acha que ia acontecer se…” Ele deu de ombros. “A gente se beijasse?”

Eu abri minha boca para dar um fora nele, mas me lembrei que ainda era Lydia Kinsley. Eu não podia ser grossa assim de graça. Precisava pensar em um fora educado.

Seus cabelos bagunçados e olhos verdes me lembrava de Connor, mas a pele bronzeada e peito musculoso o fazia parecer o surfista que Connor jamais conseguiria ser em Little Falls.

O pensamento me fez rir, e para o meu grande infortúnio ele pareceu interpretar essa reação da forma mais errada possível. Ele até que era bonitinho, mas assim que inclinou a cabeça e começou a se aproximar, um pequeno momento de pânico se instaurou no meu peito. Eu não podia reagir da forma que gostaria. Eu não era eu.

Próximo demais de pressionar seus lábios sobre os meus, eu cambaleei para trás me segurando no guarda corpo, bem a tempo de alguém se enfiar entre mim e ele. 

“O segurança já está vindo tirar você daqui.”

A voz de Scott não era agressiva, mas era ameaçadora o suficiente para Aaron dar um passo para trás antes de responder algo que eu não ouvi. 

Eu me virei de costas e ergui a cabeça para o céu. Eles continuaram discutindo, mas a essa altura eu estava focada demais em respirar fundo e ficar sóbria para prestar atenção. Tentei, em vão, controlar a tremedeira. De repente, nem mesmo um vestido de veludo, por mais revelador que fosse, não era o suficiente para conter o frio. Quantos graus estava? Era mesmo possível que as temperaturas caíssem tão drasticamente no deserto à noite?

Continuei tentando me concentrar o suficiente para voltar para o meu quarto e dormir até tarde no dia seguinte, dando graças a Deus que Sarah já havia voltado para Los Angeles pela manhã. Alguns minutos devem ter se passado quando senti uma mão no meu ombro, e me meus olhos encontraram Scott me dizendo alguma coisa. Seu rosto estava todo embaçado, mas eu ainda conseguia reconhecê-lo. 

“Oi?”

“Vem comigo,” repetiu ele sem dar muita explicação.

Eu o segui até a porta que dava para dentro do lounge, onde a música estava alta demais para eu sequer ouvir meus próprios pensamentos. Não precisei ouvir as direções de Scott para abrir caminho em direção às escadas, e me concentrando bastante, comecei a descer. Eu mal podia esperar para sair dali. Dois degraus depois eu já estava confiante o bastante para acelerar um pouco os passos.

Obviamente, não demorou para pisar em falso e me jogar no corrimão para não rolar escada abaixo, a mão de Scott de repente firme no meu braço. Percebi que as pessoas à minha volta levaram um susto, mas logo estavam rindo. Não pude evitar rir junto. 

“Onde está seu cartão?” A voz de Scott estava séria no meu ouvido.

“Quêêê?” gritei, tentando garantir que ele me ouviria por cima da música alta.

“A chave do seu quarto. Está com você?”

Tateei meu corpo, mas logo me lembrei que eu não estava nem mesmo com meu celular. Havia deixado tudo no meu quarto, e o cartão de acesso estava na bolsa de Nina.

“Hmm… Deixei com a Nina, mas não sei onde ela tá.” Assim que terminamos as escadas, continuei: “Onde está me levando?”

Sem resposta, ele pegou minha mão e atravessamos a pista de dança em direção à saída. Notei alguma bebida — ou seria vômito? — espalhada por um canto, e imaginei que aquele lugar, comparado ao terraço, era o próprio Tártaro. Eu soltei uma risadinha.

Assim que a porta da saída se fechou atrás de nós e o barulho foi quase completamente abafado, Scott respondeu minha pergunta. 

“Estou te levando para a cama.”

Não havia humor em sua voz, mas meus lábios logo se esticaram em um sorriso enorme. 

“Até que enfim,” comentei. “Achei que eu fosse ter que ficar pelada na sua frente para você entender.”

Ele se virou para mim, seu olhar surpreso, apesar do sorrisinho de lado. 

“Quis dizer para dormir. Você precisa dormir. Já bebeu demais.”

Ele deslizou seu cartão de acesso do hotel pelo sensor ao lado do elevador e nós entramos, as portas logo se fechando atrás de nós. Fechei meus olhos por um momento. O movimento do elevador me fez perceber que, não bastasse o frio e a tontura, meu estômago também estava me dando uma bronca. Com um sobressalto, eu ajeitei minha postura, por um breve momento me sentindo muito mais lúcida.

Se eu fechasse meus olhos não sei se acordaria novamente.

Eu não fiz nada de errado, não é? Nada comprometedor? Eu podia estar bêbada, mas minha memória estava intacta.

Fitei Scott enquanto nos recostávamos em paredes opostas do elevador, de frente um para o outro. Nossos olhares se encontraram e eu sorri, mas ele continuou sério.

“Você chegou a beijar alguém essa noite?”

Ele estava perguntando o que eu achei que estivesse? Semicerrei os olhos, pensando na resposta mais adequada.

“Não, mas ainda dá tempo.”

Quando ele falou novamente, sua voz estava mais alta, mais clara.

“Você se deu conta que ele estava tentando drogar você?”

“Com um beijo?” Eu ri com desdém ao lembrar da situação. “Ele deve ter um p...”

