Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 6
Na enfermaria




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—  Ei, aonde você- —  ela mal ouve o Todoroki chamá-la, apenas avança em direção aos garotos assim que vê o Deku se levantar com tudo e ir para cima do Bakugou, parando bem na frente dele.

—  S-Senpai…? —  ele abaixa a mão assim que a vê, olhos tão arregalados que parecem ocupar todo o rosto dele.

—  O que é isso? O que vocês tão fazendo?

—  É que… ele começou! Ele me provocou e eu… eu não tenho sangue de barata! —  o Deku diz em tom muito sério, olhando para o Bakugou — Não pense que pode falar daquele jeito comigo e esperar que eu não revide!

—  Nossa, eu tô com tanto med-

—  Bakugou, quer ficar quieto? —  ela o interrompe, virando-se rapidamente pra ele e olhando-o feio. O loiro não devolve o olhar, parece meio espantado com a reação dela —  O que você tá pensando arrumando briga assim?

—  O que eu… o que você tá pensando falando assim comigo, porra? Tá maluca?

— Eu não! Mas vocês estão! O que quer que seja o problema, não se resolve assim! Olha sua cara, você tá sangrando! —  ela se aproxima, notando o lábio cortado, Ochako chega a levantar a mão para verificar o quão real é, mas o bakugou vira a cara.

—  Tsk, tô porra nenhuma! Até parece que um soco dessa menininha aí vai me machucar! —  ela faz cara feia, e ele desvia o olhar — Eu não quis dizer que…

—  Mas você disse. E Deku, o que você tá pensando também?

—  E-eu? M-mas… mas senpai, eu não- —  ele muda completamente a expressão, antes a de um animal selvagem, agora a de um bichinho encurralado, até a voz dele parece afinar —  … ele me atacou sem motivo nenhum e eu-

—  E você revidou, pra quê isso? —  Ochako nota o supercílio dele sangrando e leva a mão para tocar. Ele é… ele é um personagem de um jogo, e esse corte parece tão real, tão… dolorido. Para confirmar, o Deku recua quando ela o toca —  Desculpa…

—  A-ah, tudo bem, senpai. —  ele estende os dedos em direção ao ferimento e se afasta, o rosto completamente vermelho —  N-nem tá… nem tá doendo tanto assim.

—  Mas a mão deve estar, né? —  o Bakugou provoca, dando um sorriso debochado. Ela se vira pra ele de novo, que a olha feio, mas parece ter algo a mais, um código silencioso.

Qualquer que seja, Ochako ignora solenemente. Apenas se volta de novo para o Deku e estica a mão, indicando para que ele dê a dele. Hesitante, o garoto obedece, e ela vê as escoriações nas juntas dos dedos.

—  Vocês dois são ridículos. —  esse é o veredicto dela.

—  Quê? —  os dois garotos perguntam juntos.

—  Não veem que esse tipo de coisa só traz mais problema do que resolve? E você, Bakugou- —  ela quer lembrá-lo da vez em que ele e o Deku brigaram e nas consequências daquilo, mas não dá pra falar sobre isso com os personagens do jogo presentes e…

...o Todoroki ainda tá aqui?

—  Hã… senpai?

—  O quê?

—  Você… hã… tem alguma coisa pra falar?

—  Não, eu não poderia ligar menos. —  ele responde, mas seu olhar está fixado no Bakugou —  É raro te ver na escola, Bakugou.

—  Cuida da sua vida, meio a meio enxerido.

O Todoroki não responde, apenas o mede de cima a baixo… e se volta para ela de novo.

—  Precisa de ajuda para encaminhá-los até e enfermaria?

—  Enfermaria?! —  os dois perguntam juntos novamente.

—  É, enfermaria. —  ela concorda — Os dois tão sangrando.

—  Grande merda! Eu não vou pra porra de enfermaria nenhuma, vão você e o seu amiguinho aí!

Ah… então é isso! Ele acha que ela deveria ficar sozinha com o Deku e ter uma chance de aumentar a intimidade! Bom.. faz sentido, mas… o corte no lábio tá realmente feio, e ela não tem ideia se há hospitais nessa cidade sem nome ou outro lugar onde ele possa tratar o machucado.

—  M-mas, Bakugou-

—  Fica na sua, Cara de Lua! —  ele esbraveja antes de dar as costas e se retirar. Ochako o observa se afastar, preocupada.

