Poison escrita por Brê Milk


Capítulo 3
Two


Notas iniciais do capítulo

"Eu vou estar ao seu lado
E tudo que costumávamos saber
Colidiu com o grande desconhecido"


- Eric Arjes (Find My Way Back)



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— Você tem certeza, irmão?

 

Alec paralisou com a mão na gravata. O reflexo no espelho lhe permitiu observar o exato momento em que as linhas de sua expressão enrijeceram e a forma como seus olhos se estreitaram. O mínimo pensamento, até mesmo aquele mais irrelevante que fosse sobre o assunto, o fazia querer destruir tudo ao seu alcance.

Porém, quando o Volturi se virou para a vampira loura que tinha os mesmos traços que os seus, o desejo sombrio se acentuou um pouco.

 

— Desde quando faço algo cujo não estou absolutamente certo, Janette? — retrucou, voltando a trabalhar na gravata, que parecia ter vida própria. — Maldita gravata!

 

Com um suspiro frustrado, a vampira balançou a cabeça e se aproximou, estapeando as mãos atrapalhadas do irmão.

 

— É Jane, seu idiota — O corrigiu enquanto fazia um nó na gravata perfeito. — E sua resposta não responde a minha pergunta.

 

— Deve ser porque você faz perguntas na mesma frequência que faz exigências.

 

— Ou então porque você não está seguro o suficiente com a porcaria do plano — Atirou ela, erguendo as sobrancelhas em deboche. Em seguida, retomou a expressão preocupada, deslizando as mãos para os ombros dele: — Isso tudo é loucura, Alec. Aquela mulher quase arruinou a sua existência e o fez sofrer por anos e agora volta querendo a sua ajuda? Ela fará de novo, você sabe disso e ainda assim está disposto a recebe-la de braços abertos? Você é um otário, irmão.

 

— É complicado, você sabe. Tem uma profecia...

 

— É, eu sei. Mas sejamos francos; nada nunca o fez dissuadir de suas opiniões ou vontades. Uma profecia não seria capaz, seria?

 

O Volturi ficou em silêncio, sob o olhar questionador da irmã gêmea, sentindo-se frustrado por não ter uma resposta a altura.

 

— Nós compartilhamos um útero, querido irmão. Não há nada que eu não saiba sobre você — Jane bufou e o fitou fixamente. — Seja lá o motivo pelo qual está fazendo isso, vá em frente. Estarei torcendo por você e irei apoia-lo em qualquer decisão, mesmo que seja uma que nos coloque contra o resto do mundo. Mas, estou avisando: se aquela vadia da Katerina ferrar com você, eu arranco a cabeça dela.

 

— Não tenho dúvidas — Alec sorriu minimamente, e Jane devolveu o gesto, o empurrando levemente.

 

Foi naquele momento que ele soube que estava fazendo a coisa certa pela pessoa certa, o que o motivou a não dar meia volta quando passasse pelas portas do castelo.

 

— A cerimônia já vai começar. Creio que você deva estar lá para isso acontecer — A voz melódica de Jane alcançou seus ouvidos, o tirando dos pensamentos. Quando ele a olhou, ela já estava caminhando em direção a porta do quarto, praguejando contra o vestido rubi que trajava: — Você vem?

 

O vampiro louro-acastanhado lançou um último olhar para o espelho na parede e alinhou o terno mais uma vez. Então, contrariado, caminhou até a irmã e segurou sua mão.

 

— Não há como se ausentar do próprio funeral, creio eu.

 

Jane riu e ele a acompanhou. Assim, os gêmeos rumaram em direção ao salão principal, caminhando pelos corredores vazios do castelo. A música clássica ecoava entre as paredes.

 

— Senhoras e senhores, que o show comece —A voz sarcástica de Jane ecoou pelos corredores antes deles pararem diante das pesadas portas de carvalho do Grande Salão.

 

Alec a lançou um olhar afiado e se concentrou no que aconteceria a seguir. As portas foram abertas pelos servos de patente inferior do castelo, e os gêmeos adentraram juntos o Grande Salão.

