Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 10
aterrissagem não é aterrissagem se não for na Terra




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Marte já havia despontado no “horizonte”. Porém, foram precisos mais alguns dias de viagem até que o pequeno ponto avermelhado começasse a se destacar dos demais que se viam sobre o fundo negro do espaço infindável, e tomasse a forma visível de um planeta. Observadores atentos, porém amadores, notaram que a nave não se dirigia diretamente para o ponto vermelho que se via no “céu”, ao que alguns deles chegaram a questionar os tripulantes sobre o fato. Estes lhes explicavam, alguns de forma bem enfadonha, que eles não estavam viajando rumo a um destino estático, parado em determinado ponto do Universo. Marte estava se movendo, assim como eles, e ainda estava longe demais para um “rota em linha reta”. O astro vermelho vagava pelo espaço a mais de noventa mil quilômetros por hora, a nave o interceptaria ao longo de sua órbita em torno do Sol. Então, se deixaria capturar por seu campo gravitacional, e o acompanharia até se por em uma posição donde pudessem desembarcar.

De qualquer forma, a visão do destino da viagem se aproximando e lentamente se posicionando junto ao transporte espacial era realmente animadora. Ainda mais após os longos dias confinados na nave, presos a uma vista semi-inerte do cosmos e a uma confiança cega de que os pilotos e inúmeros equipamentos que tinham a disposição não haviam cometido nenhum erro de navegação.

Quando o planeta já estava bem visível pelas janelas da nave, Quintine passou a insistir em conversar com Karine sobre os aspectos da superfície. Não que ele não soubesse que ela já deveria dispor das informações de que falava, mas por ser, como sempre era, político, buscava manter um bom relacionamento com sua nova parceira de trabalho:

— Aquela enorme formação que faz o planeta parecer estar rachado ao meio, é o Vale Marineris. É para onde vamos, e onde estão localizadas a maioria das colônias. Se fosse noite neste lado do planeta, poderíamos ver uns tantos pontos luminosos espalhados por ele, nos mostrando a localização das colônias maiores.

— Com todo o respeito, chanceler, já estou cansada de ver pequenos pontos brilhantes sobre um fundo escuro – Karine comentou de forma bem-humorada, sendo, assim como ele, meramente politica, ao que o velho lhe entregou um riso forçado e igualmente político.

Fora neste instante que a voz do capitão ecoou pela nave, através do sistema de alto-falantes. Desde a partida da Terra tal sistema não havia sido usado mais do que para informar a hora e a data, em intervalos regulares de tempo, e fazer anúncios e propagandas relativos aos eventos e serviços oferecidos no convés principal da nave. Agora, ele informava que a nave estava desacelerando, deixando a “velocidade de cruzeiro espacial”, para iniciar a aproximação final ao planeta.

Pouco mais de uma dezena de horas e a nave estava orbitando Marte, próxima o suficiente para que o planeta a fizesse parecer minúscula. No horizonte avermelhado da rala atmosfera marciana, logo apareceu um objeto metálico que se aproximava, era uma estação espacial com um formado que lembrava uma pólia. Quanto já estavam bem próximos, a voz do capitão reverberou no sistema de alto-falantes novamente:

— Senhores passageiros, estamos dando início ao processo de acoplagem à estação Nove Sperantia. Passageiros destinados às colônias do Vale Marineris, queiram, por favor, dirigir-se ao veículo suborbital no deque inferior traseiro da nave, para o desembarque assim que autorizado. Passageiros destinados a outras regiões, precisarão aguardar a liberação de outros veículos suborbitais, para os desembarques a seus respectivos destinos. Informamos ainda, que por motivos de manutenção, a estação espacial está fechada à visitação pública. Agradecemos a companhia e esperamos que todos tenham tido uma boa viagem.

Karine e Quintine, conforme orientados, seguiram rumo a parte traseira da nave. Enquanto passavam por um dos mirantes, puderam ver que a estação a qual acoplaram era bem menor, e visivelmente mais simplória, que a de que haviam partido na órbita da Terra. Percebia-se incluso que algumas das áreas em que, aparentemente, ficariam enormes janelas, comuns nestes tipos de estação, agora estavam lacradas com placas metálicas. Passaram também pelo convés principal, onde podiam ver o enorme relógio que informava a todos a data e hora oficiais, e um contador logo abaixo dele, que mostrava o tempo de viagem, agora parado em seu valor final. Quintine, ao olhá-lo, comentou:

— E não é que o capitão conseguiu. Ele havia dito que o tempo estimado de viagem era de dezesseis dias e quatorze horas, e olhe só, a previsão desta vez acertou.