Mas então ela se volta para o Deku, olhando-a atentamente. Pela pouca experiência que a heroína tem em observar ferimentos a fim de avaliar para onde encaminhar civis, o corte dele é um pouco menos feio que o do Bakugou, o que indica que o loiro provavelmente se conteve em sua investida. 

O Deku não, nem um pouco.

Ela está louca para perguntar qual foi o motivo da briga, e sente que em algum momento acabará descobrindo como parte do enredo do jogo —  nos que ela viu as meninas jogarem, sempre tinham coisas assim. Por ora, a prioridade é tratar esses machucados.

—  Vem, Deku-kun, eu te acompanho.

—  O-ok, senpai, obrigado!

—  Não precisa agradecer, só vamos. —  ela suspira, de repente se sentindo um tanto exausta com tudo isso.

—  Precisa que eu te acompanhe? —  o Todoroki pergunta, e Ochako não tem ideia de porque ele ainda está aqui, honestamente.

A verdade é que, mesmo que esse não seja o Todoroki e aquele não seja o Deku propriamente ditos, seria bom ter companhia, a ideia de alguém idêntico ao Deku machucado lhe deixa incomodada e… algo no jeito desse Deku lhe deixa um tanto inquieta.

Mas… a chance de isso ser um evento que aumenta a intimidade entre eles é altíssima, então… não tem jeito.

—  Obrigada, senpai, não precisa. Vejo você amanhã.

 

***

 

—  Ora! Mas o que temos aqui? —  o enfermeiro loiro que se parece muito com o Hawks os observa curiosamente —  Espero que não tenha sido uma briga de casal-

—  S-sensei! —  o Deku protesta, todo corado —  Não é isso!

—  Hum… imaginei. Então um duelo pela honra da moça? —  ela revira os olhos quando o garoto faz mais barulhos de constrangimento —  Certo, certo, não se preocupe, o que importa é que você veio buscar socorro. Vejamos, então. —  ele pega um par de luvas de borracha e as coloca rapidamente, examinando o rosto do Deku — Hum… não acho que precise dar ponto, vou só limpar e fazer um curativo simples, beleza?

—  Ok… —  ele solta um suspiro aliviado.

—  É, pois é, quem te bateu tem a mão leve, hein? —  o enfermeiro sorri — Bom, vou pegar o que preciso. Já volto, crianças! —  e se retira, encaminhando-se a uma sala ao lado e fechando a porta.

—  Bom… que bom que não é tão grave, né? —  ela pergunta, incomodada com o silêncio que se instala de repente.

—  Sim… não entendo porque… porque o Bakugou-kun me provocou e depois se conteve. —  ele ter percebido que o Bakugou não foi com tudo não chega a ser surpresa, mas Ochako não consegue disfarçar a estranheza de ouvir esse tom de voz do Deku não se referindo ao loiro como “Kacchan”. Isso parece errado de muitas formas.

—  Bom, vai ver… vai ver ele se arrependeu ao perceber que não tem porque fazer isso?

—  Não acho que ele seja capaz de se arrepender. Você lembra da vez em que me salvou dele, senpai? Ele sabia o que estava fazendo e porque estava fazendo. —  não, ela não se lembra porque isso nunca aconteceu! Ela não tem a menor ideia do que o vilão do jogo poderia ter feito a esse garoto.

—  E… por que… qual você acha que seria o motivo para ele… ser assim? —  ela questiona com o máximo de cautela que consegue.

—  Motivo?

—  É. Sabe… algo que talvez tenha acontecido com ele e tenha o deixado assim, ou…

—  Tipo algo que justifique ele ser assim? Porque… nada justifica ele agredir pessoas do nada.

—  Sim, claro! Não foi isso que eu quis dizer, eu-

—  Você tá tentando defendê-lo, senpai? —  dá pra ver que ele se esforça em não soar acusatório, mas é assim que sai.

—  Não, não é isso! Eu só tô tentando entender, porque… porque não acho que alguém seria assim só por ser.

Depois de ter lutado contra uma quantidade razoável de vilões, Ochako notou algumas coisas importantes. Vilões adoram falar. Provocam, zombam, mas principalmente, gostam muito de se justificar. Porque escolheram esse caminho, porque acham que estão certos, porque fazem o que estão fazendo, eles adoram fazer longos discursos antes de partirem para a luta, e ela sempre imaginou se essa necessidade de se explicar é para convencer os heróis de que não estão tão errados assim, ou para convencerem a si mesmos. 

