Holmes e Watson: O Assassino da Meia-Noite escrita por Max Lake


Capítulo 2
Testemunhos


Notas iniciais do capítulo

Como estou agendando isso imediatamente após a publicação do capítulo anterior, não sei se teve comentários. De qualquer forma, fica meu agradecimento a quem estiver lendo. ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793299/chapter/2

A conversa prosseguiu até o momento em que chegou o resultado da autópsia de Louis Oliver. Segundo o médico-legista, a vítima foi morta por veneno, duas agulhadas, uma em cada braço. Ou seja, três óbitos de três maneiras diferentes. Estávamos a caminho de ver os corpos para que Holmes analisasse os detalhes sutis que as fotos não revelam. Também seria uma boa oportunidade para conversarmos com a viúva, a senhora Mary Elizabeth Oliver, e o irmão, Luke Oliver. Por respeito, aguardamos do lado de fora enquanto a dupla identificava o corpo de Louis Oliver. Aproveitei para perguntar ao detetive sobre o que achava do caso até aqui.

—Interessante - afirmou, fumando o cachimbo.

—Só isso? Não suspeita que Moriarty esteja envolvido? - questionei.

Holmes me lançou o típico olhar impaciente de quando menciono o nome de seu arqui-inimigo. E respirou fundo antes de responder.

—Não, Watson. Apesar das repetidas tentativas de superar-se sobre mim, assassinato em série com vítimas que me liguem tão obviamente não faz o estilo de Moriarty. Diria que cada desafio com ele é uma partida de xadrez cujo objetivo é pegar o Rei usando apenas os peões.

—Entendo.

—No entanto - prosseguiu. -, assim como avisei à capitã sobre este não ser um jogo de intelecto, não descarto tal possibilidade. Preciso de mais informações.

Quando a porta do IML se abriu, Lucy saiu conduzindo a viúva, uma mulher que aparenta ter mais de 40 anos, corpulenta, trajada formalmente em um vestido preto, segurando um lenço sobre o rosto enquanto enxugava as lágrimas que borravam sua maquiagem. Ao lado da viúva, um vigoroso jovem, apesar de volumosa barba, também com trajes formais de cor escura próxima ao azul. Ele consolava a mulher.

—Por aqui, por favor. - Lucy os levou até a sala de interrogatório. Achei um pouco exagerado para o momento, e até inoportuno, porém necessário. Tratava-se de um assassino em série, afinal.

Entramos juntamente com a capitã, esperamos até que a senhora Mary Elizabeth se acalmasse. A sala era comum de interrogatório, com a mesa de metal à frente do par de cadeiras que os familiares se sentaram. Apesar do espelho refletir nossa presença, por vezes imaginei que o inspetor Lestrade estivesse observando todo o interrogatório na sala vizinha.

—Senhora Oliver, senhor Oliver, somos John Watson e Sherlock Holmes. - Apresentei-nos. - Nossas condolências por sua perda.

—Holmes? Aquele detetive famoso? - questionou Mary entre soluços.

—Precisamente - manifestou-se Sherlock. - Lamento profundamente pela situação que estão passando.

—Sabemos que não é apropriado, mas precisamos fazer algumas perguntas.

—Tudo bem. - Luke imediatamente concordou. - Certo?

—Sim.

—Há quanto tempo eram casados?

—Quinze anos, dezesseis dentro de alguns meses.

—E quando foi a última vez que viram Louis? Ele estava saudável, agia normal? Estava diferente?

Alguns segundos sem resposta até Luke, com sua voz de estentor, revelar a última vez que o viu.

—Ontem. Pouco antes da festa em que ele e Mary foram em Harrow.

—Sim. - Mary tentou prosseguir entre pausas para os soluços. - Eu e ele fomos a uma festa de negócios. O gerente de nossa empresa, senhor Holmes, estava se aposentando e promovemos a festa. Confesso que não queria ir, tentei convencê-lo a não ir, mas entendia o quão importante a ocasião era para os dois. E ele não agiu estranho durante a festa. Cumprimentava todos, conversava, gargalhava… Até a hora do discurso. Ele sumiu minutos antes, disse que ia ao banheiro, mas demorou muito e suava demais quando subiu. Acreditei que era nervosismo, até ele abandonar a fala no meio.