Tudo estava exatamente igual como sempre, com a exceção da mesa de pedra posta no centro do cômodo e da presença dos dois vampiros russos parados diante da mesa. Nikolai parecia nitidamente contrariado enquanto Katerina parecia, de alguma forma em sua espiral de insanidade e perversidade, profundamente exultante com tudo aquilo.

A Pavlova o observou atentamente, segurando um estúpido buquê de rosas vermelhas, dentro de um elegante vestido branco, como demandava a tradição do matrimônio. Nada soava mais irônico como aquilo e Alec quis sair correndo conforme reparava nos detalhes da decoração e na forma como os poucos vampiros presentes estavam vestidos a caráter. Pelo canto dos olhos, ele a fileira empoleirada do primeiro escalão da guarda dos Volturi que haviam sido convidados para a cerimônia: Felix, Demetri, Heide, Chelsea, Afton e Renata. Todos com aquele familiar ar de frieza e sarcasmo pela situação.

Era um casamento oficial, afinal.

 

— Se vocês querem que esse plano dê certo, irão ter que manter as aparências. Um álbum de fotos do casamento é o primeiro passo — O cometário zombeteiro de Jane não mudou a expressão infeliz no rosto do irmão, que revirou os olhos.

 

Logo, os dois alcançaram o centro do salão. Pararam diante dos vampiros russos e ambos os quatros se encararam; a hostilidade pairando no ar.

 

— Você aceitou isto, Alecsandro. Espero que cumpra com sua palavra e leve o plano até o final, embora seja difícil acreditar — Cuspiu Nikolai, o fitando seriamente.

 

Alec grunhiu, mas foi Jane quem se pronunciou:

 

— Deixe-me lembrar que a única traidora e desonrada que temos aqui é a sua protegida, Nikolai.

Katerina gargalhou.

 

— Obrigada pelo acolhimento, Janett. Será ótimo fazer parte da família.

 

Jane rangeu os dentes e Alec a segurou pelo braço. Nikolai lançou um olhar de advertência para a ruiva, que chacoalhou os ombros.
As portas do salão bateram e um pigarro ecoou. Em um instante, as três figuras quase translúcidas de Aro, Caius e Marcus estavam ocupando os tronos no púlpito de pedra mais adiante. Sulpicia e Athenodora também estavam lá, atrás dos tronos dos maridos.

Até elas, Alec pensou. De fato, era um evento especial. O dia da sua condenação, mais especificamente.

 

— Vejo que já estão todos reunidos, meus queridos — disse Aro, atraindo a atenção de todos. Os afiados olhos escarlate pararam em Alec e Katerina e um amplo sorriso surgiu no rosto fantasmagórico enquanto ele batia palmas: — Então, que comece a celebração!

 

 

Pela primeira vez em alguns séculos, Alec Volturi respirou fundo. E se preparou para o pior.

 

 

 

***

 

 

 

Fazia cerca de dez minutos que o vampiro louro-acastanhado fitava a aliança em seu dedo enquanto esperava a Pavlova. O metal parecia queimar sua pele, assim como o significado dele queimava sua alma condenada.

 

 

Porque agora ele era um homem casado. E como se não bastasse, ainda era com ela. Com a única mulher que nutria algum tipo de sentimento, mesmo sendo ele o ódio.

 

 

A porta do carro foi aberta e Katerina ocupou o banco do passageiro ao lado, sem cerimônias. Antes que pudesse se acomodar confortavelmente, Alec deu partida e arrancou com o carro, partindo em direção ao aeroporto de Volterra, obstinado a não iniciar nenhuma interação com aquela mulher.

 

 

Durante o trajeto, sentiu o peso do olhar da vampira ao seu lado, o encarando descaradamente. Aquilo o incomodou, mas não estava disposto a dar sinais de seu descontentamento para a ruiva. Não quando era exatamente o que ela queria.

 

 

Então ela continuou.

 

 

O som estridente e repetitivo das longas unhas polidas e bem feitas de Katerina batendo contra o vidro da janela como uma gata arranhando a portinhola da entrada, o levou ao limite.

 

 

 

— Pare de arranhar meu carro com essas unhas infernais e diga logo o que você quer, Pavlova — grunhiu Alec, a fitando pelo retrovisor.

