Natureza Humana escrita por Last Mafagafo


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Quando o Doutor faz besteira, Donna é uma das únicas companheiras que discute com ele. Com John Smith não vai ser diferente!



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Donna não dormiu muito bem naquela noite, ela estava preocupada com a Família Sangue e o Doutor. Foi por isso que ela acordou um pouco mais cedo que o costume, e sem a menor noção do horário, acabou adiantando suas tarefas matinais. John havia acabado de acordar quando Donna bateu na porta do quarto dele, como ela costumava fazer todos os dias. Ele pensou que fosse apenas Jenny, com a bandeja do café-da-manhã, e respondeu com um simples “Pode entrar”, antes mesmo de colocar um robe.

Qual não foi a surpresa de Donna ao encontrá-lo de pijamas, ainda com o cabelo desgrenhado. Aquela não era exatamente a primeira vez que Donna o via de pijamas. Aconteceu uma vez, no corredor da Tardis, depois de uma aventura especialmente exaustiva, e no Planeta do Sono (ou Hijix 98, dependendo se quem contava a história era a Donna ou o Doutor). Mas não era comum que o Doutor dormisse, não como Donna costumava fazer. Ele dizia que alguém que tinha vivido como ele viveu, e visto o que ele havia visto, jamais poderia dormir bem. Mas o Sr. Smith dormia. Lá estava ele, John o humano, escondendo um bocejo. 

É claro que Donna sabia que John dormia, ele havia lhe contado sobre seus sonhos praticamente todos os dias, mas ela nunca chegou a imaginar o Doutor dormindo, já que parecia muito estranho para ela, quase surreal. Se ela ainda tinha dúvidas até aquela manhã, lá estava a prova de que John Smith dormia de verdade. E Donna sentiu-se mal por tê-lo acordado. Pela primeira vez ela percebeu como o Doutor era um homem sozinho e abalado por tudo que havia vivido. Aquele homem de mais de 900 anos havia se tornado o último Senhor do Tempo. Aparentemente, dormir era um parte do preço que ele precisou pagar pela própria sobrevivência. Donna se sentiu feliz que o Doutor tivesse aquela oportunidade como John Smith.

John também não podia estar mais surpreso. Lá estava Donna, no seu quarto, enquanto ele estava apenas de pijamas. Aquilo era íntimo demais na opinião dele, algo que só seria aceitável na presença de uma esposa. Mas ainda assim ele não se sentia desconfortável como deveria. Pelo contrário, havia algum senso de familiaridade em ter Donna em seu quarto logo pela manhã. Ele se atrevia a pensar que adoraria que Donna fosse a primeira pessoa que ele visse todos os dias, antes mesmo de Jenny chegar com o café. Seria tão estranho?

— Eu te acordei? - perguntou Donna.

— Não, eu já estava acordado - ele disse, se levantando, colocando o robe sobre seu pijama e atando bem a cintura.

— Claro, estou vendo… - ela revirou os olhos. Apoiando-se discretamente sobre a lareira, Donna observou que o relógio de bolso ainda estava lá. Ela não precisava se preocupar afinal, o que era um grande alívio.

— Bom, já que você está aqui… Você gostaria de saber do sonho que eu tive?

— Eu estava lá? - Donna perguntou, sentando-se no sofá.

 - Sim. E nós estávamos em Pompéia… E o Vesúvio estava prestes a explodir. E você chorava e pedia que eu… Bom, não eu, o Doutor. Você pedia que ele resgatasse ao menos alguém, uma família que seja.

— Eu não me lembro de chorar assim - ela murmurou.

— Você estava com uma túnica. Você estava linda! Como… Como uma deusa… Como Vênus!

— É mesmo? - ela perguntou, uma sobrancelha arqueada. 

Donna ficou feliz ao ouvir aquilo. Ela não tinha certeza se ela realmente havia ficado bonita naquela túnica. Tecnicamente o Doutor havia dito que sim, mas Donna pensou que era mais uma brincadeira, um comentário divertido enquanto ele a resgatava daquele culto de mulheres estranho. John, por outro lado, admitia que havia a achado bonita sem piadinhas e, às vezes era bom ouvir aquilo. Claro que ela usaria todas aquelas informações quando o Doutor voltasse ao normal.

Os dois escutaram batidas na porta, assustando Donna. O Doutor permitiu que entrassem, e Jenny trouxe uma bandeja de café da manhã. A pobre moça se assustou com a presença de Donna no quarto do Doutor tão cedo, ainda mais quando ele parecia não estar devidamente vestido.

— Bom dia, Jenny. Como você vai? - perguntou Donna, sem perceber o quanto a situação era imprópria.

— Bom dia, Srta. Noble. Sr. Smith.

— Bom dia, Jenny - disse o bom professor, com um enorme sorriso - Pode deixar a bandeja aí e sair.

A moça assentiu.

— Jenny, espera - pediu Donna - Desculpe por sair correndo ontem. Eu fui uma idiota em te deixar sozinha.

