Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 21
tentar ler o ilegível




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CAPÍTULO 21

Karine seguiu por uma viela que levava de seu prédio até a estação de monotrilhos mais próxima. Saindo, não se deu conta que um homem, do outro lado da via, que parecia estar se dirigindo para o prédio do qual ela saira, a ficou encarando, como se a reconhecesse e estivesse se perguntando para onde ela estaria indo. Uma vez na estação, ela não precisou esperar muito entre as poucas pessoas que ali se encontravam, também aguardando o transporte, até que o veículo estacionasse, abrindo suas portas. Ninguém desceu naquela estação, e umas poucas pessoas entraram e tomaram assentos rapidamente. Ainda não eram nove horas da noite, deveria faltar um bom tempo para a troca de turno nas minas e fábricas, de forma que as poucas pessoas que compartilhavam o transporte com ela, provavelmente, seriam trabalhadores com horários alternativos ou que prefeririam chegar antecipado a enfrentar a lotação dos horários de pico.

O monotrilho mergulhou no abismo, seguindo junto às paredes de rocha escura. Ele parava em todas as estações no caminho, mesmo que, na maioria delas, não houvesse nenhum embarque ou desembarque. Na verdade, foi apenas em uma delas, em um dos níveis residenciais intermediários, que entraram oito ou nove passageiros e desceram uns dois ou três. Alguns dos que entravam cumprimentavam os que já estavam no veículo. Um deles, inclusive, cumprimentou Karine, ao passar pelo banco que ela ocupava, com um aceno de cabeça automático, movido apenas por educação, que fora quase imperceptível entre o gorro de lã que lhe cobria a cabeça e o cachecol sobre o pescoço. Fazia muito frio, todos usavam grossos casacos e as respirações se condensavam diante dos rostos. As poucas conversas que haviam no veículo eram em tom de murmúrios, e eram mais visíveis, pelas nuvens de vapor a frente das bocas, do que audíveis. Vez e outra ouvia-se alguém tossindo, ou até mesmo uma risada abafada e rouca dentre os que conversavam, mas a viagem seguia, a maior parte do tempo, em um silêncio deprimente. Após passar pelo último nível residencial, o veículo desceria um bom tempo sem que se visse nenhum outro nível ou estação. Agora mergulhava na escuridão mais profunda. Não se podia ver nada ao redor, e até mesmo o céu estava fora de visão, a única luz que existia era a do interior dos vagões, e mesmo esta, além de não iluminar nada dos arredores, oscilava ocasionalmente. Por fim, uma fraca luminosidade pôde ser percebida muito abaixo deles, que vinha se aproximando cada vez mais. Era o nível mais inferior daquela colônia.

O veículo parou na estação mal iluminada e todos desembarcaram. Karine foi a última a descer, viu as portas do vagão se fecharem atrás dela e ouviu o som metálico do monotrilho sendo reativado, ela se virou e pôde vê-lo ascendendo pelo mesmo caminho que viera, com a fraca iluminação, emanando de suas janelas, se perdendo caminho acima. O ar naquele local era estranhamente denso e pulverulento, e, em toda parte, se sentia um cheiro que lembrava fuligem. Cada respiração parecia fazer uma camada de pó grudar no fundo da garganta, de forma que Karine não conseguiu evitar uma crise de tosse, a qual não chamou a atenção de ninguém ao seu redor, aquilo deveria ser comum ali.