De toda forma, eles fazem o que fazem por um motivo: ambição, vingança, sobrevivência, medo ou a simples vontade de espalhar o caos, ainda é um motivo. Nenhum vilão surgiu no ar sendo mau, nem mesmo o vilão desse jogo.

—  Você gosta dele ou algo assim? —  a voz do Deku soa grave e baixa, nem parece ele.

—  Quê? Não! Eu… eu só fico curiosa, não entendo porque… —  os olhos esmeraldinos parecem cada vez mais escuros, e ela sente que precisa consertar isso logo —  porque… porque alguém iria querer te machucar. Você é tão… gentil e bom, Deku-kun.

—  V-você acha mesmo?

—  Claro! Você… você está sempre dando seu melhor, é esforçado, inteligente, e… a ideia de te machucarem… me incomoda. —  isso soa surpreendentemente honesto, como se Ochako estivesse falando com o Deku verdadeiro.

—  Oh… —  ele fica vermelho e abaixa o rosto, ela também fica envergonhada pelo que diz e se afasta da cadeira onde o Deku está sentado, indo em direção à janela para aliviar a quentura que lhe sobe pelo rosto —  O-obrigado, senpai. Sabe que… brigar com o Bakugou-kun acabou não sendo tão ruim assim?

—  O-o quê? —  ela se abana, ainda muito aturdida pelas coisas que disse como se estivesse falando com o Deku de verdade. Será que… será que se ela tivesse se confessado quando ainda gostava dele e tivesse dito mais ou menos o que disse agora pouco, seu amigo teria lhe olhado daquele jeito? Ou teria ficado constrangido e não conseguiria olhá-la nos olhos enquanto a rejeitaria educadamente? Por que ela deixou de gostar dele desse jeito mesmo?

—  Serviu para você se preocupar comigo. Eu te quero sempre prestando atenção em mim, mesmo que eu me machuque pra isso.  — ele diz bem baixinho, quase não dá pra ouvir por conta do vento que entra pela janela, mas… ainda deu pra ouvir.

—  Como é, Deku?

—  Opa, vamo lá, então, Midoriya-kun? —  a porta se abre, e o enfermeiro Hawks volta ao recinto com gaze e um vidrinho em mãos —  Tudo bem, Uraraka-san? Você parece pálida. Precisa que eu te examine também? 

—  N-não, eu tô… eu tô bem. —  ela acha que está, considerando se não sabe se ouviu direito e realmente não gostando do que pode ter ouvido. O que o Deku disse é bem… intenso. Chega até a soar romântico, mas quando ela para pra pensar melhor, é um tanto sinistro.

É isso que é o “yandere” que o Bakugou tava falando?

***

 

Ele está na árvore novamente, e a olha com uma cara muito feia quando desce do galho e cai bem de frente pra ela.

—  Que porra foi aquela no corredor? Você não entendeu que não pode s-

—  Você grita comigo depois, primeiro vamos tratar esse machucado aí. —  ela diz, resoluta, mostrando o algodão e o vidrinho que tem em mãos.

—  Onde você conseguiu isso aí?

—  Eu dei meu jeitinho.

—  Caralho, Uraraka, você roubou? Você é a protagonista, não pode-

—  Calma! Eu pedi pra minha assistente do jogo! —  ela ergue uma mão para tranquilizá-lo — Vamos achar um lugar mais tranquilo antes que o “Ei-kun” me veja com você, vem! —  ela o puxa pelo braço, ignorando as reclamações e xingamentos dele enquanto anda pelas ruas da cidade sem nome que, estranhamente, parece uma cidade como todas as outras mesmo, há lojinhas de conveniência, livrarias, e até um parque, que é onde ela julga ser o melhor lugar. 

Depois de muito resmungar, o Bakugou finalmente se senta em um dos bancos e permite que ela dê uma olhada no corte no lábio dele. Tá feio, mas ainda bem que não parece haver a necessidade de sutura, afinal ela nem sabe fazer isso (ainda, mas planeja aprender). Ochako faz os preparativos necessários, e aplica o algodão molhado contra a boca dele suavemente.

—  Tss. —  ele se afasta um pouco, claramente ardeu.

—  Fica parado. Na hora de arrumar briga, você não ficou cheio de não me toques, né? —  ela suspira — O Deku-kun disse que foi você que começou.

—  E foi mesmo.

—  E pra quê?

—  Naquele encarte, tem uma foto da protagonista com o moleque que era pra ser o Deku na enfermaria, chutei que ele apanha do vilão, e a protagonista cuida dele, essas merdas aí. Então dei um empurrão nele. —  ele fraseia como se estivesse dando uma receita a ela, nem se importando com a cara de choque dela.

