Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 19
Vamos ver TV!




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O itinerário daquele dia ainda os levaria a visitar outros dois administradores de colônias daquela região. Ambos, porém, resultaram em ter as mesmas objeções ante as mesmas propostas. Todos pareciam se esforçar para evitar atritos com o velho senhor Mallus-Bernard até mais do que estavam dispostos a se esforçarem por ganhar dinheiro, e também pareciam compartilhar a decepção com a colonização marciana do conde Jatemburgo. Já ao entardecer, na aparentemente abandonada (e suja) estação da terceira colônia (que também não se mostrava, em geral, muito limpa), quanto haviam se decidido que era melhor retornarem a suas instalações para tentarem mais sorte em outro dia e em outra área, e esperavam o maglev que os levariam de volta, Quintine comentava desdenhosamente:

— Ah, sinceramente, não consigo entender como estes “poderosos homens de negócios” podem ter tanto medo de um idoso nonagenário…

Karine parecia não escutá-lo, preocupava-se com os milhares de pensamentos que lhe vinham na mente ao mesmo tempo. Tentava digerir tudo o que escutara naquele dia, como que tentando separar desculpas esfarrapadas de motivos reais, e simples ignorância de argumentos concretos. Ela só deixou este êxtase quando viu o longo comboio de vagões parar silenciosamente na estação e abrir suas portas para levá-los de volta aos seus apartamentos. A viagem fora igualmente silenciosa, da parte de ambos, já que o chanceler parecia ter finalmente percebido que sua parceira não estava disposta a conversar. A única troca de palavras que ouve entre eles foi a despedida, quando se separaram diante das portas de seus apartamentos, cada um adentrando ao seu próprio. Ela se dirigiu diretamente ao banheiro, para um demorado banho, passando longo tempo parada embaixo do chuveiro, apenas deixando a água quente escorrer por seu corpo. Em um dado momento o pensamento de “estar desperdiçando um recurso raro e valioso em um planeta desértico” lhe surgiu, porém, ele foi rapidamente cauterizado por um segundo, de que, na verdade, “estava aumentando os lucros do conde Jatemburgo, garantindo empregos para seus homens”. O vapor se espalhou pelo quarto de banho, embaçando totalmente o vidro do box e o espelho.

Após o relaxante tempo embaixo d'água, ela vestiu um grosso roupão (ela pensou em permanecer apenas enrolada na toalha, mas, mesmo com o aquecedor ligado, ela ainda sentia frio, e por algum motivo não quis colocar o aquecedor no máximo, talvez tivesse alguma coisa a ver com a emissão de clorofluorcarbonetos, mas nem ela tinha certeza) e se acomodou no belo sofá da sala de estar, diante de uma grande tela. Pegou seu aparelho portátil, o sincronizou com a tela e a ligou. “Se não quisessem que eu a usasse não a teriam deixado aqui”, repetiu para si mesma. A tela se iluminou apresentando a interface de menu inicial, conectada as redes de mídia, Karine olhava para tela, fazendo sensores de retina da câmera no topo dela detectarem seu olhar e mover a seleção por entre as opções apresentadas na tela. Ela passou pela opção de “Buscar conteúdos” e acabou optando por “Ver conteúdos em alta”. Imediatamente abriu um vídeo com o narrador dizendo: “Promoção imperdível, você não pode deixar de aproveitar…”, ao que a garota falou automaticamente o comando de “Próximo”, fechando aquele vídeo e abrindo outro, no qual uma modelo vestida apenas com lingerie (que parecia ter vindo de algum catálogo bem caro) agia como apresentadora, falando com um tom lento e sugestivo na voz enquanto parecia ler algo por trás das câmeras, dividindo o primeiro plano com as miniaturas de outros vídeos, que aumentavam de tamanho enquanto ela as anunciava (enquanto na parte inferior ficavam passando os nomes dos patrocinadores daquele programa, que incluíam uma variedade de negócios, desde grupos farmacêuticos e fabricantes de anticoncepcionais, até academias, centros estéticos e fabricantes de aparelhos eletrônicos; e na parte superior piscava o anúncio “Envie seus vídeos – Pagamos por exibição”):

— Nos envios de hoje do nosso canal Pegação Total: a Chrystine quis exibir pra todo mundo o amasso gostoso que teve com os amigos William e Michel, a Silmara quis mostrar pra Myryam que já tá em outra, catando de jeito o Gustavo, e o Fernandson e a Ayoshi mandaram mais um vídeo, parece que eles querem mesmo o título de casal mais safado da Terra, desta vez eles…

— Próximo. - O comando saiu de Karine em uma voz entediada.

