A Jaula escrita por Maria Chinikoski


Capítulo 5
Lá fora


Notas iniciais do capítulo

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Alef se preparava para sair. Já eram quatro da manhã e ele mal havia dormido. Estava pensando em Yen e como ela estava chateada com o atual sistema. 

Ela não sabia de tudo, mas ele não poderia culpa-la. Saber demais era um risco muito grande a ser seguido. Com a falta de desestabilizadores, Alef não poderia correr o risco de virar um suspeito. Ele precisava se afastar para algum lugar onde não fosse necessário utilizá-los por um bom tempo. 

Seguiu pelas ruas ainda escuras, sem se preocupar muito em esconder as novas armas recebidas de Gajëll. Aquele era um ótimo médico para o povo, mas por trás das cortinas, era um excelente inventor. 

Sua memória era uma das poucas inalteradas. Alef cuidou para que isso se tornasse possível. 

Gajëll possuía um sistema estranho em seu corpo, vindo de uma transfusão de sangue que ele mesmo fez por pura loucura, injetando sangue e neurônios de outras espécies em si mesmo durante anos. Os chips acabavam sendo "fritados" assim que entravam nele, então foi só questão de tempo para Alef cuidar de aplicar uma dose de microchips na frente de vários expectadores, que acreditaram piamente estar controlando o médico, quando na verdade era apenas uma simulação muito bem feita.

...

— Olá! Até que enfim te encontrei!

— Não deveria estar escondida? - Alef perguntou, sem olhar para a garota que aparecera silenciosamente ao seu lado.

— Pfff - Zombou ela - Sou uma simples humana, não vê? Sou frágil demais para que prestem atenção aos meus passos.

— Linda... Você não deveria ser tão descuidada!

...

Gajëll possuía uma assistente chamada Linda. Ela era um cruzamento de um humano com uma raça "demônio" que se alimentava exclusivamente do sangue humano. Eram raros e geralmente apresentavam quase todas características humanas, com exceção da cauda e dos chifres.

Dizem que esta raça, semelhante à crença da Súcubo, veio para o planeta ainda antes da guerra e procriou com os humanos. Seus filhotes, idênticos aos humanos, foram escondidos e criados no meio da sociedade durante séculos. 

Este cruzamento, por mais perigoso que fosse, gerou filhotes com uma ampla gama de opções alimentares, estendendo as condições de sobrevivência da raça, tornando-os muito mais fortes.

O problema era que sua atração interferia em qualquer espécie. Logo, quando houve a invasão, os Súcubo lutaram ao lado dos humanos, pois haviam ganho uma grande vantagem em dominar a raça para se alimentar e procriar, gerando descendentes melhorados que não necessitavam exclusivamente do sangue para sobreviver.

Os vencedores, ao contrário, odiaram a interferência e resolveram se "prevenir", eliminando todos da raça Súcubo. Felizmente, alguns sobreviveram e se esconderam e seus descendentes, hora ou outra, apareciam. Alguns viviam dentro da fortaleza, como se nada estivesse acontecendo. Eles tinham o instinto de sobrevivência que os alertava dos perigos, mas ainda assim viviam disfarçados como frágeis humanos, conquistando novos amantes para procriar.

...

De repente, sem explicações, Alef a puxou com força para um corredor lateral, apertando-a contra a parede e segurando a respiração.

Linda ficou extremamente vermelha com a proximidade, mas ele sabia que aquilo se tratava de um mecanismo dos Súcubo de se parecer com seres humanos. Por dentro, o demônio dela explodia de vontade pelo sangue de Alef, mesmo após tê-lo escolhido para procriar.

Em segundos, um grupo de reptilianos da guarda em treinamento passou correndo, marchando, pela rua. 

Um deles desacelerou por um segundo para observar os dois no escuro.

Alef entendeu o perigo e começou a depositar beijos no pescoço de Linda, fazendo ela emitir uma sequência de sons estranhos.

O guarda ficou irritado e gritou:

— Ei! Vão para uma casa, seus humanos de merda!

E foi embora, juntando-se aos outros.

Alef percebeu que estavam se afastando e soltou Linda, voltando à sua caminhada para fora da fortaleza.

— Ufa... - Riu ela - Por um segundo acreditei que você estava aceitando minha proposta...

— Você tem andado muito à vontade. Logo um deles pode te pegar na surdina e vão te massacrar!

— Eu apenas estava distraída... Não escutei eles chegando... Mas ainda bem que tenho você!

Ela pegou o braço de Alef e se aproximou dele, andando com seu corpo quente colado ao dele. Seu perfume afetava os sentidos de Alef, mas ele conhecia muito bem aquela sensação e não se deixaria abater.

— Como andam os "negócios"? - Perguntou ele, olhando-a nos olhos pela primeira vez. 

Linda se sentiu mais à vontade e, por breves milésimos de segundos, a cor  natural amarelo vivo de seus olhos de gato vieram à tona, retornando depois à um castanho humano.

— Estamos levando alguns humanos para o subterrâneo. A fortaleza escondida está quase terminada. Mas precisamos de muita mão de obra ainda.

— E sobre... Os desestabilizadores?

— Incrivelmente não fomos nós que roubamos.

Alef parou no meio da estrada e pensou por alguns minutos. O  silêncio tomara conta do local.

— Eu acredito - Sibilou ela, baixo para que somente ele escutasse - Que existe um grupo rival. Mas acho que eles estão sendo manipulados por outra raça... 

