Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 18
vocês não entendem como as coisas estão




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CAPÍTULO 18

— Este quadrângulo é de Mallus-Bernard, não é… - o conde Jatemburgo menciona hesitante.

— Na verdade, não. - Karine lhe responde firmemente – Todas as terras em Marte são de propriedade do governo da União que, através dos ministérios de astrogeologia e de exploração extraterrena, concede direitos exploratórios a empresários como o senhor Mallus-Bernard. A concessão de tais direitos é submetida aos interesses da União, de seus ministérios e secretarias. É do interesse destes o prosseguimento e avanço das pesquisas do IICE e por isso o contrato concessionário estipula os quinze por cento como doação mínima. Porém, caso se considere que um dos concessionados não esteja cumprindo plenamente com seu contrato, ou que surja uma oportunidade que se mostre mais benéfica aos interesses da União, estes se reservam o direito de rever a distribuição de concessões. O senhor Mallus-Bernard tem a concessão de exploração de cinco dos trinta quadrângulos marcianos, porém ele mantém colônias em apenas três deles, sendo este no qual nos encontramos, um deles.

— Como disse, esta terra é de Mallus-Bernard. Ele me permitiu administrar esta colônia e algumas outras aqui para prover o abastecimento de água para as suas demais colônias.

— Não, - Karine insistiu, assumindo um tom pedagogicamente corretivo – esta área está sob concessão de Ferdinan Mallus-Bernard. Nós, como embaixadores do Instituto, podemos propor a mudança de concessão, deixando este quadrângulo todo, com suas colônias, na administração do senhor conde, ou de outra pessoa. Desde que demonstremos que tal mudança beneficiária os interesses de nossos superiores, como, por exemplo, um aumento significativo na verba para financiamento das pesquisas do Instituto. Não pense que isto prejudicaria o senhor Bernard, pelo contrário, o incentivaria a aumentar a exploração, expandindo-se para os dois quadrângulos que ele ainda mantém inexplorados. Imagine, senhor conde, o quanto aumentaria seus lucros; em vez de algumas poucas colônias nas “terras de outro”, passar a administrar todo um quadrângulo.

— Olhe, - o conde respondeu assumindo um tom defensivo – eu entendo toda esta “teoria burocrática” de vocês, mas também sei como as coisas são na prática. Mallus-Bernard administra estas terras há muito tempo, e também é o líder do sindicato das mineradoras marcianas. É alguém muito influente e com muitos “amigos”, realmente não quero problemas com ele.

— Entendemos suas preocupações, conde. - o chanceler Quintine interveio – Porém podemos lhe afirmar que não há risco algum, isto que propomos está totalmente dentro da lei. Caso realmente tema os riscos de alguma retalhação, também temos a opção de lhe conceder o quadrângulo do Mar Austral.

— O Quadrângulo de Mare Australe?! Por que vocês acham que eu iria querer esta área? Não é economicamente viável colonizá-la.

— Porém, o senhor conde, explora a calota de gelo no polo meridional, não? - Karine questionou de forma intrusiva.

— Sim, temos uma linha magnética até a calota de gelo. Enviamos trens até ela para coletar gelo e trazê-lo às colônias, para abastecê-las com água. Porém é um erro pensar que uma colônia nas proximidades facilitaria em algo este trabalho. - o conde fez uma pausa, como que realizando cálculos mentais, antes de continuar. - Na verdade, apenas aumentaria os gastos. Os gastos com o sistema de aquecimento de tal colônia acabaria por torná-la insustentável. Nestas latitudes, durante o inverno, a temperatura chega a quase cento e cinquenta graus negativos. Por isso só coletamos gelo durante o verão, e mesmo assim é uma atividade muito dispendiosa. Não só pelos gastos para proteger homens e maquinário do frio extremo, mas porque não se trata de apenas chegar lá, pegar o que se quer e voltar. - ele realizou uma segunda pequena pausa, na qual parecia organizar seus pensamentos ou tentar se lembrar de algo - O gelo de água que buscamos fica encoberto por uma capa de gelo seco que mede uns dez metros de espessura. Temos que perfurar esta capa e, então, escavar e retirar os blocos de gelo de água, é demorado e tudo feito a uma temperatura de uns sessenta graus abaixo de zero, que parece ser ainda menos, por estarmos trabalhando encima de uma calota de gelo. Depois ainda temos que trazer os blocos de gelo e condicioná-los em câmaras especiais, para podermos derretê-los e transformá-los em água, já que, devido a alguma coisa a ver com a baixa pressão atmosférica, eu não entendo os detalhes, o gelo aqui vira direto vapor em vez de líquido. Resumindo: é muito caro produzir água em Marte. É claro que temos lucro, ninguém aqui é besta de trabalhar de graça ou insistir num negócio que gera prejuízo. Mas, não teríamos lucro suficiente para sustentarmos uma colônia, ainda mais uma que só seria utilizada metade do ano e na outra metade ficaria completamente isolada, apenas gastando recursos com aquecimento para impedir que seus moradores virem picolé de gente.

