Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 7
No palco




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Uma semana se passou num piscar de olhos. Quase que literalmente. Por mais que seja um mundo de mentira, muitas coisas aqui parecem um tanto reais, inclusive a passagem de tempo, que funciona normalmente, um dia corre como um dia, uma semana como uma semana, e aquela sensação de "nossa, passou voando" existe aqui também.

Ou vai ver ela só está se acostumando demais com tudo isso aqui, o que tanto pode ser bom quanto ruim, dependendo de como se olha.

É ruim porque ela sente que está se conformando, uma parte dela ainda acha que daria pra encontrar uma outra maneira de sair daqui que não fosse jogando o tal dating sim, essa maneira, claro, envolve descobrir que individualidade é essa que os trouxe até aqui e, mais importante, quem a controla. Será que essa pessoa está assistindo? Sabe de tudo que está acontecendo? Prendê-los aqui é um tipo de sequestro? Seus amigos e família estão muito preocupados? São coisas que lhe passam pela cabeça, mas nunca tomam forma completa, pois Ochako acaba se envolvendo com seus próprios problemas desse mundo, deixando-a cada vez mais absorta em seu papel de protagonista.

O que também pode ser bom, pois ela está se adaptando e começando a entender melhor as dinâmicas do que acontece por aqui. As pessoas não aparecem de maneira tão aleatória assim, tem uma lógica de porque ela conversa com tal personagem em determinado momento e como algumas escolhas afetam eventos posteriores.

Por exemplo, nos dias em que ela recusou ir embora com o Kirishima, o Deku e o Todoroki apareceram para conversar, e isso lhe deu a chance de aumentar sua intimidade com eles (no presente momento, 40% com o garoto de cabelos verdes, e 15% com o "senpai"). Da mesma forma, evitar o Monoma e a curiosidade desagradável dele faz o Kirishima ou a Tsu surgirem. A intimidade com a garota chegou a 5% e Ochako até comemorou um pouco, já com o loiro continua tudo zerado, e o Kirishima é super fácil de agradar, qualquer coisa que ela diz ou faz rende aumentos, o Bakugou até a aconselhou a ir devagar com ele se quer mesmo fazer a rota do Deku primeiro.

E nesse momento, esse é um dos maiores problemas. Por mais desconcertada que fique ao olhar para o tal tesoureiro do conselho estudantil, por mais que ele se assemelhe muito ao Deku verdadeiro em diversos aspectos e pensar nisso revive algumas coisas que ela pensava lá no primeiro ano, a ideia de ser uma protagonista apaixonada por alguém como ele não a agrada, e a razão lhe deixa se sentindo mal, porque ela realmente não gostaria de pensar assim:

Que garoto grudento!

Desde o tal momento deles na enfermaria, algo mudou, o Deku aparece com muito mais frequência para interações nos corredores. Muito mais frequência mesmo, ela o vê nos intervalos de todas as aulas, e agora ele traz um bentô para comer junto dela e da Kyoka na hora do almoço, sendo que ele nem é dessa sala, nem mesmo desse ano. E ok, ele é fofo, muito fofo! Parece um esquilo quando come, fica envergonhado com os comentários da Kyoka, e os momentos em que ele faz questão de lembrá-la que é um homem e não gosta de ser chamado de "fofo" são adoravelmente engraçados, mesmo que sejam meio ridículos. Mas... ele é cansativamente prestativo, está sempre se oferecendo pra pegar coisas pra ela ou acompanhá-la (ele provavelmente iria ao banheiro com ela se pudesse) e é muito... grudento, é, é isso.

— Senpai! — tanto que Ochako sente até um certo incômodo ao ouvi-lo chamando-a quando as aulas acabam.

— Oi, Deku-kun, e aí?

— Tudo certo, e você?

— Tudo também, tô indo pro clube. — ela aponta na direção do corredor, tentando fingir que está com pressa, mesmo que não esteja, de fato.

Porque hoje Ochako tem mais um problema além do fato de estar tentando fazer esse garoto se apaixonar: hoje ela tem um teste para uma peça. E o mais absurdo é que a morena realmente se prestou a decorar as falas, mesmo que não queira realmente fazer o tal teste ou estar na peça, é só... algo que ela sentiu que tinha que fazer e, na falta de deveres de casa realmente complexos que tomem seu tempo, e o fato de que as suas amigas nesse mundo nunca estão disponíveis para sair ou conversar muito mesmo pelo telefone, ela não tinha muito pra fazer e resolveu conferir as tais falas: um monólogo sobre uma garota que desperta depois de muitos anos e não tem nenhuma memória de seu nome, vida ou personalidade, a única pista é uma carta de amor de um tal Henry, que descreve várias características que o fizeram se apaixonar pela garota, levando-a a imaginar que ela é exatamente como a carta lhe descreve. O texto é... surpreendentemente envolvente, ela o leu com avidez para saber se a garota descobre mais, mas o trecho estava incompleto, eram apenas as falas necessárias para o teste.

