Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 20
Aceitar ligação




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CAPÍTULO 20

— Aceitar ligação – Karine deu o comando a seu aparelho.

A sobre-tela no canto inferior direito se maximizou, tomando a tela inteira. Apareceu o rosto moreno do jovem doutor Gollstën, a chamando do planeta Terra.

— Olá, duquesa! - ele a saudou alegremente, ainda que com uma pequena defasagem entre o áudio e a imagem.

— Olá. Nossa, a quanto tempo não o vejo. - ela não queria demonstrar (talvez por não saber o por quê), mas estava mais feliz em revê-lo do que esperava.

— Estive bem ocupado com alguns trabalhos e projetos, só agora tive tempo livre… - ele se justificou num tom de desculpas forçosas e com um sorriso dissimulado, antes de desconversar, retomando o tom animado. - Então, olhe só, você conseguiu, hein. Realmente está ai em cima, nos olhando desde o céu. Não é capaz de imaginar a minha inveja.

— Acho que é questão de ponto de vista. - ela respondeu com uma humildade fingida. - Olhando daqui, é você que está no céu. Além do mais, não é tão bom quando esperava. Faz muito frio e não tem nada para se fazer por aqui, parece que não tem uma festa sequer em todo este planeta. Só tem o trabalho e… não está indo tão bem quanto esperava…

— Difícil negociar com os homens marcianos não é? Sabia que ia ser. São uns cegos, tem visão apenas para o aqui e agora e são incapazes de reconhecer as promessas que a ciência faz ao futuro da humanidade. Se todas as pessoas tivessem o mesmo ponto de vista que eles… Ainda estaríamos presos ao continente europeu, queimando idosas por colherem ervas medicinais, acusando-as de terem transado com o diabo. Graças as grandes mentes do passado que não se acomodaram a pequenez intelectual de suas épocas é que chegamos aonde estamos hoje, colonizando o espaço!

— Nossa, acho que deveriam tê-lo mandado no meu lugar. Acho que vou usar estes argumentos na próxima entrevista. Embora tenho certeza que nenhum argumento funcionaria com Ferdinan Mallus-Bernard. Nossa, que velho egocêntrico insuportável, você não faz ideia…

— Pra você falar assim, imagino… Mas, vamos, você fez uma viagem numa espaçonave e está em outro planeta! É uma experiência única, tem que ter coisas boas nisso.

— Ah… Acho que ainda não tive chance de procurá-las. Achei que, pelo menos, teria a visão de um céu noturno com duas luas, mas não consigo achá-las, pelo menos não das janelas que tenho aqui.

— Ah, Fobos e Deimos. Realmente, não são tão fáceis de se ver. São muito menores que a Lua da Terra e tem um formado ovalado. Não são tão mais brilhantes dos as que estrelas no céu. Se não me engano é raro ver as duas no céu ao mesmo tempo. Hã, espere um pouco – ele passou a mover as mãos sobre a mesa em que estava, como que procurando algo em uma outra tela, fora do ângulo de visão que Karine tinha dele. - Ah está aqui, Fobos pode ser vista no céu toda a noite… olha que curioso, nascendo no oeste e se pondo no leste, é a direção contrária da maioria dos astros celestes… Já Deimos é mais raro de ver, só aparece a cada três ou quatro noites. Na sua localização, Deimos estará visível na noite da próxima terça-feira, nascendo, como esperado, no leste, e as duas luas estarão lado a lado no céu pouco antes das três da manhã. Olha que fato interessante, devido a grande diferença da distância que cada uma das luas está de Marte, Fobos circula o planeta duas vezes por dia, enquanto Deimos leva cerca de três dias para completar sua órbita.

— Terça, as três da manhã? Vou programar meu despertador. - ela disse forçando um tom bem-humorado, mas sem conseguir disfarçar um certo desânimo.

— As coisas não lhe parecem bem… Está realmente difícil? - ele falou solidário.