—Você estava na festa? - Sherlock voltou-se para Luke.

—Não. Como disse, só o vi antes de saírem. Estava tratando de negócios da família.

—A empresa de cigarros e charutos.

—Sim.

—Senhora Oliver, o que mais aconteceu?

—Eu… - Entre soluços, a viúva deu sua versão. - Eu achei estranho que Louis não tinha aparecido depois do discurso, o carro também havia sumido. Fomos à sua procura e encontramos o carro, mas não Louis.

—Entendo. Uma última pergunta e não tomarei mais seu tempo. - Sherlock direcionou-se para Luke. - Quando soube da perda de seu irmão? Como recebeu a notícia?

—Soube ao ler o jornal vespertino. E isso é ridículo, eu admito. Que tipo de irmão eu sou? Por que não liguei para Louis essa manhã perguntando como foi a festa?

—Obrigado. Mais uma vez desejo minhas condolências.

Olhei para Sherlock com surpresa. Foi um interrogatório rápido demais para os padrões sherlockianos, além da ausência de comentários dedutivos.

Saímos todos da sala de interrogatório, a capitã levou a dupla em luto para a saída enquanto eu e Holmes tivemos permissão para acessar o necrotério. Porém, o detetive tinha outros planos.

—Na verdade, capitã, gostaria de ver um parente ligado à primeira vítima.

—O sargento Clarke tem o endereço do irmão. Não posso ir, infelizmente. Estou atarefada até o pescoço - declarou.

—Agradecemos - falei.

Fiquei tentado a perguntar por qual motivo Holmes gostaria de conversar com o irmão da falecida Samantha Harrington ao invés de ver seu corpo, mas não o fiz. Tenho quase certeza que ele tem algo funcionando na mente.

A casa de Samantha Harrington e seu irmão, Harry, ficava no nordeste de Londres, em Bromley. Casas altas de cores únicas - algumas de tinta vermelha, outras mais amareladas. Era possível ver o interior de algumas casas pelas janelas vitrais, mas não é de meu interesse relatar como eram. Apesar disso, não eram tão diferentes do interior da residência dos irmãos Harrington, algo rústico e inglês vitoriano.

Harry parecia ter 25 anos, seu volumoso cabelo escuro cobria parcialmente a testa, os olhos misturavam a roxidão do choro com a vermelhidão de uma ou várias noites mal dormidas. Desarrumado da cabeça aos pés, vestido em um pijama verde com listras brancas, Harry nos ofereceu café.

—O chá acabou. E minha irmã adorava café - justificou com tristeza.

—Entendo, mas recuso. Agradeço - respondi. Sherlock aceitou a bebida.

—Então, Harry, fale-nos sobre sua irmã.

—A Sam, ela… - Harry tomou um gole do café antes de prosseguir. - Ela não tinha inimigos, não provocava ninguém. Era estudiosa. Não tínhamos segredos.

—Tinha namorado?

Harry pensou por alguns segundos.

—Não. Honestamente, acho que ela teve uns dois namorados a vida inteira. - Novamente outro gole de café. - Um no colégio, se chamava Jared, e outro num período pré-universidade chamado Charlie.

—Pré-universidade?

—Ela passou um ano inteiro estudando para o vestibular e passou, felizmente. Enfermagem, seu sonho desde a adolescência.

—Como era a rotina dela nesse período?

—Peço desculpas, não vou lembrar com clareza.

—Ela anotava em algum lugar? - questionei, tentando ajudá-lo na resposta.

—Acho que ela tinha algum bloco de anotações, um diário, não tenho certeza. Podem entrar no quarto dela se quiserem, eu… - O gole de café seguido por um pouso forte na mesa justificaram sua indisposição em nos seguir. Ele não estava preparado.