— Ah, e você tá bem? — olhos verdes lhe encaram atentamente.

— Sim! Eu só... tô um pouco nervosa...

— De ir até lá?

— S-sim, eu... tenho um teste para um papel, eu... nunca fiz isso, e nem sei porque tô tão nervosa, na verdade, mas... enfim, só... tô nervosa. — ela diz de maneira nada graciosa.

— É normal! Eu acho que também ficaria nervoso se fizesse algo assim, mas... não precisa ficar assim, senpai! Aqui, me dá sua mão! — ele estende a dele, e Ochako repara que esse Deku também tem as cicatrizes, ela adoraria perguntar qual a história por trás delas já que nesse mundo não há individualidades, então ele com certeza as conseguiu de um jeito bem diferente. Ela dá a mão a ele, um tanto curiosa. O rapaz estica o dedo e desenha na palma da mão dela por três vezes, ela logo reconhece o kanji de "pessoa" — Pronto, agora engole!

Ochako obedece, não acreditando que se esqueceu dessa superstição. Ao olhar para o Deku, ele está sorrindo e... é, não funcionou, agora ela sente seu coração palpitar ainda mais.

Que coisa! A garota estava se sentindo super incomodada na presença dele desde que o Bakugou explicou o conceito de "yandere" e que o Deku provavelmente se encaixa nele, mas conversando com ele assim agora, não parece que o rapaz vá mesmo fazer algo para machucar alguém caso se sinta ameaçado ou contrariado, ele é tão... doce e meigo.

Mas aquele soco no Bakugou não foi tão doce assim, e o que ele disse na enfermaria muito menos, então... por que é assim? Dois jeitos tão diferentes, dois... lados diferentes em uma mesma pessoa, chega até a ser difícil de assimilar, como se... como se um deles não fosse de verdade.

A ideia de que ele pode estar fingindo ser gentil não lhe agrada de maneira nenhuma, e Ochako descarta essa ideia tão rápido quanto ela surgiu, não, ele pode ser um tanto carente e estranho, mas deve ter um motivo. Se ela descobrir qual é, talvez possa ajudá-lo a não desenvolver esse lado mais sinistro.

— Obrigada, Deku-kun! Tô me sentindo bem melhor! — ela sorri — Bom, então... até mais!

— Até! Hã... s-senpai?

— Sim?

— Eu tava pensando, e hã... — ele junta os dedos e olha para o lado — A gente vai... a gente vai ficar muito ocupado quando o Festival Cultural chegar e... hã... seria bom aproveitar pra... pra... descontrair antes e... eu queria saber se... hã... se você poderia... e se gostaria... de... hã... — e é interrompido por um estrondo no começo do corredor.

— Aí, Cara de Lua, vai pro clube? — o Bakugou segura uma caixa enorme embaixo do braço, apontando para uma outra que está no chão — Me ajuda a levar isso aqui.

— Ok... — ela revira os olhos e vai na direção dele, mas antes se vira pro Deku — Desculpa, Deku-kun, eu preciso ir mesmo...

— E-eu sei, tudo bem, hã... deixa pra lá, outra hora eu te falo.

— Ok! A gente se vê!

Ele nem responde, apenas lança um olhar feroz na direção do Bakugou e se retira. Ela não gosta da energia que se instaura nessa interação, talvez porque esteja acostumada a ver o loiro e um certo garoto de cabelos verdes terem sim suas diferenças, mas de uma maneira bem diferente. Em seu mundo, existe rivalidade, tensão, mas por trás de tudo isso, o que impera é um reconhecimento absurdo entre ambos.

Aqui, parece ser só ódio mesmo. E do tipo mais gratuito.

— O nerd te chamou pra sair?

— O-o quê? — ela quase derruba a caixa, que pode não estar muito pesada, mas ainda assim a deixa levemente melancólica ao pensar que seria muito mais fácil de carregar com sua individualidade.

— Num encontro, Cara de Lua, ele chamou?

— N-não? Por que ele me chamaria pra um encontro?

— Porque é isso que você tem que fazer nesse jogo, idiota! Encontrá-lo fora da escola, conhecê-lo melhor, alguma coisa bizarra rolar no encontro pra vocês se aproximarem e essas merdas, é assim que funciona!