Ela seguiu caminhando pelo local, toda a área tinha uma iluminação precária e era bem mais fria do que ela esperava. Mesmo com as grossas roupas, ela se pegou tremendo, e forçando a mandíbula para não deixar os dentes baterem uns contra os outros. Não precisou andar muito para começar a encontrar pessoas reunidas junto as paredes das construções do local. Estavam menos agasalhadas do que ela, porém, pareciam resistir melhor a baixa temperatura, “deve ser o costume”, ela concluiu em seus pensamentos. Alguns pareciam esperar em filas próximo a entrada do que deveriam ser fábricas ou depósitos, outros pareciam simplesmente estar ali, sem nenhum propósito, permanecendo naquele local simplesmente por não estarem em outro. Ela ficou olhando-os por um pouco, pensando ter encontrado algo do que queria, mas quando percebeu que algumas daquelas pessoas a encaravam de volta, temeu pegar o aparelho portátil para os filmar ou fotografar, como planejara fazer. Ainda temerosa, ela continuou caminhando, um leve arrependimento despontou em sua mente, do qual ela se distraiu quando o que via ali a lembrou de cenas vistas em filmes, onde moradores de rua de grandes cidades se reuniam em torno de fogueiras feitas dentro de barris para se aquecer, chegando a olhar ao redor buscando algum fogo. Nisto, veio a sua cabeça que estavam em uma atmosfera artificial, e fogo consumia oxigênio, logo deveriam haver leis que proibissem fogueiras. Tal pensamento fez surgir também a dúvida de como deveriam funcionar os sistemas de calefação da colônia, mas ela logo abandonou tais pensamentos, procurando se concentrar em seus planos. Ela explorou o local distraidamente, sem perceber que, ao longe, diversos vultos se moviam, de forma como que quisessem evitar de serem vistos.

Enquanto caminhava ao longo de um sistema de tubulações, percebeu que diversos canos e tubos emitiam um certo calor. Talvez por isso ela acabaria não se surpreendendo muito ao perceber algumas pessoas se movendo por entre as tubulações, ainda que tal visão, de relance, a tenham assustado. Mesmo assim, ela acabou se distraído ao ver um texto escrito numa parede. Embora, logo após o primeiro vislumbre ela já tivesse desistido de lê-lo, pois estava escrito com letras estranhas que formavam palavras sem nexo, ou mesmo ilegíveis. Porém, ela continuou olhando o texto, apenas admirando as estranhas letras, quase que achando graça nelas. Percebeu que as letras R e N, quando apareciam, estavam invertidas, como se quem as escreveu as tivesse desenhado de trás para frente, existiam duas letras que pareciam ser o A, uma com a forma tradicional e reconhecível, e outra com formas mais quadradas, no meio de muitas palavras via-se também o que mais pareciam os números 3 e 6 do que letras, além de outras que ela sequer reconhecia, como um W de forma quadrada e alguns caracteres que mais pareciam símbolos abstratos do que letras.

Distraída com esta frivolidade, seu coração disparou ao ponto de quase infartar, quando um homem a abordou pelas costas. Segurando-a pelo ombro direito, ele a girou, pondo-a de frente para ele. Com o susto, ela tentou se afastar do estranho, porém suas costas bateram contra a parede, de forma que ela se viu encurralada e, sem escolha, encarou o homem que a segurava pelos ombros. Ele tinha uma aparência grotesca e estava completamente bêbado. Karine sentiu um fedor que mesclava álcool e carniça em um nível que ela sequer considerava possível. Ele pareceu sorrir para ela, a barba de vários dias por fazer não escondia seus dentes amarelados, e falou, ou tentou falar, alguma coisa, sendo que, apenas o sentir seu hálito, quase embriagou a garota. Não havia como saber se ele falava em outro idioma ou se era a embriaguez que embolava suas palavras, mas Karine não entendeu nada do que ele dizia, ainda que tenha parecido que ele lhe perguntava alguma coisa. Sem compreender nada, ela não esboçou resposta, a não ser um leve sacudir de cabeça, que buscava demonstrar que ela não o compreendia. Ele insistiu com o que parecia uma nova pergunta, que também ficou sem resposta, por fim ele pareceu lhe dizer algo, desta vez em um tom de afirmação, e lhe soltou, seguindo numa caminhada cambaleante e falando mais coisas incompreensíveis, talvez falasse consigo mesmo ou talvez a estivesse xingando, Karine não teria como saber. Ela ainda o acompanharia com o olhar e até percebeu alguém o chamando do meio das tubulações, achando engraçado por que lhe pareceu escutar aquele homem ser chamado de “titia Vânia”, não conseguindo segurar um risinho. Ela ainda sorria quando se virou e levou um novo susto, se deparando com um segundo homem, este porém, sóbrio, uniformizado e empunhando uma arma (pelo menos este não fedia). Ela o encarou assustada e percebeu no uniforme, sobre o peito, o logotipo das empresas de Mallus-Bernard, ela foi distraída desta visão apenas quando o homem lhe perguntou rispidamente:

— Quem é você e o que está fazendo nesta área?!


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