Os dois chineses caminhavam pelo campus de mãos dadas, hábito que eles desenvolveram desde que chegaram na Coréia do Sul e se sentiram mais confortáveis para poder demonstrar seu afeto um pelo outro em público, já que esse tipo de atitude era vista como normal pelos coreanos e não necessariamente entregava a relação dos dois. Na China eles não podiam fazer isso por medo de serem descobertos, em especial por suas famílias super conservadoras.
Eles já namoravam as escondidas havia alguns anos, quando ainda estavam no Ensino Médio. Eles eram amigos de infância e sempre foram muito próximos, ao chegar na adolescência foram se descobrindo juntos. O primeiro beijo e a primeira vez dos dois foram um com o outro, e eles acreditavam fortemente que eram almas gêmeas destinadas a ficarem juntos, dado ao sentimento recíproco que sempre tiveram, além da compatibilidade em tudo que faziam. Por isso sempre prometerem que um estaria ao lado do outro em todas as situações, sejam boas ou ruins.
A vida deles mudou de rumo quando decidiram ir para a Coréia do Sul. Eles não tinham exatamente nenhum plano de vida ou grandes sonhos, o que eles queriam mesmo era sair do seu país de origem e viverem de forma mais livre, onde ninguém iria conhecer eles e não seria necessário dar satisfações de sua relação. As escolhas profissionais vieram depois, Junhui decidiu cursar Administração pois apenas uma profissão que os pais aprovassem lhe daria a aprovação para ir estudar fora, porém não se queixou pois assim teria garantia de oferecer uma vida boa para seu amor. Minghao até então não sabia o que queria, embora sempre teve interesse na área da Moda, não era algo que podia expressar abertamente.
De início ele foi para o mesmo curso do namorado, porém ao chegar na Coréia do Sul foi bombardeado pela mídia e o mercado da Moda e finalmente percebeu que era livre para se expressar visualmente da forma que bem entendesse, e trocou de curso em segredo de seus pais depois do primeiro semestre. Quanto ao mais velho, sua paixão pelo teatro foi algo que surgiu pelo acaso, quando uma garota que era do clube o convidou para participar já que o garoto era muito bonito e isso atrairia mais pessoas para as peças. Ele aceitou por achar que seria uma experiência interessante mas acabou realmente gostando e hoje quer conseguir fazer carreira nisso, mesmo que não vá ter uma formação adequada para tal profissão.
Durante todas essas mudanças eles sempre tiveram apoio mútuo um do outro, o que foi cada vez mais fortalecendo a relação dos dois. Nunca haviam tido nenhum problema… Até agora. Andando pelas ruas da universidade agora volta e meia aparecia alguém reconhecendo Jun e o elogiando pelo trabalho e pela sua aparência. O rapaz ficava mais feliz a cada encontro, e o sorriso dele aumentava exponencialmente. Minghao ficava adorava ver o sorriso lindo do seu parceiro, mas ao mesmo tempo começava a sentir um leve incômodo no seu peito a cada fã novo que surgia no caminho, mas ele não sabia explicar o que esse sentimento significava, além de achar que não era algo que ele realmente deveria se importar.
— Com licença, você por acaso estava na peça de teatro não é mesmo?
Era mais uma nova fã do chinês, dessa vez uma garota, embora Jun era tão bonito que recebia vários elogios mesmo de homens que os encontravam. Muitas vezes os dois não sabiam dizer quais eram flertes e quais eram apenas elogios sem segundas intenções. O ator sorriu e respondeu de forma serena a garota, que estava praticamente babando em cima do rapaz. Minghao revirou os olhos enquanto esperava aquela conversa se encerrar, vendo seu namorado agradecendo os diversos elogios e ficando meio sem graça, não sabendo se devia ajudá-lo com isso ou não.
— A propósito, desculpe se for inconveniente mas você está solteiro? Poderia me dar o seu número?
Minghao quase engasgou com a própria saliva quando ouviu a pergunta da garota. Ela certamente era ousada, ele dava pontos para ela por isso. Mas agora seu olhar fuzilava o rosto de Junhui que suava frio e ria de nervoso sentindo as vibrações maléficas do seu namorado em sua direção. Qualquer erro na sua resposta poderia ser fatal.
— Sinto muito, mas eu namoro.
