Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 3
Tutorial




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Ochako não quer dar o braço a torcer, a verdade é essa.

Porque o que o Bakugou disse faz todo o sentido do mundo, é lógico que foi isso que aconteceu: eles entraram no mundo onde se passa esse tal de “Pretty Guys Gakuen”. Isso explica toda a ambientação esquisita, o fato de boa parte das pessoas não terem um rosto muito definido, porque os poucos conhecidos que encontrou estavam em classes diferentes e agindo de maneira diferente. Quando eles vieram parar aqui? Quando a estante caiu, ela se lembra de um clarão estranho e então, de estar em uma casa que com certeza não é a sua. Sim, é claro que é isso.

Mas saber disso tudo não a deixa menos irritada com o Bakugou, afinal, se isso aconteceu, é por culpa dele e de seu egoísmo. E verdade seja dita, Ochako meio que já tinha percebido que se tratava de outro mundo e que vieram parar aqui a partir do momento em que a TV caiu sobre eles. O loiro surgir do nada como o salvador da pátria que porta todas as respostas e não as ter de fato só a deixa irritada e com zero vontade de admitir que ele tem razão sobre algumas coisas.

—  Ok, Bakugou-kun, supondo que a gente esteja mesmo no universo desse jogo… como isso é possível?

—  É uma individualidade, porra.

—  Sim, mas de quem?

— É o que eu quero descobrir. —  ele fecha o punho — Se eu pegar esse desgraçado, ele vai se ver comigo!

—  Ok, mas pra isso a gente vai ter que sair daqui, você não pensou nisso? —  ela pergunta meio que por curiosidade, meio pra desafiá-lo. Olhos vermelhos brilham de modo ferino contra a luz alaranjada do pôr-do-sol.

—  Tsk, você acha que eu sou burro? —  ele revida — Eu li essa porra de encarte uma caralhada de vezes. —  ele aponta para a capa do jogo, ela o abre, encontrando um livretinho cheio de imagens e textos.

“Este garoto de cabelo vermelho é cheio de energia e entusiasmo. Está no clube de futebol e é seu vizinho. Age como alguém despreocupado e tem grande senso de humor, mas seu coração é repleto de incertezas e arrependimentos. Você s    e mudou para perto da casa dele no fim do fundamental e vocês se tornaram grandes amigos, ele tem uma profundo carinho e necessidade de te proteger.”

Ela vai folheando e lendo as descrições dos personagens bem por cima, sem entender em como isso ajuda, exatamente.

—  E o que que tem?

—  Você é burra ou o quê? Não entendeu que tem que-

—  O-chan?! —  uma voz masculina chama em um misto de determinação e surpresa. Ao se virar, ela se depara com o que se trata do Kirishima desse mundo bizarro. Ele a encara, segurando a maleta da escola por cima do ombro e, ao notar o Bakugou, fecha a cara como se estivesse tentando intimidá-lo —  O que você tá fazendo, O-chan?

—  Hum? Eu, hã… indo pra casa?

—  Por que não me esperou? A gente sempre vai embora junto, é mais seguro assim. Você pode acabar encontrando gente que não presta pelo caminho. —  ele está falando com ela, mas olhando para o Bakugou, que o olha também, numa expressão que transita entre o deboche e a irritação, ela acha — Esse cara tá te incomodando?

—  Não, não. —  não é completamente verdade, o Bakugou lhe incomoda, sim. Mas ela sente que vai causar encrenca se disser qualquer coisa além de “não” —  o Bakugou-kun só queria que… hã… que eu falasse o que teve de matéria hoje na escola. Não é isso, Bakugou-kun?

—  Tsk, que seja. —  ele dá de ombros, ignorando o olhar incisivo dela —  Tá olhando o quê, Cabelo de Ouriço?

—  “Cabelo de Ouriço?” —  o Kirishima parece meio encabulado, até ficar bem irritado e avançar na direção dele, mas Ochako intervém e bloqueia a passagem do ruivo —  Dá licença, O-chan.

—  Kiri- Ei-kun, deixa ele pra lá. V-vai indo na frente, eu já tava terminando de falar com ele e logo te encontro, ok?