— Não se preocupe senhorita. Bom dia - Jenny disse, sorrindo e saindo do quarto.

— Bom, acho que vou deixar você se trocar agora - disse Donna, também saindo.

— Espere! Você já tomou café hoje? Se quiser, você pode comer comigo... Tem o bastante para nós dois.

— Mal tem o bastante para você, John! Você precisa de nutrição, cada dia que te vejo você parece mais magro. Tome seu café e se troque com calma. Depois nos falamos - ela disse, sorrindo. Antes de sair, no entanto, ela se certificou de que o relógio estava no lugar. 

Donna se apressou para seguir Jenny. Se a moça começava a servir o café para os professores, queria dizer que a cozinha já estava em plena atividade. Era a melhor hora para fofocas e outras banalidades que Donna adorava.

— O que temos para hoje? - perguntou Donna, alcançando Jenny - Susan dormiu fora de novo? Frederick bebeu outra vez?

— Como sempre… Mas isso não é nada comparado com você dormindo com o Sr. Smith!

— Ei! Eu não dormi com o senhor Smith! - reclamou Donna.

Jenny desviou o olhar, dando de ombros. Claramente ela não acreditou em Donna.

— Pode acreditar quando eu digo, eu não dormi com o Sr. Smith. Eu só bati na porta dele um pouco mais cedo hoje porque eu madruguei desta vez. Sério, eu sinto falta do meu alarme. Pelo menos eu sabia que realmente era hora de me levantar.

Jenny sorriu maliciosamente, ela ainda não parecia convencida.

— É verdade, eu juro! 

— Ontem, quando nós estávamos lá fora, você sumiu. Logo em seguida o Sr. Smith saiu dizendo que iria te procurar e esta manhã você estava no quarto dele… 

— Eu sei, parece estranho. Mas falando sério, Jenny, você não pode acreditar que o Sr. Smith estaria interessado em mim. Quer dizer, olha para mim! - ela disse.

— Você é uma mulher bonita, Srta. Noble. Quem me dera ser como você… 

— Não diga isso, Jenny! Nem mesmo pense. Acredite, você não quer ser como eu. Se existe alguma mulher por aqui que você quer se parecer é a enfermeira Redfern. Aquela mulher é insuportável, mas céus, como ela pode ter envelhecido tão bem? Ela é uma mulher bonita, não eu.

Jenny não concordava com Donna, pelo contrário. E ela sabia que muitos homens naquela escola também não concordavam. Ela havia ouvido o professor de geografia e o de matemática conversarem sobre ela uma vez. Fizeram questão de salientar o tamanho dos seus seios como parte fundamental da conversa. Diziam que Donna tinha curvas. Era muito mais que qualquer homem havia dito de Jenny, com certeza. E mais do que era dito de Redfern também.  E, pela maneira como o Sr. Smith olhava para Donna quando ela estava distraída, Jenny podia jurar que o bom professor, enquanto andava pelos corredores com a cabeça nas nuvens, estava pensando na ruiva.

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Donna ouviu o barulho alto dos tiros. Ela estava na cozinha, conversando com os criados. Apesar de adorar suas manhãs na TARDIS, Donna ainda estava preocupada com a luz verde que havia visto no céu na noite anterior. Se aquilo tivesse alguma relação com a Família Sangue, ela gostaria de estar por perto para alertar o Doutor e abrir o relógio. Agora que ela sabia onde o objeto estava, seria mais fácil entrar em ação, se fosse necessário. 

A ruiva já estava acostumada com o barulho dos tiros depois de quase dois meses naquele lugar. O colégio estava treinando os meninos para atirarem, no caso de uma guerra. Aquilo a horrorizava, mas considerando que em 1914 estouraria a Primeira Guerra Mundial, Donna não se atreveria a ir contra aquela atrocidade. Ela já estava com o Doutor há tempo o bastante para saber que a guerra era um ponto fixo no espaço-tempo, assim como Pompéia, e que ela não poderia fazer nada para evitá-la. Já que haveria uma guerra, seria justo que os meninos ao menos aprendessem a atirar para salvar suas próprias vidas. Mesmo assim, assistir aquela brutalidade ser ensinada numa escola partia o coração da ruiva.

Naquele dia em especial, John estava com os meninos no campo. Donna se aproximou. Ela jamais imaginaria ver o Doutor, o homem que jamais carregaria uma arma consigo, ensinando meninos a atirar. Talvez ele os ensinasse a abrir portas com a chave-de-fenda sônica, desde que não fossem de madeira. Sim, porque aquele aparelhinho alienígena funcionava com absolutamente tudo, menos a bendita madeira. Donna havia aprendido aquilo do jeito mais difícil. A ruiva observava John, com seu semblante calmo e sombrio, e se perguntou o que o Doutor pensaria sobre aquilo. Será que ele sentiria vergonha de sua forma humana? Será que se chatearia com ela por não detê-lo? Mas o que Donna podia fazer naquela situação?

