Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 36
A doce inocência da infância




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793456/chapter/36

Após o dia de trabalho, Jamie adentrou ao seu carro, para seguir o caminho de volta para casa. De início, ele pensou em ativar o modo de condução manual, com medo de vir a ser novamente hackeado. Porém, isto o lembrou da última vez que tentou usar o modo de condução manual. Naquela fatídica tentativa, ele perdeu o controle do veículo, subiu numa calçada, atropelou um gato e só conseguiu parar após bater contra o muro de uma casa (com isto, ele teve que pagar a reconstrução do muro, que tinha certeza de ter sido superfaturada, além de uma indenização por ter matado o gato da família, que o advogado deles conseguiu ser de um valor que faria qualquer um querer ter o seu gato assassinado). Tal lembrança lhe fez sentir uma certa frustração por sua inaptidão ao volante. Ele, porém, amenizou a frustração lembrando que a maioria das pessoas que conhecia também não se davam bem com o modo de condução manual. Lembrou-se também de ter lido em algum lugar que empresas automobilísticas já estariam, inclusive, planejando fabricar carros que nem sequer viriam com esta opção. Por fim, ele repetiu mentalmente para si mesmo que “as pessoas dizem que gênios, do tipo de Einstein ou Mallansohn, sequer sabiam andar de bicicleta”, a frase do senso comum que lhe funcionou como desencargo de consciência. Ele, então, ligou o carro, informando seu destino ao piloto automático.

Ainda que estivesse com a cabeça cheia dos mais variados pensamentos, o caminho de retorno não teve nenhum contratempo. Jamie havia se esquecido que seu pai e seu filho lhe esperavam em casa, mas, também, não havia sentido ânimo para aceitar o convide que recebera de alguns colegas, de terminar o dia em algum bar, de forma que voltou direto para sua residência. A memória apenas lhe assombrou quando o carro já manobrava diante de sua garagem. Isto o fez permanecer dentro do veículo, parado, refletindo, com a testa apoiada sobre o painel, naquele instante, apagado. Detectando que sua presença se demorava no interior do carro, o computador de bordo se reiniciou automaticamente: “Percebo que você ainda está no carro, gostaria de ir a mais algum lugar, Jamie?” Caindo em si, que não haveria como alterar o destino que se abria diante dele, o rapaz respirou fundo, como que tomando fôlego antes de um mergulho, respondeu educadamente ao computador e desceu do carro, adentrando a casa. Na sala de estar, viu seu velho pai, reclinado em um dos sofás, lendo silenciosamente algum livro de poesias em seu aparelho portátil. Ao se distrair, vendo o sereno ancião, não percebeu um carro de controle remoto que estava no chão, próximo a entrada, e acabou por tropeçar nele, xingando alto pelo ocorrido. O palavrão solto gratuitamente, acabou tirando a atenção do idoso de sua leitura e o fez se voltar para o filho, o qual apenas sorriu forçosamente de volta. Tentando iniciar uma conversa, o jovem comentou:

— Este é o carrinho que você deu pra ele na última vez que ele veio, não é? Parece que ele gostou… Afinal trouxe junto com ele desta vez.

— É… - o pai responde insipidamente. - Eu lhe dei esse carrinho de controle remoto ao ver que o jogo que ele não para de jogar era de dirigir carros… Pensei que isto poderia atrair a atenção dele. Mas, com um carrinho de controle não dá para atropelar pessoas… Assim ele preferiu continuar no videogame… e não, ele não o trouxe de volta. Este brinquedo está ai no mesmo lugar deste que eu dei pra ele, e ele, imediadamente, o largou. Disse para a empregada que o levasse para alguma criança que ela conhecesse, mas ela ficou com medo de levar algo daqui sem o seu consentimento; deve ter ouvido o motivo da última ter sido despedida… E como você nunca está em casa durante o dia para vê-la… O brinquedo ainda está ai.

