Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 51
Ainda


Notas iniciais do capítulo

Demorei? MUITO.
ksksksks me sinto até culpada de ter demorado tanto assim, mas prometo que vou recompensar! (em algum momento)



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Noah volta. Senta-se, em silêncio e não consigo fazer nada além de olhar ele, o sofrimento estampado no rosto, rezando para que de alguma forma ele pare de fazer esse tipo de coisa antes que eu mesma decida afastar-me novamente. Minha mão chega até a nuca e curvo-me, apoiando os cotovelos nos joelhos, concentrando-me para não acabar fazendo nada imprudente.

Viro o rosto para o outro lado, tornando-me surda aos fatores externos. Escuto as batidas doloridas do meu coração maltratado. Ninguém vale tanto assim. Vem sendo uma relação tóxica da minha mente comigo mesma e preciso parar com isso antes que acabe piorando a níveis que não possa me recuperar.

Ao chegar minha vez subo ao palco sem ânimo algum. As notas soam vazias. Não há nada nelas, sinto faltar alguma coisa e Russel nota. Engulo o seco, tentando concentrar-me, porém meu peito dói demais e chego a me julgar estúpida por deixar que um coração partido interfira na minha música. Meus dedos tremem, sinto-me sem ar. Levam alguns segundos e já estou ofegante, suada e decepcionada.

Apoio o instrumento no pé e desvio o olhar para um ponto distante da sala, o olhar de todos queimando a pele, inclusive o de Russel analisando-me após acabar um soneto deprimente. Cruza os braços sobre o peito, sem tirar os olhos de mim.

—Próximo — diz alto.

Deixo o objeto de volta em seu local de origem. Estou cansada. De pé, no palco, com as costas levemente arqueadas, posso sentir meus dedos escapando, Noah deslizando na minha frente para uma escuridão sem fim. Sinto, mesmo que ainda goste dele, que desisti.

Desisto. Deixo que ele me vença pelo cansaço. Tocar minha música, estar ao meu lado, sorrir pra mim como se não houvesse uma parede de gelo espessa entre nós dois. Passo a mão pelo rosto, descendo as escadas do palco. Penso sobre essa corda segurando um Noah imaginário dentro de mim, prendendo um sentimento que já não é mais saudável. E ela rompe-se. Noah some.

Sento-me ao lado dele, encarando o vazio e querendo dormir mais um pouco.

—Você foi até bem pra uma iniciante.

A voz dele não me causa calafrios. Nem coração acelerado. Nem nada doendo.

—É. Tentei me esforçar — respondo baixo.

—Muito cansada?

—Eu tô. Se incomoda se a gente sair logo? Quero descansar.

—Ah... Tudo bem.

Apoio a mochila no ombro, mecanicamente andando com Noah logo atrás. Passo pelas cadeiras até o canto da sala, questionando-me se vou acabar tendo que repetir essa matéria. E se repetir? Bom, na verdade... Não tenho problema com isso. Venho me sentindo cansada demais para pensar sobre. O que vier, vou ter que aceitar. Se repetir essa matéria talvez repita a do Dixon também. Não me recordo inteiramente do trato sobre o que faria com a competição e a matéria dele. Nem mesmo lembro qual o prêmio para o primeiro lugar. Dinheiro, provavelmente. Sempre se trata dele.

Saímos da sala em silencio e Noah segura meu braço, aproveitando-se do caminho que eu tomar para ir junto comigo. Ergo a cabeça, respirando fundo e pensando se não deveria afastá-lo. Provavelmente.

—Não foi tão ruim — Noah me consola — De verdade.

—Eu sei. Tá na escolha do Russel agora, me aprovar ou não.

Não sinto dor. Sinto liberdade. Realmente desisti dele? Pensar sobre me dá um conforto maior no peito.

—Ei. Gostou da música que eu toquei?

—Foi boa — brinco — Imagino que tenha pedido permissão a compositora?

—Queria fazer uma surpresa.

—Me surpreendeu. Não esperava que conseguisse dominar a música escutando ela só uma vez.

—Tenho quase memória fotográfica pra música.

—Faz sentido.

O braço de Noah aperta o meu e aos poucos ele desacelera.

—O que foi?

—Lembra do pátio onde eu te pedi pra me ensinar piano?

Paro, a mão dele ainda tocando minha pele. Junto as sobrancelhas me questionando o que diabos Noah teria em mente.

—Sei. O que tem ele?

—Pode me levar lá?

—Ah... Tá bem. O que vai fazer lá?

—Não é nada muito importante.

Então por que está me pedindo pra te levar lá? Faço uma careta. Tomo algumas esquerdas e direitas nos corredores assim que voltamos a andar, caminhando devagar e desviando de outros corpos. Noah guarda seu bastão dobrando-o e pondo no bolso. Acompanha o meu passo. Parece tão natural ter ele ao meu lado.

—Seu cheiro é muito bom, sabia?

Semicerro os olhos.

—Meu cheiro? Ah, você já ficou me fungando antes.