—  A gente já terminou, Cara de Lua. —  ela se vira pra ele. surpresa.

—  O-o quê? Não, mas você… eu não terminei de te falar da matéria.

—  Foda-se isso. Vaza daqui. —  ele resmunga. O que… o que tá acontecendo? O Bakugou ia explicar alguma coisa importante antes de o Kirishima aparecer, então por que está dispensando-a agora? —  Amanhã você me passa o resto. — ele diz, dando uma olhada na capa do jogo. Oh, é um sinal.

—  T-tá bom. —  ela diz relutantemente, incerta se entendeu direito. Ochako mal termina de falar quando sente sua mão sendo puxada pelo Kirishima.

—  Vem, O-chan. —  o tom dele é mais suave, mas o olhar se mantém assertivamente fixo no Bakugou. Ochako o acompanha, ainda meio confusa, mas mais tranquila pois, ao que tudo indica, entendeu o sinal do loiro corretamente, já que ele apenas se afasta e anda na direção contrária —  O que aquele maluco te disse?

—  Hã?

—  Ele disse ou fez alguma coisa estranha?

—  Não, ué. Ele só… me perguntou da matéria, e eu falei. —  ela mente, não entendendo porque ele não está acreditando em sua mentira.

—  Certeza?

—  Sim, ué.

Ele suspira.

—  Ok… é que esse moleque é problema, e você… você é meio inocente, tem que tomar cuidado, viu? Não pode ir confiando em qualquer um, ainda mais em homem! Todos os caras são coiotes! —  ele declara com muita certeza.

—  Coiotes?

—  É, bichos sorrateiros que tão sempre prontos pra “Nhaum!” —  ele tá tão sério, como se isso fosse um argumento científico, e Ochako se segura pra não rir —  Todo cara é assim!

—  Você é um cara, Ei-kun…

—  S-sim, mas eu… eu sou diferente, eu me controlo… porque tenho que te proteger! —  hã? Por que isso soa familiar? Ela pisca, tentando se lembrar de algo e falhando ao sentir a mão dele se apertando contra a sua. Só agora que ela se deu conta de que está andando de mãos dadas com alguém que lembra vagamente o Kirishima e isso é tão… esquisito. 

Ochako sente suas bochechas esquentarem, e então fica surpresa ao dar de cara com as costas dele, pois o rapaz parou de andar e se vira lentamente para ela. Ao encará-lo, ela vê que o rosto dele está muito vermelho. 

—  Tá… tá tudo bem?

—  S-sim, eu só… —  ele olha para suas mãos entrelaçadas, e as ergue, ainda unidas. O gesto faz com que a mão dela fique bem próxima da boca dele —  ...fico preocupado com você.

—  É, ok… —  ela responde, toda sem graça, desvencilhando-se da mão dele —  Agradeço, mas fica tranquilo, Ei-kun! Pode confiar em mim! — Ochako sorri, erguendo o punho da mesma maneira que o Kirishima em seu mundo faz quando está determinado. Esse Kirishima aqui a olha, meio abobalhado, mas acaba por sorrir.

—  Tá bom… —  sua voz soa estranha, e ele coça a cabeça antes de jogar a maleta por cima do ombro novamente e voltar a andar —  Você tá diferente, O-chan.

—  Eu tô? Hahaha. —  ela ri nervosamente, não sabendo se tem algum problema ou não o garoto perceber que essa não é a “O-chan” com quem ele deve estar acostumado como vizinha e amiga, então tenta disfarçar, por ora —  Vai ver é só impressão sua!

—  É, vai ver é sim… —  ele concorda fracamente —  Mas só pra você saber, é um “diferente” bom, viu? —  e dá um sorriso enorme que, por qualquer motivo, faz seu coração falhar uma batida.