Apenas indicou o caminho. Direita, em frente, passando pela sala e lá estava a porta rosa do quarto de Samantha. A chave estava na tranca. É difícil descrever um quarto como o da garota Harrington. Roupas no chão, paredes descascando, a poeira instalada no ar e, ironicamente, uma estante de livros bem arrumada, ordenados alfabeticamente de acordo com o autor - não era uma grande quantidade, no máximo doze livros, eu diria. O armário de roupa parecia torto para mim.

—Diria que este é o quarto de uma pessoa estudiosa, Watson? - Holmes não segurou a ironia na voz.

—Não no meu tempo, mas não sou mais tão jovem quanto antes. Não sei o que se passa na mente dos estudantes de hoje.

—Tenho alguns palpites sobre a mente juvenil. - Holmes começou a andar pelo quarto. - Vê o armário? O pé estragou de tanto peso que tem dentro. Apesar do bom gosto na escolha dos livros, nenhum deles é de seu suposto curso, porque ela não fazia enfermagem. Ao contrário, nos horários de aula imagino que ela frequentava um pub dentro da instituição que tanto ambicionou entrar, o mesmo lugar em que trabalhava de garçonete. Acredito que fez amizades com alguns estudantes, conheceu alguns professores e outras pessoas.

—E sobre ter um inimigo?

—Chegarei lá. Antes, porém, o diário. Tem ideia de onde uma pessoa bagunçada como Samantha esconderia ele?

—Na gaveta.

—Exato, porém observe as gavetas. Quebradas, estragadas, não são abertas há muito tempo. Sem o armário, lotado, e com as gavetas nesse estado, está justificada a bagunça aos nossos pés.

—Ela não tinha espaço.

—E com o diário à vista, ou entre as roupas e em qualquer lugar do quarto, é perfeito para responder duas perguntas em uma: O diário foi roubado por um inimigo pessoal.

—Interessante.

—De fato.

Voltamos ao jovem Harrington e Sherlock contou tudo o que deduziu no quarto. Harry ficou em choque, confuso e estava prestes a chorar. Tentei consolá-lo, mas um ataque de fúria justificado o dominou. Ou, como os psicólogos chamariam, estágio da negação.

—Está errado, senhor Holmes! - gritou com o dedo em riste. - Minha irmã era estudiosa, ela ia à faculdade todos os dias e voltava tarde porque era do outro lado de Londres! Ela não era uma mentirosa!

—Acalme-se.

—Não! Saiam da minha casa!

—Harry… - Sherlock tentou falar, mas foi interrompido.

—Saiam!

—Harry, sente-se, tome um pouco do chá que está na despensa e respire fundo. Sim, eu sei que tem chá, sua irmã deixou aquele pacote ali para uma emergência, acredito. Escolheu tomar café, entretanto, porque ela gostava e você gostaria de se lembrar dela. Não se sente à vontade no quarto, mas café é um gosto que não compartilhavam e queria provar um pouco. Bom, provou até demais, não consegue dormir desde que perdeu Samantha. Uma mistura de tristeza com excesso de cafeína no corpo.

Observei que Harry ficara impressionado a cada palavra dita.

—Como você sabe que eu não gostava de café?

—Você revelou quando disse que sua irmã adorava. Presumi que você não era muito fã.

—Meu Deus - sussurrou, já menos irritado, pousando com força na cadeira e pondo a mão na testa.

—Está se questionando: se estou certo sobre isso, posso estar certo sobre sua irmã? Estou.

—Senhor Holmes, me desculpe.

—Tudo bem, rapaz. Não é o primeiro a duvidar de meus métodos. Descanse.

—Aqui está nosso endereço caso se lembre de algo mais. - Entreguei nosso cartão.

Nossa última parada foi na residência de Earnest Rockwell, em Baxley, na parte mais ao sul de Londres. Atravessamos o parque esverdeado e bem aparado e fomos às casas.