— M-mas a gente não... — ela suspira — Não, ele não me chamou. Você acha que dá problema?

— Se você tá com quase 50% de intimidade, então era pra rolar um evento ou alguma coisa por agora. — ele resmunga.

— Entendi... será que...? Acho que ele queria me chamar pra um encontro antes, mas... aí você chegou.

— Tsk, eu sou o vilão, só sirvo pra empatar esses rolês mesmo. — o Bakugou diz com a maior naturalidade, deixando-a um pouco triste em como ele fala que "só atrapalha", não é algo que o loiro normalmente diria.

— Bom, tudo bem... eu... eu posso chamá-lo em um encontro, então.

— Você não entendeu ainda? Não é assim que funciona com aquele ali, tem que deixar ele tomar a iniciativa pra se sentir o machão e essas merdas. Fica na sua e espera ele te convidar.

— Mas...

— Mas nada! Só faz o que eu digo porque sei do que tô falando!

Ela o olha feio, realmente incomodada com a pedância dele e essa praticidade em tratar tudo isso como se fosse só um joguinho. Não que não seja, mas eles estão imersos nesse mundo, ele se machucou de verdade há uma semana, é tudo real demais para ser tratado somente como um jogo.

Mas vai falar isso pra ele pra ver o chilique.

— Eu realmente não quero discutir agora, tenho um teste pra fazer e não quero ficar nervosa...

— Tsk, você vai ganhar o papel, não esquenta.

— Oh... você acha? — mesmo que não seja particularmente interessada em teatro, ouvir que tem chances de conseguir um papel lhe deixa um tanto feliz, sabe-se lá o porquê.

— Lógico, você é a protagonista, tudo aqui é feito pra você conseguir o que precisa, só dá ruim se você escolher as respostas erradas. — ah, então é isso que ele quis dizer... o Bakugou acha que ela vai conseguir o papel porque é assim que tem que ser dentro da história do jogo.

— Bom, nem por isso eu devo deixar de me esforçar. — ela decide, apertando o passo para se afastar dele.

***

— Seu nome e o papel para o qual está se candidatando. — o Todoroki diz sem nem olhá-la assim que a vê pisando no palco.

Ochako contém a vontade de revirar os olhos, ele sabe o nome dela e para qual papel está se candidatando, foi por insistência dele que a garota está aqui, afinal.

— Uraraka Ochako. Estou fazendo o teste para a protagonista.

— Certo. Comece quando quiser.

Há uma luz bem forte centrada no palco, tanto que não dá para ver quase nada, Ochako sabe que há algumas pessoas sem nome e rosto na "plateia", NPCs que fazem parte do clube de teatro, mas não consegue vê-las com toda essa luz contra seu rosto. O Todoroki também deve estar olhando-a, mas só dá para imaginá-lo com uma expressão impassível e escrutinadora, o único rosto visível é o do Bakugou, que está de braços cruzados e sentado mais à lateral do palco, ele a olha curiosamente, e sabe-se lá o porquê, ela o encara firmemente antes de limpar a garganta e se preparar para recitar suas falas. Os olhos vermelhos acendendo algo dentro dela que sente a necessidade de desfiá-lo e fazê-lo engolir o que disse. Mesmo que o papel esteja mesmo destinado a ela, nada a impedirá de entregar uma atuação convincente que deixe não só o Todoroki impressionado, mas o Bakugou também.

Seu cérebro é tomado pelo que ela leu, imaginando o desespero da garota em acordar em uma cama de hospital e não se lembrar de nada sobre quem fora ou quem é, achando a carta endereçada a "àquela que me fez voar" e tentando assimilar que é a mulher descrita naquelas linhas. Será mesmo que ela era daquela maneira? Ou o cara estava tão apaixonado que a via como queria ver? Na carta, estão listadas várias qualidades, a gentileza, a doçura, a forma como ela sempre o fazia se sentir leve na forma como apontava beleza nas coisas mais mundanas, ele faz soar como se ela fosse um anjo, mas ela é humana, estava desacordada depois de um acidente (não é especificado que tipo de acidente, Ochako adotou a ideia de que foi de barco) como aconteceria com qualquer ser-humano, ela tem defeitos... quais seriam? E onde está esse tal de Henry? Ele morreu? Se não, por que não está aqui para ajudá-la a encaixar as peças que faltam? Se ele a ama tanto assim, por que não está aqui?

Foram algumas inquietações que ela sentiu enquanto leu o texto e tenta transmiti-las em sua inexperiente tentativa de atuação. Ochako sabe que está falando, mas mal se ouve, é como se sua voz ecoasse em algum lugar distante dela mesma, e... é surreal, mas incrível.

