Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 33
Na sala de ensaios




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O silêncio predomina na sala de ensaio, Ochako o encara, mas também olha ao redor, esperando que algo aconteça. Ela não sabe exatamente o quê, talvez que as paredes comecem a rachar e desmoronem, ou que o chão se abra e a engula. Ela nunca pegou um bad ending, então não tem ideia do que acontece em um, exatamente.

—  D-desde… desde o começo?

—  Você é diferente da protagonista que eu me lembro. Claro, é meio atrapalhada, e aparenta ser muito gentil, mas sua personalidade é mais expansiva, você tem resposta para tudo. A que eu conheço não é tão… rápida. —  basicamente, ele está dizendo que a protagonista desse jogo é burra. Algo que Ochako talvez concordaria aos risos caso não estivesse tão alarmada enquanto espera pelo pior.

—  Então… você sabe de tudo? Das rotas, dos endings, do…

—  Não sei cada detalhe, mas sei quem são os outros pretendentes. Sei também que aquele Bakugou não é o garoto que deveria ser. Vocês estão juntos, não?

—  O… o quê?

—  Vocês estão jogando juntos. —  ele esclarece —  Como vieram parar aqui? Não vejo uma jogadora nova há muito tempo.

—  Eu… eu não sei dizer ao certo. Eu e o Bakugou-kun tivemos uma discussão, o jogo estava carregado na televisão quando uma estante nos atingiu, e aí… acordamos aqui.

—  Ah sim, o método de entrada ainda é o mesmo, pelo jeito. —  ele analisa.

—  E-espera, Todoroki-senpai, você… não, esse não é seu nome mesmo, é?

—  Acaba por ser. Eu tenho a aparência e características de algum garoto do seu mundo com esse nome, então pode continuar me chamando assim.

—  E-eu… eu tenho tantas perguntas, mas… —  ela segue olhando ao redor, apreensivamente —  Não sei quanto tempo a gente tem.

—  Eu reservei essa sala por duas horas.

—  Não, digo… se tá acabando, eu não sei quanto tempo… ou o que acontece depois que acabar.

—  O que está acabando?

—  Sua… sua rota! Isso é um bad ending, não é?

—  Um bad ending? Por quê? Você não fez nada de errado. —  ele a encara neutramente.

—  M-mas você… você descobriu que isso tudo é um jogo, você sabe que eu não sou- isso é ruim, não é?

—  Hum… é, talvez seja. —  ele parece só se dar conta disso agora —  Digo, não eu saber do que tudo isso se trata, eu sempre sei, mas eu ter te contado que sei, acho que me precipitei.

Espera, então ele está dizendo que o fato de estar ciente de que isso é um jogo é algo inerente dele? Não foi nada que ela fez que acabou fazendo com que ele descobrisse?

—  O quê? Mas… como assim, “você sempre sabe?”

—  Não sei explicar ao certo, eu só tenho consciência de quando uma jogadora aparece. Nas primeiras vezes, não, mas depois fui conseguindo perceber.

—  Porque você é o true ending.

—  É, deve ser por isso. —  ele dá de ombros —  Então não precisa fazer drama, protagonista, você não pegou bad ending ainda.

—  Bom, é que… eu imaginei que… na verdade, o Bakugou-kun imaginou que se algum personagem soubesse que isso é um jogo, e eu sou uma forasteira, isso atrapalharia a história.

—  É provável que sim, não conheço os outros pretendentes tão bem, mas sei que eles são completamente diferentes de mim nesse sentido.

—  O Monoma-kun sente que tem algo de errado, mas acho que ele não entende o que é.

—  Monoma? É o do jornal… —  ele parece pensar em voz alta —  Não, acho que não tenho nenhuma interação com ele em nenhuma ramificação, então não posso ter certeza. Talvez ele só tenha percebido por ser mais inteligente. Ou então… você fez com que ele fosse capaz de perceber isso.

—  E-eu? Mas eu não disse nada! Eu… eu até tentei tirar essa ideia da cabeça dele, eu não fiz nada pra atrapalhar o jogo assim! —  ela fica na defensiva.

—  Talvez não de propósito. É só… você.

—  Hum?