Um novo vídeo apareceu, com toda a aparência de ser um programa jornalístico. O apresentador, um homem de terno (porém sem gravata e com a gola desabotoada) e um pouco acima do peso esbravejava (enquanto a papada embaixo de seu pescoço tremia de uma forma que, para Karine, variava entre o cômico e o asqueroso, com a forma que ele falava e os movimentos bruscos que fazia):

— Meu, é inconcebível uma coisa destas, o cara ai, que deveria estar “protegendo vidas”, tirando uma vida a sangue frio e com claros requintes de crueldade. Tá o outro era bandido, fez coisa errada… Ok. Mas ele já havia sido capturado, já estava preso; não tinha necessidade disto. Mas agora eu lhes pergunto, meu amigo, minha amiga, você se sente seguro sabendo que sua segurança depende destes tipos de pessoas? O governo deixa nossa segurança nas mãos de soldados que sentem prazer em puxar o gatilho e tirar uma vida, acham isso certo? Esse cara não é melhor que qualquer marginal… Na verdade é até pior, porque fez um juramento de proteger as pessoas e ai faz uma coisa desta… Se depender desta “segurança pública”, que não passa de uns bonequinhos do governo pra matar uma cota do que dizem que são ladrões, estamos todos perdidos. - o apresentador passa as mãos no cabelo, parecendo se acalmar e diz, olhando para a câmera: Agora vamos ter uma mensagem do nosso patrocinador, e já voltamos com mais notícias.

O apresentador sai de cena repedindo, como que para si mesmo, o quanto a segurança pública estava desencaminhada, até que a imagem corta e se inicia o comercial, onde um narrador fala com voz macia:

— Neste nosso mundo caótico, onde as forças públicas parecem cada vez mais incapazes de nos entregar a segurança que prometem, acaba ficando em nossas próprias mãos cuidar do que é importante para nós. É por isso que a LifeSaver, Segurança Particular, quer ser sua parceira protegendo tudo o que é mais valioso para você. Contate-nos e conheça nossos planos para…

— Próximo… - Karine repete quase que sílaba por sílaba, ainda mais entediada do que antes.

— Já está disponível o novo episódio de Super Wadyas! - um narrador anunciou com voz imponente e animada, enquanto surgia na tela as imagens de um desenho animado, onde duas garotas usando roupas de super-herói, que mais pareciam fantasias de sexshop, lutavam contra um robô gigante de aparência antiga e malévola. Enquanto lutavam com acrobacias e super-golpes, elas conversavam entre si, como se não sentissem qualquer esforço no combate:

— Ah, o Jack é tão gatinho, não é mesmo?! Queria tanto dá uma ficada com ele… Pena que ele é meu irmão…

— Ai, o quê que é isso?! Você tem o quê? Uns mil anos?!

— Não… Só tenho duzentos e quarenta e três, e todos concordam que não aparento nem cento e vinte. - a primeira garota respondeu com um tom sonso na voz enquanto socava repetidamente o peito do robô que, apesar do tamanho, parecia incapaz de se defender.

— Você é uma garota moderna, forte e independente - a segunda garota continuou. - Tem total direito sobre sua vida e o seu corpo e pode fazer tudo o que quiser, e com quem quiser!

Após terminar sua fala, a garota realiza um salto-mortal e pousa com um chute na cabeça do robô gigante que enfrentava, amassando e destroçando-o. Grandes quantidades de óleo espirram e escorrem em várias direções, como se o robô sangrasse. A garota, em pé em uma posição triunfante sobre o inimigo derrotado, limpou a sujeira de suas sapatilhas e retornou, em um segundo salto mortal, para o lado da primeira, onde pegou algo atrás das costas e completou sua fala, enquanto entregava o pequeno objeto a parceira:

— Você só não pode esquecer disto aqui.

A imagem se concentrou na embalagem de um preservativo (da marca que claramente era a patrocinadora daquela animação) enquanto as duas riram consentidamente e se ouviu um “É isso ai!” da primeira. Na embalagem em foco se podia ver com certo destaque as expressões “Preservativo inteligente” e “Autoajustável”.

Neste momento, o vídeo escureceu e o seu volume baixou a um nível quase inaudível, caindo para segundo plano, enquanto no canto inferior direito aparecia uma sobre-tela com o informe “Recebendo ligação”, e as opções de aceitar ou recusar.


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