—  Assim, do nada?

—  É, porra. E era bem isso, logo você chegou e se meteu, que era o que tinha que fazer mesmo. Tsk, só não era pra falar comigo daquele jeito, sua idiota!

—  Desculpa se eu fiquei preocupada quando te vi sangrando! —  ela responde em sarcasmo.

—  Desculpa é o caralho! Não é pra você se preocupar comigo! Eu sou o vilão, você tem que ter medo de mim, não ficar berrando comigo como se fosse minha mãe! —   só falta ele rosnar na forma como treme o lábio quando ela passa o algodão com um pouco mais de força — Pelo menos aumentou a intimidade ou nem isso você consegue fazer?

—  Eu… eu nem olhei! —  ela puxa o celular do bolso, mandando uma mensagem rapidamente para sua ajudante do jogo. A barrinha do Deku está mais esverdeada e maior —   30%

—  Porra, e tá com essa cara de merda por quê? Você dobrou a intimidade!

—  É que… —  ela retorce o lábio —  O que é um “yandere”, exatamente?

—  É o que a palavra diz, alguém doente de amor. Ele gosta da outra de um jeito doente e faz muita coisa fudida por causa disso, tipo machucar quem se aproxima de quem ele gosta, ou até quem ele gosta.

—  Ou ele mesmo?

—  Pode ser também. Aí pra dar graça na coisa, costumam fazer esse tipo de personagem ser bonitinho e bonzinho no começo, pra surpresa ser maior quando ele mostra o quanto é bizarro.

—  Não vejo a graça nisso. —  ela resmunga.

—  É meio besta mesmo, não tenho saco pra mina yandere. —  ele conclui, e então volta a olhar para ela — Aquele lá tem todo jeito de ser desses.

—  Sim, acho que sim… —  Ochako concorda — Bom, então… além de agradá-lo e mostrar que ele é importante pra mim, o que mais eu posso fazer?

—  Tsk, você pode ter paciência com os chiliques, falar o que ele quer ouvir, coisas assim.

—  Mas… mas aí ele vai continuar sendo assim?

—  É, Cara de Lua, eles podem melhorar se confiarem em você, mas ainda são yandere. —  ele revira os olhos.

—  Mas isso não é bom pra ele… 

—  E quem liga? É um jogo, você faz ele se apaixonar, pega o good ending e vai pra próxima rota.

É só um jogo.

Sim, é verdade. E aquele garoto pode se assemelhar com o Deku em muitas coisas, mas não é ele, Ochako sabe disso, não se esquece em quase nenhum momento. Só que… por mais que seja um personagem e que nada disso seja necessariamente real, ela não gosta da ideia de falar exatamente o que o rapaz quer ouvir, fazê-lo se apaixonar por algo que nem é verdade e depois partir pra próxima. Isso parece bem… superficial, insensível… desumano.

—  É… —  ela concorda fracamente, apenas para não dizer o que realmente está pensando, se não ele vai brigar. Porque a real é que Ochako não quer fazer o Deku desse mundo usá-la de bengala para o que quer que seja seus complexos por um tempo, apenas em nome da porcentagem de uma barrinha subindo.

—  Eu vou ficar de olho em você pra não fazer besteira. Fica de boa. —  essa é a versão dele para “eu vou te ajudar, fica calma”, e ela até agradeceria não fosse por uma coisa:

—  Se você vai ficar indo para a escola pra arranjar briga, então não, não preciso da sua ajuda.

—  Tsk, vai se foder! Eu tenho que ir! —  ele vocifera, e depois abaixa o tom — O Meio a Meio…

—  Hum?

—  O Todoroki desse mundo. Depois que você foi com o nerd, ele virou e falou que tão precisando de um faz-tudo no clube de teatro e me disse pra ir lá ajudar.

—  E você aceitou?

—  Aceitei. Deve ser importante pra rota dele que o vilão esteja no clube de teatro ou alguma merda assim, então que se foda. —  ela não acredita que ele aceitou só por causa disso, mas… Ochako já está cansada de conflitos por hoje.

—  Bom, então… conto com você! Vamos dar nosso melhor!

Ele resmunga algo enquanto ela guarda os utensílios que usou para tratar do ferimento dele, nem imaginando que o conceito de “melhor” dela é bem diferente do dele.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler! Espero que esteja curtindo!