Uma tremenda experiência para algo que se passa em um mundo falso.

Falso mesmo?

O holofote continua brilhando agressivamente contra seu rosto, e é só até ouvir palmas que ela se dá conta que terminou. As pessoas sem rosto devem estar aplaudindo, mas nem dá pra ver direito, Ochako só se sente exausta e tomada por uma sensação incrível que faz seu corpo tremer em empolgação.

— Certo... divulgaremos os resultados até o fim da semana. — o Todoroki limpa a garganta — Obrigado.

Ela se curva e deixa o palco, fazendo questão de passar pelo Bakugou enquanto se afasta. Se ela é a protagonista e ele o vilão, Ochako considera essa sua primeira vitória contra o mal... ou algo assim.

Ninguém disse que ela precisava ficar para ver as outras audições (se é que terão) então a jovem se retira. Talvez ainda ébria pela adrenalina e se sentindo numa onda de confiança que não sente desde o dia em que essa bizarrice começou, ela corre pelos corredores, tentando descobrir onde é a sala do Conselho Estudantil.

— Deku-kun! — ela desliza uma das portas, algo apenas a diz que essa é a sala certa, e é, aqui estão o Deku, a Momo e alguns NPCs, as duas pessoas que têm uma expressão facial a olham em choque.

— S-senpai?! — ele se levanta, estupefato, e vai até ela, inspecionando-a — Aconteceu alguma coisa?

— N-não, eu... ai, me desculpa! Eu não sei o que me deu de atrapalhar a reunião de vocês, eu... — de repente ela se dá conta da besteira que fez no impulso, que coisa patética! — ...eu falo com você depois, Deku-kun, eu- ele apenas olha para seus colegas e acena antes de se virar para ela, indicando para que o acompanhe até lá fora — D-deku, eu... isso pode esperar, eu...

— Pode falar, senpai. Aconteceu... alguma coisa? — ele a olha de cima a baixo, notando-a toda ofegante.

— Não... não, quer dizer, sim, mas... — a garota quer dizer que pode resolver isso depois, mas... ela está aqui, saiu correndo ainda em meio ao barato que sentiu naquele palco, e já que ele se deu ao trabalho de se retirar da reunião para ouvi-la, é melhor que Ochako fale.

Porque durante seu monólogo, ela se deu conta de uma coisa muito importante em relação a esse Deku: tudo que sabe dele vem de um encarte de um joguinho e umas informações do Bakugou baseadas em padrões de outros jogos, para conhecê-lo, é necessário que vá atrás, que busque quem ele é, ou pode ser.

— Senpai?

— Um encontro.

— Q-QUÊ?

— Você... você quer sair em um encontro comigo? Eu... eu sei que você queria ter pedido antes, mas... eu não... por favor, não sinta que eu estou "roubando" um papel que era pra ser seu, mas é que eu... eu quero muito... sair com você, Deku-kun.

— Oh... OH! — a cara dele vai se avermelhando e os lábios se contraem em uma expressão estranha e absurdamente fofa — Senpai, eu...

— Sim?

— Eu...

— Hum?

Ele abaixa o rosto, levando a mão à nuca e fazendo que sim com a cabeça.

— Posso... escolher onde a gente vai?

— C-claro! — ela concorda firmemente.

— Ok, então... eu te mando mensagem...

— Ok! Então a gente se vê! D-desculpa por... interromper e... por tudo mais, eu... obrigada! — agora sem um pingo da audácia que brotou nela antes, a garota vira as costas e se afasta.

Mesmo morrendo de vergonha, ela ainda se sente cheia de orgulho diante da percepção que acaba de fazer algo que nunca teve coragem de fazer com o Deku verdadeiro.


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Notas finais do capítulo

Bom, é isso... lá vai ela na rota do Deku hauhduhsuhsu

Só uma coisinha que talvez vocês já tenham visto em animes, mas é bom lembrar: existe uma superstição japonesa para driblar o nervosismo, que consiste em escrever o kanji para "pessoa" (人) na mão três vezes e engolir, eu não ia colocar nada assim, mas minha beta/carrasca disse que seria um detalhezinho legal de colocar e eu apenas a obedeci :') (mentira, agradeço muito pela ideia, Noêmia)

Temos uma quantidade grande de Izuocha pelos próximos dois ou três capítulos, se você está lendo essa história em busca de outros ships, tenha um pouquinho de paciência. Se você gosta de izuocha, espero que esteja curtindo, as coisas vão ficar intensas em breve. Se você gosta da fic independente disso, eu só agradeço mesmo djkjdhhdjk

Beijos, até semana que vem!