P.O.V Da Jade

Quando fomos liberadas mais cedo, Kristie me acompanhou até o estacionamento. Ela estava tão empolgada, até mais que eu. Meu nervosismo apenas aumentava à cada passo que eu dava. Ela tinha um dos braços enlaçado ao meu, como estava ansiosa e apressada, acabava me puxando e perto da mureta à poucos metros do bicicletário, um rapaz de jaqueta jeans segurava um capacete, ele estava parado encostado numa lambreta vermelha.

— Meu Deus! - Minha amiga exclamou não se contendo. - Ai, amiga, é ele! Só pode ser ele! Vamos! - Me apressou.

Eu mal sentia meus pés, meu coração batia numa velocidade anormal, minhas mãos estavam frias e por um momento eu quase travei ali mesmo. Kristie saiu em disparada me conduzindo até o rapaz da jaqueta jeans.

Paramos diante dele que se desencostou da lambreta e abriu um sorriso tímido.

— Oi. - Ele nos saudou alargando o sorriso e mostrando as covinhas.

Nunca havia passado pela minha cabeça como ele seria, eu não fazia ideia de sua aparência até eu me deparar com ele pessoalmente.

Ele tinha um sorriso lindo e suas covinhas eram adoráveis.

— Oi. - Kristie sorriu.

— Você deve ser a Jayz, certo? Sou o Mr. Mistery como já deve imaginar. - Olhou para mim porque sabia a cor do meu cabelo e dos meus olhos.

— Sim. E essa é a minha amiga, Kristie. - A apresentei.

— Prazer em conhecê-las, meninas. - Sorriu mais uma vez. - Me chamo Donnan Hastings. - Finalmente revelou o nome.

Era um nome diferente e bonito.

Estava tão tímido quanto eu, mexeu no capacete vermelho, um tanto inquieto, estava nervoso.

Kris e eu trocamos olhares, eu nem sabia como reagir.

— Tô indo, amiga, minha mãe já deve estar chegando. - Olhou para mim e olhou para ele.

Ela se despediu me dando um beijo no rosto e acenou para o rapaz à minha frente.

Assim que ela saiu quase correndo, o silêncio se instalou entre nós. Ficamos nos encarando por longos segundos até ele quebrar o clima meio constrangedor.

— Como se chama? Jayz é apelido, certo? - Aqueles olhos castanhos por trás das lentes dos óculos fixaram no meu rosto.

— Meu nome é Jadelyn, mas pode me chamar de Jade. - Ajeitei a alça da minha bolsa que estava escorregando.

Sua pele clara fazia um belo contraste com os cabelos e olhos escuros. Ele devia ter mais ou menos 1,80 de altura. O corpo esguio, magro, mas não tão magro, ele não era como os atletas do colégio, mas ainda sim tinha um corpo bonito.

MM era mais gato do que eu sequer podia imaginar.

Os óculos de grau, o estilo numa mistura entre básico e despojado junto com os cabelos bagunçados lhe davam um certo charme.

Julgando pelo conjunto completo de beleza e estilo, eu não podia dizer se ele era um nerd descolado ou uma mistura de Bad Boy com garoto fofo. A jaqueta jeans, os coturnos e a lambreta só garatiam certo mistério em torno de sua personalidade da qual pouco eu conhecia.

— Me fala o que passa na sua cabeça, percebi que está me analisando faz um tempinho. - Soltou uma risada baixa.

Sua voz era um pouco grave, com tonalidade bonita e tinha aquele pequeno toque de rouquidão ao final de cada palavra que pronunciava. Aquele sotaque canadense bem típico da região.

— Desculpe, eu só não imaginava que...

— Que eu era assim? Alto e pálido feito um palmito? - Soltou uma risada carregada de humor.

— Não, de forma alguma. Eu imaginava você sendo menos descolado, todo engomadinho e muito travado, sabe? Mas você é bonito e parece ser divertido. - Falei mesmo em alto e bom som?

— Obrigado. Você é mais bonita do que imaginei. Têm olhos impressionantes, não é todo dia que vejo uma beleza como a sua. - Ele estava flertando ou só era um elogio?

— Obrigada. - Senti meu rosto corar.

— O sorvete ainda tá de pé ou desistiu de sair comigo? Agora que me conhece, não me parece tão animada. - Sua timidez havia se dissipado.

— Claro que está de pé. - Me apressei em responder.

— Coloque. - Me entregou o capacete e pegou o outro no pequeno bagageiro na parte traseira da lambreta. Ele sorriu e montou no veículo. - Pode confiar, sei pilotar essa belezinha desde os meus 13 anos. Você estará segura comigo, Jade. - Ele pronunciava meu apelido de uma maneira fofa.