Noah solta uma risada.

—Também não é pra tanto.

Passamos por uma coluna e o chão muda de concreto para as pedras cerradas do pátio. Levo Noah até a mesa no fundo, mais desocupada, bem onde as folhas das arvores caem em arcos bonitos provocados pelo vento. Tiro a mão dele do meu braço apoiando-a na mesa. Noah agradece e se senta enquanto eu apoio o quadril na mesma.

—Vai encontrar alguém aqui? — questiono.

—Não. Mas pode ficar aqui mais um pouco?

Teimoso, meu coração bate mais forte. Suspiro e passo a atenção para Noah. Ele está com o rosto deitado na superfície de pedra da mesa, como quando me aproximei dele pela primeira vez.

—Tudo bem —sento-me do outro lado, a mão dele a alguns centímetros de distância — Só quer relaxar?

Vejo o canto da boca dele se erguer.

—Tenho que te contar uma coisa, Elise.

Ordeno meu coração a se controlar. Maltratado demais, sem forças nem mesmo para alguns poucos segundos de esperança. Passo a mão pelo cabelo, deslizo a atenção das folhas secas no chão, da grama viva, do pátio inquieto. Escuto a brisa suave contra meu ouvido, o gélido frescor na nuca e imagino como meu mundo vai ser assim que superar Noah.

—Conte.

 —Sua apresentação na verdade foi horrível.

Solto uma risada baixa erguendo os olhos para o céu azul e límpido.

—Agora me diz uma coisa que eu não sei.

A risada dele ameniza.

—Eu tô apaixonado por você.

Sinto um tapa na cara e um tiro no coração. Dói, arde e faz sentir que cada batimento parece mais forte que o outro. Volto-me imediatamente para ele, questionando se não acabei escutando coisas.

—Você...

Noah arruma a postura. Senta-se reto, um sorriso no canto dos lábios. Sem os óculos escuros seus olhos baixos fitam-me sem me enxergar. De certa forma, ele parece conseguir sentir como devo estar. Sua expressão é afetuosa e me perturba mais do que algum dia já perturbou.

—Quero ficar com você, Elise.

Ofego, estagnada. O líquido quente no meu rosto desliza por toda a extensão da minha bochecha. O que é isso? Toco levemente o espaço abaixo dos olhos. Por que estou chorando? Por que minha garganta está tão fechada? Não consigo produzir um som sequer e sinto um repentino frio na espinha.

Ainda encarando Noah, sinto cada lágrima carregar um tipo diferente de dor sustentada a tanto tempo em minhas costas. Tenho quase certeza de que amor não deveria doer assim, não deveria envolver tanta paciência, não deveria... Não deveria ter me feito tão bem e tão mal. Deveria ser melhor. Deveria rejeitá-lo. Por que não consigo?

—Elise? Você tá bem?

Massageio o centro da testa, atordoada. Curvo-me na mesa e apoio o rosto nas mãos, os cotovelos firmes na superfície de pedra. Passo os olhos dela para Noah e de volta para ela, tentando entender como diabos meu peito está estourando fogos e doendo.

—Acho que sim — resmungo.

—Acha?

—É uma novidade e tanto.

A mão de Noah passa pela mesa, vasculhando. Está procurando a minha, talvez. Estendo-a na sua direção. Seu mindinho toca meu braço e logo a mão dele já segura a minha, levando-a na direção do rosto dele. Pisco, assistindo-o afetuosamente se inclinar na direção do meu toque, do beijo que deposita ali.

—Desculpe demorar tanto.

Não consigo tirar os olhos dele. Senti meu coração o deixando ir não mais do que alguns minutos atrás e aqui está, o de Noah me chamando de volta. Meu corpo lhe responde, batimentos acelerados, embrulho no estômago, olhos ardendo. Venho esperando isso, fantasiando, por anos. E mesmo acontecendo, me parece impossível.

Várias fatores passam pela minha cabeça, um emaranhado de questões das quais nenhuma consigo pronunciar. Estagnada, aprecio a sensação de tocar seu rosto tão livremente. A pele macia, a barba rala, o calor emanando de si. Passo a atenção pelos lábios pousados na minha palma, na ponta dos dedos tocando seu cabelo, dos olhos opacos dele me enxergando da sua própria maneira. Recordo-me do nascer do sol logo após a noite no jardim e o considero a criatura mais bonita que já vi na vida.

—Ainda está bem? — Noah questiona, o meio sorriso ainda se sustentando.

—É. Tô sim.

Apoio a mão livre em cima da mesa de concreto, criando uma boa base. Passo por cima da mesma até aproximar o rosto de Noah. Afago sua bochecha, descendo levemente até o polegar tocar seus lábios, os direcionando até mim.

—Elise.

—O quê? — encosto minha testa na sua, em expectativa.

—Ainda gosta de mim... Não é?

Inspiro fundo o cheiro de Noah. Essa é a melhor e pior espera em toda a minha existência.

—Vou te responder de outra maneira.

Me inclino até ele.


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