—  Você é uma jogadora diferente, não sei bem o que você fez, mas consigo sentir que está tudo mudando, a história está mudando e… não sei se é uma impressão minha, mas as intimidades das rotas passadas não estão zerando, estão?

—  Oh, como… como você sabe?

—  Porque o tempo está correndo, e não devia estar. O certo seria sempre voltar quando você encerra uma rota. —  oh, o Bakugou disse algo parecido certa vez, logo depois de ela fechar a rota do Deku. Segundo ele, o jogo teria que ter resetado e começado novamente, mas isso não aconteceu…

—  E isso é ruim?

—  Não sei ao certo, eu nunca vi isso acontecer. As jogadoras que costumavam aparecer jogavam rota por rota, e quando acabava, só saíam.

—  E… e como elas saíam?

—  Ora, disso você já sabe. Finalizando todas as rotas. —  droga! Ochako queria saber se havia outro jeito de sair que não esse.

Mas ao que tudo indica, o conhecimento do Todoroki, por mais que seja um pouco maior que os dos outros pretendentes, também é limitado. Ele sabe que é um jogo, e aparentemente para por aí.

Por isso, Ochako pergunta só por desencargo de consciência, mesmo que já espere a negativa:

—  E você não… sabe quem criou esse jogo?

—  Não há nenhuma ramificação da história em que eu descubro isso, não.

—  Entendo… —  mesmo que já esperasse, Ochako não contém a decepção.

—  E por que isso é importante?

—  Hum?

—  Por que precisa saber disso?

—  Ué, porque… porque se eu souber quem criou o jogo, talvez possa saber como viemos parar aqui, e como podemos sair.

—  Mas por quê?

—  Por que o quê?

—  Por que você quer sair?

Essa é a pergunta mais inesperada vindo dele, e olha que essa conversa toda já é um tanto inesperada.

—  Porque… porque meu lugar não é aqui. Eu tenho meu… eu tenho meu mundo pra voltar… senpai.

—  Sempre achei que as jogadoras entravam aqui para esquecer seu mundo e os problemas dele. —  ele observa.

—  Talvez seja assim pra elas, mas… eu entrei aqui por acaso, e… não é o meu lugar.

—  Só porque você joga de um jeito estranho? E daí? —  ele pergunta como se ela estivesse falando uma enorme besteira.

—  Hã… não, porque eu… eu tenho uma vida fora daqui. Eu tenho a escola, minha família, meus amigos, minha individualidade…

—  Mas você tem tudo isso aqui também.

—  Mas não é… não é a minha família de verdade, não são meus amigos e… não, eu não tenho minha individualidade aqui.

—  Sua… o que é uma individualidade?

—  É um poder, uma… habilidade que todo mundo tem no meu mundo. Quer dizer, não é a mesma habilidade pra todo mundo, cada um tem a sua, por isso é uma individualidade. Esse jogo não tem nada disso, e eu… eu sinto falta, não só da individualidade. —  ela acrescenta baixinho.

—  Entendi. —  ele responde, aparentemente analisando o que ela disse.

—  Então… só pra deixar bem claro: você sabe que isso é um jogo, sabe quem eu e o Bakugou-kun somos, e sabe o que pode ou não acontecer nesse jogo, certo?

—  Eu saberia se o jogo estivesse se desenrolando como costuma desenrolar, mas está tudo diferente do que eu lembro, e isso é por sua causa.

—  Aargh, você parece o Bakugou-kun falando! —  ela leva a mão ao rosto —  Olha só, eu não sei jogar esses joguinhos de romance, ok? E vocês são… vocês se parecem com algumas pessoas na minha vida, e eu não… eu não consigo não tratar vocês como não trataria essas pessoas.

—  Ok. —  ele dá de ombros —  Não é uma crítica ao seu jeito de jogar, eu só não entendo porque você não se apaixona.

—  O quê?

—  Você não se apaixonou, não é? Em nenhuma dessas rotas, você não se apaixonou por nenhum deles.

Oh, isso é… um apontamento muito preciso. Realmente lhe lembra do Todoroki do mundo original, que parece nunca estar dando muita atenção para nada ao seu redor, mas que, vez ou outra, fazia um comentário ou observação surpreendentemente correto. Se ele estava prestando atenção desde sempre ou se só dava um palpite muito sortudo, Ochako nunca soube ao certo.