“Com ecstasy,” ele repreendeu. “O pirulito é para tirar o azedo que fica na boca.” 

Eu abri minha boca, mas nenhuma palavra saiu. Não sei como ele iria me drogar dessa forma, mas Scott estava sério demais para ser uma brincadeira. Meu coração afundou e eu, para piorar ainda mais meu estado, percebi o velho sentimento de estar fazendo merda surgindo no meu peito. 

A única coisa que saiu da minha boca foi:

“Ah.”

Eu quase havia… Era isso que havia levado minha irmã aonde ela estava.

O resquício de prazer e energia que haviam sido cortesia da festa se iam aos poucos, e logo, no silêncio do elevador, a sensação de calmaria ia tomando conta. Sem pesar as consequências das minhas ações, eu dei dois passos e meus braços circundaram o corpo de Scott. Eu queria agradecer. Queria pedir desculpa por ser tão imprudente na festa à qual ele havia me convidado.

De repente, percebi que eu não queria voltar para meu quarto ainda. Vai saber quando — ou se — nós iríamos nos ver de novo, e eu não queria que ele lembrasse de mim dessa forma. Na verdade, queria que ele soubesse quem eu era.

Claramente, meu julgamento estava bastante afetado pelo álcool.

“Desculpe,” murmurei.

Ele retribuiu o abraço, mas o calor do seu corpo não parecia estar fazendo muito pela sensação de frio que ia e vinha em mim.

“Não precisa se desculpar,” ele sussurrou. “Só tenha cuidado da próxima vez.”

“Não vai ter próxima vez,” falei, olhando para cima para encontrar seu rosto. “Eu nunca mais vou beber de novo nessa vida.”

Senti seu peito balançar com uma risadinha.

“É uma opção.”

Nós sorrimos, e só então caiu minha ficha do quão próximos nossos rostos realmente estavam. Se eu levantasse um pouco meu queixo, estaríamos nos beijando, e os pensamentos que eu estive tentando reprimir se tornariam realidade. Se ele quisesse.

Eu me movi com cuidado, somente o suficiente para sentir o mais tênue, o mais breve toque de nossos lábios, e tive medo de estar delirando. Será que eu já estava sob o efeito de alguma substância ilícita e não sabia?

No entanto, senti Scott tensionar suas mãos firmes na minha cintura enquanto ele me puxava para mais perto. Aquilo era real. Nós não fazíamos ideia de quem éramos, e mesmo assim meu coração estava acelerado e minha pele formigava em todo lugar que nossos corpos faziam contato. 

“Lydia,” ele sussurrou, o cheiro leve de tabaco e menta por baixo do álcool em seu hálito.

“Pode me chamar de Margot.”

Sem pensar, eu o puxei para mais perto e a ponta da minha língua acompanhou a forma do seu lábio. Ele inclinou a cabeça, intensificando nosso beijo. Eu estava alcançando sua nuca quando a campainha do elevador soou, e em um piscar de olhos estávamos novamente colados em paredes opostas. 

Senti um sorriso se formar em meus lábios, minha tontura parecendo ter piorado. 

“Você tá com gosto de vinho,” murmurei.

As portas do elevador se abriram.

Scott não disse uma palavra. Apenas segurou a porta para mim enquanto eu cambaleava para fora, mantendo uma mão no meu ombro e uma distância adequada demais para o meu gosto enquanto me guiava pelo corredor do hotel.

Com o mesmo cartão que havia usado no elevador ele abriu a porta de uma suíte. O quarto era grande demais e acomodava apenas uma cama, ainda maior que a minha. Não fiz alarde e fui logo em direção a ela, me jogando da forma que meu equilíbrio me permitiu. 

Ele havia me rejeitado?

Rolei-me de barriga para cima e tratei de manter os olhos abertos, para evitar a sensação de estar caindo em um longo buraco até o País das Maravilhas.

Senti algo puxar meu pé, e um alerta de perigo soou na minha cabeça, mas logo silenciou. Era apenas Scott tentando tirar meus sapatos.

Com dificuldade, eu me sentei e o observei.

“Por que não quer me beijar?” choraminguei.

Ele me fitou, e pude jurar que ele estava se divertindo com essa situação toda.

“Eu nunca disse isso.”

Mordi o lábio para esconder meu sorriso e fechei os olhos.

“Então me beije.”

Eu esperei, mas ele continuou em sua missão de remover minha outra bota. Abri meus olhos para descobrir que ele nem estava mais olhando para mim. Por que ele era tão difícil?

Percebi que ele respondeu algo, mas num tom ininteligível. Eu arquejei.

“Tá, tira meu vestido então,” falei ranzinza.

“Como é?”

“Eu não vou dormir de vestido novo, Scott. Custou o olho da cara.”

Ele hesitou, mas acabou por me ajudar a desfazer o nó nas costas e puxar a roupa por cima da cabeça. Eu engatinhei até o travesseiro e me deitei, focando em respirar fundo e não vomitar. Talvez eu estivesse tão mal que esqueci da presença de Scott, ou então não o vi sair — eu estava tão focada em continuar viva que a sensação era de que nada além do meu corpo existia. Talvez nem isso.

Após o que poderia ser segundos ou horas, finalmente consegui dormir, com uma náusea horrível e um frio incontrolável.


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