 


Os lábios carnudos pintados de vermelho se curvaram em um sorriso. Maldita fosse.

 

 

— Acabamos de assinar o contrato de casamento. Estamos casados agora. Diálogo é importante no matrimônio — Apontou ela, o olhando diretamente, ignorando o retrovisor.

 

 

O Volturi afundou as mãos no volante, controlando-se para não arranca-lo e joga-lo pela janela, assim como queria fazer com a vampira.

 

 

— Não neste, certamente. E mais; me deixe esclarecer algo sobre esse show de horrores que estamos protagonizando: não haverá diálogo. Nem monólogos ou ao menos meras sílabas. Não haverá nada, porque é isto o que somos. Assinamos um contrato de casamento de fachada apenas para garantir a sobrevivência de nossos clãs no meio de um conflito de interesses e possível ameaça de nosso inimigo em comum, então não vamos confundir as coisas — A voz de Alec soou dura e intacta, embora ele não se sentisse da mesma forma. Estava mais perturbado do que nunca. Ele pisou no acelerador e continuou: — Seja lá o que esteja passando nessa sua mente psicótica, não se engane. Você e eu nunca mais seremos o que fomos.

 


Katerina rosnou baixinho e cruzou os braços como se fosse uma criança mimada. Olhando-o de olhos estreitos, — dessa vez pelo retrovisor — ela suspirou dramaticamente e ergueu a mão, exibindo a aliança  delicada em seu dedo.

 

— Eu não teria tanta certeza, Alecsandro. Hoje é só o primeiro dia da nossa vida como marido e mulher. Ainda temos trezentos e cinquenta e nove dias pela frente.

 

Então ela piscou. Alec rosnou, buscando no fundo de sua mente as razões que tinha para não expulsa-la do carro em movimento. Ele lembrou do plano. Lembrou de Aro. Lembrou de Jane e a sanidade retornou ao seu ser.

Katerina ainda o fitava, esperando algum retorno hostil de sua parte. Porém, ele optou por ignorar e continuar dirigindo. Tinha que manter o controle se pretendia manter as aparências e seguir com o plano. E ele poderia fazer aquilo, obviamente.

Era Alec Volturi, não um tolo guiado por um coração partido de eras atrás. 

 

 

***

 

Filhos da lua eram inimigos perigosos. O fato de conseguirem omitir sua própria espécie e se camuflar entre humanos durante o dia e a noite, fez com que o clã italiano e o clã russo repassassem o plano arquitetado diversas vezes. Atuar. Analisar. Atacar. Eram os passos que os dois vampiros recém-casados deveriam seguir, na ordem.

E foi justamente devido ao plano que Alec Volturi e Katerina Pavlova aguentaram horas dentro de um avião para cruzar o oceano. Assim como, devido ao plano, estavam juntos. Mais que isso: encorporando o casal mais apaixonado que já pisara naquele aeroporto. De mãos dadas e sorrisos forçados, eles atravessavam o saguão de desembarque, arrastando as malas, fingindo serem humanos normais como os outros que os cercavam.

 

— Por que mesmo temos que continuar sorrindo como dois idiotas? — A voz melódica de Katerina chegou até os ouvidos de Alec com certo grau de acidez e ele percebeu rapidamente que ela estava mal-humorada.

 

— Porque se algum filho da lua estiver aqui nos observando, ele tem que pensar que estamos felizes com a união — Ele retorquiu, parando de andar, aproximando-se até estar a alguma centímetros de distância da ruiva. Com uma delicadeza que a tempos não colocava em prática, Alec levou a mão até o rosto bonito da vampira, acariciando as maçãs do rosto e ajeitando os óculos de sol em seu rosto, embora a chuva caísse torrencial do lado de fora do aeroporto. — Então, faça um esforço.

 

Como o esperado, o Volturi foi capaz de vê-la rolando os olhos para suas palavras por trás das lentes escuras.

 

— Teremos sorte se ele for um pouco estúpido, querido — murmurou Katerina, sorrindo ironicamente durante a troca de olhares afiados.