As residências são bem semelhantes entre elas, vermelhas e altas, tijoladas, algumas com telhados em formato triangular. Mas o que nos interessava era a de Earnest Rockwell, mais baixa do que as outras, o telhado com formato reto. Batemos a porta e uma mulher nos atendeu, a tranca por ferrolho nos impedia de entrar.

—Olá. Quem são vocês?

—Senhora Rockwell, nós somos John Watson e Sherlock Holmes - apresentei-nos.

—Oh, céus. Não tenho dinheiro para pagar o preço de vocês.

—Estamos trabalhando em conjunto com a polícia, portanto o preço é por conta do inspetor Lestrade - afirmou Sherlock, tranquilizando-a. - Será que podemos entrar?

—O que querem?

—Soubemos de seu marido, Earnest.

—Namorado - me corrigiu. - Era meu namorado, não éramos casados.

—Perdão pelo erro.

A porta foi fechada abruptamente e demorou a ser aberta, cheguei a pensar que nossa ajuda fora rejeitada. Mas ela retornou e abriu. A mulher era baixa, os olhos verdes se destacavam naquela face tristonha e sisuda, o nariz rosado também destoava em sua aparência bastante bronzeada.

Conduziu-nos com pressa até a cozinha, bem menos vitoriana do que a casa dos irmãos Harrington. Não havia muito a se destacar no cenário, moradores de Baxley não esbanjam muita fortuna. Mas, diferente do quarto de Samantha Harrington, Earnest exibia suas conquistas como jogador de futebol amador já na sala - retratos com colegas de equipe, ele segurando uma taça, medalhas penduradas e uma camisa azul emoldurada com o nome Rockwell nas costas acima do número 5.

—Meu namorado morreu com três tiros no peito - informou ao chegarmos à cozinha.

—E lamentamos por isso.

—Obrigada - falou, entristecida.

—Permita que façamos algumas perguntas?

Ela assentiu com a cabeça.

—Quando o viu pela última vez? Como ele estava? - perguntei.

—Ele estava nervoso com a partida do time dele à noite ele teria. De futebol. E outros assuntos, como a nossa hipoteca. Eu fui assisti-lo. Como sempre, após a partida, esperei do lado de fora do estádio, e foi quando ouvi os três tiros.

—O horário?

—Perto de meia-noite. Pouco antes, pouco depois. Não importa mais, está morto. - Suspirou e prosseguiu. - Me prometeu que ia contar algo após a partida. Imaginei o que seria, mas queria ouvir de sua voz. Quando a polícia me mostrou uma aliança no bolso de sua roupa, tudo fez sentido.

—Me diga, senhorita Patricia Walterson… - Sherlock iniciou, mas foi interrompido pela mulher.

—Espera, como sabe meu nome? Eu não lhes disse.

—Não, mas o diploma de segundo grau na mesa de sua sala nos disse. Enfim, em qual posição seu namorado gostava de jogar?

—No ataque, eu acho. Não entendo muito de futebol, mas ele se vangloriava sobre dar muitos passes para gol.

—E de quanto terminou aquela última partida?

—No que isso é relevante, senhor Holmes?

—Muitas vezes uma partida pode ter provocações pesadas, alguns jogadores podem levá-las a sério demais. Se é que me entende.

—O time perdeu. Foram três gols contra um.

—Entendido. E ele tinha alguma intriga pessoal com jogadores de outros times?

—Não. Ninguém o odiava. Ele era a melhor pessoa que conheci. E está morto.

Houve silêncio por um tempo, quebrado pelo tic tac do relógio de parede. Sherlock assentiu com a cabeça e saiu da casa. Eu o segui depois que me despedi da moça. Na saída, Holmes me disse algo.

—O caso acaba de ganhar contornos dramáticos, meu amigo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

Eu gosto de ler teorias em histórias mais focada na investigação, então quem já tiver um suspeito em mente pode falar. Não se acanhem! rsrs



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Holmes e Watson: O Assassino da Meia-Noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.