—  Isso é… não, não me apaixonei. Eu… eu acho que me senti um pouco… hã… atraída pelo Monoma-kun, mas... 

—  Atrair-se é natural, somos atraentes mesmo. —  ele diz, claramente não se gabando, apenas apontando o que é óbvio —  Mas se apaixonar é bem diferente.

—  Acho que sim… —  ela concorda suavemente, ainda tentando processar toda essa conversa —  Bom, então… isso não é um bad ending.

—  Não.

—  Então sua rota ainda está acontecendo.

—  Sim.

Então… como proceder a partir daqui? Se ele sabe que isso tudo é um jogo, se sabe que ela tem que fazer escolhas que o agrade, Ochako precisa mesmo se esforçar para agradá-lo? Ele vai saber que é tudo apenas estratégia para pegar o good ending, então nada do que ela diz ou faz deve soar verdadeiro pra ele. Se é assim… essa rota meio que já… acabou? Ou tem algo a mais que ela não está percebendo?

—  Hã… senpai. Posso perguntar por que você decidiu me contar que sabe do jogo?

—  Hum… —  ele parece pensativo, como se precisasse de convencimento para abrir o bico.

—  É que você disse que talvez tenha se precipitado me contando, parece que é algo que você não tinha planejado fazer, não é… algo que você fez pra outras jogadoras, tô certa?

—  Sim, você é a primeira para quem revelo.

—  E por quê?

—  O garoto que está com você, o Bakugou. —  ele responde.

—  O que tem ele?

—  Ele parece ser um jogador experiente. —  ela estava tentando, mas olhando pra trás, Ochako quase nunca fez o que o loiro recomendou. Em parte, dá pra entender a frustração do Bakugou com ela, mas é só em parte mesmo, pois a garota está aliviada por não ter sido boba de seguir à risca tudo o que o rapaz que vinha mentindo para ela disse —  Foi por isso que o chamei para ajudar no clube, queria ficar de olho nele e pude perceber todas as vezes em que ele interferiu para te manter no caminho, como naquela briga com o pretendente Midoriya.

—  Ah… nem me lembre daquilo. —  ela revira os olhos, lembrando-se do quanto aquilo foi horrível e desconfortável em muitos níveis —  Sim, o Bakugou-kun tem costume com esse tipo de jogo. Não com pretendentes masculinos, segundo ele.

—  Entendo. Bom, por isso achei melhor te contar, o garoto iria acabar percebendo que eu sei e ia te falar, não vejo o que nós ganharíamos fingindo não saber quem somos de verdade.

—  Eu… agradeço pela honestidade. —  ela diz baixinho, omitindo a informação de que sim, o Bakugou já havia lhe alertado sobre o Todoroki ter consciência do jogo. Ochako ainda não quer dar o braço a torcer.

—  Não há de quê. —  ele assente —  Bom, então…

—  Então?

—  Vamos voltar aos exercícios, ainda temos mais um tempo. —  ele se levanta de repente.

—  O… o quê? —  Ochako arregala os olhos, não sabendo exatamente o que estava esperando dele, mas sabendo que com certeza não era isso —  N-nós ainda vamos… ensaiar?

—  Nós temos uma peça para apresentar no Festival Cultural, caso tenha se esquecido.

—  M-mas… isso ainda vai… isso… a gente… qual o sentido se você já sabe de tudo?!

—  Eu é que pergunto qual o sentido do que você acaba de perguntar. A rota não acabou, você já não tinha entendido?

—  S-sim, mas… se você já sabe que eu… qual o propósito de eu tentar te… de eu me aproximar de você se você já sabe que é só pelo jogo?

—  Realmente, nenhum. Mas isso não quer dizer que ainda não temos uma peça para apresentarmos. Eu sou o presidente do clube, tenho um compromisso a zelar, você como membro dele também. Isso não muda.

—  M-mas então… qual o… o objetivo da rota? É só a peça?

—  Óbvio que não, o objetivo é fazer eu me apaixonar por você, como foi em todas as outras rotas.