Jade soava como Jaedy...

Montei na garupa e me ajeitei sobre modesto veículo de duas rodas.

— Se segure firme. - Pedi já ligando o motor.

Passei os braços ao seu redor, abraçá-lo daquela maneira foi um pouco estranho.

Donnan deu partida e saiu do estacionamento do colégio.

[...]

E lá estávamos nós dois numa sorveteria italiana tradicional em Vancouver. Tomávamos os nossos Gelattos sobre o balcão de madeira, eu não sabia que sorvetes caseiros eram tão deliciosos, todos artesanais com toques especiais e sabores diferentes.

Donnan não estava mais tão tímido igual como quando nos encontramos no estacionamento, o cara misterioso das mensagens era um rapaz de 19 anos que já estava na faculdade cursando Bioquímica. Ele frequentava a JCI Institute. Era muito mais inteligente do que pensei, e muito mais divertido e legal, e descubrimos muitas coisas em comum nos 10 primeiros minutos de conversa.

Todo o mistério que nos envolviam quando trocávamos E-mails e mensagens se dissipou num passe de mágica, o que acabou nos aproximando tão depressa como velhos amigos devido à conversa boa que fluía tão naturalmente.

Era basicamente uma química e tanto, como se já fôssemos íntimos há bastante tempo.

Após tomarmos nossos Gelattos, ele pediu um copo grande de raspadinha de groselha e duas colheres.

— Minha família mora em Calgary, vim pra Vancouver por causa da faculdade. - Contou enchendo a colher.

— Entendo. Está gostando do curso? - Perguntei.

— Sim, cursar Bioquímica sempre foi o meu sonho. Minha mãe é dentista e meu pai é biólogo aposentado. Minha família têm um farmácia em Calgary, meus dois irmãos mais velhos tomam de conta do negócio da família. - Explicou.

Eu já havia lhe contado sobre os cursos que tinha em mente e sobre meus planos para o futuro. Ele também tinha vários planos para quando terminasse a faculdade.

— Cinegrafia e Artes Plásticas são ótimos cursos. Pretende ser famosa? É bom sonhar alto, você é uma moça linda e muito inteligente, com certeza vai longe. - Sorriu.

— Obrigada. Você também vai longe, Sr. Gênio. - Devolvi o sorriso.

— Está me chamando de nerd? - Seus lábios se comprimiram.

— Talvez. - Comi um pouco da raspadinha que dividíamos.

Ele riu tombando a cabeça para trás.

— As aparências enganam, posso ser inteligente e esforçado, mas não me considero um nerd. - Girou a colher de plástico entre os dedos. - Você sim parece. - Afirmou.

O encarei incrédula.

— Só por quê tenho um Blog, sou louca por Literatura e posto resenhas? - Indaguei.

— Não só por isso, apesar de misteriosa nas mensagens você parecia muito tímida, reservada e com uma mente brilhante quando debatíamos sobre algo. - Ressaltou.

Ele descreveu exatamente a Jade da atualidade. A nova Jade. A garota que me tornei quando me mudei de país.

— Se me conhecesse antes não teria se aproximado, nem sempre fui assim... - Deixei escapar.

Ele me olhou confuso.

— Você não é daqui. Tudo que sei é que você é uma menina linda e discreta. Que parece ser alguém com o coração puro. Sinto que têm tanta mágoa nesse olhar cristalino. Você está fugindo do passado, também percebi que esconde segredos que te atormentam e...

— Não quero mais ouvir. Melhor eu ir embora, não sabia que era assim tão cheio de ideias sobre mim. Você nem me conhece direito e aliás, vai dar uma de vidente pro meu lado? Eu não vou cair nesse papinho furado...

— Ei, se acalme. São apenas conclusões, não queria te assustar. - Me impediu de embora dali. - Por favor, me desculpe. - Pediu.

— Poderia soltar meu braço? - Olhei para sua mão que ainda me segurava.

— Sinto muito, Jade. Sou assim mesmo, fico presumindo coisas. É o meu jeito. Só não queria soar muito intrometido. - Me olhou constrangido.

— Sabia que tinha um defeito, você é meio esquisito. - Nós dois rimos.

— Vamos esquecer isso, ok? A raspadinha está derretendo, acho melhor pedirmos canudinhos. - Riu.

Apesar de toda a situação embaraçosa, Donnan estava certo sobre alguns pontos que acabou tocando.

Eu tinha segredos e estava mesmo fugindo do meu passado tentando deixar a velha Jade problemática na minha antiga vida em L.A.

O restante do nosso encontro foi tranquilo.

Donnan Hastings era um cara muito bacana. Adorei conhecê-lo.