O garoto se curvou levemente se desculpando e a garota compreendeu e, mesmo visivelmente chateada, também se desculpou e parabenizou mais uma vez o rapaz antes de sumir pela rua. Jun suspirou pesado, achando que havia se livrado de uma fria, porém ao ver o rosto indignado do namorado percebeu que na verdade tinha recém acabado de entrar nela.
— Por que você não disse que eu era seu namorado?
— Desculpa! - o garoto levantou suas mãos como se estivesse se rendendo. - Eu não sabia se você queria expor isso ou não, ainda mais pra uma desconhecida. Vai saber o que acontece se isso se espalha.
— Você tem medo então das pessoas saberem que a gente namora? - o rapaz falou ainda mais indignado, botando as mãos na cintura.
— Não é isso, mas você sabe que nem todo mundo vai levar isso numa boa. Acho que devemos ser mais seletos na hora de contar para as pessoas, mas isso não significa que quero esconder nossa relação. Só acho que nem todo mundo precisa saber da verdade também.
Jun deu uma olhada para os lados verificando se tinha alguém passando, e ao ver que a rua estava vazia deu um selinho rápido nos lábios do namorado, que ficou um pouco bobo e desconcertado no momento. Resolveu então deixar essa passar, embora sentia ainda aquele desconforto sem explicação. Precisava ainda de tempo para entender melhor o que se passava na sua cabeça.
Agora os dois chegavam ao clube de teatro, onde Jun deu mais um beijo no seu namorado, dessa vez na bochecha, antes deles irem para caminhos diferentes. O ator foi se reunir ao resto do elenco e o estilista foi para os bastidores junto da equipe de cenário. A peça havia sido tão bem recebida que o clube decidiu que iria apresentá-la novamente com o objetivo de arrecadar mais fundos para comprar novos equipamentos e materiais para confecção de cenários e fantasias. Por isso era necessário que os atores voltassem aos ensaios enquanto a equipe realizava alguns reparos nos figurinos e decorações.
Minghao chegou na sala da equipe de cenários e cumprimentou a todos, que já estavam ocupados pintando ou consertando alguma coisa. O garoto se direcionou até uma caixa que ele já havia separado com as roupas que precisavam de algum reparo, pegando uma peça que havia aberto alguns furos nas costuras para se sentar e começar a remendá-la. Enquanto cada um estava ocupado com sua própria atividade, a conversa rolava de forma amistosa entre todos.
— É tão bom ver que todo o esforço valeu a pena, eu até recebi elogios de algumas pessoas pelo cenário - uma das garotas do clube disse.
— Você recebeu elogios? Nossa, eu acho que as pessoas nem sequer sabem que eu faço parte do clube. Na verdade eu achava até que eles nem sabiam que havia pessoas no clube além dos atores - Outra garota respondeu.
— Realmente, eu vi algumas pessoas comentando dos cenários e das roupas, mas eles achavam que elas haviam sido compradas na internet. Foi meio desconfortável não ser reconhecido, mas acabei deixando quieto - Um garoto acrescentou.
— Ontem depois da prova de coreano um garoto estrangeiro foi elogiar o Jun e elogiou também os cenários e roupas, eu comentei que eu havia confeccionado elas e ele ficou bem surpreso. Acho que é importante nós falarmos quando ouvirmos se não ninguém nunca vai saber também - Minghao comentou sobre seu episódio vivido no dia anterior, lembrando do garoto de cabelos roxo bem diferentes.
— Agora que você comentou do Jun, eu já vi tanta gente falando dele pelos corredores - A segunda garota indagou. - Acho até que ouvi mais sobre ele do que sobre o Dokyeom, e olha que eu ouvi muito sobre o Dokyeom!
— Ele chamou muita atenção por ser tão bonito num papel tão pequeno. Você vai ter que ficar de olho pra não perder o namorado pra alguma fã doida Minghao - A primeira garota provocou rindo.
Foi com essa frase que Minghao finalmente entendeu o que estava acontecendo com ele. Ele não estava exatamente com ciúmes das pessoas estarem flertando com seu namorado, isso já havia acontecido antes e não havia significado nada para o garoto. Ele estava com medo da fama de Jun. Tinha medo de que ao se tornar mais famoso, começaria a participar de cada vez mais atividades e teria menos tempo para ele. Também tinha medo de que alguma hora essa fama o fizesse escolher trocá-lo com por alguém que também fosse famoso. Ou pior ainda, que os outros falassem que ele não era bom o bastante para ser o parceiro de uma celebridade.