— Eu temo essa possibilidade. Estamos sofrendo novas tentativas de invasão... Se formos muito descuidados podemos estar sofrendo um golpe de governo sem perceber.

— Mas para esses humanos nada iria mudar, certo?  - Perguntou ela, observando os humanos acordando e saindo para seus trabalhos.

— Eles estão no limite. Logo muitos deles vão começar a pifar. Foram muitas alterações mentais em poucas semanas... Fora que...

Eles ficaram quietos até se afastarem de grupos de Vulcans que iam para as minas de carvão.

— A taxa de natalidade humana caiu para 20% dos números anteriores. Temo que em algumas décadas podemos ser extintos.

— Na verdade - Ela começou, mas novamente ficou quieta até se afastarem dos humanos que agora perambulavam - Caiu para 40%.

— Mas... E onde estão essas novas crianças?

Ele não precisou de respostas. O olhar dela se iluminou e um sorriso percorreu seu rosto de fora a fora.

— Entendo...

Ela deu uma risadinha.

— Basta um médico bem acolhedor, em quem as pessoas confiem, uma sedação leve e um atestado de óbito... O sistema não recolhe o "lixo" e os pais estão muito desolados para enterrá-los... Então... Bem, já sabe o resto...

"Vocês estão criando crianças sem chip no subterrâneo..." - Pensou ele.

— Não é arriscado?

— Não tanto... A gente treina eles bem... Fora que os meus descendentes estão entre eles. Eles brincam juntos e fica tudo bem. Tem outros de outras espécies também, criados desde pequenos para ficar ao nosso lado.

— Nosso...

— Dos súcubo, claro. Mas temos um carinho especial pela sua raça. Jamais trairemos vocês.

...

— Só uma pergunta, Linda... Quantos anos você já tem?

— Que pergunta horrível a se fazer para uma dama! - Ela disse, sem olhar para Alef, apenas caminhando - Para vocês, tenho 19 anos e esse "corpão".

— E para vocês?

Ela calculou mentalmente e sorriu, abraçando mais ainda o braço humano dele.

— Por volta de quinhentos anos.

Ele riu junto dela.

— Quantos híbridos você já procriou nesse mundo?

— Ah... Sabe, eu sou muito seletiva, não sou como "você-sabe-quem-é-a-biscate". - Ela pronunciou com ódio nas palavras - Gosto de frutos que vão vingar com o tempo. Considerando que eu amadureci com quase quatrocentos anos, até poder procriar, vejamos... Já tenho em torno de 38 filhotes.

— Só isso? - Ele se assustou.

— Eu disse... Sou extremamente seletiva. Não vou superlotar o planeta com filhotes que não me trarão benefícios.

Ele riu novamente. Era um pensamento completamente oposto ao do restante da humanidade, que procriava deliberadamente como uma forma de ter "um pouco de paz e felicidade", mesmo que isso trouxesse mais miséria e trabalho.

Talvez meio milênio tivessem trago muita responsabilidade à garota ao lado dele.

— Enfim... Vou voltar ao Gajëll para ver o que ele quer fazer hoje. Se não tivermos ocorrências médicas, levaremos uma nova remessa de humanos para a fortaleza subterrânea.

— Tomem cuidado - Pediu - E, por favor, se puder...

— "Fica de olho na Yen por mim" - Zombou ela - Se gosta tanto desta humana, por que não casa logo com ela? Não é algo que vocês normalmente fazem? Prometer ficar juntos pelo resto da vida só porque tiveram uma mini vontade de procriar?

— É mais complexo que isso... - Ele afagou a cabeça dela - E não, nós não vamos procriar. Não é esse tipo de vínculo que temos. Ela é só...

— "Uma grande amiga" - Zombou ela de novo - Eu sei. Agora vou indo. Até mais! 

Ela se despediu e Alef seguiu para o portão externo.

Alguns guardas o inspecionaram e deixaram-no passar para a sala de aplicação dos chips.

— Ei, deixe-me ver essa manopla! - Pediu um deles.

— Não é preciso - Alef mostrou as lâminas - Elas sugam o veneno extra do meu braço novo. Para evitar acidentes...

O soldado não parecia contente, mas deixou ele passar enquanto revistava o restante de sua mala.

O que eles não sabiam era que, no braço novo, além da manopla retirar o veneno, ela possuía duas doses de desestabilizadores, que seriam ativados na mesma hora que os chips fossem implantados, garantindo seu controle mental.

Alef se fez de zonzo ao sair da sala de aplicação, o que já estava acostumado. Os guardas então abriram as portas do alto da fortaleza e o que ele viu foi perfeito. As luzes do exterior cegaram seus olhos por um instante, até se acostumar com a luminosidade total e real. Olhando para longe, daquela altura, viu coisas incríveis:

Vales cheios de árvores, cachoeiras, rios de grande porte, animais exóticos ao longe, e para o outro lado, resquícios de prédios e construções antigas, restantes de anos e anos de guerra e agora, da perseguição aos fugitivos sobreviventes. 

Naves pousavam ao longe e vários carros da equipe de caça  saíam para coletar a carne de animais.

— Como senti falta disso! - Sussurrou ele para si mesmo, percebendo as portas se fechando atrás de si.

Pegou sua mala e seguiu por um caminho de ferro e pedras na lateral da fortaleza. Ele iria ficar no alto dessa vez, com a nova equipe de reparos.

 

 

 


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Notas finais do capítulo

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