— Olhe, conde, tenho que confessar que o senhor está me desapontando, tenha na memória que o senhor era um homem ousado e de visão. - Quintine tentou apelar ao ego, que sabia ser o ponto fraco do empresário a sua frente. - Mas, olhe só, o senhor está deixando escapar por entre os dedos uma oportunidade excepcional…

— Que existem riscos, sim, concordamos – Karine, percebendo a estratégia do chanceler, se pôs a ajudá-lo -, mas, qual investimento não apresenta riscos? Os homens que puseram seus nomes na história não foram justamente os que se expuseram a empreendimentos dos mais arriscados?

O conde Guilhermo pôs suas grandes mãos sobre sua mesa, como que para descansá-las após carregar algo muito pesado, e olhou para seus visitantes, abrindo um sorriso, o mesmo sorriso, que por falta de uma expressão melhor, poderia ser descrito como “sem-graça”, que se via nas diversas fotos espalhadas pelas paredes de seu escritório.

— Vocês vieram da Terra, estão aqui há o quê? Dois, três dias? - ele falou com um ar de alguém que fala de algo que entende bem mais do que quem lhe ouve.

— Dois dias. - Karine lhe informa solicitamente.

— Não entendem como as coisas estão por aqui… Ninguém mais quer fundar colônias em Marte. Tudo culpa destes malditos exilados que entupiram as colônias. Essa… - o conde pareceu buscar a palavra certa por alguns segundos – superpopulação de miseráveis está tornando tudo insustentável. Além de afugentar as pessoas de bem. Praticamente todos os que puderam voltar para a Terra, o fizeram assim que perceberam que a coisa ia ficar feia. Ficaram só os que não tinham condições, e os que investiram dinheiro demais aqui para deixar atrás. Vocês, pelo menos, ficaram sabendo da... – ele pareceu novamente buscar em sua mente a palavra que queria – rebelião numa das colônias de Bernard, não é? - Karine fez que sim com a cabeça. - Pois eu acho que aquilo foi só o começo. Eles ferraram com tudo e agora vão começar a jogar a culpa uns nos outros, e em nós… Eu já não saio mais de casa sem seguranças do lado…

A conversa se prolongou por um pouco mais de tempo, porém sem mudança alguma de direção. O conde se mostrava determinado em não se arriscar a problemas com Mallus-Bernard e irresoluto da inviabilidade de se colonizar os extremos meridionais de Marte. Karine e o chanceler saíram do prédio de Jatemburgo tão desapontados quanto da mansão de Bernard. Eles seguiram para a estação e esperaram pouco até a chegada de um maglev que os levaria a outra colônia.

Após os visitantes se retirarem de sua presença, o conde acionou um comando em sua mesa, que abriu sua lista de contatos. Ele localiza o nome de Mallus-Bernard e o seleciona, iniciando uma chamada, enquanto mencionava para si mesmo, olhando para a porta pela qual os dois haviam saído, como se eles ainda estivessem ali:

— Creio que o senhor Bernard gostará de saber das ofertas que vocês andam fazendo…


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