Talvez isso tudo também fosse em parte uma inveja de que seu namorado estava recebendo tanto reconhecimento e ele nenhum pelo seu trabalho. Agora olhando para o buraco naquele vestido, ele sentia como se o buraco estivesse em seu coração. Era como seus colegas de trabalho também se sentiam, o trabalho de quem está por trás das cortinas nunca vai ser tão valorizado quanto aos atores que estão no palco mostrando seus rostos e sendo símbolos de carisma e beleza. Eles eram apenas um grupo de introvertidos que gostavam de fazer seus trabalhos artísticos, que acabam por enaltecer ainda mais tudo ao redor dos atores. O trabalho deles era invisível aos olhos do público.
Se limitou então a dar uma risada nervosa para abafar o assunto e voltou a se concentrar no seu trabalho. Precisava ao menos terminar de consertar um vestido antes de fugir para um intervalo. Enquanto remendava a peça de roupa ficou refletindo sobre como iria lidar com os seus sentimentos, pois não queria preocupar seu namorado com eles, embora o outro fosse parte do problema. Perdido no turbilhão de pensamentos que tinha, nem se tocou quando já havia arrumado não só o vestido como mais duas peças de roupa que tinham alguns defeitos simples. Resolveu então dar uma escapada para ir tomar um café.
Iria sozinho pois sentia que no momento que visse Jun já iria querer por todos os problemas para fora, mas sabia que não era o momento apropriado para isso. Foi até a cafeteria que se situava próximo do anfiteatro e comprou um simples café com leite sem açúcar e se retirou indo em direção ao lago que existia dentro do campus. Andou a passos lentos e foi capaz de avistar que havia uma pessoa barulhenta mais a frente. Cerrou os olhos na tentativa de reconhecer quem era e deu uma leve risada ao perceber a situação que avistava à sua frente.
Lee Seokmin estava em uma guerra fria contra um pato. O rapaz da mesma idade de Minghao encarava a ave e fazia grunhidos para ela, que quando respondia fazia o humano dar alguns passos para trás assustado. Parecia que o pato estava pronto para partir para a agressão quando o estudante de moda chegou para salvar seu amigo.
— O que você está fazendo discutindo com um pato?
— Minghao! - o outro abriu um sorriso quando viu seu possível herói aparecendo. - Foi ele que começou! Eu estava comendo meu bolo aqui bem de boa e resolvi jogar um pedaço pra ele, mas ele gostou tanto que pulou em mim para pegar mais e comeu ele todo! Eu estou tentando fazer ele entender que o que fez foi errado porém ele não quer se responsabilizar pelos seus atos patoavélicos e eu estou com medo de não sair daqui vivo.
O chinês não conseguiu levar a história do outro a sério e caiu na gargalhada, o que fez o amigo rir junto também constrangido como sempre de suas próprias piadas. Depois de se recomporem os dois ficaram a observar o lago e os peixes e patos que viviam ali no meio da faculdade. Era bem comum ver alguns animais perambulando dentro do campus devido aos bosques que existiam por volta dele.
— Francamente, da próxima vez que você fizer isso vai virar decoração da mesa de jantar da nossa peça viu?
Ver Dokyeom ameaçando o pato foi engraçado, ainda mais depois que o pato soltou um grunhido de volta e o coreano assustado se escondeu atrás do chinês. Minghao ponderou por alguns segundos e se lembrou da conversa que estava tendo com os outros colegas da equipe anteriormente. Se lembrou que citaram que o Rei Arthur também havia conquistado muitos corações depois da apresentação, então talvez conseguisse usar o amigo como experimento antes de falar com o seu figurante favorito.
— Ei Dokyeom, você arrumou um namorado depois da peça? Fiquei sabendo que várias pessoas vieram pedir seu número depois disso.
Assustado com a pergunta, Seokmin arregalou os olhos e seu rosto se tornou vermelho no mesmo instante, deixando claro que Minghao havia tocado numa questão certeira no coração do outro. O garoto ficou nervoso e começou a balbuciar palavras incompreensíveis por alguns segundos o que deixou a situação ainda mais fofa e cômica aos olhos do outro.
