Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 40
Falta de juízo nos julgamentos




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— Ah, sempre que um simpatizante dos Separatistas quer criticar a União pela Guerra é a mesma coisa: “O Expurgo de Moscou”! - Karine comentava, com certo ar de crítica na voz, entre os demais ocupantes da nave, sendo que todos se encontravam assentados as mesas do refeitório, compartilhando uma refeição. Finado o segundo mês de viagem, ela já se sentia à vontade o bastante para participar de discussões com seus companheiros de viagem e expor claramente seus pensamentos e opiniões (mesmo os que ela sabia que não seriam compartilhados por mais ninguém ali) sem qualquer receio de que algum mal poderia ser feito contra ela. Além do que, seus companheiros de viagem também pareciam “se divertir” ao vê-la expondo seu modo de pensar, e seu esforço (inútil em todas as vezes) por tentar convencê-los a concordar que suas opiniões eram as corretas. - Por que não falamos das cidades da União massivamente bombardeadas? Ou da Crise dos Misseis Siberianos?

— Se eu fosse você, não falaria dos Mísseis Siberianos com ela. - Marcus respondeu, indicando-lhe Ivana, e, ao receber um olhar de “por que?”, explicou: - O pai dela trabalhou nestes mísseis, era engenheiro de motores a propulsão das Forças Armadas Russas e, pouco antes do fim da Guerra, recebera a patente de major das Tropas Estratégicas de Mísseis. É claro que isto foi antes mesmo de qualquer um dos dois terem nascido…

— O pai de vocês era um major e acabou como exilado em Marte? Os altos oficiais Separatistas não foram todos a julgamento por crimes de guerra, e terminaram presos ou executados? Pelo que sei, apenas oficiais de patentes menores, soldados e civis considerados “simpatizantes do movimento separatista” foram exilados. - Karine comentou ceticamente.

— A maioria foi – Ivana respondeu. - Mas os que se mostravam com “talentos” aproveitáveis foram poupados, recebendo a oferta de trabalharem para o governo da União. Se não me engano, é assim em todas as guerras: o vencedor seleciona os mais talentosos das forças inimigas derrotadas para fortalecer suas próprias forças, para assim se prepararem para a próxima guerra. Meu pai foi um dos que recebeu tal oferta, mas recusou, por isso foi condenado ao exílio. Ao que parece, o governo esperava que alguns anos nas privações e sofrimentos do exílio o fariam mudar de ideia… Felizmente, ou, para eles, infelizmente, não funcionou…

— Mas, por que ele não aceitou? Ele poderia ter dito uma ótima vida, um bom cargo, com ótimo salário, trabalhando para o governo mundial.

— Acho que por orgulho, ou desejo de vingança. Nosso pai não era russo, estava ali a estudos. Ele se formou em Engenharia Militar e se especializou em motores a propulsão, a ideia dele era se profissionalizar e depois voltar ao país de origem… Mas a Guerra começou pouco após ele terminar a especialização, e o seu país natal foi um dos primeiros a ser invadido e dizimado pelas forças da União, então ele acabou fazendo a vida onde estava, entrou para as forças armadas e deu tudo de si para vingar sua antiga pátria… Acho que por isso jamais aceitaria se aliar aos que mataram sua família e demais conterrâneos. Isto também deve ter pesado para ele apoiar a ideia de responder o Expurgo com os Mísseis Siberianos.

— Então seu pai foi, no mínimo, cúmplice na morte de quase dez milhões de pessoas diretamente e sabe-se lá quantas outras devido a contaminação radioativa de milhares de quilômetros quadrados… Isto apenas considerando este último ataque, sem contar todos os mortos durante a Guerra… Além do que, talvez seu pai não fosse um prodígio tão grande, afinal muitos dos mísseis não atingiram os alvos.

— Quatorze mísseis foram lançados, dois falharam e caíram no mar, três foram interceptados por medidas defensivas e um último explodiu enquanto era lançado, destruindo parte da base e impedindo que outros mais fossem lançados. Os oito mísseis restantes atingiram a costa oeste americana, teriam sido bem menos se não fosse o talento de meu pai. E ele não foi cúmplice de nenhum crime, ele apenas respondeu a uma mesma dezena de milhões que foram mortos com uma única explosão em Moscou, e vingou outros tantos milhões de mortos em seu país natal. - Ivana respondeu, demonstrando, visivelmente, estar emocionada, como sempre ocorria quando falava do pai, o único assunto que lhe fazia perder o jeito cínico e desleixado de falar.

— Isso é um pouco de exagero e vitimismo – Karine se pôs a explicar, tomando a tradicional atitude de quem sabe, ou acha que sabe, mais que os demais. - No final da Guerra, Moscou era uma cidade praticamente evacuada, segundo as fontes oficiais, nela, não restavam nem dois milhões de seus habitantes, e, inclusive, fora isto que pesou na escolha dela para o ataque final da União. O governo chinês havia usado refugiados de guerra para fazer um escudo humano de quase cem milhões de pessoas, o que tornou um ataque massivo contra Pequim impraticável, enquanto que localizar o esconderijo do tal “califa Mohammad Mahdi” se mostrava tão difícil que até hoje o ainda estão buscando. Assim, escolheram dos males, o menor…

— Os homens que destruíram completamente toda uma cidade afirmam que havia “pouca” gente nela, quais as chances disto ser realmente verdade? - Marcus ponderou, agindo como que se acreditasse que os demais não o pudessem ouvir.

— Você quer dizer as chances de ser realmente verdade, ou de ser aceito como verdade? - Klás o completou, como se a conversa entre os dois fosse algo totalmente distinto da discussão entre as garotas. - Neste caso tem que levar em conta também o quanto a pessoa que ouvir estes argumentos está disposta a acreditar neles, não é? - e todos acabaram rindo, alguns com mais ou menos descrição, menos Karine, que demonstrava, claramente, uma certa frustração em não entender qual a graça daquela afirmação.

— Ah, pensem o que quiserem, pelo menos eu posso afirmar que meu pai, assim como o restante de minha família, não está envolvido em nenhum crime de guerra. - Karine comentou, mantendo intacto o seu ar de superioridade.

— Tem certeza? - Marcus questionou.

— Claro que sim. Minha família foi, no máximo, vitimada pela guerra. Segundo meu pai me contou, foi em um bombardeiro dos Separatistas à cidade que a nossa família morava que ele perdeu dois irmãos, a esposa e o filho mais novo; e, se ele estivesse lá, provavelmente também teria morrido. Por sorte, naquele dia, depois do trabalho ele foi para a casa da minha futura mãe, que era em outra cidade.

— Engraçado, quer dizer que foi a infidelidade do seu pai que lhe salvou a vida… - Marcus comentou comicamente.

— Pois é, mas antes de querer julgar meus pais pelo seu senso de moralidade, saiba que a única culpada foi a esposa dele, afinal “não se cuidou, a concorrência ganhou”.


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