— E onde o Kelvin está? - Jamie questiona, desejoso de mudar de assunto desesperadamente.

— Onde mais? No quarto, jogando e xingando os “amigos” com quem joga…

Jamie deu alguns passos lentos em direção ao próximo cômodo, enquanto seu pai retornava a leitura. Quando estava no limiar dos dois ambientes, a voz do velho ecoou no ar:

— Você se esqueceu e não fez reservas em nenhum lugar não é mesmo?

Sem graça, retornou alguns passos e devolveu o olhar ao pai, acompanhado de um sorriso de remorso.

— É, agora não acharemos nenhum lugar que aceite reserva em cima da hora que não seja uma verdadeira espelunca. Os lugares bons gostam de verificar nossos antecedentes e as notas que damos e recebemos antes de nos permitir entrar em seus salões… Mas, tudo bem. Duvido muito que aquele garoto realmente iria querer sair ou fazer qualquer coisa. Pelo menos passe no quarto dele, antes de ir para o seu.

Jamie assentiu com a cabeça e seguiu pela casa. Era uma casa grande e bem mobilhada. Atravessou a cozinha, ampla, centrada por uma enorme mesa, que nunca era usada, com vários balcões e uns tantos eletrodomésticos, tudo em tons neutros e combinando, e que, devido ao raro uso, mais pareciam o mostruário de alguma loja do que uma casa. A cozinha dava acesso à escadaria que conduzia ao andar superior, onde ficavam os quartos, o de visitas era o primeiro após a escada. A porta estava fechada, ele a abriu lentamente, como que querendo evitar ser percebido. O garoto estava deitado na cama, jogando em seu aparelho portátil, como o avô havia dito, o fone de ouvidos o impediu de perceber que alguém adentrava o quarto.

— Seu lazarento desgraçado! Só me matou porque eu tô comendo a sua mãe enquanto jogo, filho de uma puta arrombada do caralho! - o garotinho gritava, fazendo sua voz fina ecoar pelo quarto. Ele percebeu a aproximação do pai, mas apenas lhe deu uma olhada rápida e depois se voltou para o jogo. Um tempo considerável depois, e uns tantos xingamentos a mais, ele se voltou novamente para onde o pai estava, e vendo-o ainda ali, o questionou: - O que você quer?! Não tá vendo que eu tô ocupado!?

Jamie pensou em sair, e um de seus pés até se moveu em direção à porta, porém acabou decidindo insistir em ficar. O menino, percebendo a insistência do pai, acabou pausando o jogo, retirou os fones, se sentou na cama e se voltou para ele com ar interrogativo e uma expressão chateada no rosto.

— Oi, filho, como estão as coisas? - Jamie perguntou vacilante.

— Como você acha que eu tô? Tive que vir pra essa bosta de lugar, deixando todas as minhas coisas lá em casa… Preferia ter ido pra casa da ex da minha mãe, ela tem uma coleção de carros esportivos de luxo que é demais, não dá nem pra comparar com aquele lixo que você tem… - o menino descarregou com voz irritada.

— Ah tá… - Jamie diz após respirar fundo. - E como está a sua mãe?

— Ela e os atuais namorados contrataram uma empresa de filmes para gravar um vídeo para o canal Pegação Total, só que lá eles tem uma regra idiota de não querer que menores de doze anos apareçam nos vídeos… Daí, por precaução, ela me manda pra cá. Retardada.

— Ah, bem… Eu e o seu avô estávamos pensando em fazermos algo, nós três… Não deu para fazer nenhuma reserva hoje, mas, o que você acha de amanhã?

— Fazer o quê?! Com vocês ainda… Eu não quero fazer nada, só quero que esta semana acabe logo.

— Bem, você que sabe… - Jamie suspira e passa a caminhar para fora do quarto. - Se mudar de ideia, fala comigo ou com seu avô…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Colônias Galácticas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.