É claro que o contador só fora iniciado quando a nave deixou a órbita terrestre, assim o quase um dia inteiro de atraso, esperando pelo voo que partira de Caiena, fora ignorado. Também haviam valores de minutos e segundos, porém, era costume mais que compreensível ignorar estes números numa margem de erro quanto se estava considerando uma viagem de mais de sessenta milhões de quilômetros.

Repetindo o que haviam feito mais de meio mês atrás, na Terra, os dois tomaram seus assentos no “aeroplano espacial”, o mesmo transporte suborbital que os havia levado da Terra à nave interplanetária e que, agora, os levaria dala até a superfície de Marte. Tomaram, incluso, os mesmos assentos. Levou um bom tempo até que todos os passageiros que partiriam tomassem seus lugares. Nenhum dos dois viajantes conseguiria se lembrar com certeza, mas nem todos que decolaram da Terra com eles estavam desembarcando, e nem todos que estavam ali para o desembarque, haviam decolado com eles. Tempo e paciência era o que tais viajantes mais precisaram ter, pois, levou mais algumas longas horas até que a nave estivesse no ponto certo para o desacoplamento. Chegado este ponto, o deque onde estavam foi despressurizado e suas grandes comportas abertas, permitindo que a visão do reflexo branco avermelhado que vinha do planeta tomasse todas as janelas. Os motores foram ligados de forma imperceptível pelos passageiros e aquele módulo de transporte deixou a nave interplanetária, iniciando um voo descendente na direção do planeta.

— A reentrada em Marte é bem mais tranquila do que seria na Terra. - Quintine se pôs a falar com a duquesa, encarnando novamente o seu tom pedagógico – Como quase não há oxigênio na atmosfera marciana, não há nenhuma incandescência no casco da nave. Ainda que os fortes ventos da superfície possam causar alguma turbulência, não há absolutamente nada para se preocupar.

A reentrada realmente se deu sem contratempos e, em pouco tempo, a nave cruzava velozmente aqueles ares extraterrestres, sobrevoando uma superfície repleta de dunas, paredões rochosos e montanhas vermelhas, e com algumas poucas crateras se mostrando próximas ao horizonte. Porém qualquer outra estrutura da face daquele mundo seria logo ignorada diante do destino a que se aproximavam, despontando diante da nave. Antecedida por alguns tantos vales e estruturas semelhantes a canais secos, a colossal fenda se abria na superfície, como se o planeta abrisse sua boca para engoli-los, e a nave a adentrou como se realmente estivesse sendo tragada. Não foram poucas as expressões de admiração que se ouviram por entre os passageiros. Mesmo os maiores canyons e as mais profundas gargantas da Terra seriam reduzidas a meros buracos diante da magnitude do Vale Marineris. Tão largo e profundo que se viam montanhas se levantarem de seu indetectável fundo e a outra borda parecia se esconder além do horizonte visível. A nave, minuscula diante daquela colossalidade natural, voava timidamente por entre aquele verdadeiro labirinto de pedra, repleto das mais variadas e admiráveis estruturas rochosas que os ventos marcianos foram capazes de esculpir. O vislumbre daquela paisagem fez com que aquele trecho da viagem parecesse ser bem mais rápido do que realmente fora, algo inédito para a maioria dos passageiros, incluindo Karine. Por fim, a nave desacelerou exponencialmente, e, pouco após, foi possível ver estruturas metálicas de uma coloração clara despontando nas paredes do abismo, eram as colônias.

O chanceler insistiu em mais um de seus comentários instrutivos:

— É mais fácil manter a atmosfera artificial junto às paredes do vale do que criar cúpulas e redomas, como seria necessário em colônias nas planícies…

Ignorá-lo, desta vez, foi bem mais fácil para a jovem duquesa. Ela ficara maravilhada com a proveniência da capacidade e da engenharia humana. O desapontamento adquirido durante a viagem havia passado e a admiração pelo espaço e pelos “outros mundos” lhe havia retornado, ela admirava absorta a visão que lhe era concedida pelas pequenas janelas do transporte.

Logo estavam pousando, correndo pela pista de aterrissagem, construída, como tudo mais, junto a encosta, e que terminava em um grande hangar, encravado na rocha (embora algumas pessoas insistissem que deveria haver um termo próprio para a aterragem em Marte, pois usar “aterrissagem” seria correto apenas se estivessem na Terra). A longa viagem havia terminado, e o trabalho da duquesa como embaixadora do Instituto Internacional de Ciências Extraterrestres estava para, finalmente, começar.


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