 

***

Ok, por mais bizarro que tudo isso seja, Ochako há de admitir que acordar com café da manhã pronto não é nada ruim. E essas pessoas nessa casa realmente são muito parecidas com seus pais, chega a ser assustador e… reconfortante. Ela sente tantas saudades deles, de poder se sentar à mesa assim e ter uma refeição com ambos sem grandes preocupações, mas não se permite sentir muito à vontade nesse cenário, pois um: não são seus pais de verdade. Dois: ela tem, sim, grandes preocupações.

A maior delas é sair desse mundo estranho onde o céu parece estar sempre iluminado demais, chega até a incomodá-la um pouco. Ochako leu o encarte do jogo “Pretty Guys Gakuen” até de trás pra frente a fim de encontrar a resposta, mas ou ela não tem GLASSa capacidade cognitiva necessária, ou esse livreto é inútil, porque não há nada nele além de nomes de personagens e suas descrições, além do garoto ruivo, há também informações sobre um loiro sádico que é repórter no jornal da escola, um garoto de cabelos castanhos tímido que é tesoureiro no Conselho Estudantil, uma menina de cabelos pretos fria e rígida a princípio, e um rapaz de cabelos brancos presidente do clube de teatro,.

“Esse aqui de cabelo branco lembra o Todoroki-kun, não acha?” ela se lembra da Toru comentando e… realmente, parece um pouco, pelo menos na fisionomia inexpressiva e no corte de cabelo. 

E o tal de Masuda lembra o Kirishima, não tanto na aparência, os do personagem não são estilizados para cima como os de seu colega, mas a descrição bate bastante: vizinho, entusiasmado e engraçado, quer proteger… a lembrança do dia anterior a faz corar um pouco.

Ochako balança a cabeça, nada disso faz sentido e ela precisa se manter focada. Ok, então esses personagens têm seu equivalente nesse mundo, mas saber disso não ajuda em nada e com certeza não a tira daqui como mágica. O Bakugou entregou a capa do jogo como se todas as respostas estivessem ali, mas não estão, e não ajuda que ele não quis falar nada ontem, praticamente empurrando-a pra ir embora com o Kirishima, o que diabos foi aquilo?

É o que ela quer perguntar assim que chega ao colégio Sentaku, a morena escaneia os arredores procurando por um certo loiro, encontrando-o próximo aos bebedouros no pátio e indo até ele prontamente. Bakugou parece desconfiado, olhando para todos os lados até fixar sua atenção nela.

—  O que foi aquilo ontem? Você deveria ter me explicado o que queria! Quanto antes eu souber, mais rápido a gente pode dar um jeito de sair daqui!

—  Tsk, você não entendeu ainda, Cara de Lua? Não faz diferença!

—  Como assim?

Ele dá um suspiro e revira os olhos, como se toda a inconveniência do mundo tivesse se manifestado nessa pergunta dela.

—  Você leu a porcaria que eu te dei ontem ou nem isso?

—  Sim, eu li! —  ela cruza os braços, assumindo uma postura agressiva se é assim que ele vai agir, e segurando o livretinho com firmeza —  E não vejo o porquê de você dar tanta importância pra isso, se não-

Outro longo e exasperado suspiro, e ele arranca o encarte da mão dela.

—  Essa é você. —  ele aponta para a personagem de cabelos compridos cor de mel, na descrição, pode ser lida 

“Protagonista: gentil e um pouco atrapalhada. além de muito curiosa e sempre disposta a ajudar quem precisa. Está no clube de teatro como parte da equipe de cenografia, mas logo descobre um grande talento para atuação. Tem muitas inseguranças e dúvidas, mas graças a seus amigos, sempre pode superá-las!”

—  Hã… não sou, não. —  é tudo o que Ochako diz, franzindo as sobrancelhas, mas então ela se recorda do prólogo do jogo e da protagonista comendo torrada enquanto corria para a escola e sofrendo um acidente na escadaria que dá para as salas de aula e… é, o Bakugou tem razão —  Ok, considerando que eu fosse… isso não quer dizer nada.

—  Bota essa cabeçona redonda pra funcionar: a gente tá no mundo da porra de um joguinho de namoro, você é a protagonista do jogo, o que você acha que tem que fazer aqui?

Silêncio, e eles se encaram.