Donna ouviu quando o diretor se aproximou do Sr. Smith e elogiou a performance do seu grupo. O Doutor provavelmente sentiria nojo de fazer parte daquilo. Um dos garotos reclamou do outro, a quem o diretor instruiu que trabalhasse com mais afinco, pensando nos alvos como moradores do “continente negro”. Donna não tinha muita lembrança das aulas de história, mas ela sabia exatamente a quem ele estava se referindo. Aqueles meninos estavam aprendendo a se armarem para matar homens e mulheres na África.

— Esse é o problema, senhor. Eles só têm lanças - disse o rapaz, um garoto chamado Timothy Latimer que chamou a atenção de Donna. Ele era um dos meninos que tinha cérebro.

— Latimer se encarrega de nos fazer ver como estamos errados - disse o diretor, com sarcasmo - Espero que um dia, numa guerra apropriada, você possa provar seu valor. Agora continuem.

Donna ficou exasperada. Ela olhou para o John, mas ele não disse nada. Eram naqueles momentos que ela queria estapeia-lo e acordar o Senhor do Tempo dentro dele. O Doutor jamais se calaria ante a um discurso como aquele. Ele provavelmente já teria se livrado de todas aquelas armas.

— Não disse, senhor? Esse garoto idiota é um inútil - disse o companheiro de Timothy - Permissão para dar uma surra em Latimer.

— É sua turma, Sr. Smith… - disse o diretor.

— Permissão concedida - disse John, sem nem mesmo pestanejar.

Donna não podia acreditar no que ela ouvia. Ele disse o que? John Smith, aquele humano estúpido, havia deixado os meninos espancarem um de seus alunos. Donna não se conteve e caminhou até o Doutor.

— Você não se atreva a permitir uma atrocidade como essa! - disse Donna, segurando o braço dele - Sr. John Smith, como pode ser tão repugnante?

Donna viu os olhos de John mudarem de surpresa para raiva. Ela conhecia bem aquele olhar. O mesmo olhar de quando o Doutor afogou os filhos da imperatriz Racnoss, o mesmo olhar que a impediu de aceitar seu convite no dia de seu casamento com Lance. Mas Donna não tinha mais medo dele.

— Sufragistas… - disse o diretor, com desgosto - Sr. Smith, controle sua secretária.

— Ei! Para a sua informação, eu sou uma mulher e não um animal para ser controlado - Donna gritou.

— E não é a mesma coisa? - comentou um menino, rindo, enquanto os colegas se juntaram a ele.

— É assim que pensa sobre a sua mãe, garoto? Porque ela também é uma mulher e eu aposto que ela adoraria saber essa sua opinião - disse Donna, calando-o em seguida - E quanto a você, Sr. Smith, não se atreva a deixar que esses garotos espanquem seu aluno. Ainda mais quando ele está certo. 

— Eu trato a minha turma como eu quiser, Srta. Noble. 

— Quem disse? - ela perguntou, as mãos na cintura.

— Eu disse, porque eu sou o professor deles e eles tem que respeitar a minha autoridade - ele reclamou.

— Pois eu sou sua secretária, e é melhor você me respeitar. 

— Srta. Noble, não me faça demitir a senhorita - ele disse, entredentes.

— Demitir? - ela disse, seguido de um “Ha!” irônico - Essa sua arrogância me enlouquece! Você quer mostrar a sua autoridade de professor? Ótimo! Então seja um professor de verdade e faça o que você deveria fazer: ENSINE. Agora se você me trouxe até aqui para virar um maldito mafioso, eu estou fora. Adeus! Molto bene! Allons-y! - ela disse, liberando toda a raiva que ela sentia naquele momento.

— Srta. Noble, recomponha-se. A senhora… - começou o Diretor, tentando mostrar que conseguia controlar a situação.

— Ora, cale-se, seu machista idiota - ela respondeu, saindo do campo. 

Donna conseguia ouvir o silêncio atrás dela, todos os olhos a julgando. Se antes já a chamavam de sufragista, agora ela havia comprovado para eles o que era o poder feminino. O pior era o Doutor.  Ela estava tão decepcionada com ele… Não! Ela estava decepcionada com John Smith. Ele não era exatamente o Doutor, é verdade, mas era um homem gentil, carinhoso e inteligente. Um homem pelo qual Donna poderia se apaixonar, se ele não fosse um idiota sanguinário. Ao menos o Doutor tinha a decência de ter alguma moral. 

Mais do que em qualquer outro momento, Donna só queria abrir o relógio, recuperar o Doutor que ela conhecia, e voltar a viajar pelas estrelas. Na verdade, era exatamente aquilo que ela pretendia fazer. Dane-se Família Sangue! O Doutor que encontrasse outro jeito de detê-los. Ela que não ia ficar aguentando aquela palhaçada por mais um mês. Ainda mais depois de ter se demitido. 

 


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