Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 9
curtição, azaração...




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Os dias passaram dentro da grande nave que viajava da Terra para Marte. Os primeiros dias de viagem tomaram Karine de uma expectativa e ansiedade únicas. Assim como muitos dos outros passageiros (principalmente os que também estavam em sua primeira viagem espacial), ela costumava ir aos conveses principais (mesmo espaciais, as naves mantinham a clássica nomenclatura náutica) observar o espaço através de suas grandes janelas, destinadas justamente a esta função. Não poucos eram os que fotografavam a visão sideral que tinham. Algumas pessoas tentavam formar os desenhos das constelações, passando o dedo nos grossos vidros (que na verdade eram polímeros transparentes de alta densidade) dos mirantes, ligando uma estrela a outra com linhas imaginárias. A maioria, porém, ficavam simplesmente vasculhando o espaço com o olhar, em busca de astros celestes e fenômenos espaciais que ansiavam admirar.

Porém, com o passar dos dias, a grande admiração foi desvanecendo, se convertendo, pouco a pouco, em desapontamento. Por mais que se buscasse, por mais que se olhasse atentamente em todas as direções, nada se via além daquele fundo escuro repleto de minúsculos pontos brilhantes. Não havia nenhum astro, nem sinal de asteroides, cometas, bases ou estações espaciais; nada das belezas cósmicas que imaginavam enquanto admiravam o céu deste a superfície da Terra. Apenas aquele mesmo fundo negro pontilhado de estrelas movendo-se lentamente, quase estático. O que dava uma sensação desesperadora de inércia, mesmo sabendo que os motores de propulsão iônica, funcionando em sua máxima potência, os estavam empurrando a uma velocidade de mais de uma centena de milhares de quilômetros por hora. Inclusive as fotos que eram tiradas, mesmo que fotografadas em dias diferentes, pareciam ser cópias de uma mesma imagem, apenas um observador muito atendo perceberia as mínimas mudanças de posição de algumas estrelas.

Foi esta sensação desolante que foi fazendo com que a jovem duquesa deixasse de se dedicar à admiração do espaço nos mirantes da nave, que, a medida que a viagem prosseguia, esvaziavam cada vez mais. Numa de suas últimas visitas a um dos mirantes, que já se via bem vazio, um dos tripulantes da nave, um “marujo” do espaço, a abordou com um largo sorriso:

— Olá, procurando uma estrela no céu para pôr o seu nome nela? Não acho que você encontrará uma bonita o suficiente para ter o mesmo nome que você…

Karine o observou por alguns instantes, ponderando sobre o ocorrido e como reagir a ele, e também que o rapaz não era um tipo feio, então lhe respondeu:

— Hum, eu gostaria de saber, vocês têm uma lista com cantadas deste estilo e vão testando uma por uma com as passageiras até encontrar alguma que funcione?

— E só o que eu quero saber, é se funcionou com você. - o rapaz respondeu sem diminuir a simpatia ou mostrar ter se intimidado.

Karine ponderou mais alguns segundos a atitude do rapaz, e, sem conseguir disfarçar o riso, lhe respondeu:

— Desculpe, mas não funcionou. Entretanto, é uma longa viagem, continue tentando, quem sabe você não tem mais sorte com alguma das próximas cantadas de sua lista…

Com tal experiência, e desiludida com a observação do espaço, Karine viu a possibilidade de um novo passatempo durante a viagem. Percebendo membros da tripulação que eram até bonitos, ela decidiu gastar algo de tempo flertando, afinal, quem saberia se ela não poderia conseguir algo de proveitoso nesta “distração”. Porém, ela ainda permaneceria fechada em sua cabine a maior parte do tempo. Assistindo a sequências intermináveis de filmes e séries, aproveitando o fato de que as cabines de primeira classe, como a que ela estava instalada, dispunham de monitores de enormes telas e acesso ilimitado aos conteúdos da rede de mídia. Talvez também o fazia porque, em muitas destas obras de ficção, ela encontrava um espaço sideral bem mais interessante que o real, que se podia ver nos mirantes da nave.

Finda a primeira semana de viagem, a jovem, já entediada de sempre pedir suas refeições na cabine, fora ao restaurante da nave, buscando uma refeição distinta. Ali uma banda, formada por senhores já idosos, com diversos sintetizadores musicais, tocavam para entreter os passageiros e tripulantes que jantavam as iguarias preparadas pelo chef a bordo. Karine entrou no salão no momento em que a banda terminara uma música e estava para começar outra. Ela ouviu o líder e principal vocal, um senhor moreno de pele bem enrugada e ralos cabelos completamente brancos, dizer aos ouvintes com uma voz rouca, mas ainda sim cativante, mesmo que a maioria ali parecesse ignorar a sua existência:

— Dizem que esta próxima música fez muito sucesso no século XX… Bem, para ser sincero, eu não sei. Eu já sou bem velho, mas nem tanto!

Após tal comentário ele soltou uma gargalhada alta e contagiante antes de se voltar para a banda e dizer um “Manda ver!”. Seguindo sua ordem, um dos outros músicos anciões bateu com suas baquetas plásticas contando: “e um, e um, dois, três, vai!”, dando início a uma alegre e ritmada canção. Porém o que chamou mais a atenção da jovem, fora a risada do velho após a piada, ignorada por quase todos ali. Fora o mais belo riso que ela ouvira em tempos, talvez por ter sido uma das raras demonstrações sinceras de verdadeira alegria que a duquesa já havia presenciado. Isto lhe tomou os pensamentos por vários minutos, até que se distraiu ao perceber que um dos tripulantes da nave, dos que estavam presentes ali, vinha em sua direção, reconhecendo ser o mesmo que havia lhe paquerado no mirante alguns dias atrás. Porém, desta vez, ele não teria tempo de tentar qualquer cantada, pois, antes dele chegar perto o bastante para dizer qualquer coisa, Karine seria chamada pelo velho chanceler Quintine, que jantava sentado à mesa dos oficiais e lhe convidava para também tomar assento com eles.

Assim os monótonos dias da longa viagem se seguiram. Entre horas ininterruptas consumindo mídia de entretenimento, alguns tantos flertes com “marujos espaciais” bonitinhos e jantares com oficiais, nos quais se ouviam músicas antigas que se mostravam tão desconexas com o gosto musical daquela atualidade quando a banda de energéticos idosos pareciam diante de sua apática plateia. Porém, após mais de uma dezena de dias, em um tempo que pareceu ainda mais longo do que realmente fora, um ponto avermelhado, destino da viagem, começava a se destacar no campo de visão dos mirantes da nave.


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