— Não exatamente, foi só um beijo e eu não sei ainda se o que ele sente por mim é o mesmo que eu sinto por ele, além disso eu nem tive coragem de chamar ele pra conversar depois do ocorrido e…
— Ei! Eu não estava esperando receber tantos detalhes assim! - Minghao o interrompeu antes que o outro falasse mais que o necessário e acabasse expondo algo que não deveria. - Não era sobre esse ponto que eu queria falar.
— Entendi, finge que não ouviu isso então tá bom? - Dokyeom falou constrangido e rindo de nervoso. - Sobre o que quer falar então?
— Como você acha que vai ser quando você for famoso? Digo, como você olharia para seu parceiro se ele não fosse tão famoso como você, ou não fosse nem um pouco famoso?
Os dedos de Minghao dedilhando o copo de café freneticamente revelavam a Seokmin que aquela pergunta era muito mais sobre a situação do outro do que sobre si mesmo. Ele conhecia a dupla de chineses a menos de um ano mas já era muito amigo de ambos, tanto que sabia da relação do dois e já se meteu no meio de outros problemas do casal. Voltou sua vista para o lago novamente, tentando parecer que não tinha entendido os reais motivos da pergunta e passou a mão no queixo enquanto pensava na sua resposta, se imaginando na situação com um jovem brasileiro que conhecera a pouco tempo.
— Não tem como saber o quão famoso e nem se eu realmente conseguirei isso, mas se acontecer, eu espero que eu não mude por conta disso. Não quero ser alguém que leva a fama como parâmetro para amizades ou relacionamentos. Mas também acho que iria preferir continuar me relacionando com pessoas não famosas, seria mais confortável em alguns aspectos - respondia de forma serena enquanto apreciava os patos voltando a nadar no lago. - Além disso se por ventura eu já estivesse num relacionamento duradouro antes de ficar famoso eu nunca iria largar a pessoa por causa disso. A história que construímos juntos é muito mais importante que um status, e eu tenho certeza que o Junhui também pensa assim.
O coreano soltou um sorriso debochado ao fim da frase, que fez o chinês corar e dar um tapa no seu ombro, levando o outro a reclama de dor antes dos dois caírem na risada novamente. Agradeceu ao amigo e então ambos voltaram juntos para o anfiteatro, onde havia mais uma pilha de roupas para serem consertadas e muitas falas para serem ensaiadas. Depois de uma longa tarde a equipe se despediu e foram indo embora aos poucos, Jun esperava na porta seu namorado terminar de guardar todas suas coisas. Quando o mais novo ficou pronto eles foram andando até o apartamento dos dois que ficava próximo à universidade, não necessitando de transporte. Eles estavam de mãos dadas e o mais velho enchia o parceiro de perguntas sobre como havia sido sua tarde, aquecendo o coração do outro por ter um namorado tão atencioso e meloso em alguns momentos. Decidiu então que era hora de por as cartas na mesa.
— Wen Junhui - o mais velho se assustou com o seu nome completo sendo pronunciado, pensando que havia feito algo de errado. - Você vai continuar me amando mesmo se ficar super famoso e ter várias celebridades lindas flertando com você?
— O que? De onde saiu esse surto? - ele respondeu rindo de nervosismo.
— Você não precisa saber desses detalhes, não agora ao menos - deu um tapa no ombro do mais velho o alertando e o fazendo rir ainda mais.
— Sim, eu ainda vou amar você - Jun parou de frente para o namorado e juntou as duas mãos do mesmo com as suas. - Além disso você vai ser famoso também. Porque quando eu for famoso só irei usar as suas roupas, então todo mundo vai conhecer a sua marca e querer comprar de você também. Então trate de se esforçar nos seus estudos.
O de cabelos castanhos não esperou resposta do outro para roubar um selinho do mesmo, ignorando se havia pessoas passando por perto ou não, depois disso fez carinho nos cabelos pretos do outro. Minghao ficou arrepiado enquanto ele tentava processar a resposta do outro, ficando apenas muito envergonhado e dando um peteleco na testa do mais velho para disfarçar a vergonha enquanto ouvia o outro reclamando de dor.
— Sorte sua que essa é uma ótima ideia!
Depois disso os dois voltaram para casa tranquilamente aos sons das choramingadas de Jun. Agora o coração do mais novo tinha todas as respostas que ele precisava no momento. Ele não sabia ainda o que seria do futuro, mas queria ser alguém de que ele mesmo pudesse se orgulhar, e ainda vender muitas roupas as custas do namorado celebridade. No fim tudo sempre tinha o seu lado positivo.