—  Bakugou-kun, isso é ridículo! Você… você tá sugerindo que eu… que eu… —  sua irritação é substituída por vergonha, e ela não é capaz de dar voz ao que está pensando —  Eu não vou fazer isso, deve ter outro jeito. Isso aqui é uma cidade, não é? Deve ter como sair e…

—  Não tem.

—  Como você sabe?

—  Diferente de você, eu faço algo que preste. —  ele rebate — Fui pesquisar, essa porra não tem rodoviária, trem, nem aeroporto.  Ela só… acaba em algum lugar.

—  Acaba? 

—  É. —  Bakugou confirma —  Então não, Cara de Lua, não dá pra pegar um busão e vazar, até porque isso é uma cidade inventada, não dá pra lugar nenhum. É um jogo, só dá pra acabar o jogo zerando.

—  M-mas… eu não… eu não quero… eu não quero namorar nenhuma dessas pessoas!

—  Problema seu. —  ele cruza os braços —  Entendeu agora como é culpa sua a gente estar nessa? Se você só tivesse metido o pé como eu mandei, a gente não taria aqui.

—  Ugh, você quer parar? —  ela revida — Isso é tanto culpa minha quanto sua. Você queria jogar sozinho, você me deixou tão irritada que eu tive que brigar com você, e ao invés de me ajudar pra que a gente possa sair daqui, você não apareceu nessa escola esquisita, sumiu o dia todo ontem e surgiu me acusando! —  ele parece levemente surpreso por ela responder com tanta fúria, mas é só por um segundo, logo fecha a cara de novo.

—  Eu não sumi porra nenhuma. —  ela fica indignada por ser justamente nisso que ele foca, e o encara, pensando se vale a pena se estressar com ele diante do problemão em que eles estão. Respirando fundo, ela estende a mão para que ele lhe devolva o encarte.

Ochako o folheia mais uma vez, não querendo acreditar que é isso mesmo. O Bakugou estava certo antes, seria difícil não estar certo nisso também. Ela relê a descrição da protagonista e se lembra da interação com o Kirishima ontem… realmente pareceu algo saído dos jogos que a Mina e a Toru gostam tanto.

—  E se eu resolver tentar zerar esse jogo e a gente ainda não sair?

—  A gente vai dar outro jeito, vâmo achar quem fez isso e quebrar a cara dele até conseguir sair. —  soa como um plano horrível — Mas por enquanto, vai dando moral pra esse povo e vê se não faz nada que deixe eles putos. Ontem você quase irritou o Cabelo de Ouriço, sua idiota, tem que dar as respostas certas, aquele idiota que era pra ser o Kirishima queria que você fosse embora com ele, não percebeu? Fica esperta, se não dá bad ending!

Os bad endings… as meninas falavam muito sobre eles. Todos terminam, evidentemente, muito mal para as protagonistas desses jogos ou para os rapazes por quem elas se interessam. Alguns são tristes, outros são bastante sinistros, e todos são basicamente trágicos. Ochako sabe disso depois de ver as amigas jogarem tanto. Mas…

—  Como você sabe disso? —  ela pergunta.

—  Disso o quê?

—  Bad endings, e… como você sabe que o certo seria eu ir com o Kirishima-kun?

—  Tsk, porque personagens assim são óbvios. É um idiota carente metido a machão que quer que a protagonista se apoie nele ou alguma merda assim. —  ele vai falando com cada vez mais certeza, percebendo só depois o sorriso debochado que ela vai abrindo — Que foi, porra?

—  Bakugou-kun, você parece entender muito desses joguinhos… —  e sua insinuação se torna uma constatação — Você… é você quem joga os dating sims pra garotos!

—  Quê?

—  Os meninos achavam que era o Kaminari-kun, mas é você! —  e ela vai percebendo mais, arregalando os olhos e apontando pra ele —  Por isso você joga escondido e sozinho de madrugada! 

—  Tsk, cala a boca, Uraraka! —  ele vocifera, o rosto todo vermelho —  V-vai se foder, isso não é da sua conta! —  e isso a faz rir, não por ele jogar essas coisas, mas pelo desespero em esconder… ok, mentira, é engraçado imaginá-lo jogando essas coisas, sim.