— Não posso dizer que não estou um tanto decepcionada com as coisas aqui. Digo, esperava mais das colônias. Mas… Elas parecem… - ela falou pausadamente como que pensando na palavra que queria. – Abandonadas. Todos com quem falei pareciam também decepcionados. Todos reclamam dos “malditos exilados” e de como eles frustraram seus planos ao serem enviados para cá. Falam de como os investidores fugiram a medida que as colônias se encheram de miseráveis, e alguns até falam do medo de “rebeliões”…

— Bom, é realmente inegável que a projeção de lucro das colônias diminuiu significativamente após começarem a ter que sustentar os exilados que lhes foram enviados. Pra você ver como é, eles fodem com tudo pra eles mesmos, e, como se não bastasse, também nos prejudicam…

— Acho que eles não tem culpa destas coisas. Eles foram tirados de seus lares e famílias e jogados aqui. Muitos simplesmente abandonados a própria sorte, sem a mínima ideia do que fazer…

— Olá, século vinte e um! Você está falando como uma política populista… - o jovem falou rindo (ainda que o delay da transmissão dificultasse um pouco entender o sarcasmo da mensagem). – A verdade é que eles são responsáveis pela situação atual deles sim. Olhe todos tem suas oportunidades, não as mesmas, é claro, mas todos as têm. O problema é que muitos preferem ficar invejando as oportunidades que os outros têm em vez de irem atrás de descobrirem e aproveitarem as deles próprios. Ai acabam na miséria e, não aceitando a própria responsabilidade nisto, buscam culpar os outros. E os culpam simplesmente por, ao contrário deles, saberem aproveitar as oportunidades que a vida lhes deu. Eu mesmo, por exemplo, já cansei de encontrar com tipinhos que querem diminuir os meus méritos porque eu fiz faculdade como cotista. Falam como se não fosse esta política de cotas, eu não teria me formado… Hã, a bolsa como cotista foi apenas uma oportunidade que apareceu na minha vida, que eu soube identificar e aproveitar. Minha formação se deu pelo meu esforço nos estudos. Mas sempre vão aparecer uns babacas, que não tem nada na vida por não irem atrás de suas próprias oportunidades, querendo me diminuir…

— Sabe que não sou destes charlatões populistas. - Karine falou se sentindo ofendida. - Mas já que você falou de identificar e aproveitar oportunidades, estou pensando aqui que poderia usar estes exilados. Enquanto todos reclamam o quanto eles prejudicam os negócios, eu poderia utilisá-los para alavancar minha carreira política. Daí, mesmo que não consiga aumentar a arrecadação de fundos para o Instituto, a viagem não seria uma perda total. Afinal quantos políticos não fizeram suas carreiras apenas dando uma de filantropos com projetos sociais…

— Está dizendo o quê? Um projeto de “cotas para exilados”. Acho um pouco difícil, eles não podem voltar à Terra, e não há uma “Universidade de Marte”. - o jovem respondeu em tom de piada.

— Não essa questão de cotas. Mas, alguma coisa de ajuda social… Tipo, eles estão passando fome e necessidades aqui, por mais que sejam exilados, temos que lhes garantir os direitos humanos, não é? Agora pense, se fosse eu quem “abrisse os olhos do mundo” para tal situação, posso usar isto em uma campanha e ser eleita até mesmo para assumir um ministério ou uma secretaria da União. Sou uma duquesa, lembra? Então posso me candidatar para estes cargos, só preciso de algo que me dê visibilidade suficiente para ser eleita. Nossa, se eu conseguir, minha vida está feita e, de quebra, ainda faço algumas boas ações.

— Olha, acho que não é tão simples assim…

— Agora o que eu preciso é de material, para montar um portfólio e fazer uma boa apresentação que conquiste financiadores para minha campanha. - ela comentava quase que consigo mesma, ignorando o tom de preocupação demonstrado por seu amigo. - Já que eu estou aqui, basta baixar aos níveis inferiores e fazer alguns vídeos e fotos de como os exilados vivem aqui. É, é isso mesmo que vou fazer! - ela se levantou do sofá animada, claramente reenergizada pela perspectiva de novos planos e realizações, e correu até o quarto para buscar roupas mais grossas, para se proteger do frio que deveria fazer na noite marciana do lado de fora do apartamento, deixando a chamada aberta e ignorando o rapaz na tela que tentava persuadi-la:

— Mas você está querendo ir lá agora?! E sozinha? É de noite ai, não é? Acho que não é seguro, você pode…

Ele estava quase gritando, tentando chamar a atenção da garota, mas foi inútil. Sem nem mesmo deixá-lo terminar sua argumentação, ela se pôs novamente a frente da tela, se despedindo:

— Ok, estou indo lá, sabe como é né, não posso perder tempo se quiser bons resultados. Obrigado pela ideia, Tchauzinho!

Ele tentou falar algo em resposta e mostrar mais alguma objeção, mas ela apanhou o pequeno aparelho no braço do sofá, desconectando-o da chamada e da tela do apartamento, e saiu.


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