Cecília escrita por Vanda da Cunha


Capítulo 2
O professor




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Prestativa, a jovem segurou o pai pela mão, e o levou até a cozinha, enquanto o ajudava a sentar-se na cadeira, sentia-se reconfortada. A mesa já estava posta, ela pegou um prato e colocou duas colheres da sopa.

 

― Obrigada, filha. ― Agradeceu o pai.

 

Enquanto essa cena acontecia, a mãe mantinha os olhos distantes, odiava ver a filha mimando o pai, odiava aqueles momentos de ternura filial, odiava a si mesma por saber que nada que ela fizesse ou falasse mudaria os sentimentos que os unia.

 

— No próximo mês, eu viajo para Rondônia, e a Cecília vai comigo! ― Disse o marido tirando a mulher do seu mundo abstrato.

 

Assutada com a notícia, a mulher arregalou os olhos e rebateu.

 

— Viajar? Você está doente Alfredo; deveria procurar um médico, não uma agência de viagens!

 

— Eu já me sinto melhor, Elvira! Eu não preciso de um médico. Assim como você não precisa de um psicólogo ou de um psiquiatra!

 

— Ai meu Deus! Vocês vão começar a brigar? ― Interveio a jovem franzindo a testa.

 

A mãe desdenhou com o olhar.

 

— Ninguém está brigando, filha! Eu e seu pai estamos apenas conversando. É que as vezes ele não entende que está velho e doente, e sem condições para muitas coisas, inclusive, “viajar.”

 

O homem riu alto, colocou a colher dentro do prato e com olhar sarcástico encarou a mulher.

 

— Você tem razão! Eu estou impotente para “muitas coisas” mas viajar.. Verdadeiramente não é uma delas. Eu vou para Rondônia e a Cecília vai comigo, e não se fala mais sobre esse assunto!

 

A mulher não se conteve e mais uma vez rebateu.

 

— Você sabe que eu nunca concordei com essa viagem! Muito menos com essas besteiras que você insiste em colocar na cabeça da Cecília; minha opinião é que ela termine a faculdade e tenha um futuro garantido! Se é que minha opinião tem algum valor nessa casa. ― Reclamou a mãe rispidamente.

 

A filha deixou a colher dentro do prato, a fome passara. Triste, ela olhou para os pais, que continuavam a discutir.

 

— Faculdade? ― O pai riu limpando a boca no guardanapo. ― Nem pensar! Ela vai ser fazendeira, Elvira!

 

― Assim como você, Alberto? Ai meu Deus! Isso é patético! ― Zombou a mulher.

 

— Mãe! ― Chamou a moça com voz firme. A mulher virou-se para olhar para a filha, havia uma certa apreensão em seus olhos.

 

― Eu vou com meu pai. ― Assegurou a jovem.

 

— O que você está dizendo?

 

― Estou dizendo que vou viajar com meu pai, e espero que a senhora aceite minha decisão. Eu não quero que vocês briguem por causa disso. Por favor!

 

— Meu Jesus! Ele conseguiu virar sua cabeça! ― A mãe disse levantando-se abruptamente da cadeira. ― Terminem a sopa, eu perdi a fome!

 

Dona Elvira limpou a boca no guardanapo, e raivosamente, jogou-o sobre a mesa, a passos firmes saiu em direção ao quarto, pouco depois ouviu-se um bater de porta furioso, na cozinha, pai e filha continuaram a comer em silêncio.

 

Na tarde do dia seguinte, antes de ir para a faculdade, foi ao quarto do pai. Encontrou-o sentado próximo a janela.

 

— Está frio papai, não devias ficar com a janela aberta. ― Reclamou abraçando-o pelas costas.

 

— Já está indo pra faculdade? Deverias esquecer esse curso, seu futuro não é ser funcionária pública.

 

— Papai. ― Ela o acariciou no rosto, depois afastou-se. ― Eu não vou ser funcionária pública, vou ser advogada.

 

— Vai ser funcionária pública sim! Escreve o que estou te dizendo, filha. Sua mãe vai te obrigar a fazer um concurso. ― Ele fez uma pausa antes de prosseguir. ― Talvez ela esteja certa, pelo menos você terá uma aposentadoria.

 

― Como o Senhor é teimoso. Acho que é por isso que te amo tanto. Agora tenho que ir, não quero chegar atrasada.

 

Antes de sair do quarto, mediu a temperatura do pai e viu que estava normal. Sorriu por dentro, ha dias que ele não tinha febre nem vômitos, talvez a mãe estivesse errada quanto ao diagnóstico. Olhou-o docemente, em seu coração surgiu uma fagulha de esperança.

 

― Quem sabe ele se recuperou. ― Pensou em voz alta.

 

Algumas horas depois, já na biblioteca da faculdade, ela tentava se concentrar na leitura, mas a imagem do pai ainda estava em sua cabeça, eu desejo é que ele ficasse curado e tudo voltasse ao que era. Do outro lado da sala, um homem a observava. Magro, alto de olhos miúdos, ele se aproximou devagar e tocou-a nos ombros. Abruptamente, ela virou para ver quem era.

 

― Que susto, professor! ― Disse colocando a mão sobre o peito.

 

― Não era minha intenção te assustar. ― Desculpou-se.

 

― Sente-se. ― Convidou-o.

 

― Você parece triste. É por causa do seu pai? ― Perguntou o recém-chegado ainda de pé.

 

― Eu acho que ele está melhor, ainda tenho esperança.

 

― É bom saber que tens esperança. A medicina avançou muito.

 

― Meu pai odeia médicos, professor. Se depender da medicina ele não vai viver muito tempo. ― Lamentou a moça. O homem olhou para a moça e sorriu tristemente. Tinha pena dela, mas não queria opinar em questões familiares, então mudou de assunto.

 

― Nos vemos depois da aula? ― Perguntou com voz baixa.

 

― No lugar de sempre. ― Ela respondeu voltando a leitura.

 

Há cinco meses que os dois se encontravam às escondidas, ambos sabiam que corriam perigo, ele mais do ela, mas algo naquela garota o deixava louco, tão louco que se esquecia dos riscos.

 

 

 


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