Mesmo morrendo de curiosidade para descobrir o que ele acha desses jogos, ela não pode perguntar mais nada, pois o sinal toca e as pessoas sem rosto começam a entrar no colégio. A visão lhe causa arrepios de tão bizarra, mas suspirando, Ochako ajeita seu uniforme.

—  Vamos?

—  Vai logo.

—  Ué, mas você não vai pra aula?

—  Vai. Logo. —  ele a segura pelos ombros e a empurra na direção da entrada. Ochako o olha feio, mas o Bakugou já lhe deu as costas e está se afastando. Grosso.

Lá vai ela pelos corredores, observando o folheto e notando como algumas partes da escola aparecem nele, selando o que ela já sabe sobre realmente estar em um jogo numa cidade sem nome. Ela franze o cenho ao notar que algumas coisas estão diferentes: há as descrições de duas outras garotas que seriam as melhores amigas da protagonista, mas Ochako não conheceu nenhuma menina além do que seria a Tsu… e tem também essa personagem de cabelos cor de rosa, a estudante que sempre está à disposição para tirar suas dúvidas sobre o jogo.

—  Otoge Sakura… —  ela lê o nome baixinho.

—  Chamou? —  e uma garota de marias-chiquinha cor de rosa surge atrás dela na escada, fazendo-a dar um gritinho de susto —  Epa, cuidado pra não cair! — ela a segura pelo ombro e sorri — Como você está?

—  Hã… bem, e você?

—  Ótima! Você precisa de mim?

—  N-não, eu… —  então, Ochako se dá conta: essa personagem existe justamente para ajudá-la —  Eu… eu, hã… o que eu tenho que fazer aqui?

—  Ora, é bem simples! —  ela sorri e a puxa pelo braço, subindo as escadas com ela em direção à aula —  Você vai conhecer algumas pessoas nessa escola, e suas respostas ao que elas dizem ou fazem aumentam ou diminuem o nível da sua relação com elas. Sempre que quiser saber como está o seu nível, é só olhar no seu celular.

—  Mas eu não tenho um celular. —  Ochako aponta, lembrando-se de não ter visto nenhum desde que “acordou” aqui.

—  Agora tem. —  ela lhe entrega um smartphone cor de rosa —  Sempre que quiser checar, é só me mandar uma mensagem, e eu te mostro as informações que tenho. Por exemplo… como você ainda não começou a jogar, seu status vai estar zerado, então não terei ninguém para te mostrar- —  ela para de falar, olhando para a tela do aparelho — você… já começou a jogar?

—  Comecei? —  Ochako não sabe, não até receber uma mensagem e verificar que há uma barrinha com uma imagem do que parece ser um Kirishima em miniatura logo abaixo, a barrinha aponta 15% de intimidade.

—  Como já está jogando se não passou pelo tutorial antes? —  a garota fica séria — Você sempre tem que fazer o tutorial antes do prólogo.

—  Eu não sei, eu… —  a personagem também tem olhos de um rosa intenso, que a observam fixamente, a ponto de deixá-la nervosa.

—  Bom, não importa! O que importa é viver um romance escolar inesquecível! —  mas logo ela volta a ostentar uma expressão empolgada e afinar a voz — É só conversar com quem vier falar com você. A resposta certa faz esse nível aumentar, a errada o faz diminuir. Quando você atingir uma certa porcentagem com um desses personagens, entrará em sua rota e poderá focar sua atenção exclusivamente no romance com ele. Mas cuidado, porque as respostas erradas terão consequências piores.

—  E se eu não quiser entrar na rota de ninguém?

—  Não entendi sua pergunta.

—  E se eu não quiser namorar ninguém?

A garota cai na risada de maneira descontrolada, Ochako chega até a olhar em volta pra ver se tem alguém achando tão estranho quanto ela, mas nenhum dos estudantes sem rosto sequer parece notá-las.