 

Alec grunhiu e se afastou discretamente, continuando com o entrelace das mãos. Os dois retomaram a caminhada, reforçando os sorrisos, mesmo querendo apaga-los das faces. Seguiram em frente, desviando das pessoas apressadas e suas bagagens e de todo o caos que se instalava em um aeroporto em dias chuvosos. Eles seguiram adiante, atentos a tudo ao redor. Eles estavam atuando, analisando, prontos para atacar caso houvesse necessidade.

Mas não houve.

Contudo, algo aconteceu. Alec não soube como, apenas que, quando percebeu, o caos chegou até eles e por um breve momento, pensou que o plano fosse ruir.

O cheiro de sangue atingiu os dois vampiros repentinamente e ambos se viraram ao mesmo tempo para a cena que se desenrolava a alguns metros adiante: um garotinho no chão, com filetes de sangue escorrendo da perna machucada pela queda. Não havia sido nada demais e o Volturi estava pronto para se virar e retomar o caminho, mas percebeu que algo estava errado quando a vampira russa não saiu do lugar.

 

— Pavlova?

 

Um rosnado foi a resposta dela e então Alec entendeu o que estava acontecendo. Surpreendido, ele a observou rosnar mais alto, a boca se abrindo lentamente e expondo as presas, soltando a mão dele com brusquidão, perdendo o controle.
Katerina rangeu os dentes e se colocou em posição de ataque, pronta para avançar até o garotinho no chão.

Alec soltou as malas e a segurou bem a tempo. Agarrou-lhe pela cintura e a prendeu em um abraço de ferro, pressionando o rosto dela contra seu peito enquanto ela se debatia violentamente.

 

— Está tudo bem, meu... amor. Está tudo bem — Repetiu Alec, em alto e bom som para algumas pessoas que passavam e olhavam curiosos para a cena.

 

Katerina rosnou mais alto, o corpo tremendo violentamente, cravando as unhas na pele de seus braços e ele apertou o abraço. Naquele momento, parecia que uma recém-criada descontrolada estava diante de si e não a vampira secular fria e manipuladora que conseguia tudo o que queria. Não era Katerina Pavlova que estava em seus braços, mas sim uma desconhecida vestida com a pele da mulher que conhecia.

Katerina não era frágil. Mas, naquele segundo, ela estava prestes a quebrar e acabar com tudo no processo. Alec só não estava disposto a permitir tal coisa.

 

— Escute-me bem, Pavlova, pois só irei falar uma vez — Ele alcançou o ouvido dela e sussurrou apenas para os dois ouvirem, ainda a prendendo contra si: — Mantenha o foco na sanidade. Recupere o controle. Se concentre e pare agora mesmo se não quiser estragar tudo. É apenas sangue inocente e você é melhor que isso. Controle-se!

 

Aos poucos, as palavras foram fazendo efeito. Katerina parou de se debater e ficou imóvel, os rosnados cessando gradativamente até se reduzirem a um fiapo de voz que se silenciou posteriormente. As pessoas os deixaram de lado, voltando as atenções para o garotinho e os vampiros permaneceram parados no meio do aeroporto, abraçados.

A Pavlova foi a primeira a reagir. Erguendo a cabeça, ela se deparou com a centelha de confusão maculando o rosto inexpressivo do Volturi, o que a fez recuar. Havia raiva e frustração lampejando em seu olhar voltado para o vampiro louro-acastanhado, que ainda esperava por uma explicação.

 

— Não me olhe assim — Ordenou ela, apanhando a mala jogada no chão. De alguma maneira, as mãos ainda tremiam. — E nunca mais me dê ordens!

 

— Você deveria se acalmar — Alertou Alec, tentando segura-la, mas a russa se desvencilhou.

 

— E você deveria ir para o inferno, mas não se preocupe. Eu tenho trezentos e cinquenta e nove dias para leva-lo até você.

 

Com isso, Katerina o deu as costas e saiu andando para a saída, enfurecida demais para manter as aparências e seguir com o plano. Se era consigo mesma ou com ele, Alec já não sabia. Todavia, tinha certeza de que havia algo errado com ela. E, enquanto deixava o aeroporto de Port Angeles, se deu conta que talvez Katerina e Nikolai não tivessem contado tudo o que sabiam e o que havia acontecido.











 


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