Na mansão de Ferdinan Mallus-Bernard, um pouco antes da hora do almoço, um grupo de seus seguranças lhe traziam informações e alguns objetos.

— Eles conseguiram escapar. - um dos seguranças falava, como que entregando um relatório. - Mas, estamos fazendo várias buscas na área, conseguimos alguns nomes e, também, recuperar isto aqui. - ele assinalou para o rifle que era trazida por um de seus companheiros, sendo posto sobre a mesa diante deles.

O velho Ferdinan olhava atentamente a arma escura, feita de polímero e metal, inclinando-se sobre a mesa e mantendo as mãos juntas, atrás do corpo.

— É um Kalash, não é? - ele concluí.

— Sim, senhor. - o segurança responde. - Modelo AK-15, de calibre 762.

— Onde conseguiram isso? Será que assaltaram algum museu? - o idoso falou, tentando disfarçar a preocupação com humor, ao que a maioria dos rapazes ao seu redor riu, provavelmente mais por serem seus empregados do que por terem realmente achado graça no comentário.

— Um dos nossos foi baleado por eles, o disparo chegou a atravessar o colete. Deu sorte que estavam usando isto aqui. - ele mostrou na mão uma das munições tiradas da arma apreendida, cuja cápsula tinha um tom dourado fosco, parecendo suja. - É remanufaturada. Se fosse uma munição de maior qualidade, o colete não teria amortecido o impacto o suficiente para salvar a vida dele. Isto mostra que eles estão produzindo a própria munição, em vez de a estarem importando ilegalmente como pensávamos.

— Se estão remanufaturando balas, precisam de pólvora… - um dos outros seguranças afirmou, aparentando se sentir muito inteligente por expressar tal conclusão antes dos demais, Mallus-Bernard porém o censurou rispidamente:

— Não é pólvora que vocês devem buscar. Há enxofre por todo este planeta, e jazidas de potássio em alguns dos chasmas setentrionais. Com isso, já são dois dos três ingredientes necessários para fabricarem a própria pólvora. O que eles estão contrabandeando, e o que vocês devem procurar, é carvão.

Chegada a conclusão, Mallus-Bernard seguiu com seu passo lento e cansado, ainda com as mãos às costas, para a mesa de seu escritório. Estava tomando assento em sua cadeira, como se não houvesse mais nada a conversar com aqueles homens. Entretanto, enquanto estava se sentando, um deles lhe falou:

— A garota do Instituto, parece ter se juntado com os exilados e fugido, ou sido levada, com eles.

— Pensamos ter detectado uma nave deixando a atmosfera, no final da madrugada, antes do amanhecer… - o outro segurança informou precipitadamente, enquanto que o primeiro, demonstrante desgosto com a intromissão, lhe censurou:

— Foi durante uma tempestade de areia. Havia muita interferência e os sensores não são confiáveis nestas circunstâncias. - Voltando-se novamente para seu contratante, ele buscou explicar o fato: - Não podemos afirmar que era uma nave, poderia ser alguma peça solta ou pedaço de algo, talvez até mesmo lixo que foi descartado de forma incorreta, sendo impelido pelo vento. Nem mesmo podemos ter certeza se realmente havia alguma coisa sendo detectada.

Ignorando a discussão entre os dois, Bernard, sentado em sua mesa e com as mãos juntas sobre ela, como que formando uma concha com os dedos entrelaçados, comentou:

— Não vejo problema algum da jovem duquesa de Ortega e Palus haver sido levada com este grupo de exilados. Na verdade, vejo, incluso, uma boa oportunidade que não deve ser desperdiçada.

— Como o senhor acredita que podemos utilizar isto a nosso favor?

— Bem, veremos isto. Antes, porém, acredito que devamos levar alguma informação aos canais de notícias. Afinal, a liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais da nossa sociedade. Acredito que a população tem o total direito de saber o que aconteceu aqui em nossa colônia na noite anterior, é o dever da mídia informá-los. Nenhum de nós pode querer se opor a este direito sagrado que, ao meu simplório ver, é uma das maiores garantias de todas as demais liberdades e benefícios de se viver numa democracia.