—  E por que você não iria querer namorar ninguém? —  ela pergunta depois de se acalmar — Cuidado pra não se atrasar pra aula! Tchauzinho, querida! —  e da mesma maneira como surgiu do nada, Otoge Sakura some na multidão de alunos sem rosto que se encaminham às aulas.

Ochako acaba por fazer o mesmo, ainda um pouco confusa e agora se sentindo um tanto mal, essa personagem que deveria ajudá-la foi… inútil, e o tal tutorial não poderia ter sido mais genérico, porém, faz sentido… é só outra personagem do jogo, completamente rasa e com um papel bem definido, ela não poderia ajudar uma protagonista que nem deveria estar exercendo essa função.

De todas as individualidades mais perigosas, de todas as situações inusitadas em que já se pegou depois de dois anos na U.A., essa é de longe a mais exaustiva mentalmente, se não porque mexe com algo que ela não sabe lidar: romance. Vilões, ataques, resgates, existem métodos para se lidar com isso. Mas romance? Não é pra ela, se a forma como reagiu à paixonite pelo Deku no primeiro ano é um indicativo.

Falando em Deku… ele é a primeira pessoa que ela vê quando sai para o intervalo. O garoto de cabelos esverdeados sorri e se aproxima dela no corredor.

—  O Todoroki-senpai entregou o formulário, muito obrigado, Uraraka-senpai!

—  Ah, que bom! —  Ochako se lembra de sua interação com o Todoroki esquisito desse mundo e sente um embrulho no estômago. Ele foi bruto, mas… não estava se sentindo bem, foi preocupante, para dizer o mínimo —  E ele parecia bem quando você o viu?

—  Ah, acho que sim. Por que a pergunta? —  o Deku inclina a cabeça, sorrindo.

—  Nada demais… —  ele continua com a mesma expressão, e algo nisso a deixa desconcertada.

—  Você está se adaptando bem ao clube de teatro, senpai?

—  Hã? Ah sim… acho que sim. —  ela dá de ombros.

—  Se você estiver nervosa com algo ou… não sei, preocupada, pode me falar! Eu… eu não sou do clube, mas gostaria de te ouvir, e ficaria feliz se você se abrisse comigo.

—  S-sério? —  ela se sente acanhada, a voz é idêntica à do Deku, até as sardas estão ali.

—  Uhum. Não gostaria muito se você mentisse pra mim, senpai, gostaria que você fosse sempre honesta. —  ele sorri — E se sentir nervoso é normal, né? Eu às vezes não me sinto à vontade no Conselho Estudantil, até penso de onde veio coragem pra me inscrever na eleição, acho que foi melhor não ganhar, eu tô no primeiro ano! M-mas receber a confiança do Presidente e ser tesoureiro me deixa feliz! Eu não sou o melhor em matemática, mas estou me esforçando e- —  droga, ele até dispara a falar do jeito que o Deku que ela conhece faz, é muito difícil não achá-lo… encantador — senpai? — o garoto para de falar e a olha, curioso.

—  Sim?

—  Eu disse alguma coisa estranha? Você tá me olhando…

—  Ahh, é que eu… eu, hã… —  ela fica sem graça, mas se recusa a continuar achando que esse Deku é muito parecido com o seu melhor amigo Deku —  Só fiquei feliz de saber que você tá se esforçando! Continua assim! Plus Ultra!

—  “Plus Ultra”? —  ele parece pensativo, mas logo acena positivamente —  Gostei! Plus Ultra! Até mais, senpai!

—  Até… —  ela dá tchau, mas no minuto que o Deku se afasta,o sorriso dela se dilui.

Ochako puxa o celular e manda mensagem para Otoge Sakura, recebendo uma resposta pouco tempo depois: a barrinha do garoto de cabelos esverdeados cresceu, e ela tem 15% de intimidade com ele.

E, mais uma vez, ela não quer dar o braço a torcer, mas o Bakugou está certo: quem quer que os tenha colocado aqui não pode passar impune, é alguém muito cruel por inseri-la num ambiente em que pode ter cafés da manhã com seus pais e reviver sentimentos que já havia enterrado.

Ela precisa sair daqui.


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