—  Mas você… você não vai… não se você já sabe que eu não…

—  Quem disse que não vou?  —  isso a deixa corada —  Bom, como suas escolhas imprevisíveis afetaram o andamento do jogo, é verdade que eu já não tenho certeza que o objetivo é exatamente esse. Então… —  ele faz um movimento rápido, soltando a folha em sua mão e se aproximando dela.

No segundo seguinte, Ochako está sentindo um par de dedos segurando seu queixo, forçando levemente sua cabeça para cima, a fim de que olhe para ele, não que ela fosse conseguir não olhar, ele é… ele tem o rosto do Todoroki, afinal de contas. 

É bem verdade que a garota demorou muito tempo para se render à tão falada beleza do garoto híbrido em seu mundo original. Quando a Mina e a Tooru falavam dele em total fascínio, Ochako até conseguia entender, mas não chegava a sentir o mesmo. Vai ver tinha a ver com ter uma certa proximidade dele, mesmo que não fosse muita, o Todoroki sempre se sentou com ela, a Tsu, o Iida e o Deku na hora do almoço, então ela meio que sempre esteve acostumada com a presença dele, por mais que o garoto não fizesse muita questão de se mostrar presente ou puxasse muito assunto, tê-lo em sua rotina talvez tenha diminuído qualquer encanto que ela pudesse sentir.

Isso até aquele jogo da garrafa no aniversário da Mina nos dormitórios. No momento em que a garrafa que ele girou parou nela, Ochako o olhou e pareceu ver diante de si tudo aquilo que as meninas sempre falavam. Dar-se conta de que estava para beijar um menino tão bonito com certeza a fez perceber o quão bonito ele realmente era.

E olhando esse garoto idêntico a ele, assim tão perto de seu rosto, causa o mesmo efeito. A respiração dela, nesse momento, é o ar que sai da boca dele, e por mais que não entenda o porquê, seu corpo reage ao toque com antecipação e curiosidade, não com repulsa, como seria de se esperar.

—  S-senpai… —  ela leva a mão ao pulso dele, sua intenção é afastá-lo, mas Ochako fica apenas segurando-o.

—  Será que não é você que precisa se apaixonar por mim? —  agora ele parece estar estudando o rosto dela.

—  C-como é?

—  Eu não sei o que vai acontecer, você já bagunçou tudo, faria sentido que eu te mostre como limpar sua bagunça. —  o rosto dele se aproxima um pouco, e mais um pouco, e Ochako sente que seu coração vai pular pela garganta —  Mas é só uma hipótese. —  até que ele solta o rosto dela e se afasta —  Chega de brincar, vamos voltar aos exercícios.

Ochako apontaria que quem começou a “brincar” foi ele, isso se ela sequer conseguisse falar qualquer coisa.

 

***

A biblioteca está silenciosa e iluminada pelo sol como sempre, Ochako não vem aqui há um bom tempo, mesmo que seja o lugar mais tranquilo, onde quase nunca encontra algum pretendente ou NPC, é onde ela poderia ficar em paz por um tempo… só que aí ela descobriu que é a “casa” do Bakugou, e agora não é mais confortável estar ali.

Porém, é necessário.

—  Eu preciso de ajuda. —  ela assume, as palavras saem quase mordidas —  Não tenho ideia do que vou fazer com o Todoroki.


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Notas finais do capítulo

Huahsuhsuh preciso falar de novo que não assisti Wanda Vision e provavelmente nem vou, mas sinto que já sei tudo que rola na série de tanto vocês comentarem sobre isso aqui jksjjsk
Ah, esqueci de falar umas coisinhas sobre o Monoma nas notas que fecham a rota dele! Vou falar aqui: além do Castiel de Amor Doce, ele também é vagamente inspirado no Jiwoo do jogo Dandelion. Ambos são loiros, espertos e se orgulham de serem tsundere (lembrando que "tsundere" é a junção de "tsuntsun" que significa "brusco/frio" e "deredere" que é tornar-se amável, e é exatamente o que esse tipo de personagem é hhasjhjs)
Além disso, a fala dele pra Uraraka sobre fechar os olhos e se lembrar dela debaixo da árvore é uma paráfrase do que o Jirou fala pra Nanami no anime/mangá Kamisama Hajimemashita, deixo esse shoujão aí de recomendação pra quem curte, é um dos meus favoritos.
É isso por hoje. Beijos e boa semana!



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